25 de fev. de 2011

154) DIÁLOGO DE GERAÇÕES

 __ Pai, você não tem se dado conta de todos esses avanços da moderna Administração: Downsizing, Reengenharia, Administração de Conflitos, Foco no Futuro, Benchmarking. Já ouviu falar de B2B, B2C e de Píer2Pier?

__ Bem, meu filho. Até ouvi falar, sim, mas...

__ Claro que você não deve ter compreendido, pai, que os tempos são outros. Há, agora, a Internet, o laptop, o celular 3G que faz tudo, a teleconferência, a computação em nuvem. Garanto que no seu tempo isso tudo soaria como uma fantasia de Julio Verne.

__ Reconheço, meu filho, que os tempos são outros, de fato. No meu, as ferramentas de trabalho eram mais simples, tomava-se decisões com mais vagar; executava-se e conferia-se cada conta duas ou mais vezes para se ter certeza de sua exatidão; buscava-se informações diretamente nas fontes e não nas nuvens, porém...

__ Ah já sei! Vai dizer, meu pai, que vocês iam todos os dias ao escritório seguindo rígidos horários de trabalho, metas de desempenho semanal, mensal, anual, essas coisas condicionantes e supridoras da liberdade criativa que impediam a aceleração do progresso do mundo? Talvez nem lhe passasse pela cabeça algo como o conceito de Workplace Innovation, WPI, esta nova e revolucionária forma de se trabalhar. Já não existem mais lugares fixos onde, como no seu tempo, os funcionários sentavam para desempenhar suas tarefas. Nem mesmo o novo presidente da nossa empresa tem um lugar fixo para se sentar. Chegamos à plena otimização no uso dos espaços e do tempo.

__ Nossa, que revolução! E onde guardam hoje suas correspondências, seus relatórios, seus documentos, meu filho? Ah! Deve estar tudo dentro do computador! Mas, se não têm nem mesmo lugares fixos para sentarem no escritório, nem colegas em mesas dos lados, então como se estabelecem os relacionamentos profissionais que integram pessoas e motivam grupos? . Penso que isto é um grande avanço, contudo...

__ Contudo! Ah! Contudo!... Trabalhamos mais em casa, na rua, no clube e menos no escritório. O escritório passou a ser apenas um local de referencia. Tudo o que precisamos fazer podemos fazê-lo de casa, sem termos que enfrentar o trânsito maluco da cidade. Podemos, da ante-sala do cinema, por exemplo, responder um e-mail pelo nosso celular 3G e tudo se passa como se estivéssemos na empresa. Dá na mesma!

__ Fico maravilhado, filho, mas como eu, nessas circunstâncias, poderia olhar direto nos olhos dos membros da minha equipe e como isto obter de cada um o devido comprometimento com datas, custos e objetivos? Não venha me dizer que por teleconferência atinge-se o mesmo intento? Não se faz mais reuniões? Penso que isto deve ter muito a ver com...

__ Ah! Ah! Ah! A solução para isto tudo, pai, são as webmeetings, a Internet sem fio, a chamada VoiP de PC para PC. Tudo isso acelera o processo decisório, reduz custos e garante maior qualidade de vida aos funcionários modernos. Sabe pai, aquela sala de reuniões que você tinha e que de lá dava aquelas enquadradas homéricas na turma para conquistar novos clientes e aumentar as vendas? Agora não existe mais. O local virou uma sala de relaxamento. No novo conceito, o funcionário trabalha a hora em que se julgar inspirado e produtivo. Perdeu o pique? Vai para a sala de relaxamento, puxa uma soneca ou joga um videogame.

__ Eu já imaginava, meu filho, tudo muda não é? Você está na mesma empresa em que eu estive por tanto tempo. Usávamos, reconheço, métodos verdadeiramente arcaicos se comparados com as inovações de hoje, mas me lembro bem éramos absolutos lideres de mercado. Nunca perdemos a posição. Pelo contrário, só a víamos crescer e se consolidar ao mesmo tempo em que a empresa não parava de aumentar suas fábricas, seus escritórios, sua linha de produtos e sua rentabilidade. Até esta aposentadoria tranquilizadora que hoje tenho é fruto daquela fase gloriosa da empresa. No entanto, vejo que com toda a modernidade dos dias atuais nada do que era pareceu subsistir...

__ É pai, você tem razão, mas...

__ Espere, meu filho, ainda não terminei! Vocês hoje estão comendo a poeira de no mínimo três competidores que no meu tempo só podiam se dar ao luxo de sonhar com uma modesta participação de mercado muitíssimo distante da nossa liderança. Agora, passaram-lhes para trás. A sua, a minha empresa, encolheu em tudo. Fizeram o “downzing” de tudo, inclusive do lucro e da grandeza de outrora. Usaram as comunicações virtuais, a Internet, os webmeetings para reduzir custos, mas reduziram, a reboque, também o comprometimento, as relações humanas e o espírito de equipe.

__ Sim pai, porém...

__ Porém, o quê? Não é só de modernidades e de tecnologia de ponta que as empresa precisam. Nem só de conceitos de administração cada vez mais excêntricos. Precisam muito mais é de um enrijecimento de propósitos, da dedicação incondicional e da paixão de seu pessoal pelo que se faz. A tecnologia, por mais avançada que seja, só pode facilitar processos, mas não substitui sonhos, nem dá vigor a quem tem preguiça.

__ Falta de comprometimento, desatenção, indiferença com os anseios de clientes e canais, falta de iniciativa, priorização dos objetivos pessoais sobre os da empresa e outras tantas atitudes negativas são as responsáveis pelos fracassos empresarias e não o fato de usamos um laptop avançado ou uma máquina de escrever arcaica. Não se esqueça, meu filho, de que o mercado constituído por seus clientes diretos e por consumidores guardam uma enorme sabedoria para julgar com maestria tanto os produtos que oferecemos como as nossas atitudes, a qualidade do nosso atendimento, a nossa fidelidade, respeito e seriedade, entre outros atributos. É ele que determina quem será o seu líder e por quanto tempo assim permanecerá.

__ E mais, meu filho, dou muito mais valor às organizações constituídas por homens que trabalham seriamente e do mesmo modo, quer o patrão esteja presente ou não. Tenham gerentes e funcionários que têm hora para entrar no trabalho, mas não para sair. Levam trabalho para casa, não porque são incapazes de concluí-los no escritório, mas porque acham que o trabalho pode e deve ser melhorado com um pouco de dedicação extraordinária. Funcionários que não só saibam o nome do presidente, mas também o nome da faxineira, da senhora que serve o cafezinho e respeitam a todos do mesmo modo como se não houvesse diferenças sociais nem hierarquia. Admiro as empresas que chegam ao topo e mesmo assim continuam respeitando seus competidores, amando e integrando seus funcionários e reverenciando seus ex-colaboradores, porque todos fazem parte da mesma história e empresa sem história não sobrevive...

Edson Pinto
Fevereiro, 2010

18 de fev. de 2011

153) DA NATUREZA DAS COISAS - parte 3

 ... continuação (final)

Podia ser vista quase todos os dias, linda como Afrodite, verdadeira deusa do amor, saindo na direção da mina. Ali, na planície um pouco distante das instalações da mineradora, sob árvores que margeavam a estrada, fora vista em palestras nada convencionais com o jovem engenheiro, o Terceiro Alguém, que decidira ter-lhe como a posse do momento. Nem os indícios recorrentes que tivera de que o Marido já estava informado das suas andanças mal explicadas fora suficiente para amainar-lhe a intensidade da aventura. Afinal, adorava viver à beira do abismo. Era da sua natureza. E o que mais prazer lhe daria, do que mostrar-se atraente àquela jovem conquista e até mesmo despertar a inveja de suas amigas de maior intimidade?

Há testemunhas que juram ter visto um vulto traspassar a soleira da janela da casa da Mulher do Marido quando a lua mortiça iluminava, em conluio, aquela noite de brisa mansa. Só poderia ser o Terceiro Alguém. Disto o Marido, por vias que não se sabe quais, fora informado. As amigas verdadeiras alertaram para o exagero da traquinagem e tentaram em vão reprimir-lhe os ímpetos. “Pura inveja dessas mal-amadas!”, teria confessado a si mesma no mesmo momento em que não pestanejou marcar nova aventura para a noite próxima. Era verão, meio da semana, o ruído do ventilador de teto do seu quarto abafaria perfeitamente nos ouvidos das crianças a plangência de seus afagos sobrepondo-se aos do Terceiro Alguém.

Nem por sonho poderia imaginar o Marido retornando de mais uma viagem sem antes ter-lhe fornecido, como sempre fazia, o minucioso roteiro que indicava dia e horário. Mas, o Marido chegou furtivamente, tomou certas providências e foi sangue frio o suficiente para aguardar até o momento dos mais ardorosos ais.

No dia seguinte, no velório da Mulher do Marido, não se falava de outra coisa: Que vestido novo lindo ela trajava. Melenas douradas presas em lenço de cetim carmim davam-lhe pureza insuspeita. As bijuterias finas que ornavam seu colo largo até pareciam jóias de alto valor e, mesmo que não fossem, tudo lhe combinava de forma perfeita. Certamente - cochichavam entre si as mulheres com ar de falsa surpresa, mas repleto de malícias - o Marido as havia trazido no dia anterior.

Agora, o Marido nem se fez presente, já tinha voltado ao trabalho. Afinal, havia de se cumprir, também para si, a ordem natural das coisas...

“Dizem da corrente que era passageira -
Deus este segredo tem guardado.
Comigo para sempre permanece a vez primeira
Que dos sinos ouvi o pecado.
Ficou dos sinos terror em mim,
Pois na penumbra tocavam “fim””.
(Jean Ingelow)


Edson Pinto
Janeiro’2011

12 de fev. de 2011

152) DA NATUREZA DAS COISAS - parte 2

... continuação
O Terceiro Alguém do momento era um jovem recém chegado ao lugarejo. Não era lá grandes coisas em termos de beleza, mas era a novidade do local. O jovem engenheiro da mina calçava botas cano longo, usava óculos escuros e calça jeans. Todas as solteiras do lugar o queriam, é óbvio, mas a Mulher do Marido, embora mais velha que o mancebo, por instinto puro pôs-se a despertar-lhe a admiração. Com o dinheiro do Marido, refez-se o visual e dispensou o Terceiro Alguém anterior para embarcar numa nova e excitante aventura. Dizem que o grande barato da Mulher do Marido não era necessariamente e tão somente o deleite puro de uma aventura carnal na expressão mais pura do termo, nem mesmo o desfrute de uma companhia a lhe preencher o vazio d’alma ou a ânsia que despertava seus mais recônditos instintos. No fundo o que lhe aprazia em abundância era o risco da aventura.

Se pudesse – dizia às amigas – pularia de pára-quedas, nadaria em rio de piranhas, montaria cavalo bravo e sairia seminua em Escola de Samba, lá do Rio de Janeiro só para se exibir. Desde pequena gostava de se colocar no centro das atenções. Dançava, cantava e acontecia. Foi rainha da primavera, a musa da escola, cantou no coral da Igreja, recitou poesia na festa de final de ano e namorou o quanto pôde. Até que o Marido se fez presente e a vida lhe indicou que seus sonhos mais ousados só haveria de se concretizar dentro de sua mente, enquanto cuidasse de filhos e protegida pelo Marido de quem ouviu juras de amor eterno.

Mas vá saber como a razão lida com essas coisas de instinto. Eu mesmo não saberia dizer de como a Mulher do Marido poderia ter virado uma chavinha em sua alma para deixar de ser a exibida que sempre foi para então se tornar em uma comportada dona de casa, esposa fiel e mãe exemplar. Creio, no fundo, não ser possível mexer com essas coisas inatas. Nasceu assim, há, portanto, de continuar assim. Disto mesmo, a Mulher do Marido se convenceu depois de confabular noites adentro com seu travesseiro em infindas madrugadas solitárias. A essência de sua alma era o que era e nada mais. Estabeleceu-se, desta forma, sua irrevogável decisão de ter sempre um Terceiro Alguém que pudesse lhe suportar o instinto já cristalizado.

continua na semana que vem...


Edson Pinto
Fevereiro'2011

5 de fev. de 2011

151) DA NATUREZA DAS COISAS - parte 1

O "Marido", a "Mulher do Marido" e o "Terceiro Alguém" são os três personagens do delicioso conto, “À Beira do Abismo”, de Rudyard Kipling. A encrenca toda se passa na Índia, onde o grande contista, escritor e poeta Inglês nasceu e passou boa parte de sua vida. Lá, então, ele formula a aventura de uma linda mulher faceira, exibida e leviana, verdadeira coquete em pleno exercício do seu insaciável pendor pelas aventuras extramurais. Como o próprio título sugere a peripécia inconseqüente da Mulher do Marido com o Terceiro Alguém termina em abismo real, mas poderia ser também interpretado ainda como um abismo moral.

Há, hoje, certamente, mais do que nos tempos de Kipling, essa categoria de personagens com o perfil da Mulher do Marido. Ora, pois, se há! E as há em tamanha profusão que os Terceiros Alguém não só pululam nos grandes centros urbanos onde em tese Mulheres de Maridos vicejam com mais esplendor, como também nos lugarejos, nos grotões, nos povoados de todas as dimensões mesmo os bem pequeninos. Dá até para se concluir que o tema é da alçada mais das Ciências Exatas, da Genética, do que da fluída Antropologia Social.

Portanto, neste conto que eu conto, acredite se quiser. Posso tê-lo ouvido de alguém como pode ser fruto da minha imaginação. Por que não das duas fontes? Fique livre para conceder algum desconto para desbastar os floreios e amenizar a beleza estonteante da coquete tupiniquim. Afinal, quem conta um conto, aumenta um ponto. E quem inventa um conto, já de principio, passa da conta...

Ela era, de fato, a Mulher do Marido. Ele, trabalhador e família até o pescoço. Não faltavam, por certo, palavras mais generosas à sogra do Marido quando tentava descrever a elegância, a dedicação e o amor de homem bom que a filha já há alguns anos levara ao altar. Era o Marido simplesmente, dispensava sobrenome. Fruto do trabalho árduo feito como escravo em viagens longas pelo interior, deixava quase toda a renda à Mulher sem nunca se esquecer de afetuosa recomendação para que ela não poupasse com os seus caprichos pessoais: Um novo vestido, perfumes e sapato alto. Isto, e tudo o mais, que ele sabia ser a fonte mais elevada de seu prazer, a vaidade, que ele tolerava e, por amor, até incentivava.

continua na semana que vem...

Edson Pinto
Fevereiro’2011