29 de mai. de 2013

239) QUEM CONTA UM CONTO...

Nada poderia aborrecer mais a presidente Dilma que aquela notícia que Gleisi Hoffmann, ministra-chefe da Casa Civil, acabara de lhe passar logo no primeiro encontro do dia.

__ Presidenta, há uma corrida dos beneficiários do Bolsa Família aos bancos, pois a imprensa divulgou informações de que o governo está prestes a dar fim a esse importante programa social. Por isso, estão desesperados e formam, neste momento, longas filas em frente às agências da Caixa Econômica Federal. Isso, com toda a certeza, é coisa da oposição para desestabilizar o seu governo tendo em vista as próximas eleições.

__ É um absurdo – diz, raivosa, a presidente – precisamos identificar imediatamente os autores desse boato e assim cortarmos o mal pela raiz. Ninguém vai abalar o meu governo! O PT e o nosso grande líder, Lula, não poderão jamais se decepcionar comigo. Quem foi que passou essa mentira para a imprensa? Vamos pessoalmente buscar a origem deste “zum-zum-zum” maligno?

__ Presidenta, já ouvi de vários jornalistas que essa informação teria sido passada pela Maria do Rosário, ministra da Secretaria de Direitos Humanos, em entrevista que concedeu, ontem, rapidamente, quando saia do Ministério. A presidenta sabe que a Maria não pode se ver diante uma câmera que fica toda alvoroçada. Vamos chamá-la!

__ Rosário, que merda essa sua entrevista de ontem, hein? – questionou objetivamente a presidente com maternal afabilidade que lhe é peculiar. Viu o que está acontecendo com os beneficiários do Bolsa Família? O que foi que você disse à imprensa? Explique-se, imediatamente!

__ Presidenta, em primeiro lugar eu não falei dessa forma! Eu apenas repassei a informação que tinha ouvido da Ministra Ideli Salvatti de que o programa Bolsa Família acabaria no dia em que a miséria tivesse sido erradicada por completo do País. Por que não checamos então a informação diretamente com ela? Vou convocá-la para vir aqui, já!

__ Ministra Ideli, “cacildes”, o que foi que você falou com a Rosário sobre o fim da Bolsa Família vinculado à extinção da miséria?

__ Eu apenas disse, presidenta, o que ouvi da Miriam Belchior, ministra do Planejamento, que esse negócio de bolsas parece não ter fim. Ora alguns dizem que vamos usar as existentes, ora que serão trazidas novas, mas nunca disse que iríamos terminar com elas. Repassei, salvo engano, exatamente o que ouvi da Izabella Teixeira, ministra do Meio Ambiente. Por que não a chama aqui para esclarecer isso, definitivamente?

__ Ministra Izabella, minha Narizinho do sitio de Pica-pau amarelo, que raios caíram na sua cabeça para você fazer essa análise esdrúxula e inconveniente sobre o fato de que o uso de bolsas é um assunto que nunca tem fim? Você já deveria saber que faremos tantas quantas forem necessárias para nos garantir os votos de 2014?– extravasou a presidente com a sua conhecida afabilidade de madrasta da Branca de Neve.

Calma, presidenta! Eu não falei nada disso. Apenas comentei com a Miriam o que escutei no dia anterior diretamente da Marta Suplicy, ministra da Cultura, de que a bolsa dela era tão bonita que estava causando ciúmes nas demais ministras quando se apresentavam para reunião no gabinete presidencial. Ela me disse que esse ciúme estava prestes a ter um fim, pois o Supla se prepara para gravar um rock pauleira contendo severas críticas a esse modismo ministerial de exibição do importante acessório. Chame a Marta?

Martinha, esticadinha, até quando vou ter que fazer o que o seu “ex”, senador famoso, não conseguiu, isto é, pedir que controle essa matraca e não fique por aí falando abobrinhas que podem, como neste caso, abalar a estabilidade de meu governo.  

__ Presidenta, isso é uma calúnia. Eu não disse nada de comprometedor. Apenas cometei com a Miriam a sua bronca pessoal de ontem sobre as bolsas que vimos usando quando em visita ao seu gabinete.

__ Então, vocês querem dizer que a origem do boato do fim do Bolsa Família surgiu aqui no meu gabinete e a partir das minhas palavras?

__ O que eu disse à Marta no encontro de anteontem, minhas estimadas comadres, era que eu não estava mais a fim de ouvir discussões frívolas sobre bolsas aqui no meu gabinete e que, portanto, daquele momento em diante, o uso desse acessório feminino aqui no meu gabinete estava extinto. Decretei, portanto e tão somente, o fim das bolsas como acessórios quando vocês visitarem o meu gabinete.

Entenderam, ou vou ter que aceitar as críticas de que meu ministério é tão grande, confuso, fisiológico, acomadrado e exagerado que já se tornou ingovernável?

Edson Pinto

Maio’ 2013 

24 de mai. de 2013

238) O FIM DA POESIA


“Poetas, seresteiros, namorados, correi / É chegada a hora de escrever e cantar / Talvez as derradeiras noites de luar...”

Quem tem mais de 50 poderá se lembrar da bela música “Lunik 9” que Gilberto Gil entregou para a primorosa interpretação da grande e saudosa Elis Regina. Isto foi em 1966. Faltavam ainda três anos para que o homem finalmente colocasse os pés no nosso mítico satélite, embora os poetas já pressentissem que a sua musa inspiradora, a Lua, estivesse a ponto de ser violentada. Talvez - como dizia a magnífica canção - prestes a nos dar as derradeiras noites de luar...

Não, não! A Lua, mesmo dessacralizada, continua a brilhar e, embora cada vez mais raros, pelas circunstâncias da vida moderna, os poetas ainda podem dela se servir para extravasar suas angustias e romantismo. Mas, ainda há, como sempre, outras musas. Elas respondem pelo nome de felicidade, de saudade e de amor, entre outras. Que os avanços tecnológicos acabem com o luar, tudo bem, mas destas três, dirão os apaixonados de sempre, será difícil se livrar. Não há como tirá-las do peito dos poetas...

Espera lá! Se Camões disse que “Amor é fogo que arde sem se ver, / é ferida que dói e não se sente; / é um contentamento descontente, / é dor que desatina sem doer.”, então, é preciso ter saudade de alguém que esteja distante para sentir-lhe a falta? Os versos, convenhamos, são a sua mais direta conseqüência. Quando a saudade não cabe mais na alma e escapa pelos olhos na forma de lágrimas ou corre aos dedos para produzir versos, somos ainda poetas, ou não? Justiça seja feita: Camões jamais imaginaria que um dia viessem a inventar o telefone, o celular, o smartphone, o Skype, o Facebook, o WhatsApp e toda essa parafernália eletrônica e moderna que pode também ser útil na busca da felicidade, no abrandamento da saudade e na satisfação da inata necessidade humana de amar e ser amado.

Senhores poetas, seresteiros e namorados, vocês não precisam perder o romantismo só porque não lhes circulam mais nas veias a seiva da poesia que nutre a alma dos românticos e que os estimula a externar a felicidade, a tristeza e o amor que sentem. Existe modernamente uma forma alternativa para se externar angustias e paixões: Usem os meios de que dispõem e enviem mensagens “high-tech” para as pessoas que amam e vejam se funciona, ou não...

Supondo que já tenham perdido a capacidade de formar uma frase poética para externar o seu real sentimento, enviem os “emoticons” que melhor traduzam o estado de suas almas e saibam que, mesmo com o acelerado processo de extinção da poesia clássica, ainda houve tempo para o “Homo tecnologicus” recriar as rudimentares e rupestres formas de emoção que permitem revelar o poeta que há em você:

Quando quiser dizer que está feliz, em vez de criar versos bem elaborados mande um Alegre ou simplesmente digite no seu computador :)

Quando quiser dizer que se sente triste com a alma dilacerada e ardendo no fogo que não se vê, mande umTristeza ou simplesmente digite  :(

Mas para dizer que ama, que está com o coração tomado pelo mais nobre sentimento de amor, mande umAmour ou simplesmente digite S2

Viram, então, que a poesia, ao contrário do que muitos andam dizendo, nunca há de terminar!

Edson Pinto
Maio’2013

16 de mai. de 2013

237) BREAKTHROUGH


Tanto idolatro e cultuo o idioma português, nossa língua pátria, que é dele que me alimento com a voracidade de um tubarão faminto para dar formas concretas às reflexões que me brotam frugalmente a cada semana. Sem ele, meu blog sucumbiria de inanição e, quem sabe, até a minha alegria de viver feneceria como as folhas do outono.

Qualquer um poderia disso fazer pouco, ou nada, simplesmente assacando-me a verdade de que, se mesmo a ele que é o nosso idioma único e oficial já não dedico o respeito que merece, o que haveria de fazer aos outros que me são pouco familiares? Tal afirmação, seguida do perspicaz questionamento, tem e não tem razão:

A razão que tem está no fato de que só percorrendo as infinitas sendas do seu labirinto é que se pode dizer que o conhece razoavelmente. Poucos se atreveriam a dizer que o conhece na plenitude. Mas isso - sabemos muito bem - só se alcança com longo convívio, tentando entendê-lo, errando, corrigindo, acertando até que, finalmente, dele, para nós mortais, se logre reter o básico. Digo também que não tem razão, porque uma palavra forte, seja do nosso próprio idioma, seja de qualquer outro, pode ser a mais perfeita representação de uma mudança de comportamento social.

Dizem os poetas que em nenhum idioma, exceto no nosso português, existe uma palavra tão forte e tão expressiva para se transmitir o sentimento da falta que alguém nos faz. Esta palavra é “saudade”. Vinicius que o diga: “Chega de saudade / a realidade é que sem ela / Não há paz, não há beleza / É só tristeza e a melancolia / Que não sai de mim, não sai de mim, não sai...” O cancioneiro popular nos legou “saudade palavra triste quando se perde um grande amor”; e até mesmo Camões: Se de saudade morrerei, ou não, os meus olhos dirão”

E o que tem a ver com isso a nada poética palavra inglesa que dá título a esta crônica se nem soa suave e pungente como nossa “saudade”? Por certo não é uma palavra do agrado dos poetas. Shakespeare teria outras mais sonoras para enriquecer os seus versos. Mas, no mundo tecnológico em que agora vivemos, ela é muito forte, expressiva e direta. Quer dizer que algo avança; que algo quebra ou remove um obstáculo para progredir como o exército de Júlio César quando rompeu o limite do Rubicão e avançou vitorioso sobre Roma.

Para o ambiente de avassaladora inserção tecnológica em que vivemos, a palavra inglesa “breakthrough” se presta à perfeição para representar de forma cristalina a transição de uma etapa antiga para uma nova que surge com força total. Lembram-se do que Steve Jobs disse no seu famoso discurso na Universidade de Stanford em 2005? “A morte talvez seja a maior invenção da vida. É o agente de mudanças da vida. Remove o velho e abre caminho para o novo”. Desde a Revolução Industrial do final do século XVIII o mundo não tinha experimentado “breakthroughs” tão acelerados como os da nova era da Internet. A cada momento ficamos com a certeza de que tudo ficou velho, morreu e em seu lugar chegaram coisas inovadoras que mudarão para sempre nossas vidas. Fica só a saudade...

Essa sensação de permanente “breakthrough”, nós todos podemos constatar quando observamos pessoas que passam a se comunicar mais e mais com amigos, com parentes e parceiros de negócios, colegas de trabalho, de escola, da comunidade. Assusta-nos, a princípio, ver em um restaurante 4, 5 pessoas em uma mesma mesa entremeando conversas com rápidas digitadas nos seus respectivos smartphones. Parece aos conservadores, fiéis às tradições do passado, ser uma tremenda falta de respeito alguém alhear-se do ambiente físico em que se encontram, mesmo que por breves instantes, para um mero tele contato.  Melhor não fazê-lo, porém a realidade é outra e é necessário que nos adaptemos a ela sob pena de ficarmos fora do mundo moderno. Há muito ainda a ser refletido sobre se essa mudança, esse “breakthrough”, nos hábitos das pessoas se relacionarem afeta para o bem ou para o mal as suas vidas na sociedade.

Sem saudosismos, o que nos fica é a constatação inequívoca de que se a mudança fosse para o mal, não prosperaria. Se o fato de se ter amigos, familiares, e todas as pessoas do relacionamento acessíveis aos toques na tela de um smartphone, de um tablet ou de quaisquer outros dispositivos eletrônicos vierem a se demonstrar como sendo ruim, tenham certeza de que não haverá “breakthrough” que se sustente. Assim como uma planta só prospera onde as condições que lhe são vitais são apropriadas, as novas tecnologias também ficarão desde que as pessoas se sintam felizes com ela.

Quem pode ser contrário a se reunir numa única conexão pela Internet parentes em diferentes partes do País e do mundo, trocando simultaneamente mensagens, saudações, memórias e afetos, praticamente de graça. Exatamente isso me aconteceu nessa última semana quando vários parentes em diversas localidades interagiram num grupo familiar que criamos no Whatsapp. A alguns não vejo há tempos, mas a tecnologia nos permitiu a fantástica aproximação.

Se isso não for, de fato, um “breakthrough” na maneira como cuidaremos doravante das nossas vidas, prometo quebrar o meu smartphone e voltar a buscar rimas e versos para a palavra saudade.

Edson Pinto
Maio’ 2013 

8 de mai. de 2013

236) NADA PRA FALAR


Agora, quarta-feira, 18 horas. Havia me comprometido a escrever um texto a ser postado no meu blog ainda hoje. Seguiria, assim, o procedimento que me imponho a cada semana desde que comecei a escrever com regularidade. Não mantenho rigor quanto ao exato dia de escrevê-los e/ou publicá-los, porém há sempre um limite para não me deixar ser dominado pelo relaxamento. Se tudo der certo, mesmo porque o meu tempo é curto e tenho outro compromisso, daqui à uma hora o texto fica pronto...

A sensação de se cumprir tarefas programadas, mesmo as menos expressivas, não tem preço; só nos traz alegria. Às vezes, calha-me de estar tão organizado, inspirado e produtivo que me saem, de uma única sentada, dois ou mais textos que não só atendem ao planejamento da semana como me permitem formar uma pequena reserva. Hoje, quarta-feira, 18h15, contudo, me pego com estoque zerado e inspiração idem.

Sentado aqui diante do computador procuro nos escaninhos de minha memória a sugestão de algum tema a ser elaborado. Com a prática, aprendi que desenvolver um texto, literalmente falando, não é o problema maior. O problema é ter um tema interessante. Entretanto, por mais que eu procure, nada encontro. Remexo meus neurônios e, de novo, nada... Olho ao redor; para o chão; para o teto, e nada... O sentimento é o de que, justo agora, quarta-feira, 18h30, a minha mente se esvaziou como um pneu furado que matraqueia no asfalto quente enquanto o carro reduz a velocidade até parar-se por completo.

Jose Saramago, o grande escritor português, prêmio Nobel de Literatura em 1998, falecido em 2010 aos 87 anos, se impunha, conforme ele mesmo confessou, ao hábito de escrever todos os dias duas e não mais do que duas páginas. Pode parecer não ser muito e o suficiente para a produção do grande escritor que foi, mas considere que em um ano isso pode significar ao redor de três livros. Isso prova que o importante é disciplina e não necessariamente a inspiração, pois não dá para se imaginar inspirado todos os dias. No meu caso, hoje, quarta-feira, 18h40, não tenho inspiração, embora tenha a disciplina que me impulsiona a escrever o texto semanal. E é o que estou fazendo sem nem mesmo saber onde vou chegar. Mas, disciplinadamente, vou em frente. Acompanhem-me e vejam se vou conseguir!

Fixo agora o meu olhar na lâmpada do teto. Ela, indiferente ao meu desespero, continua a cumprir o seu papel de emitir luz e tornar as coisas à quais alcança, mais claras e visíveis, embora, no caso de minhas ideias, infelizmente, em vão. Minha mente continua obnubilada, nas trevas, como se no momento primevo (Genesis 1.4b), Deus a tivesse também separado da luz, ou se ela, por artimanhas cosmológicas, houvesse se transformado em um buraco negro ao consumir todo o seu combustível interior a tal ponto a impedir o escape de qualquer luminescência.  

Por fim, e a essa altura, quarta-feira, 18h50, já convencido de que os buracos negros não emitem luz, bem como para manter ao menos a necessária disciplina, ocorre-me de me autoquestionar: Em não havendo nada sobre o qual escrever, por que então não escrever exatamente sobre ele, isto é, sobre o nada?

Nada mais coerente; nada mais adequado; nada mais salvador neste momento de tão pouca inspiração, do que o próprio nada - reflito... Mas, se o nada é coisa alguma, é a não existência, o não ser, a ausência de qualquer coisa, o vazio absoluto, ele pode ser também a morte da escrita, o fim de tudo, mesmo nesta quarta-feira, 18h55...

Immanuel Kant tomou o questionamento do nada como sendo um pseudoproblema, uma falsa questão. Às favas, portanto, Heidegger e sua metafísica que admite a existência do ser e do nada. Fico com Kant, porque o nada me poupa o trabalho de fazer o que agora já me parece impossível, temporalmente. Ele, o nada, e a minha escrita, simplesmente inexistem. Não é possível considerar o nada senão como uma representação mental para satisfazer a nossa ânsia de constatar que algo é física e metafisicamente impossível de acontecer. Por isso - meus amigos - decidi, hoje, quarta-feira, 19 horas, não escrever mais nada além do nada que eu já escrevi...

Talvez, só na próxima semana e com mais tempo e inspiração...

Edson Pinto
Maio’ 2013