12 de nov. de 2020

323) EMPATIA, O QUE SERÁ?

 

Sabe aquela pessoa que, no Museu do Louvre, não consegue ter nenhuma manifestação emocional diante da Monalisa de Leonardo da Vinci?  No Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofia, em Madri, diante do Guernica de Pablo Picasso, comporta-se em absoluto alheamento? Ou, na Capela Sistina, em Roma, dá mais importância à dor de pescoço que teve por ter de olhar para cima para admirar o magnifico afresco de Michelangelo, do que ao que a obra representa?

Pode ser ainda aquela outra que mesmo defrontando-se com a morte de milhares de pessoas por uma epidemia devastadora são incapazes de se colocar no lugar dos que sofrem pela perda de entes queridos, pois acham que a assim mesmo... Que todos nós um dia vamos morrer, e coisas do gênero?

Sim, elas existem! E o que lhes unem numa categoria toda à parte é o que comumente chamamos de pessoas que não são capazes de ter e demonstrar empatia. Para que não fiquem dúvidas, vai aqui a definição do dicionário Aurélio:

“Empatia é a capacidade psicológica para se identificar com o eu do outro, conseguindo sentir o mesmo que este nas situações e circunstâncias por esse outro vivenciadas. Ato de se colocar no lugar do outro”

Porém, é aqui que o diabo mora...

Como alguém que se propõe a liderar um grupo social, pequeno ou grande. Uma família; uma associação; uma entidade pública ou privada ou até mesmo uma enorme nação com milhões de habitantes, pode fazê-lo desprovido dessa capacidade psicológica tão básica?

Como pode um líder ter influência sobre seus liderados se não for capaz de ter empatia para com eles? Há hipóteses para isso: a credulidade inocente de pessoas que deixam que outros moldem o seu comportamento, as suas ideias e opiniões sem um mínimo de questionamento. Servem como massa de manobra para os falsos líderes. Outra hipótese é a de que tais liderados são farinha do mesmo saco, desprovidos também de empatia...

Se acreditamos que o homem é por essência bom, mais cedo ou mais tarde, a sociedade se dará conta de que líderes sem empatia devem ser descartados. Mas, se associarmos à vertente que propugna o homem como sendo mau, por natureza, aí só restará à sociedade a esperança de que esse grupo de sem empatia seja pequeno ao ponto de não ter votos suficientes para eleger falsos líderes...

Edson Pinto

Novembro, 2020


11 de set. de 2020

322) POR QUE NÃO PARAS RELÓGIO?

Com o primeiro salário do meu primeiro emprego formal, então com 14 anos de idade, em março de 1963, comprei o meu primeiro relógio de pulso. Façanha tamanha para quem não só se via equipado com o instrumento símbolo da modernidade como o fazia com recursos próprios...

Minha memória me recoloca, agora, no trecho de poucos quarteirões da Rua Carijós que liga a Avenida Paraná à Praça Sete, e dali, pela Avenida Afonso Pena, até ao viaduto Santa Tereza com destino a Philips na minha Belo Horizonte de lembranças imorredouras. Queria que o relógio andasse rápido. A vida tinha muito ainda a me mostrar...

4, 5 vezes, em média, nessa breve caminhada, era parado por gente ciosa do cumprimento de seus compromissos pessoais, mas desprovida do instrumento de que eu, orgulhosamente, já era possuidor, um relógio portátil, meu companheiro de todos os dias:

__ Por favor, que horas são?  __ Poderia me dizer as horas?  __ Já são 8 horas?

Essa faceta civilizatória que sanciona a qualquer um o direito de interromper o fluxo regular da vida de um desconhecido para satisfação de uma necessidade bem pessoal é, sem dúvidas, tipicamente brasileira. Estejamos absorvidos por preocupações importantes, mesmo assim não nos sentimos, ou não sentíamos, na época, incomodados pela intromissão de um estranho só para compartilhar conosco as horas que o nosso relógio marcava.

Não era só pelo prazer de ajudar a quem me dirigia a pergunta. Havia também, no fundo daquela alma juvenil, a satisfação de quem se tornara importante por ter tomado a decisão correta de investir o modesto ganho de aprendiz em algo tão útil, tão moderno, tão cobiçado...

Claro que aquele relógio só funcionava às custas de dar-lhe corda várias vezes ao longo ao dia. Atrasava ou adiantava um pouco, sim, mas isso não fazia diferença para que nem relógio tinha, não é mesmo? Afinal, a vida moderna já tinha feito da pontualidade uma questão de grande significado. Eu continuava, contudo, desejoso de que as horas passassem ligeiras...

A modernidade e os anos avançaram.  Fez-se, o relógio, onipresente. Hoje, ele está nos braços de todos, nos vários cômodos de nossas casas, nos celulares, na tv, no computador pessoal, no topo do edifício e até em lugares inimagináveis.

Agora, não me param na rua, nem a ninguém mais, a perguntar pelas horas. Fechou-se mais uma oportunidade de contato e integração social. Para além disso, pelo menos para mim, também já não tenho mais o desejo de que as horas passem rápidas. Pelo contrário - como na antiga canção -, e se possível fosse, pediria aos relógios que detivessem o tempo, tornando a minha vida e a de meus amigos, perpétuas...

Edson Pinto

Setembro’ 2020

26 de ago. de 2020

321) LIVRO QUE RECOMENDO

 

Não é necessário ser cientista, bioquímico, infectologista ou ter formação em áreas da biomedicina para entender como uma epidemia pode ser cruel para com a humanidade.

Qual é a diferença entre bactéria e vírus?

O que é um antígeno?

O que é um patógeno?

Como funciona o nosso sistema imunológico?

Como uma doença transmissível se torna uma pandemia?

Isso e muito mais encontramos no livro de John M. Barry, A Grande Gripe, que analisa a fundo a injustamente chamada “Gripe Espanhola” que, na verdade, começou nos Estados Unidos e matou entre 1918 e 1919 mais de 50 milhões de pessoas mundo afora. No critério de mortes por milhão de terráqueos, o número, hoje, equivaleria a cerca de 400 milhões de vidas perdidas.

Esse livro foi publicado pela primeira vez em 2004, portanto 16 anos antes da pandemia que ora enfrentamos. Há no livro um pouco de tudo, desde programas de enfrentamento equivocados até negacionismo, avanços científicos, arrogância política, erros de análises, rápido desenvolvimento de vacinas, de soros, e tentativas infrutíferas de uso de medicamentos alternativos como o quinino, base da nossa hoje debatidíssima cloroquina.

Tem mais de 500 páginas que valem cada minuto de leitura. Além de jogar luz sobre o tema científico de fundo, ilumina também essa nevoenta estrada política que bifurca a todo momento ora para o lado certo, ora par o lado errado. Com tão pouca visibilidade, a chance de errar o caminho é enorme.


Edson Pinto

Agosto, 2020

20 de ago. de 2020

320) CORTADORES DE JACAS

 

“Neste mundo de misérias
Quem impera
É quem é mais folgazão
É quem sabe cortar jaca
Nos requebros
De suprema, perfeição, perfeição”

(Chiquinha da Silva, maxixe

Corta-Jaca de 1895)


Há certas expressões populares que nunca deveriam cair em desuso.  “Corta-jaca” é uma delas. Claro que a vida longeva já tinha registrado em minha mente quem foi Chiquinha da Silva, quem foi Machado Careca, seu parceiro de composição, e o que fizeram para que o brasileiríssimo ritmo maxixe, do final do século XIX, desempenhasse importante papel na buliçosa cultura popular do país recém republicanizado.

Não era apenas mais um ritmo fruto da nossa abundante veia musical que o populacho aprendeu a gostar. Gostava também do cateretê, do batuque e do samba, este, como sabido, expressão máxima da nossa alma lírica. O “corta-jaca” tinha uma conotação desdenhosa que o povo prezava em sua ironia político/coletiva. Corta-jaca também significava o que hoje consagramos como “puxa-saco”.

Sabe-se pela apresentação da encantadora cantora mineira, Lysia Condé, que a multiartista Nair de Tefé, também primeira dama da República, em 1914, em festa de despedida de mandato de seu marido Hermes da Fonseca convidou Catulo da Paixão Cearense para executar o maxixe Corta-jaca na presença de autoridades políticas de nomeada nacional.

Óbvio que deu rebu de elevadíssima repercussão... A imprensa reverberou o discurso do Senador Rui Barbosa, desafeto de Hermes da Fonseca, em que desqualificou, de forma atroz, o evento. Mas fê-lo como critica ao despudor que via no ritmo maxixe: “mais baixa, mais chula e mais grosseira de todas as danças selvagens...”

Mas será que o motivo do protesto foi realmente esse, o inocente ritmo brasileiro que é acompanhado de criativos passos de pés juntos imitando o facão com o qual se corta a fruta da jaqueira? Acho que não... Lendo-se a primeira estrofe da letra que vai na introdução deste texto encontra-se a resposta. A questão é política: com tanta miséria só os folgazões, os gaiatos, quem sabem cortar jaca, isto é, sabem puxar-sacos, é que se dão bem. Não era evidentemente o caso do grande Rui, mas sim o contexto político.

Como se sabe, nada mudou de lá para cá neste comportamento social, chamemos corta-jacas ou puxa-sacos as atitudes continuam sendo as mesmas. E não se corta-jaca por convicção moral, despretensiosamente... Corta-se jacas, ou puxa-se sacos para se sair bem. Na política, infelizmente é o que mais se vê...

Edson Pinto

Agosto’2020

Para se ver a apresentação de Lysia Condé, clique neste link: https://www.youtube.com/watch?v=4wfrA54BMZg


15 de ago. de 2020

319) O MODERNO É O QUE SE APRESENTA NO MOMENTO...

 

De uns tempos a esta data - mas só em frequência eventual, felizmente - sou tentado a autoquestionamentos quando leio clássicos da literatura. Fico me perguntando o que poderia ser diferente no comportamento dos personagens ou mesmo no desenrolar da história se tivessem, na época, os recursos tecnológicos de que dispomos hoje:

Tivesse a mocinha apaixonada um smartphone à sua disposição, ao invés de uma carta amorosa levada sorrateiramente por uma criada de confiança, ao amado, poderia ser substituída por uma mensagem de WhatsApp e mesmo assim mantida a carga de emoção da história original?

Se o herói, no lugar de empreender aquela emocionante jornada por mares bravios e ter enfrentado sendas perigosas durante meses, pudesse pegar um moderno jato e aterrizar em poucas horas no seu destino, teria também o mesmo efeito narrativo que a história antiga nos oferece?

Se cenas de guerras com enormes exércitos se defrontando em campos de batalhas, arremessando lanças, flechas, combatentes a cavalo empunhando espadas reluzentes, fossem substituídas por batalhas de caças supersônicos, drones teleguiados e misseis transcontinentais, seriam mesmo assim tão ou mais emocionantes?

Grande bobagem...

Nunca encontro vestígios de que os personagens ou as narrativas demonstrassem desejo de ter aparatos mais modernos. E por quê? Simplesmente porque o ser humano está tão envolvido com a sua realidade objetiva que, em geral, não especula emocionalmente com um futuro improvável e/ou inimaginável.

Toda a narrativa se conforma com o moderno daquele momento. A emoção é inerente ao verossímil e este à realidade objetiva. A mocinha está condicionada ao recurso da carta escrita, da aventura de entrega, da espera pela resposta. A modernidade para ela está nisso e só nisso.

A emoção reside, portanto, nos fatos tais quais eles verdadeiramente são. A mesma história quando trazida às condições atuais pode não ter o mesmo sentido. O importante é entender que o leitor precisa adentrar-se ao espírito da história, assimilar as reais condições da narrativa e se comportar como se lá estivesse.

É assim que se lê com prazer...

Edson Pinto

Agosto’ 2020

8 de ago. de 2020

318) O QUE SÃO 100.000?

Primário, mas elucidativo:

Cada vez que um determinado número é acrescido de mais 9 vezes o seu próprio valor, coloca-se um zero à sua direita. Equivale à multiplicação do número original por 10. É o famoso sistema decimal (base 10).

Assim, o número 1 que abre a sequência indicada no título deste texto foi multiplicado por 10 sucessiva e acumuladamente 5 vezes. 1 virou 10; depois 100; em seguida 1.000; adiante 10.000 e finalmente - mas ainda não esgotado - chegou-se a 100.000.

O que essa enorme cifra, mesmo para padrões cósmicos e humanos significa? Podemos percebê-la através de 10 exemplos que nos são familiares. Assim, mantemos a fidelidade à base 10. Há também um pouco de humor para aliviar a crueza do objetivo crítico deste texto:

1)      O Brasil tem 5570 municípios. 94% deles, isto é, 5246, têm populações inferiores a 100.000 habitantes. Cidades menores são, em geral, melhores para se viver, não? Ninguém gostaria, portanto, que elas desaparecessem, imagino...

 2)      A 324ª cidade brasileira em tamanho (primeira da lista acima dos 94%), Mairiporã, desde o seu primórdio como povoado de Juqueri, há 4 séculos, vem acumulando gente até chegar aos 100.179 de hoje, segundo o IBGE. A propósito, Mairiporã faz limite com o município de Atibaia, local daquele famoso sítio. Também, local de esconderijo daquele não menos famoso secretário parlamentar. Quem não sabe?

3)      NO dia 8/7/2014 pouco mais de 50.000 pessoas, este escriba incluído, lotaram o Mineirão no amargo 7 X 1. Dois estádios iguais seriam necessários para se atingir o total de pouco mais de 100.000 pessoas. Mas sem outro vexame, é claro...

4)      Se colocarmos a cada 400 metros (mais ou menos dois quarteirões de extensão) 1 pessoa fazendo uma fila indiana, 100.000 delas seriam necessárias para dar uma volta completa na superfície do nosso planeta Terra. Não precisamos, na prática, fazer isso. Basta dividir 40.000 quilômetros que a Terra tem de diâmetro por 100.000. O resultado são meros 400 metros de distância entre uma e outra pessoa.

 5)      Dois quilos de arroz são compostos por 100.000 grãos. Como feijão é maior, seriam necessários 30 quilos dele para se ter 100.000 unidades dessa leguminosa rica em ferro. Confira se ainda estiver de quarentena! Tempo você tem...

 6)      O maior conflito bélico que o Brasil já participou como protagonista foi a Guerra do Paraguai no século XIX. Durou 6 anos e ceifou 50 mil vidas brasileiras. Precisaríamos de 2 guerras iguais para se atingir o número de 100.000. Não considere, contudo, a necessidade de uma nova guerra com o país vizinho só para resgatar o Ronaldinho Gaúcho. Em algum momento, creiam, ele dará um drible mágico na justiça paraguaia...

 7)      Em agosto de 1945 a bomba atômica de Hiroshima, a mais cruel das armas que o “gênio humano” concebeu, matou no primeiro momento cerca de 100.000 pessoas. Junto com Nagasaki foi argumento decisivo para a rendição tardia do império do Japão na Segunda Guerra Mundial. Hoje, vinga-se do Ocidente impondo-nos peixe cru que deve ser levado à boca com o hashi, aquele par de pauzinhos inoperável...

 8)      100.000 anos atrás, o Homo sapiens (nossa espécie) ainda estava dando seus primeiros passos na África Oriental. A revolução cognitiva ainda não tinha acontecido. O caminho que a humanidade tomou não tem volta. Guardemos, portanto, a memória de nossa antepassada primordial, a Chipanzé Australopiteca que nos deu origem. Não adianta voltar às origens. O Corona vírus também sobe em árvores.

 9)      Se alguém resolver poupar R$10,00 por dia para comprar um carro médio brasileiro, serão necessários 27 anos de disciplina e sacrifício. Este cálculo não leva em conta a perda inflacionária que é certa, mas leva em conta a remuneração que historicamente tende a zero. Melhor tentar a sorte no consórcio...

 10)   Se você sobreviveu no Brasil entre março até o presente momento, 5 meses apenas, saiba que 100.000 também é o número de mortos, neste curto espaço de tempo, devido a nossa incompetência em enfrentar, em pleno século XXI, a pandemia da Covid-19.

 Blague à parte, e levando tudo à sério, agora vem o pior:

O número de mortos pela Covid-19 não para de crescer aqui na Pátria Amada. Só quem viver saberá do real tamanho de nossa desventura. Afinal, todos nós morrermos um dia, não? É triste, mas fica a pergunta:

Onde e por que erramos de novo? Já antecipo parte da resposta dizendo que o sistema decimal não tem nada a ver com isso...

 Edson Pinto

Agosto’ 2020


28 de jul. de 2020

317) 10 PROVIDÊNCIAS QUE URGEM...


Depois de tantos meses de quarentena (e ainda em vigor), tornam-se imperativas visitas ao:

1) Cabeleireiro: Não me cai bem este look Jesus Cristo. Já tenho bem mais que 33 anos...

2) Dentista: Afinal, esses canais já não seguram mais nervos rebeldes...

3) Oculista: Graus de menos, reparos de mais. Minha média móvel de sentar em óculos permanece elevada...

4) Podólogo: Garras só pra gaviões. Além disso, o problema do item seguinte vetou a antiga habilidade de alcançar os pés...

5) Endocrinologista: Espero não encontrar o Jô Soares na minha frente. Tenho pressa...

6) Sebo: Procurar títulos antigos. Os novos já os devorei todos. Não gosto de reler livros...

7) Auto-peças: Carros parados descarregam baterias. Aprendi na prática...

8) Alfaiate: Quem sabe roupas podem ser alargadas. Queria muito evitar tamanhos XL..
.
9) Auto-escola: Será que reaprendo a dirigir? Sem óculos, então... Sei não...

10) Posto de Saúde: Inscrever-me para ser dos primeiros a receber, quando disponível, a vacina da Covid-19.

Sem chance de enfrentar outra quarentena...

Edson Pinto
11/7/2020

316) CONSTRANGIMENTO MÁXIMO...


Meu pai - com a aeronáutica - fez parte da FEB que lutou na Itália na Segunda Guerra Mundial. Parte importante de minha vida morei em um bairro só de ex-combatentes. Reinava ali um espírito de respeito e reverência à nobre função dos defensores da Pátria.

Acostumei-me a olhar com admiração e respeito a quem galgasse a carreira militar, considerando, inclusive, a sólida formação educacional que recebem nas excelentes academias militares do País.

Essa admiração foi posta em xeque quando, agora, estarrecidos, tivemos acesso ao vídeo da histórica reunião ministerial do dia 22 de abril, coincidentemente no dia em que comemorávamos os 520 anos de nossa existência como país. Fato este, a propósito, tão omitido quanto omitido em profundidade também foi o tema do momento, a pandemia que não para de ceifar vidas de brasileiros.

Senti verdadeiro constrangimento alheio pelos generais que ali se postavam desconcertados, submissos a um presidente de modos e costumes reprováveis.

Nenhuma liturgia ao elevado cargo que exerce; discussão sem pauta; passiva consensualidade com arroubos irresponsáveis de alguns ministros e uso abundante de termos que envergonhariam Gregório de Matos e Manuel Maria du Bocage em seus melhores poemas fesceninos...

Fico pensando, constrangido ao máximo, é claro, sobre o que levaria militares tão nobres a esse opróbrio? Alinhamento a uma ideologia incompreensível ou os encantos de uma sinecura, mesmo que temporária, mas providencial, já que a vida não está fácil para ninguém?

Edson Pinto
24/5/2020

315) UMA COMPARAÇÃO CONVENIENTE...


SITUAÇÃO 1
Um móvel delicado precisa ser desmontado.
Suas partes são unidas por pregos (malária).
Um martelo (cloroquina), ferramenta adequada, está disponível. Tarefa bem sucedida sem danificar o móvel.

SITUAÇÃO 2
Outro móvel igualmente delicado deve, também, ser desmontado. Suas partes, porém, estão unidas por parafusos (covid-19). A única ferramenta disponível é o mesmo martelo (cloroquina). Tarefa não executada, ou se tentada, o móvel restaria danificado.

CONCLUSÃO:
Ou se providencia uma chave de fendas (remédio correto ainda não disponível), ou o móvel da situação 2 não será desmontado, ou, se tentado, restará irremediavelmente perdido...

A quem, portanto, cabe a decisão? Ao dono do móvel ou ao marceneiro?

Edson Pinto
21/5/2020

314) AS DUAS FACES DO ORGULHO


Do lado positivo, os dicionários definem orgulho como um sentimento de grande satisfação com o próprio valor, com a própria honra... Mas, do lado negativo, também o definem como um sentimento egoísta que denota arrogância e soberba.

O lado positivo pode e deve até se manifestar em aspectos específicos do comportamento de Bolsonaro. Por esta e outras razões, conseguiu angariar votos suficientes para se tornar presidente. Mas isso não vem, agora, ao caso.

O ponto em questão é a postura que mostra perante a pandemia da covid-19. Nisto, ele tem mostrado só o lado negativo de seu orgulho: arrogância, ao perder contato com a realidade e insistir na sobrevalorização da própria (in)competência; soberba, ao recusar-se a admitir o erro, ou seja, não ter humildade para "dar o braço a torcer"...

Como jamais reconhecerá que errou ao igualar a doença a uma simples "gripezinha", segue criando conflitos políticos como cortina de fumaça para ocultar o problema principal. Enquanto isso, torce - em vão e agoniado - para que tudo passe rápido e ele desperte do pesadelo que o atormenta.

Passada a crise (e vai passar, se Deus quiser!), o que ficará de seu orgulho: o valor e a honra de um lado, ou a arrogância e a soberba do outro?

Edson Pinto
01/5/2020

313) EU PERDOO...


De coração, perdoo aqueles que em atitudes negacionistas se recusaram a aceitar as evidências, hoje inquestionáveis, de que a covid-19 é muitíssimo mais séria do que uma simples "gripezinha"...

Já passamos, no Brasil, de 5 mil mortos, mais de 70 mil oficialmente infectados, sem considerar que, com testagem em abrangência adequada, os números seriam assustadoramente maiores.

Agora o que se vê? O caos em hospitais pela falta de leitos de uti’s; o horror de cemitérios superlotados, vide Manaus; as consequências nefastas para a economia, especialmente para os mais vulneráveis socialmente. E hoje, tristemente, o recorde de mais de 400 mortes contabilizadas em único dia...

Perdoo-os porque sei que, no fundo de suas almas puras, o negacionismo refletia mais o desejo sincero por um mundo melhor para todos. Queriam passar a tranquilidade de espírito que nos faz vencer a adversidade e seguir com as nossas vidas como se nada estivesse acontecendo...

Também os perdoo porque acreditaram na autoridade constituída, crentes de que ela representava a verdade, a esperança, a razão...

Finalmente, perdoo-os por saber que agora compreendem a evidência de que querer-se otimista, mais do que uma saudável e positiva postura ante a vida, não nos autoriza ao abandono da realidade, dos fatos, da lógica e da ciência.

O mundo, lamentavelmente, não é sempre o que se quer dele, mas o que dele nos é possível obter.

Calma! Vai passar! Mas, se puder, fique em casa!

Edson Pinto
28/4/2020

312) COM A PALAVRA OS NEGACIONISTAS...


•Filhos angustiados por nem mesmo poderem despedir dos pais levados pela covid-19...

•Jovens médicos e enfermeiras com suas carreiras e vidas ceifadas pela mesma maldita doença...

•Crianças que mal podem compreender a morte dos pais também levados pela pandemia assassina...

•Pessoas morrendo em filas de alguns hospitais por superlotação e incapacidade de atendimento...

•Horripilantes sequência de covas rasas onde estão sendo enterradas dezenas, centenas de pessoas sem o conforto derradeiro de familiares.

Tudo isso retrata a miséria que presentemente assola o mundo, e de forma crescente também o nosso País, por essa pandemia de virulência sem precedentes, inimaginável, assustadora.

Como se diz que imagens valem mais do que mil palavras só resta perguntar àqueles que são contra o isolamento social prudente se é ainda preciso desenhar para que acreditem na severidade desta pandemia?

Com a palavra os negacionistas...

Edson Pinto
21/4/2020

311) SAUDADE DO MEU MAVERICK


Em 1975 comprei um Maverick vinho, carro elegante, esportivo... Uma máquina poderosa, mas voraz consumidora de combustível.

Em 1978 decidi vendê-lo. Precisava ficar em linha com a mentalidade ecológica que em vigor na época. Veio o choque do petróleo com decorrente aumento astronômico do preço do combustível. Foi triste, no entanto, guardei a desconfiança que um dia tudo poderia ser diferente, para melhor, é claro...

20/04/2020, o petróleo, com contratos para fechamento em maio próximo, chega ao inacreditável, inimaginável, surreal valor negativo de US-37,63. É isso mesmo, valor negativo... Produtores de petróleo estão pagando para os compradores o levarem. Não têm capacidade de armazenamento e o melhor é pagar para se verem livres do excesso do ainda chamado “ouro negro”.

Aí lembrei do meu Maverick que bebia mais do que o Zeca Pagodinho. Tivesse-o, ainda, estaria agora na hora de - ao invés de gastar com combustível - ganhar uma graninha quanto mais rodasse pelas estradas deste nosso imenso País..
.
Viram como neste mundo real em que vivemos não há nada que seja permanente, exceto, por ora, as leis de Newton?

Edson Pinto
20/4/2020

310) EXPLICANDO PARA MIM MESMO...


“Comigo me desavim (desentendi)
Sou posto em todo perigo;
Não posso viver comigo
Nem posso fugir de mim”
(Sá de Miranda)

Edson, por que o isolamento, também chamado de quarentena, é necessário para o enfrentamento do coronavírus?

Vou tentar explicar com números e exemplos, ok? Então siga meu raciocínio:

1) Suponha que o país X, muto bem organizado por sinal, tenha 1.000 leitos de UTI’s instalados. Cerca, apenas, de 10% deles, ou seja, 100 leitos constituem a reserva para eventualidades.

2) Surge uma nova pandemia, no caso a do coronavírus que leva à doença covid-19. Para evitar muitas mortes dos mais vulneráveis esse evento passa a exigir, repentinamente, 4.000 leitos adicionais de UTI’s durante 5 meses (20 semanas). Média de 800 leitos adicionais por mês.

3) A ciência já descobriu há tempos, que os surtos, epidemias ou pandemias grassam de forma irregular. No início do contágio, se nada for feito, lá pelas semanas 4, 5 ou 6 ocorre um pico que poderia, por exemplo, exigir, ao mesmo tempo, 2.000 leitos.

4) Obviamente esses leitos não existem. Mesmo que existissem, todo os demais componentes do sistema de saúde estariam esgotados. Não haveria médicos, enfermeiros, respiradores, equipamentos de proteção, remédios e outros prontamente disponíveis. Consequência: colapso total do sistema de saúde levando a enormes perdas de vidas que poderiam ser evitadas houvesse recursos adequados.

5) A arma inicial para enfrentar o inimigo é o isolamento. Com ele, dois resultados são esperados:

    5.1) a velocidade do contágio é reduzida devido ao brusco afastamento social. O pico é evitado.

    5.2) a redução das atividades sociais e econômicas minimiza eventos regulares que demandam leitos de UTI’s, liberando-os para uso dos casos graves de covid-19

6) Enquanto a população, ao máximo possível, se isola, o sistema de saúde é incrementado criando muito mais leitos, mais profissionais são envolvidos, mais respiradores, mais recursos são alocados para o enfrentamento da doença.

7) Findo o isolamento o sistema já está pronto para atender a nova demanda agora amenizada. Menos gente morrerá. A economia voltará gradativamente ao normal, talvez até mesmo mais vigorosa, mais pujante, mais criativa. É como o pós-guerra que cria oportunidades de crescimento nunca imaginadas.
 
Fui claro Edson?

Edson Pinto
4/04/2020

309) CÁ ENTRE NÓS...


Já imaginaram essa pandemia de COVID 19 tendo a Terra população idêntica à atual, isto é, 7,7 bilhões, porém sem a internet, sem as redes sociais, sem aplicativos de mensagens e outras maravilhas da informática e telecomunicações que já incorporamos ao nosso dia a dia?

Entre os séculos XIX e XX a Varíola matou cerca de 300 milhões; a Peste Negra, no século XIV, 50 milhões e a Gripe Espanhola, no início do século XX, outros 20 milhões.  E olha que o mundo tinha, em cada uma dessas épocas, bem menos gente.

Agora, dos 7,7 bilhões que somos, quantos pereceriam ou seriam afetados com essa nova doença de tão fácil transmissão? Tenho até repulsa em imaginar: dezenas de mihões, talvez...

Com a comunicação instantânea que temos hoje, ficou mais fácil prever, prevenir, orientar, trocar experiências, combater, enfim, o inimigo... Disso ninguém tem dúvida, em que pese o obscurantismo de gente que considera a situação como produto de imaginária conspiração indo contra a ciência e os fatos.

Saibam, existe um poder superior de um mundo de micro-organismos que vive de articular formas para extinguir a nossa espécie. Os vírus, as bactérias e outros são os alienígenas que nos espreitam com a foice da morte permanentemente afiada.

Viva, portanto, o WhatsApp, o Face Book, e seus congêneres. Eles nos permitem visitar, sem contato físico, nossos parentes idosos, solucionar nossas pendências externas sem sair de casa e outros. Ainda bem!

Edson Pinto
17/3/2020

308) DE COMO COISAS SIMPLES SE TORNARAM COMPLICADAS...


Não faz muito tempo – após uma refeição em qualquer restaurante – bastava pedir um cafezinho. Pronto! Nada mais brasileiro, mais simples, mais rápido, mais prazeroso...

No entanto, mudam-se os tempos e os hábitos ficam mais sofisticados...

Hoje, em resposta ao pedido de um simples cafezinho o garçom devolve uma saraivada de perguntas tão ligeiras quanto embaraçosas:

__ Expresso, cappuccino, macchiato, latte, com chantilly, ristretto, curto, longo, pingado, carioca, breve, mocha etc., etc.?

Se ocorre de estar sem paciência para tão refinada escolha, cancele o pedido ou, então, seja prático dizendo:

Traga o que você quiser. Para mim tanto faz...

Edson Pinto
16/7/2019

307) PARA QUEM, COMO EU, GOSTA DE UM ABACAXI BEM DOCINHO...



Descrição em versos decassílabos que Caramuru, do árcade Frei Santa Rita Durão, faz ao de Rei de França quando descrevendo as frutas do Brasil (canto VII, estrofe XLIII, do poema épico sobre o descobrimento da Bahia, Caramuru):

"Das frutas do país a mais louvada
É o régio ananás, fruta tão boa,
Que a mesma natureza namorada
Quis como a rei cingi-la da coroa:
Tão grato cheiro dá, que uma talhada
Surpreende o olfato de qualquer pessoa;
Que a não ser do ananás distinto aviso,
Fragrância a cuidará do paraíso."

Edson Pinto
13/4/2019