29 de out. de 2010

142) O ASNO E A CARGA DE SAL


“Um asno carregado de sal atravessava um rio. Um passo em falso e ei-lo dentro da água. O sal então derreteu e o asno se levantou mais leve. Ficou todo feliz. Um pouco depois, estando carregado de esponjas, às margens do mesmo rio, pensou que se caísse de novo ficaria mais leve e caiu de propósito nas águas. O que aconteceu? As esponjas ficaram encharcadas e, impossibilitado de se erguer, o asno morreu afogado. Moral: Algumas pessoas são vítimas de suas próprias artimanhas.” (Fábula de Esopo, século VI a.C.) ________________________________________________________

No próximo domingo vamos às urnas para decidir sobre a qualidade de nossas vidas para os próximos 4 anos. “Decisão” pode ser considerada um ato pessoal, posto ser fruto do que pensamos e consideramos como sendo a melhor escolha face a uma dada questão. Decidimos inúmeras vezes ao longo do dia e mesmo ao longo de toda a vida, procurando, é claro, a obtenção do melhor resultado possível. Assim é na hora de escolher a roupa que vamos usar naquele dia; o que vamos comer; o momento certo de atravessarmos a rua sem sermos atropelados; a carreira profissional que queremos seguir; o cônjuge com o qual partilharemos nossas vidas e até mesmo os líderes que vão, dentro da organização política do país, cuidar de nossos interesses.

Acima da decisão pessoal que, como o termo propriamente indica, é particular, temos a decisão difusa representada pela vontade do coletivo, do povo, da sociedade. É o somatório das vontades individuais formando uma vontade única. Democraticamente, aceitamos que essa vontade agregada, ou seja, a decisão da maioria, prevaleça sobre as nossas vontades individuais. Simples assim, só nos compete, como indivíduos, cuidar de que as nossas próprias vontades e suas conseqüentes decisões em matéria política sejam as melhores possíveis e, ao mesmo tempo, esperar que as dos demais cidadãos sejam igualmente frutos de reflexões maduras e isentas de espertezas. No mundo ideal é isso o que deveria prevalecer para todos os atos da vida social.

O pensador iluminista Voltaire em “Cândido, o Otimista”, seu clássico romance filosófico, trata brilhantemente do tema da ingenuidade em contraposição à esperteza e os reflexos disso na sociedade de sua época, o século XVII. De forma sarcástica, Voltaire leva Cândido a questionar a convicção que tinha de que vivia o melhor dos mundos possíveis. Seu mestre, o filósofo Pangloss, insistia em colar em sua cabeça a máxima de que tudo era para o melhor no melhor dos mundos possíveis "Tout est pour le mieux dans le meilleur des mondes possibles". Mas não era. Os espertos seguindo seus próprios objetivos adoram iludir os Cândidos da vida e, por meio de espertezas, vão seguindo tão longe quanto conseguirem, a menos, é claro, que os puros se conscientizem de suas ingenuidades.

A Política é, desde há muito, terreno fértil onde germina com incrivel exuberância as sementes da artimanha e do embuste. Os políticos, em geral, mentem em profusão com o propósito único e oculto de tão somente alcancar ou manter o poder de que já dispõem. Em lá estando, e usufruindo das benesses que a prerrogativa lhes confere, esquecem as promessas e traem nossas vãs e cândidas esperanças. Mas a culpa disso não é só dos que enganam. Na maioria das vezes, a culpa pode e deve ser atribuída também a quem se deixa enganar ao acreditar que fazendo tal ou qual escolha com base em tal ou qual benefício prometido e desejado se dará muito bem.

O que falta é termos consciência de que se a política cuida do coletivo então nossas decisões hão de considerar isso como mais importante do que o beneficio pessoal possível, pois aquele, no longo prazo e estruturalmente, prevalece sobre este. A nação deve ser vista pela ótica da plenitude e não do benefício pontual. O uso de artimanhas pode até nos dar alguma vantangem momentânea, mas, como na fábula de Esopo, pode nos tornar vitimas delas mesmas.

No próximo domingo quando clicarmos o botão verde do CONFIRMA da urna eletrônica, certamente deveremos nos lembrar da importância do nosso voto para a escolha do que seja o melhor para o Brasil. Que cada um vote com independência em quem julga ser o melhor para conduzir os destinos da pátria. O importante, é que, acima de todas as artimanhas eleitoreiras injetadas em nossas cândidas cabeças, tenhamos discernimento para a prática do voto consciente.

Clique _ _, veja a foto e confirme pressionando a tecla verde...

Edson Pinto
Outubro’2010

21 de out. de 2010

141) O RESGATE DOS MINEIROS

Perceberam que Lula anda um tanto quanto sumidinho da mídia? Durante a campanha eleitoral do primeiro turno ele esteve verdadeiramente endiabrado. Bastava alguém colocar um tijolo à sua frente e ele subia, serelepe, para mais um discurso. Assacou tantas obviedades, mentiras, meias verdades e verdades distorcidas que deu no que deu. Muita gente séria e, principalmente os institutos de pesquisas, garantem que boa parte dos votos que Dilma perdeu na reta final do primeiro turno deveu-se ao périplo mambembe de Lula. Ele se achava acima de tudo e de todos. Verdadeiro “rei da cocada preta”, convicto, mais do que nunca, de que a sua alta popularidade levaria Dilma diretamente para o Palácio do Planalto já em 3 de outubro. Como ele sempre diz que é formado na escola da vida, agora - se for de fato um bom aluno - terá assimilado a mãe de todas as lições terrenas, a que nos mostra a humildade como sendo o melhor caminho para o sucesso.

Acontece, porém, meus amigos, que eu não acredito que Lula tenha desaparecido da mídia só porque Dilma Rousseff não levou a eleição no primeiro turno. Nana-nina-não! Raciocinem comigo! Na escola da vida ele até já se tornou doutor. Já havia perdido várias vezes em suas próprias campanhas. Não seria, portanto, razão suficiente para levá-lo a tomar chá de sumiço. Com a face amadeirada que tem, nada que um oleozinho de peroba não pudesse dar um jeito. Eu presumo e tenho quase certeza que a razão do sumiço de Lula deve-se a outra causa. É o que me faz especular a partir do próximo parágrafo.

O prólogo: O resgate dos mineiros chilenos passou a chamar a atenção do mundo. Foi uma ação de resgate das mais emocionantes de tantas quantas temos visto nesta época de comunicação tão farta e rápida. Sabe-se, agora, que mais de 1 bilhão de pessoas em dezenas de países assistiram, comovidas, ao salvamento de cada um daqueles 33 homens que ficaram por mais de 2 meses soterrados a 700 metros na mina do deserto de Atacama. Ao lado dos familiares e das equipes de resgate lá estava o presidente Sebastián Piñera que, a cada abraço em um mineiro saído da cápsula, a cada pronunciamento feito ou mesmo a cada grito “chi-chi-chi, le-le-le” via sua popularidade, mundo afora, subir que nem a Fênix 2, a cápsula do resgate. Lula - como bem sabemos - não tolera ver alguém ser mais amado do que ele. Naquelas circunstâncias, ao vivo e a cores, fora esse, para tristeza de Lula, o fato realmente inconteste. Ele que apoiara Ahmadinejad, Hugo Chaves, Fidel Castro, Rafael Correa, Evo Morales, Muamar Kadafi e diversos ditadores africanos como forma de se tornar mundialmente, universalmente e até mesmo “inter-galaxialmente” conhecido, não podia suportar o fato de 33 mineiros, afoitamente metidos naquele buraco de tatu, pudessem tornar Piñera mais popular do que ele.

Era preciso fazer algo: E nisso, Lula costuma ser muito bom. Planejou correr em paralelo aos acontecimentos do Chile para também pegar carona na atenção da mídia mundial. Precisava igualmente de um resgate a altura, e, por óbvio, tinha que ser o resgate de mineiros. Afinal, o mundo só estava interessado nisso. Já que Dilma curtia a enxaqueca do fracassado primeiro turno, agora era hora de surpreender. Lula, desta forma, vê semelhança entre o desabamento da mina chilena e o desabamento de projeto petista de primeiro turno. Começa a articular o resgate de Dilma e de outros coligados para o segundo turno. Ela, Dilma, sairia de uma cápsula bem mais bonita e confortável do que aquela usada em Copiapó, emergindo soberana, em 31 de outubro próximo, com óculos escuros e o sorriso sincero fabricado e imposto por seus marqueteiros. Na boca do túnel, Lula abraçaria Dilma enquanto sua imagem imperial iria aos quatro cantos do Universo para seu jubilo, vaidade e honra.

Predica e pratica: Era necessário, contudo, testar o resgate de Dilma antes que a mídia mundial fosse chamada para dar cobertura à façanha de Lula. Nada poderia sair errado, senão viria Serra novamente com aquele ditado “predica, mas não pratica”. Ou ele, através de sua alma gêmea, Dilma Rousseff, vencia o segundo turno ou ele nunca mais chegaria a lugar algum, exceto, é claro, à São Bernardo do Campo. José Dirceu, ainda na moita, cuidou da encomenda, dizem, superfaturada, da cápsula “Super Fênix 1000”. Teve que ser refeita algumas vezes, pois Dilma não parava de engordar. A última versão mais parecia um tonel arcado.

O desfecho: Agora vocês já devem estar perguntando o porquê desse projeto não ter dado certo, ainda... Explico: Baixada a cápsula sob olhares ansiosos da cúpula do PT, do ministério inteiro, dos filhos da Erenice Guerra e do próprio Lula, entre outros, a emoção transbordava em abundância. Infelizmente, pelo menos até agora, não deu certo. Especula-se sobre o porquê. Por motivos ainda não bem esclarecidos a cápsula “Super Fênix 1000” trouxe à superfície o primeiro mineiro e ele não era Dilma. Mandou subir o segundo mineiro e esse, também, não era Dilma. Antes que viesse outro mineiro, mesmo com possibilidade de ser a própria Dilma, Lula decidiu adiar o projeto.

O epílogo: Deprimido e desconsolado Lula teve que abraçar o primeiro mineiro a sair da cápsula, Aécio Neves. Em seguida abraçou o outro mineiro, Itamar Franco. Mesmo com chances de que o próximo a emergir pudesse ser a mineira Dilma Rousseff, isso já era demais para Lula. Pensou melhor e assim, ferido pela traição do povo, mandou lacrar a boca do poço. Foi aí que, junto com a cúpula petista, bolou a história da bolinha de papel na careca do Serra.

Edson Pinto
Outubro’2010

15 de out. de 2010

140) EMOÇÃO E STREET VIEW




Emoção é vocábulo que todos nós conhecemos muito bem. Pode ser definida como uma forte reação de nosso espírito às situações inesperadas. Tem o poder de suscitar-nos a raiva, a tristeza ou mesmo a alegria. Poetas ao longo dos tempos fazem da emoção a matéria prima de suas obras. Pode vir em graus variados, de mornas a intensas, mas são sempre emoções. Fernando Pessoa, do alto de sua maestria literária, considerava uma grande emoção como sendo essencialmente egoísta, pois, como disse, “absorve em si mesma todo o sangue do espírito”. É, portanto, nesse devaneio, nessa quimera, nessa fantasia que movemos a vida à procura do tudo ou à procura do nada. É com emoções intensas, mesmo que demasiadamente egoístas, que movemos as nossas vidas e até mesmo o mundo.

Por outro lado, “street view”, esse estrangeirismo, como muitos outros desse mundo moderno, chega de súbito em nossas vidas e, pelas vias da modernidade, traz em si o enorme potencial de provocar emoções. Não diretamente como as emoções vindas das penas dos poetas, mas por veredas transversas quando encontram lá no recôndito de nossas almas os registros do passado. Por isso, misturo nesta crônica esses dois vocábulos de feições aparentemente tão díspares, mas como muita coisa em comum.

Street view ou ”visão da rua” pode ser mais do que uma coletânea assustadoramente grande de fotografias urbanas, possibilitada pelo fantástico avanço das ciências da informática, das telecomunicações e da capacidade sem limites de armazenamento de dados, especialmente de imagens e que nos é disponibilizado, de graça, pelo Google nos computadores com acesso à Internet. À parte o justificável e ainda não suficientemente bem esclarecido direito de proteção da nossa privacidade (lado obscuro desta questão), ou as fantásticas aplicações para fins de negócios que o recurso nos propicia, como para o turismo, empreendimentos imobiliários, divulgação de empresas e outros fins, vejo nessa maravilha emoções egoístas intensas tal qual as que nos foram ditas por Fernando Pessoa.

Ao alcance de meus dedos no teclado do computador descobri recentemente que poderia reviver aquilo que só vasculhando as profundezas de meus registros de vida e mesmo assim somente de forma abstrata poderia conseguir. Tudo em nossas vidas ocorreu e continua ocorrendo em algum lugar físico. Foi assim no passado, é agora no presente e será sempre da mesma forma, também, no futuro. O resgate desses lugares em nossas mentes é que tem o poder de nos levar a recordar bons e maus momentos da história de cada um. As fotos que o Google vem fazendo a cada 10 metros, simultaneamente por 9 câmaras em ângulos diferentes e que possibilitam visão em 360 graus de qualidade extraordinária, tendem a tornar mais fácil e prazeroso esse exercício de busca às emoções.

Desde que descobri esse recurso tenho feito assim: Lembro de um lugar onde morei, trabalhei ou estive por alguma razão e aí vou ao Google para pesquisar. Busco o local exato, ou aproximado, na pesquisa de endereço e chego à visão do satélite fazendo a aproximação máxima possível. Depois, arrasto o ícone do street view (bonequinho amarelo no lado superior esquerdo do mapa) e o solto no endereço que escolhi. A partir daí é só ir recordando e as emoções vão brotando: “Nesta esquina, exatamente em frente a essa casa encontrava com freqüência a minha turma de amigos na adolescência”, ou “Na escada desta casa que ainda encontra-se inalterada conheci minha mulher” ou ainda, “aqui, nesta praça levava meus filhos para brincar” e assim por diante. São emoções atrás de emoções...

O debate sobre a quebra do direito à privacidade que o tema suscita há de se acirrar à medida que o mau uso do recurso comece a acontecer com mais assiduidade. Há países que não permitem o street view, como há pessoas que não concordam que sua imagem, colhida sem previa autorização, seja divulgada publicamente. O Google até usa um recurso de embaçar ligeiramente a face das pessoas fotografadas. O mesmo faz com as placas dos veículos ou outras imagens que possam ser “a priori” consideradas comprometedoras. Será isso suficiente para acalmar o ânimo dos que se sentem incomodados? George Orwell em “1984” já havia previsto um mundo sem privacidade ameaçado pelo controle do Big Brother. O street view, na essência, não só contribui para que isso seja verdade, mas, curiosamente, supera, no bom sentido, a sua crítica à medida que esse big brother informático pode até mesmo nos presentear com egoísticas emoções.

Fica, assim e aqui, a minha sugestão para que tentem explorar esse magnífico recurso para esse fim emotivamente egoísta e que certamente não foi o objetivo inicial de quem o criou e o disponibilizou para uso geral dos internautas. Ao fazermos isso, fica-nos a feliz constatação de que a tecnologia embora pareça afastar-nos das coisas simples da vida e de violar aspectos ligados às privacidades individuais, pode, sim, como é neste caso do street view, aproximar-nos cada vez mais da essência de nossas almas propiciando-nos momentos de pura emoção.


Edson Pinto
Outubro’2010

8 de out. de 2010

139) ALMOÇO EM FAMÍLIA

Certos hábitos e comportamentos se nos impõem de forma natural. Não requerem leis, regulamentos ou quaisquer outras formas coercitivas para que as entendamos como importantes e até mesmo como obrigatórias. Algumas parecem eternas, porque nem o tempo é capaz de eliminá-las. São verdadeiras e tradicionais instituições que se mantêm pelo sentido gregário que embutem. Pura mágica! Uma delas é o almoço em família.

Os hábitos modernos, especialmente daqueles que vivem nas grandes cidades, até podem levá-los a negligenciar esporadicamente essa instituição social e familiar tão cheia de significado. Não é mais possível trabalhar até certa hora, voltar à casa para o almoço e depois retornar para a segunda e final etapa do labor diário. Transferido o raciocínio para o jantar que ocorre ao final do dia, nem sempre, e pelas mesmas razões, tal tem sido possível, especialmente nesses tempos de hoje que passam tão atribulados e rápidos. É triste vermos as famílias tão dispersas, sem que consigam criar alguns momentos de confraternização intima, quando, despidas do estresse e das rusgas que nos impõe a roda da vida, possam reforçar os laços da união familiar.

O almoço em família, que, compreensivamente, já não pode mais ser feito ao longo da semana, pelo menos deveria ser consagrado para os domingos. Se não em todos, ao menos uma vez por mês. Ajustando essa instituição para o modo de vida atual e apenas para que fique mais fácil o entendimento de quantos só vivem do trabalho e de números, sugiro imaginarem o almoço familiar dominical como uma reunião de acionistas, uma assembléia geral do clube, um “happy hour” com os colegas do escritório quando ideias, informações, afetos e deliciosas banalidades são trocados. Muita gente não consegue se dar conta de quão fundamental é essa instituição. Comparo-a a argamassa que une e que dá consistência aos blocos formadores do edifício de nossa existência.

Meu avô que nos deixou quando já se aproximava dos 100 anos de vida, bem vividos, valorizou como ninguém a instituição do almoço em família. Fez dele - o almoço sagrado de cada domingo - e nos ensinou pelo exemplo, como sendo um dos meios mais importantes para nos manter unidos e mutuamente respeitosos. Tão tradicional era essa domingueira que ninguém precisava dizer antecipadamente que lá estaria. A casa funcionava em permanente estado de alegria. Íamos chegando, abraçando-nos, perguntando uns pelos outros, rindo alto, agitando as crianças, falando muito, acariciando-nos mutuamente até que fossemos, todos, se transferindo para a sala de almoço. Momento maior e consagrador de nossas vidas.

Sentado à cabeceira da mesa, meu avô comandava tudo com ordens precisas, gestos objetivos e olhar apaziguador. Nem era preciso dizer que o refrigerante devesse ir para as crianças e que os adultos tivessem acesso ao vinho ou à cerveja - esta só liberada aos domingos. As histórias familiares eram contadas e recontadas. A cada vez, mais delas nós nos riamos e com renovada disposição. Era uma delícia ouvir os tios dizerem, por exemplo, como meu pai conheceu minha mãe; como uma das tias se deu mal numa estripulia familiar e como o outro tio era namorador. Alguns iam às lágrimas quando vinham à tona comentários sobre a perda de um ente familiar ou amigos queridos; quando se reportava a uma séria dificuldade financeira, ocorrida em tempos bicudos e que teria imposto, no passado, pesado revés à família. E o período da guerra? De como meu pai, jovem, destemido, fora combater na Itália deixando saudades e temores em todos...

Entre lágrimas sentidas, risos felizes, vozerio atroante, gargalhadas fogosas e crianças já cansadas de tanto agito, o ágape familiar ia se desfazendo aos poucos. ”Temos que ir - dizia uma tia - as crianças ainda precisam estudar para as provas de amanhã”. Outro dizia, em seguida: “Vamos agora, temos que visitar um amigo que se encontra adoentado” ou “Ainda queremos pegar um cineminha com as crianças”. A tarde ia chegando ao fim e meu avô, feliz pela mágica de ter unido a todos nós, despedia-se de cada um ao tempo em que dava garantias de que na semana seguinte a discussão de tal ou qual assunto iria ter prosseguimento.

Hoje, meu avô, assim como meu pai, já não coordenam nem participam mais desses nossos almoços familiares terrenos. A família se reproduziu em quantidades mais modestas de cabeças, porém mais adequada às condições do mundo moderno e competitivo em que nos encontramos; espalhou-se por longínquos rincões desse imenso país e se desdobrou em novos núcleos familiares independentes.

De minha parte, tento reproduzir em meu pequeno núcleo familiar, quando comparado com a multidão que freqüentava a casa de meu avô, o seu exemplo. Cristaliza-se cada vez mais em meus hábitos a instituição do almoço dominical. Minha esposa, os 3 filhos, noras e por enquanto a única neta, já me dão o prazer de ao menos esse encontro semanal. É quando, sob a benção desse dia dedicado ao descanso, o domingo, tento desenvolver por meio dessa sólida e simples instituição, o almoço em família, como sendo a melhor maneira de nos transformarmos em um grupo coeso que além de afinidades familiares desenvolva em todos um verdadeiro espírito de união e fraternidade.

Meu avô deve estar contente com isso..

Edson Pinto
Outubro’2010

1 de out. de 2010

138) ELEIÇÃO DOS BICHOS




Acabo de concretizar um simples, mas para mim muito significativo plano de vida: Há anos, alimentava a ideia de catalogar e dispor de forma organizada todos os livros que consegui acumular ao longo do tempo. Não são muitos, contudo, quase todos, são bons. Fim de semana após fim de semana, fui recolhendo, folheando e registrando o que até o momento já totaliza 925 livros. Agora, mantenho-os no mesmo ambiente e sob o meu rigoroso controle. Pode ser pretensão, porém e orgulhosamente, chamo a isso de minha biblioteca pessoal, meu tesouro.

O livro que registrei sob o nº 523, prendeu-me especialmente a atenção. Encontrei em sua última página minha rubrica e data indicando o término de sua leitura em 12/6/1975. É isto mesmo! 35 anos são passados desde que me deliciei com o romance/fábula de George Orwell “A Revolução dos Bichos”. Escrito em 1944, mas só publicado no pós-guerra, trata-se da mais eloqüente crítica ao socialismo ao mesmo tempo em que traz a indefectível previsão do que de fato veio a ocorrer em anos mais recentes, ou seja, o fracasso dos sistemas político/econômicos de caráter socialista centralizador e totalitário. A queda do muro de Berlim simboliza de forma contundente o que George Orwell prognosticou. Reli-o, obviamente, e sem surpresa constato que o tema, especialmente aqui no Brasil, continua atual.

Sem me alongar em demasia, lembro que os bichos da Granja Solar, liderados por Major, um dos porcos mais articulados e que a partir da narrativa de um de seus sonhos conclama todos os animais da granja a assumirem por eles mesmos o destino de suas vidas. Os animais, cada qual com a sua personalidade, são conduzidos a uma revolução. Porcos (manipuladores), cavalos (rígidos), ovelhas (alienadas), burros (esforçados e teimosos) e galinhas (dispersas) passam a seguir cegamente o que os novos líderes ditavam. Os sete mandamentos legados por Major são divulgados oficialmente e deveriam ser seguidos por todos os bichos:

1) Qualquer coisa que ande sobre duas pernas é inimigo.
2) O que anda sobre quatro pernas, ou tenha asas, é amigo.
3) Nenhum animal usará roupa.
4) Nenhum animal dormirá em cama.
5) Nenhum animal beberá álcool.
6) Nenhum animal matará outro animal.
7) Todos os animais são iguais.

Lideranças suínas, os manipuladores, especialmente Napoleão o porco líder maior, não descem dos palanques com suas campanhas políticas permanentes. A bicharada trabalha como escrava na construção de um moinho de vento e vai, assim, gradativamente perdendo a memória dos tempos em que a granja era comandada pelo Sr. Jones, o antigo dono. Sansão, o burro, passa a acordar mais cedo para trabalhar nunca se cansando de dizer que “Napoleão tem sempre razão”. As ovelhas, em grande maioria, seguem dóceis e felizes com o pasto que lhes é garantido. As galinhas, dispersas como são, nunca se organizavam para nada.

Não demorou até que os porcos, os manipuladores, passassem a morar na casa que antes pertencia ao Sr. Jones, começassem a andar somente sobre as patas traseiras, dormissem nas camas dos ex-donos, vestissem roupas, tomassem uísque e mantivessem relacionamentos escusos com os homens. Como grande parte dos animais continuava sem saber ler, os mandamentos legados por Major foram sendo alterados sem que a bicharada percebesse. Os poucos que sabiam ler e percebiam a adulteração dos mandamentos - não se sabe por que cargas d’água - preferiram se omitir.

Quando a fome, a desesperança, a nova escravidão transformaram-se em caos, ainda foi tempo do corvo Moisés profetizar que, findo o sofrimento, haveriam de encontrar a “Montanha de Açúcar, Cande”, “o lugar eternamente feliz onde nós, pobres animais, descansaremos para sempre desta nossa vida de trabalho”.

Quando só restava um dos mandamentos da revolução, mesmo assim já adulterado “Todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais que outros”, ocorre de os bichos inferiores presenciarem, às espreitas, os porcos líderes em amistosa conversa com visitas humanas a declarar que os alicerces da revolução estavam corroídos e que em breve a granja voltaria a chamar-se Granja Solar. Era o fim. Conformados, enquanto afastavam-se da janela onde espreitavam a conversa voltaram, contudo, para acompanhar uma nova e acirrada discussão que se iniciara em função de uma jogada de carteado. E surpresos, olhavam para uns e olhavam para outros e não conseguiam mais distinguir quem era humano e quem era suíno...

No próximo domingo, 3 de outubro, vamos às urnas para escolher os nossos bichos lideres. Os porcos, manipuladores como lhes é da essência, estiverem nos últimos tempos a nos contar falsos sonhos messiânicos que tiveram. Conclamaram as ovelhas que são dóceis e em maioria a continuarem pastando plácidas e inofensivas. Os burros como sempre já se dispuseram a levantar mais cedo ainda e a trabalhar muito mais. As galinhas ciscarão como nunca e sairão, certamente, em desordenada disparada cada vez que os cães fiéis aos poderosos porcos manipuladores lhes quebrarem os sigilos e mesmo assim serão mandadas para detrás das grades transformadas de vitimas em culpadas. É a História se repetindo...

Restam-nos, ainda, esperanças! Que tal mirarmos bem em bichos menos cruéis para serem nossos lideres? Sugiro a coruja. Tem inteligência, é zelosa com seus filhotes e acima de tudo tem aqueles olhos grandes que tudo veem e ainda pode girar seu pescoço a 180 graus para que nada escape de seu controle. O que acham?

Votemos, contudo, no bicho que quisermos. Isso é da democracia. Mas, uma vez no comando, não devemos nos dispersar como as galinhas e muito menos sermos dóceis como as ovelhas. E quanto aos porcos? Por que não os escolhermos na versão pururuca?


Edson Pinto
Outubro de 2010