24 de jun. de 2009

85) A HIDRA DA DEVASSIDÃO

À Hércules, para que recuperasse a honra perdida, o primo Teseu sugeriu que procurasse o oráculo de Delfos. Este lhe prescreve, como penitência, os famosos doze trabalhos ditados por Euristeu, grande desafeto e usurpador do trono que por direito pertencia a ele, Hércules, como filho primogênito de Zeus, o rei dos deuses do Olimpo com sua esposa, a deusa Hera.

Conta a Mitologia que Hércules cumpriu os doze trabalhos com enorme valentia. Entre eles, o estrangulamento do leão de Neméia e a captura, vivo, do javali de Eurimanto. Venceu as amazonas e se apoderou do cinturão mágico da rainha Hipólita, sem nos esquecer que matou o gigante Gerion, monstro de três corpos, seis braços e seis asas entre outras grandes façanhas.

Dizem, porém, que uma das mais árduas tarefas teria sido a de matar a Hidra de Lerna, serpente com corpo de cão e nove cabeças sendo uma delas imortal. A cada cabeça cortada da serpente surgia outra exalando um vapor mortífero. Hércules contou, porém, com a ajuda de seu sobrinho Jolau, que com um tição em brasa ia queimando as feridas deixadas na víbora após o corte de cada cabeça. Teria, de fato, Hércules, matado a Hidra que, como se diz, tinha uma de suas cabeças como sendo imortal?

Essa metáfora nos conduz ao raciocínio de quão impotentes podemos ser diante a fenômenos superiores que por mais que imaginemos vencidos, como neste episódio mitológico, ainda podem nos surpreender com o seu continuado e aparentemente infindo ressurgimento.

Na vida política, certamente, a Hidra de Lerna ainda continua viva. Peguemos a devassidão, a corrupção, a licenciosidade e outros dos muitos maus hábitos que à política tão bem se associam. Por mais que imaginemos termos cortado cabeças da insidiosa serpente, logo nos surgem outras. Parece não ter fim. Somos impotentes diante a essa tarefa tão ingrata, tão inócua, tão hercúlea...

A ideia que confortava e animava nossas esperanças de que nem tudo estava perdido tinha seus fundamentos na conduta de alguns políticos vestais, sérios e combativos sobre os quais depositávamos nossos farelos de dignidade: Gabeira, Suplicy e Heloísa Helena, como exemplos. Eles estariam no imaginário do povo puro como sendo espécies construídas por Cervantes para – mesmo de forma quixotesca – empunhar lança contra os malvados moinhos de vento do nosso legislativo e por extensão de nossas classes e instituições políticas.

E o que vimos? Até eles se lambuzaram no melado das cotas de passagens aéreas sustentadas pelos mais de 40% de impostos que são extraídos, em média, de cada bem ou serviço que compramos neste país.

O pobre quando compra um pirulito chupa mais impostos do que imagina. Quem paga um plano de saúde ou a escola do filho porque o Estado não tem recursos para esses nobres fins, se sente apunhalado quando vê a namorada do Suplicy passeando em Paris com o nosso dinheiro, a filha do Gabeira, o filho de Heloisa Helena e outros também circulando mundo afora custeados pelo erário.

Aí está a reflexão que não conseguimos deixar de fazer:

Até quando a Hidra de Lerna que representa a persistência do lado mau de nossa vida política continuará rediviva?

Penso que, até mesmo se Hércules renascesse no Congresso Nacional brasileiro fracassaria no cumprimento deste importante trabalho que seria o de matar a serpente, a hidra maligna da devassidão nacional.

Edson Pinto
Junho’2009

17 de jun. de 2009

84) CUZCUZ FILOSÓFICO

A intelectualidade brasileira, por mais que sejamos otimistas, já perdeu a batalha pela redução do apedeutismo, isto é, do despreparo funcional e intelectual de tanta gente que teria a nobre tarefa de conduzir, com liderança exemplar, o destino de nosso país. Disso não tenho a menor dúvida...

Não bastasse o presidente com suas quase-lógicas que não respeitam a inteligência das pessoas minimamente esclarecidas, dilacera a cada uma de suas inúmeras performances discursivas o nosso já tão sofrido idioma pátrio, somos, ainda, forçados a conviver com mil outras afrontas intelectuais no dia-a-dia. Senão vejamos:

Em recente avaliação dos professores do primeiro grau em São Paulo, de 100 mil avaliados, 1.500 tiraram nota zero. Outros 40 mil tiraram notas inferiores à média. Deveriam ser imediatamente eliminados do sistema público de ensino, no entanto, por força de liminares obtidas da Justiça, continuam fingindo que ensinam e recebendo seus salários. Isto explica a horrorosa classificação que nossos estudantes obtêm nas avaliações internacionais. Quem paga essa brincadeira? Nós! Porque seremos forçados a levar nossos filhos para as caras escolas particulares ou nossos filhos não terão formação adequada e ficarão à margem dos bons empregos que exigem capacitação de melhor nível.

Dos candidatos a cerca de 5,5 mil prefeituras no último pleito de 2008, mais de 300 sofreram processos de impugnação por motivos vários, incluindo o de serem considerados funcionalmente analfabetos. Não dá para imaginar que num mundo de tantas informações e avançadas tecnologias alguém que careça da formação escolar mínima possa bem conduzir uma comunidade, seu orçamento e liderar aglomerados humanos. Se não ligamos para a política por que nos preocupar com isso? Maus administradores malversam os recursos públicos e deixam de construir boas escolas, boas estradas, bons hospitais. Entende?

A Rede Globo que domina o sistema televisivo do país há anos é capaz de pagar um salário (pasmem!) de R$5 milhões por mês ao mais pernóstico de todos os apresentadores que a TV brasileira já produziu. Faustão que é maldosamente irônico, culturalmente limitado, repetitivo, chato e que mais se adequaria ao seu passado de repórter de campo do futebol, trabalhará, segundo o contrato recentemente renovado, 3 horas por semana durante o domingo sagrado dos brasileiros falando besteiras sem limite e ainda faturando R$5 milhões a cada mês. Pode? Pode sim, infelizmente! Os anúncios aumentarão seus preços, os anunciantes repassarão esse custo para os preços dos produtos e serviços que vendem e nós, que os compramos, financiaremos as baboseiras do Faustão.

Nesse tenebroso contexto tudo pode acontecer e ser assimilado com a mais absoluta tranqüilidade pelo povão. Uma besteira, desde que dita por um uma figura de projeção midiática, logo passa a ter valor. Pobre de nossa gente e triste o futuro de nossas próximas gerações!

No colóquio político filosófico recentemente ocorrido na casa de Marta, ex-Suplicy, tanto ela como nossa possível futura presidente, Dilma Rousseff, as eruditas Adriana Galisteu e Ana Maria Braga parecem deslumbradas com a profundidade das idéias sociopolíticas da genial Luciana Gimenez, como se vê na foto que ilustra este texto.

Ah! Notícias posteriores nos dão conta de que Luciana Gimenez conseguia, naquele momento registrado para a posteridade, prender com tamanha destreza a atenção de tão ilustres próceres da vanguarda feminina brasileira para externar que o “cuzcuz estava muito gostoso”.

Oh tempora! Oh mores! (Oh tempos! Oh costumes!)


Edson Pinto
Junho’09

10 de jun. de 2009

83) SÓ COM MAGIA NEGRA


Ainda hoje, muita gente por esse mundo afora acredita poder realizar seus desejos, causar males a seus inimigos ou até mesmo conseguir um amor racionalmente impossível pelo uso da magia, da feitiçaria.

Desde o mundo grego, adentrando o Império Romano, cruzando toda a Idade Média e ainda presentes nos nossos dias, feitiços e fórmulas mágicas que desafiam a racionalidade são recursos utilizados com o intuito de se atingir algum propósito. Mesmo quando meios concretos podem levar ao sucesso, tem gente que prefere o caminho do sobrenatural.

Por isso, mesmo sabedor que era da impossibilidade, no mundo real, quis eu ficar invisível e assim poder permanecer quietinho nas salas do Planalto para me inteirar do que aquelas cabeças criativas andavam matutando com vistas à viabilização do terceiro mandato de Lula. Não só para o júbilo dele próprio, Lula, é claro, mas para que continuassem acomodando por mais 4 anos, no mínimo, toda a turma que já houvera moldado seus beiços às formas peculiares das tetas da mãe pátria.

Nem me passou pela cabeça usar os recursos do delegado Protógenes de grampear todo o mundo. Isso daria muito trabalho e além do mais, concluí, a turma está arisca e anda fugindo de telefone como o diabo foge da cruz. Alternativamente, fui buscar em velhos livros das ciências ocultas dos magos de antanho uma fórmula que me tornasse invisível. Procedi, então, conforme lá ensinado: “misture um olho de macaco, uma flor de peônia em azeite de violeta e amasse da direita para a esquerda. Faça uma unção na testa com a tal mistura e pronto, ficará invisível”.

Minha mulher nem me viu sair de casa, senão teria pedido para trazer pão na volta; Ninguém me viu entrar no "Aerolula" que encontrei reluzente e festivo em Congonhas. Lá dentro, sorvi champanha da melhor qualidade e caviar fresco sem que ninguém percebesse. Também, o suprimento era farto como nunca antes na história deste país.

Em Brasília nem precisei pegar um taxi. Invisível que era, entrei no carro de Michael Temer que naquela instante ajustava proa no sentido do Palácio para importantes negociações com a cúpula do governo sobre o 3º mandato. Já começava a me sentir bem informado acompanhando – sempre invisível, é claro – algumas conversas de Temer com seus assessores. Vi papéis que registravam números inteiros seguidos da letra M, maiúscula, que logo entendi referir-se a mega ou milhões. Assim, 40M significava 40 milhões. Nomes vários; siglas de diversos partidos políticos; CNPJ’s de empresas estatais e nomes de muitas construtoras. Algumas conhecidas. Outras com nomes apenas seguidos das letras “ASC” que mais adiante entendi como sendo “a ser criada”. Isto é, a construtora ainda nem existia, mas já fazia parte da lista de contribuintes.

Quase cometi a audácia de sair do carro carregando a pasta do Temer. Contive-me a tempo, pois o sobrenatural fato de uma pasta flutuar sozinha certamente mexeria com os miolos do nobre deputado, e aí, tudo o mais poderia acontecer. Entrei com ele na mesma sala. Quanta gente importante estava lá, confabulando, calculando, trocando papeizinhos em que constavam números de contas bancárias, apelidos de doleiros, nomes de paraísos fiscais e listas de afilhados seguidos dos cargos que pleiteavam em importantes estatais!

Após gentis negociações entre as partes, e não poderia ser diferente, pois quem pagava a conta de todas as concessões não estava lá, ou seja o povo, o chefão de todos bate o martelo – modo simpático de dizer – pois, na verdade, bate os quatro dedos de sua mão esquerda sobre a mesa, dizendo: Combinado, então, companheiros! Ao saírem, não se esqueçam de dizer que estávamos discutindo como o ministro Jobim terá que convencer os franceses da nossa astúcia em usar uma sonda da Petrobrás para encontrar a caixa preta do AF447, tal qual eu já prometi. Ora, quem acha petróleo a 6000 metros de profundidade, no pré-sal, não vai encontrar uma caixa preta a 4000 bem no meio do sal? Insistam nisso! Certo, companheiros?

A essa altura, confesso, já tinha me arrependido de ser invisível, ouvindo tudo aquilo sem poder ao menos, também, garantir um pequenino naco que fosse daquela ampla e ilimitada distribuição de gentilezas pelo apoio ao 3º mandado.

A turma toda troca os risinhos marotos por caras de homens sérios e sai pelos corredores do Palácio circunspectos. Declaram aos microfones da imprensa suas tristezas pelas mortes do trágico acidente aéreo, mas afirmam, quase em lágrimas, que o governo está fazendo o possível para que, em breve, Nelson Jobim entregue a caixa preta do Airbus desaparecido, bem como a transcrição das mensagens dos pilotos captadas pelos sistemas de escutas da ABIN e da Polícia Federal.

Sem mais o que descobrir, enfio a mão no bolso e leio as instruções para voltar a ser visível, isto após ter caminhado do pôr-do-sol até o amanhecer quando, então, a fórmula mágica seria pronunciada:

“Marmariaotb marmaipbengue, faça-me visível para os homens ao meio-dia de hoje, já, já, pronto, pronto”
Agora que sei que o 3º mandato já está encomendado, só me resta aplicar outro dos ensinamentos de magia para tentar matar essa pretensão. É o que ela me orienta: “pegue uma placa de chumbo e escreva nela com um estilete de bronze a expressão “3º mandato”, unja tudo com sangue de morcego; abra o ventre de um sapo e coloque-a dentro; costure com fio de anúbis e uma agulha de bronze. Enterre-o numa vala aberta no Paranoá junto com pelos da ponta do rabo de uma vaca negra. Ao leste desse lugar, perto do amanhecer, pronuncie estas palavras”:

“Senhores anjos, da mesma forma que esse sapo se abre e seca, assim também o 3º mandato os conjura a vós, os que estão acima do fogo...”

Edson Pinto
Junho’09

4 de jun. de 2009

82) O ATENEU DOS MALANDROS

A personalidade controvertida do escritor Raul Pompéia, considerado um dos principais nomes do Realismo literário brasileiro, levou a sua própria vida a extremos inusitados:

Primeiro, devido a uma rixa intelectual com Olavo Bilac, desafia-o a um duelo armado. Isso decorre no bojo da escalada de ofensas pessoais entre ambos quando o grande poeta torna publico o fato de que Raul Pompéia tinha como hábito se “masturbar às altas horas da noite, numa cama fresca e à meia-luz da lamparina mortiça, enquanto recordava amoroso e sensual, todas as beldades que vira durante o dia”.

Que maldade!

O duelo só não se consumou porque o árbitro da luta em eficiente mediação consegue que ambos os desafetos desistam, na hora H, de tamanha insanidade. Trocam um aperto de mãos e dão o episódio por encerrado.

Não muito tempo depois, aos 32 anos, no Natal de 1895, o irrequieto escritor suicida-se, deixando uma obra literária importante com tonalidades que o aproximava do estilo impressionista. É de Raul Pompéia a obra “O Ateneu” que todo amante da língua portuguesa deveria ler. A propósito, ateneu é o local público onde na Grécia antiga lia-se obras literárias. Pode significar também academia ou local de ensino. No caso deste romance, refere-se ao nome do colégio que o personagem freqüenta no Rio de Janeiro de fins do século XIX.

Quero pegar desse episódio apenas a face irrequieta e defensiva do escritor para relacioná-la com figuras muito comuns nos dias de hoje. Aliás, personalidades com sensibilidade extremada como as de Raul Pompéia inundam o nosso cotidiano. Masturbam-se ou não, isso não me interessa. Interessa, sim, constatar que bravateiros ferozes continuam desafiando com absoluta desenvoltura a todos aqueles que lhes apontam comportamentos escusos.

A governadora do Rio Grande do Sul, estado de rica história e de enorme peso no cenário nacional, Yeda Crusius, ao ser confrontada com uma séria e bem documentada acusação de que lançara mão de doações de campanha para benefício pessoal, resolve contra-atacar na mais típica forma de duelo: Desafio a provarem o que estão falando! Processarei quem me acusa! Nunca fiz nada de errado e coisas do gênero...

Marcelo Cavalcante, seu ex-assessor que misteriosamente morreu nas águas do Paranoá, em Brasília, e que seria o pivô das acusações, é, por razões óbvias, carta fora do baralho. Os interesses partidários locais conduzem à manutenção da governadora até o final de seu mandato independente da apuração da verdade sobre o caso. Usou dinheiro da campanha? Comprou uma casa com tal dinheiro? Isto tudo não tem a menor importância para aqueles que só pensam em defender o seu próprio interesse. Esse caso nos cheira a Celso Daniel e a outros que o tapete da pátria amada ultimamente tem escondido com tanta freqüência e naturalidade.

O duelo de Raul Pompéia não chegou a acontecer, embora a figura irrequieta do polêmico escritor o tenha levado ao extremo ato de tirar a própria vida. Mas, convenhamos, isso ocorreu nos tempos em que masturbar-se à meia-luz de uma “veilleuse” mortiça era coisa muito séria...

Edson Pinto
Junho’ 2009