29 de mar. de 2008

13) DEMOCRACIA FAZ BEM... (março'08)

O verdadeiro espírito democrático implica em respeito profundo a valores fundamentais, como a cooperação entre as pessoas, a tolerância para com as diferenças e o compromisso para com os nossos objetivos comuns.

Se há algo que a nossa sociedade aprecia – mesmo que as pessoas não a expressem de forma aberta e consciente – é a liberdade que vimos gradativamente adquirindo para externar livre e responsavelmente nossas idéias, sejam elas boas ou não. Felizmente - com raras e pontuais recaídas - agora nos encontramos livres do julgo da mão maldita da censura.

Quem viveu criticamente sob um regime de poucas liberdades, sabe o quanto é importante termos uma imprensa livre, um governo transparente e um povo politizado e com liberdade para a plena de expressão de suas idéias. Desde que a mente coletiva não sofra um “apagão” histórico mental, tenho certeza de que não haverá razões para que alguém, de bom senso, venha a alimentar o desejo de uma volta ao passado duro dos regimes ditatoriais e de poucas liberdades como alguns que caracterizaram o Brasil do século XX.

“A intolerância é em si uma forma de violência e um obstáculo ao desenvolvimento do verdadeiro espírito democrático” Assim nos legou o grande Mahatma Gandhi.

Com este pano de fundo, me permito - livre e democraticamente - analisar e fazer minhas criticas à retrógrada visão de mundo com que o quase centenário Partido Comunista Brasileiro, PCB, na quinta-feira, 20/03/08, interrompendo a programação normal da TV, veio nos apresentar.

Democracia é isto mesmo: a mesma liberdade que têm para expor seus pontos de vista, aplica-se, também, a quem quer criticá-los, como o faço aqui e agora:

Não bastaram o fim da União Soviética, a queda do muro de Berlim, nem os patéticos e retumbantes fracassos das economias de Cuba e da Coréia do Norte para demonstrar aos militantes do PCB a inviabilidade do modelo socialista para o desenvolvimento dos povos e de suas Economias.

Será que alguém minimamente ligado às coisas do mundo ainda engoliria o discurso do Secretário Geral do PCB, Sr. Ivan Pinheiro, quando diz:

“A América Latina vive um momento histórico. Nossos povos já não aceitam as políticas neoliberais. O PCB dá sua solidariedade militante ao processo revolucionário e às lutas antiimperialistas na Venezuela, na Bolívia, no Equador e em outros países. Apoiamos os esforços do presidente Chaves no sentido de considerar as FARC como força beligerante e evitar uma guerra entre paises irmãos”.

Quanto atraso, quanto falta de sintonia com este mundo que já demonstrou, até mesmo na atual capitalista e próspera Rússia (remanescente da União Soviética), de que o crescimento das economias e a melhor distribuição de renda passam necessariamente pelo modelo capitalista?

Parecem, ou fingem, desconhecer que as economias que socializaram os seus meios de produção, e aboliram, entre outras, a propriedade privada e a livre iniciativa, como é o caso das nações comunistas do século XX, se estagnaram e não deram respostas adequadas às necessidades dos menos favorecidos.

E quanto ao seu ponto de vista concernente à ultrapassada idéia fixa de um imperialismo pernicioso na figura da nação mais avançada do mundo, os Estados Unidos?

“Repudiamos o governo fascista da Colômbia, lacaio dos Estados Unidos que querem invadir a Venezuela na tentativa de frear o processo de mudança na América Latina e forçar uma guerra regional para se apropriar do petróleo da Amazônia”.

Os comunistas mantém esse ranço histórico de que os poderosos querem usurpar os “pobres coitados” e que somente o embate entre trabalho e capital, explorados e exploradores, socialismo e capitalismo poderá resolver esse conflito eterno. Leram Marx, mas não leram Adam Smith...

E ainda acreditam, e sonham e deliram que a revolução cubana segue em frente com a consolidação do socialismo: “Prestamos nossa homenagem ao comandante Fidel Castro e à revolução cubana que segue firme na construção do socialismo”. O Fidel já está fora de cena e a própria Cuba, nesta semana, começa a fazer – ainda que timidamente – sua abertura para uma economia com matizes capitalista.

A utopia do PCB, se verdadeira, chega a parecer uma miragem de deserto: “O PCB se empenha para que a luta dos povos contra o imperialismo leve à superação do capitalismo, na conquista de uma sociedade sem explorados, nem exploradores, com uma sociedade socialista”.

O que me deixa feliz é que hoje podemos livremente receber mensagens como as que reproduzi neste meu pequeno ensaio critico e contestá-las como estou fazendo. Antes, sem liberdade de expressão, não haveria como entender o quão equivocadas e ultrapassadas tais idéias se nos apresentam.

Sem ter a pretensão de um infame trocadilho, ouso em dizer que, mais valia aos comunistas revisarem suas posições históricas para agregarem idéias social-democratas ao capitalismo do que insistirem em teses derrotadas.

A democracia não é perfeita. O capitalismo, também, não. Mas, como na há alternativas melhores, o que nos resta a fazer é contribuir para que sejam permanentemente aprimorados.

23 de mar. de 2008

12) CONSELHO AOS PEQUENOS EMPRESÁRIOS (março'08)

Se me perguntarem qual o maior risco que um pequeno empresário enfrenta na economia brasileira dos dias de hoje, eu respondo sem a menor hesitação:

O risco de conflitos trabalhistas.

Há riscos de diversas naturezas: risco de avaliação inadequada do mercado; risco de enfraquecimento temporário ou permanente das condições macro-econômicas do país; risco de maior agressividade da concorrência; risco de dificuldades com fontes regulares de fornecimento, quer de matérias-primas, quer de produtos para revenda. Poderia citar muitos outros riscos, mas vamos ficar nesses que se demonstram como os mais evidentes.

Os conflitos trabalhistas, estes, principalmente para os pequenos negócios e para as empresas novas de pequeno porte, vêm tomando uma proporção antes inimaginável e – infelizmente – de difícil solução, pois envolve gente, sentimentos, esperteza, tudo isto suportado por uma rede enorme de facilitadores de contendas onde o vil metal alimenta os maus empregados, os oportunistas e até mesmo os intermediários pleiteantes. Embora, não objeto da análise deste artigo, vale a pena alertar que tal problema já se torna comum até mesmo nas relações com o trabalhador doméstico.

Tomemos como ponto de partida a situação de um jovem empreendedor, cheio de planos para abrir seu próprio negócio e crescer com ele. Nada mais democraticamente capitalista do que essa possibilidade de que alguém gere riqueza para ele próprio e, por extensão, para outras pessoas e para a sociedade. Afinal, desde que Adam Smith produziu sua célebre investigação sobre a natureza e causa da riqueza das nações, é sabido que o sucesso econômico do país é a resultante do somatório dos sucessos individuais de seus agentes.

Adam Smith reforçou seu pensamento ao afirmar "não é da benevolência do padeiro, do açougueiro ou do cervejeiro que eu espero que saia o meu jantar, mas sim do empenho deles em promover o seu próprio auto-interesse".

Pronto! Vencidas as agruras da concepção do plano de negócios, do desenvolvimento das fontes de fornecedores, da abertura formal da empresa, contas bancárias, fontes de financiamento e tudo o mais que se faz necessário para o negócio começar a existir, aí ele, o jovem empresário, se encontra diante da necessidade de arregimentar pessoas para auxiliá-lo na tarefa de levar a sua empresa avante.

A tendência é de que ele fique flexível para admitir as pessoas e assim começar logo a trabalhar. Não há tempo a perder, a concorrência está na espreita e o taxímetro dos compromissos fixos e impostos não para de girar e, cada vez mais velozmente.

Aqui começam os problemas: A legislação brasileira – como sabido – é extremamente rigorosa com as relações entre capital e trabalho. O jovem empreendedor, na maioria das vezes transmite aos seus empregados o seu entusiasmo para a superação das dificuldades inerentes ao novo negócio. Muitas vezes, ou por desconhecimento, ou por ilusão de que os seus empregados estejam - tal como ele - empenhados verdadeiramente no sucesso do empreendimento, ou mesmo por decisão de redução de custos, deixa de cumprir, na maioria das vezes em comum acordo, verbal ou mesmo formal, com o empregado, o rigor da lei no que diz respeito à:
1) Registro da Carteira de Trabalho como pré-requisito ao início do trabalho
2) Exigência de assinatura pelo empregado de um livro ou ficha de presença com horários para entrada, intervalos para descanso, refeições e saída.
3) Horas-extras devidamente anotadas e remuneradas.
4) Concessão dos horários de intervalos para descanso ou almoço conforme estabelece a CLT e/ou a Convenção do trabalho do respectivo sindicato.
5) Concessão do vale transporte, se for o caso.
6) Observação dos critérios para trabalho aos domingos e feriados no caso do comércio e de outras atividades profissionais.
7) Concessão das férias no tempo e pelo prazo legais.
8) Remunerações obrigatórias e/ou benefícios espontâneas fora a Folha de Pagamentos para que, tanto e empregador como o empregado, reduzam sua carga tributária, e outros.

A relação entre empregado e empregador pode ter sido uma maravilha durante o período em que tiverem vínculos trabalhistas formais, ou não. Se não, pior ainda...

A realidade é que, passado não muito tempo desde que o vínculo se desfaz – sou capaz de arriscar um palpite – que, nove em cada dez ex-empregados “tendem” a recorrer à Justiça para reclamar algo em que julgam terem sido prejudicados e - como ninguém é de ferro e vivemos num mundo regido pelo "l’argent”-: levantar uma graninha...

E isto é muito fácil. Há o Sindicato que oferece por “custo baixo” um advogado para entrar com a Ação. Advogados independentes que também por “custo baixo” podem ser contratados. Na maioria das vezes a remuneração desses profissionais é feita na base “ad exitum”, isto é, ganham uma parte pré-estabelecida do valor sentenciado.

Em praticamente 100%. Eu disse 100%, das ações, o rol de pleitos do reclamante é exatamente o mesmo, pois já está lá no computador do intermediário pleiteante e ele só troca os dados básicos. Como ao reclamado - no caso a empresa - fica o ônus da prova, é mamata. Basta reclamar tudo que no final das contas sempre sobra algum a ser recebido no Acordo ou na decisão final.

Criou-se a cultura da esperteza por parte de boa parte de empregados que ficam de empresa em empresa pelo tempo suficiente para gerar uma condição para a reclamatória.

O empregador – principalmente se for um neófito – logo começa a perceber que o seu objetivo é conflitante com o dos empregados que tão entusiasticamente arranjou. Toda aquela liberdade que deu ao seu empregado, os dias que ele faltou e nem compensou, as saídas urgentes para resolver problemas particulares e familiares, os presentes que deu, o dinheiro que adiantou de maneira informal, a confiança que lhes depositou não valeram para nada.

Agora, ele tem um inimigo, um crítico que acha que o patrão está ganhando muito e que ele “pobre coitado” só o ajudou a enriquecer sem ter sido magnanimamente bem recompensado. Mal sabe ele que, às vezes, o patrão encontra-se ainda comprometidos com dividas, tendo dependurado sobre sua cabeça a terrível espada de Dâmocles que representa o risco do negócio e suas conseqüências financeiras.

É de se lembrar que as estatísticas indicam que de dez pequenas novas empresas, sete, sucumbem antes de completar dois anos de vida. O risco é inerente ao espírito do empreendedor e disto o empregado não participa.

Infelizmente, isto nos remete à crítica ao comunismo que fracassou em escala global por que a utopia marxista de uma repartição equânime do lucro não encontrou correspondência em uma dedicação equânime de esforços.

Por mais liberais que queiramos ser até mesmo para que o ambiente de trabalho seja harmonioso e haja cooperação, fica aqui a orientação de quem - por experiência profissional - tem aprendido muito sobre o tema.

Quer montar seu próprio negócio e precisará de empregados?

Registrem-nos antes de mesmo de adentrarem ao seu ambiente de trabalho já no primeiro dia de vínculo empregatício, mesmo que sejam parentes ou amigos próximos.

Sigam, rigorosamente, todas as instruções de controles e obrigações que o seu escritório de contabilidade vier a lhe passar sobre o controle dos empregados. Se o escritório não passar essas instruções, mude de escritório, pois certamente os problemas futuros terão que ser pagos por você e não por ele.

E, finalmente – como se diz popularmente – tente fazer desse limão uma limonada. Passe a entender que se a lei for rigorosamente cumprida, pouco espaço sobrará para que os espertos tirem proveito de alguma de suas falhas. O mesmo rigor da lei que protege o empregado pode também proteger o empregador. Quando tudo está em ordem, fica mais fácil se defender, embora - lamento muito dizer - ainda não será suficiente para evitar uma ação trabalhista quando o ex-empregado pertence a esse grupo de espertos que vicejam na banda podre do mercado de trabalho.

Há, felizmente, no Direito uma figura pouco utilizada em nosso país. Trata-se da chamada Litigância de Má-fé que é caracterizada pelo uso abusivo do direito de se recorrer à Justiça. Para ter êxito é preciso, contudo, a existência de provas robustas. Habituem-se, portanto a guardar registros, pedir recibos, fazer declarações e manter o máximo possível de provas de que você agiu corretamente na relação de trabalho, senão, vai pagar, e não raro vai pagar em dobro, em triplo, em...

Tão aborrecido quanto o fato de se ter um ex-funcionário como um inimigo atual é a real possibilidade de que esses gastos não previstos possam, até mesmo, comprometer a continuidade do tão sonhado negócio-próprio.

Edson Pinto
23/03/08

19 de mar. de 2008

11) O TESOURO DE TIÃO (Um conto de amor) - (março'08)

Tião não era propriamente o que se chama de um matuto no sentido de quem fora criado dentro do mato, mas sim um homem simples, daquele tipo que vive da terra e por isso apresenta-se com um jeitão rústico, tosco. Mas – é importante que se diga - por detrás daquela cor acobreada pela faina diária do campo havia uma determinação quase que doentia por ganhar dinheiro...

Difícil entender aquele amor de Tião pelo vil metal. Ele nascera num ambiente típico de vida do campo. Plantava, como fizeram todas as gerações familiares que lhe antecedera, colhia o que era necessário para a sobrevivência e o que lhe excedia na horta e no roçado nunca se transformava em coisas supérfluas que pudessem passar para os seus parentes, amigos e mesmo aos poucos inimigos, a mínima idéia de que ele estava ficando próspero.

Tião era a expressão máxima da naturalidade, sugeria ingenuidade, desafetação. Puro, trabalhador, respeitoso com todas as donzelas do povoado, um bom filho, mas calado, monossilábico, cara de poucos amigos. A vida de Tião era só dele e de mais ninguém...

Já passava folgadamente dos trinta e nada de casamento, nada de mulheres em sua vida senão as cinco irmãs e D. Cidinha, a eterna mantenedora da capela local, que usava e abusava do seu voluntarismo para, semanalmente, abastecer o altar com flores que ele colhia nos campos da região.

Começou até a circular um boato de que, ou Tião não era chegado em mulher por uma “questão de nascença” como diziam por lá, ou, como especulavam os mais maliciosos, talvez ele mantivesse um relacionamento com D. Cidinha. Na verdade, isto era uma heresia, uma maledicência das mais perversas e insustentáveis, pois D. Cidinha com seus mais de 80 anos era a mais respeitada das senhoras de todas aquelas paragens.

Além da rotina diária de trabalho no roçado e na horta que ia das 4 da manhã, tão logo o galo começava a cantar, até o cair da noite, Tião só tinha duas outras atividades regulares na semana: Todos os sábados, à noite, ele ia ao vilarejo dos garimpeiros e no domingo, com o sol nascendo, ia ao campo colher as flores e de lá já se mandava diretamente para a capela de São Judas onde as colocava no altar, e, na sacristia - sempre sozinho – ritualmente abraçava na altura do pescoço a grande imagem daquele que é considerado o patrono das causas perdidas, São Judas Tadeu.

O povo mal começava a chegar para a missa das 7 e Tião já estava de volta para o seu Rancho. Afinal, a horta e o roçado mereciam, também, seus cuidados dominicais.

Somente duas de suas irmãs mais velhas e uns poucos amigos mais próximos ainda tinham vaga lembrança de que Tião, adolescente, fora preterido por Neuzinha, a mais encantadora moçoila daquele fim de mundo. Ela, mesmo namorando todos os endinheirados e bons partidos das redondezas, ainda encontrava-se solteirinha da silva...

Tião era tímido, orgulhoso, e apesar de doce d’alma, guardava um desafio em seu coração e um plano em sua cabeça.

Mais de duas décadas se passaram desde o dia em que ele, humilhado, cabisbaixo afastou-se de Neuzinha no pátio da escola em que ambos estudavam e onde - bem naquele dia – comemoravam os seus respectivos 15 anos. Com palavras entrecortadas de soluços, Tião apenas conseguira proferir um auto-desafio que só ele, e talvez a própria Neuzinha, tenham registrado.

Eram almas gêmeas, nasceram exatamente no mesmo dia, foram batizados na mesma missa e aprenderam a tabuada com a mesma professora naquela mesma escola, mas ela tinha planos e ele apenas sonhos...

Neuzinha, linda, romântica, mas racional, acabara de recusar o seu amor por não vislumbrar-lhe condições de levá-la para a cidade e realizar os seus sonhos de vida. Mas havia – quer queiram quer não – um segredo entre os dois. E, pelo o que os fatos tudo indicam ela não se comprometera de forma irremediável com outro homem, como se fosse para esperá-lo a cumprir a sua promessa.

Toda a vida de Tião fora pautada por aquele desafio que em seguida virara promessa a São Judas Tadeu e acabara em uma grande obsessão. Ele tinha que reconquistar Neuzinha, tal qual prometera naquele longínquo dia de aniversário comum.

No próximo domingo, Tião iria completar seus 40 anos. Neuzinha também. Vinte e cinco anos se passaram e estava na hora de resgatar o seu plano, pagar sua promessa e colocar sua vida em dia para seguir em frente.

Tomado de grande coragem, consegue marcar com Neuzinha um encontro antes da missa das 7, daquele domingo de aniversário comum, lá na capela de São Judas. Em lá se encontrando, dirigem-se até a sacristia e com a ajuda de uma ferramenta, Tião quebra a base da imagem do santo e de lá despencam, como da cornucópia mitológica, o ouro, os diamantes e outras pedras preciosas que ele, domingo após domingo, ao longo de 25 anos depositava pelo oco do pescoço do Santo.

Era tudo e muito mais do que ele mesmo imaginava para reconquistar a sua Neuzinha. Ele tinha, naquele dia fatídico, prometido a si mesmo e a ela que seria um homem rico...

Ela, ainda linda, jamais tinha levado a sério aquela promessa juvenil de Tião. Aquilo não fazia mais sentido, era, para ela, uma vaidade da sua adolescência que havia se perdido com o passar do tempo.

Para ele, que nunca mais havia falado com ela, aquilo era tudo. Era mais do que simplesmente um tesouro real, uma grande fortuna. Era a forma de demonstrar para Neuzinha que ele a amava de verdade. Que não haveria motivos suficientes para impedir que a vida lhes colocasse juntos mais cedo ou mais tarde.

Aquele era o momento... A força do querer tinha superado pacientemente todas as agruras da vida, todas as tempestades do caminho e, assim, tudo haveria de se realizar...

E tudo se realizou...

Edson Pinto
19/3/08

16 de mar. de 2008

10) BARRADOS EM BARAJAS (março'08)

Os jornais repercutiram durante as últimas semanas os tristes episódios dos brasileiros que são impedidos de entrar, ora na Espanha, ora nos Estados Unidos, ora nos demais países da Comunidade Européia e não sei lá mais onde...

Parece que ninguém gosta mais da gente. Seria isso mesmo ou não passa de mais um desses efeitos morais purificadores de conotação catártica que nos assolam vez por outra? Seria como - ou seria o contrário - do que Augusto Meyer em “A Chave e a Máscara” nos lega ao se referir a Hamlet, de Sha-kespeare? "Tragédia sem catarse que, ao lento cair do pano, só nos deixa, como objeto de meditação e fruto amargo, uma interminável fila de interrogações..."

E o pior: Justamente agora que a economia do país parecer ter inflado a sua grande vela e com isso passa a turbinar orgulhosamente a nossa auto-estima. Enchemos a nossa própria bola e aí vem uma “autoridadezinha” da Imigração de um país qualquer e nos diz ao estilo da Hebe Camargo: “Nan-nan-nin-nan-não”, agitando-nos o indicador como se fosse um limpador de pára-brisas. E, “pluft”, nos botam cabisbaixos no primeiro avião de volta ao patropi.

E dá-lhe falação...

O que observo, infelizmente, é que, poucos analistas têm considerado, até agora, em suas abordagens a este polêmico tema que essa problemática se manifesta tendo como pano de fundo o traço psicológico mais marcante do povo brasileiro que – ou o mundo não quer compreender ou nós não conseguimos, ainda, fazê-los nos entender e nos apreciar. Aos diabos com a modéstia...

Somos diferentes, sim, senhor! Fazer o que?

Sem que entendamos bem isto, é quase impossível tentar acomodar-nos ao mundo. Assim dito - humildemente - para não sugerir o contrário...

Nizan Guanaes escreveu sobre o seu orgulho de ser baiano, enaltecendo a alegria e a luz de seu povo, a beleza de seu céu sem igual. Até este simples escriba, aqui - vira e mexe - gasta tinta também para expressar o seu orgulho de ser mineiro.

Todos nós brasileiros, tal qual fazemos com a paixão pelo futebol que nem inventamos (isto se atribui aos ingleses), mas amamos e expressamos nossa paixão sem limites para com o clube de coração, fazemos também o mesmo para com o nosso rincão de origem, com o nosso Estado, com a Região de nossa procedência, com o Brasil, enfim.

É incrível, como somos diretos e não poupamos falta de modéstia quando falamos das nossas coisas. Bem ao estilo futebolístico, mesmo: O meu time pode estar na zona de rebaixamento, ou já rebaixado como um grande de fato está, mas, mesmo assim e, apaixonadamente, argumentamos que ele é e será para todo o sempre, o melhor. É assim também com o Brasil.

Quer país de estradas mais esburacadas do que o nosso? E que venha um gringo criticar nossas estradas. Ficamos tão ofendidos que até somos capazes de encontrar alguma vantagem, antes impensável e insustentável, para defendermos aquela cratera, como a que me custou dois pneus quase novos em recente viagem pela Fernão Dias.

Esse amor ao que é nosso é que nos confunde a todos quando nos confrontamos com o mundo. O brasileiro vai para Boston, Michigan, Montreal, Lisboa ou Madri, mas não consegue se libertar de sua origem, de sua essência. “Se eu me chamasse Raimundo seria apenas rima, não seria solução”, e não muda... É o Drummond que habita cada um de nós.

Regras para entrar no país dos outros? Que nada! Sempre conseguimos dar um tapinha nas costas, soltar um sorriso, batucarmos um sambinha em uma caixa de fósforos, tomarmos uma cerveja bem gelada e entabular uma conversa fiada para que tudo se resolva a nosso favor. Sempre funcionou no Brasil, por que não funcionaria na Imigração de Atlanta, de Heathrow em Londres, de Schipool em Amsterdã ou na de Barajas em Madri?

Está na hora de entendermos que temos sim de agir e parecermos “Raimundos”, esforçando-nos para - além do simples propósito de rima - ser também uma solução, pelo menos quando sairmos de casa.

Embora prevaleçam os temores do pós 11 de setembro que contagiaram o mundo tornando-o menos interessante, há por trás de toda essa neurose de controle sobre o livre fluxo de pessoas, razões de ordem econômica, o protecionismo ao mercado de trabalho, a negação dos benefícios do “welfare state” que, egoisticamente, se lhe reservam.

É curioso o fato de que centenas de milhares de brasileiros que já migraram têm a força extraordinária de se submeterem às vicissitudes inerentes aos alienígenas, sem saberem que, com muito menos força, poderiam agir dentro do nosso próprio país para – politicamente - contribuírem para a melhoria de nossas condições de vida. Não nos falta solo, não nos falta sol, nem água, nem rios nem florestas. O país tem tudo e muito mais. Só nos falta um pouco mais de racionalidade face ao muito de paixão que nos caracterizam.

Mas se um dia – qualquer que seja a sua razão – tenha trocado o Brasil por outro país e sendo confrontado por um Agente de Imigração sobre o fato de que - sendo o Brasil um país tão bom - o porquê de não fica lá, você possa responder, como Nizan respondeu pela mesma questão sobre a sua Bahia: Saí do Brasil porque lá não consigo me destacar, pois todos são brasileiros.

Edson Pinto
16/03/08


(domingo carrancudo com o São Paulo levando de 4 x 1 do Palmeiras)