31 de jul. de 2014

271) MITO E VERDADE


Podemos inocentemente imaginar que todos os fatos que ocorrem nas nossas vidas e mesmo na sociedade em que nos inserimos são adequada e fidedignamente registrados e com isso passam a ser considerados como história. Correto? Não! Isso nem sempre acontece. A verdade absoluta dos fatos pode ser manipulada, distorcida ou até mesmo negada para vários propósitos:

O primeiro deles é o de servir como justificativa para uma ação política especifica. Segue-se outro propósito que pode ser o de servir para que a sua revelação integral se dê em um momento mais apropriado e com isso se evite problemas maiores no presente. Em nível pessoal é a mentirinha que no momento mais ajuda do que atrapalha. Não se descarta ainda a possibilidade de serem politicamente distorcidos para uso em momentos críticos, como numa eleição. O mais deplorável de seus usos é, contudo, o de deliberadamente se tentar reinterpretar a história com o escuso objetivo de beneficiar personalidades e/ou partidos políticos.

Já em 1882 o historiador de nacionalidade francesa, Ernest Renan, havia externado seu pensamento de que a identidade nacional é formada pela memória, seletivamente distorcida, de fatos pretéritos. Há uma verdade coletiva que tende a se sobrepor à verdade factual, já dizia Hans-Georg Gadamer, filósofo alemão, em sua obra de grande relevância, “Verdade e Método”, 1960. Mas foi - pelo menos para mim - a judia alemã, Hannah Arendt, em seu livro “Verdade e Política”, 1967, quem melhor abordou o tema ao escrever que todo fato de conhecimento geral, já devidamente consolidado, pode ainda assim ser negado ou distorcido.

Dois nomes luminares devem ser mencionados para sustentar a tese deste meu texto: O recém-falecido historiador inglês, Eric Hobsbawm (1917 – 2012), legou-nos, textualmente: “nenhum historiador sério pode ser nacionalista político comprometido”.  Nesta linha de pensamento, há ainda o seu conterrâneo, David Miller, filósofo, que nos mostrou que os mitos se prestam ao valioso objetivo de integração social mesmo que saibamos não serem a expressão da verdade.

Portanto, amigos, o que se ouve e o que se tem como verdade quando expressado por políticos, principalmente, pode – e na maioria das vezes, de fato, não é – a verdade que a história deveria ter registrado. Esquecem ou ignoram a verdade e abraçam o mito, pois este se mostra de maior utilidade. Mas, como sabemos, o mito se antagoniza ao pensamento científico e lógico. O mito é revestido de simbologia e tem o papel preponderante de fazer a cabeça dos puros e incautos. Estamos cheios de exemplos de líderes mitômanos. No fundo, aqueles que se aferram aos mitos carregam o mal da mentira e com ele convive como se fossem verdadeiros os argumentos e as versões dos fatos que defendem e sustentam.

As eleições majoritárias já se avizinham e os mitômanos de sempre já começam a distorcer a verdade dos fatos para incutir na cabeça do eleitor desavisado as suas próprias “verdades”. O famoso “nunca antes na história deste País” poderia ser tomado como símbolo da distorção da verdade para fins políticos. De aplicação genérica, ele já serviu e ainda serve para convencer gente pura de que tudo o que não funciona agora é fruto de uma chamada “herança maldita” e que tudo o que de bom acontece foi gerado por este governo e por este partido. Na verdade, item a item das conquistas históricas do País vêm sendo destruídas sistematicamente: Mas, o discurso continua sendo a expressão da mitomania que assola o governo. Vejam três exemplos e comparemos o mito com a realidade:

MITO 1: A Economia do País vai muito bem. Somos um país às vésperas de nos tornar potência mundial entre os estrelados de sempre. 

VERDADE: O PIB nestes quase 4 anos de governo Dilma tem sido decepcionante. Em 2014 crescerá a taxa inferior a 1%. Um rotundo fracasso, pois vem bem abaixo dos índices alcançados pelo conjunto dos países em desenvolvimento, incluindo latino-americanos. O tripé de sustentação da nova ordem econômica representado pela ancora cambial, abertura econômica e base monetária rígida já foi para o beleléu e, no entanto, perdoamos dividas de outras nações e construímos um porto em Cuba quando a nossa infraestrutura segue capenga e a inflação recrudesce.

MITO 2: Cerca de quarenta milhões de brasileiros ascenderam à classe média e o índice de desenvolvimento humano elevou-se. A miséria foi erradicada e atingimos nível de qualidade de vida próximo ao das nações desenvolvidas do chamado primeiro mundo.

VERDADE: Divulgado, nesta semana, pela ONU, o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), mostrando que evoluímos apenas uma posição no último ano. Demos um pulinho dos 80% para o 79% lugar entre 173 nações e mesmo assim ficamos abaixo da média dos países latinos americanos, muitos deles beneficiados com ajuda generosa dos contribuintes brasileiros. Estamos abaixo, entre outros, de Cuba, Argentina, Uruguai, Chile, México e até da Venezuela.

MITO 3: Somos hoje, além de potência econômica, também potência política do mundo. Estamos a caminho de assumir lideranças até agora reservado aos países desenvolvidos. Somos fortes, respeitados e até mesmo invejados.

VERDADE: Caminhamos para perder a posição de 7ª posição econômica em valores absolutos, pois outros países já se recuperam e estão prestes a nos superar. Em termos de PIB per capita, nossa posição é por volta dos 65% lugar. Em matéria de relações internacionais, acabamos de ser taxados como “um anão diplomático” derrubando com isso o orgulho que sempre tivemos da nossa política externa que vem desde o Barão do Rio Branco passando por Rui Barbosa e outros próceres. É uma mancada após outra: Apoiamos países, governantes e teses erradas. Já viramos piada de salão mundo a fora. Nem mais futebol de qualidade nós temos mais para usar em contraposição. 

Como dizem Brasil afora: “Tá danado”...

Edson Pinto
Agosto’ 2014




25 de jul. de 2014

270) FUTEBOL, EMOÇÕES E SENTIMENTOS

Talvez não devesse insistir em continuar falando da Copa do Mundo recentemente encerrada. Pode parecer algo como a deselegante inconveniência de se ficar cutucando a ferida quando o melhor seria deixar que ela se cicatrizasse com o tempo. Sim! O Brasil deu o que podia dar nessa Copa. O atestado definitivo da sua capacidade (ou seria incapacidade) foi emitido simbólica e formalmente no grande evento do último dia 8 de julho lá no Mineirão com o histórico 7 a 1. Ganhou até epíteto: Mineirazo.

Felizmente, joga a nosso favor a grande contribuição que só o passar do tempo é capaz de dar aos derrotados, ou seja, o esquecimento, mesmo que não total e absoluto, mas pelo menos amenizador. No entanto - por ora - não dá para apagar da memória um questionamento que se faz ainda presente e de forma azucrinante a todos nós brasileiros: Por que nossos meninos demonstraram, especialmente naquela partida contra o Chile, nas oitavas de finais, em 28 de junho e também no Mineirão, tamanho descontrole emocional? Teria sido aquilo uma vantagem ou uma desvantagem perante os desafios daquele momento em particular? Em que extensão aquele show de emoções nos ajudou ou prejudicou tanto naquela partida como nas que a ela se sucederam?

Transcorridos alguns poucos dias dos fatos e vendo agora o desfecho do famigerado oito de julho, com direito a repeteco em 12 de julho com o 3 x 0 da Holanda, isso até pode nos sugerir que aquelas manifestações de emoções exacerbadas registradas no jogo contra o Chile já seriam o prenúncio de que algo bem pior estava por acontecer. As emoções dos nossos jogadores estavam em seu ponto extremo. Enquanto nossos meninos choravam convulsivamente e tremiam, os jogadores de outros países em jogos diversos - com raras exceções, é claro - pareciam administrar seu emocional com a devida parcimônia. Os alemães, por exemplo, vinham se comportando como seres robóticos desprovidos de alma e com pleno domínio da razão. Mas, afinal, o esporte, futebol em especifico, é emoção ou razão?

Fui checar isto com mais cuidado e descobri que existe um campo da Psicologia que se dedica ao estudo, e por consequência ao entendimento, dos propósitos pelos quais as emoções existem e como elas nos ajudam a sobreviver ou até mesmo a nos desenvolver. Este mesmo campo de estudo da psicologia dedica igual atenção a outro processo a que conhecemos como “sentimentos”. Emoções e sentimentos são processos inconscientes, isto é, surgem fora do controle da nossa razão, porém cada qual tem suas peculiaridades.

No seu livro seminal “As leis da emoção” o psicólogo holandês, Henri Frijda, demonstra as regras que regem as emoções: Para ele - e é fácil aceitar esse argumento - as emoções se situam na encruzilhada de nossa carga biológica com a nossa capacidade cognitiva, ou seja, a consciência. Várias emoções que são fundamentais à preservação da vida nós as herdamos pela via biológica, como, por exemplo, o medo. São forças produzidas espontânea e inconscientemente para nos preparar para enfrentar determinados perigos imediatos. Induz-nos a agir com eficiência e de forma concentrada para defender, atacar e a fugir do perigo. As emoções, portanto, fogem completamente de nosso controle consciente. Curiosamente, elas podem ser facilmente lidas pelas outras pessoas pelo simples observar das expressões físicas que produzimos: um semblante de pavor, uma risada, um arrepio, um grito e até mesmo um choro ameno ou convulsivo, por exemplo.

Quando, contudo, o nosso consciente consegue interpretar essas emoções, passamos a produzir o que se chama de “sentimentos”. Estes já deixam de ser meramente biológicos e passamos a controlá-los de forma consciente. Assim, com base nos sentimentos, podemos tomar decisões importantes. Uma vez que os sentimentos são submetidos ao controle da consciência, isto é, da razão, podemos deliberadamente camuflá-los e - ao contrário do que ocorre com as emoções - impedir que os outros os leiam com base no nosso comportamento ou mesmo expressões físicas como ocorre com as emoções e disso tirem proveito tático e estratégico. Não devemos esquecer que um jogo de futebol é como uma guerra. O inimigo está sempre à espreita para captar os nossos pontos fracos...

Podemos aceitar que o que realmente vale não é tanto a carga de emoções biologicamente produzida, mas sim a forma como nós, racionalmente, as transformamos em sentimentos. Estes, bem administrados, podem nos ser mais úteis do que as emoções em seu estado puro. Quem disse que os alemães, aparentemente frios e autocontrolados, não se encontravam também submetidos às mesmas intensas emoções como aquelas dos nossos meninos? Claro que estavam. Isto foi demonstrado nitidamente depois de se sagrarem tetracampeões mundiais, quando extravasaram toda a alegria e abriram os corações ao declarar amor ao futebol, à família, à sua pátria e até mesmo ao Brasil. Faltou-nos, portanto saber como canalizar nossas “emoções brutas” em “sentimentos úteis” e assim não ter deixado que os adversários tivessem lido nas faces de muitos de nossos ainda impúberes garotos o temor que os dominava naquelas batalhas.

Como se muda isto?

Só há uma resposta: amadurecimento. Só o tempo e as experiências, principalmente as negativas, podem propiciar esse aprendizado ao ser humano. Culpa parcial dos dirigentes que preferiram abrir mão de alguns craques com mais experiência de vida, talvez não em tão boa forma física como os meninos quase adolescentes, mas com a alma calejada e já tendo desenvolvido suficientemente a capacidade de transformar emoções em sentimentos produtivos.

Vivendo e aprendendo!

Edson Pinto

Julho’2014 

16 de jul. de 2014

269) MENINOS, SEM QUERER, EU VI...

Os meus poucos, mas fiéis leitores notaram que fiquei mais de 30 dias sem publicar novos textos no blog. Alguns quiseram saber se eu estava bem de saúde, se tinha viajado ou que diabos teriam me desestimulado a dar prosseguimento ao hábito que tanto prezo e que me faz bem que é o de colocar sistematicamente no papel aquilo que gira solto na minha cabeça. Sei e reconheço que a maioria, contudo, deve ter ficado feliz pela trégua que lhes dei. Afinal, temos mais tarefas e agitação do que tempo para satisfazê-las.

Gosto muito de futebol, sem, contudo, ser um especialista e fanático. Conforme já havia dito em meu texto de nº 264, “A Pátria de Chuteiras”, eu estava não só entusiasmado como até mesmo me preparando para viver intensamente esta maravilhosa Copa do Mundo que acaba de ser realizada aqui no nosso País. Pensando bem, o futebol é apenas uma parte do espetáculo. Todo o conjunto de manifestações sociais, políticas, relacionamentos pessoais, oportunidades de turismo e lazer é que, tudo somado, fazem da Copa do Mundo um evento ímpar.

Todavia, por mais que eu me deleite com este esporte, sinceramente, não me disporia a pagar milhares de dólares por um único ingresso aos estádios como vimos abundantemente serem vendidos por cambistas ligados à própria FIFA. Esporte e esperteza não combinam. Aos que praticam o esporte com o uso ilícito do doping aplica-se a punição do banimento. Aos que dele se aproveitam financeiramente e trapaceiam reserva-se o xilindró. Além do mais, a tecnologia moderna nos oferece condições excelentes de imagem, áudio e de informações que, estar assistindo aos jogos de casa ou de algum ambiente de maior aglomeração social, como um bar ou um clube supre-nos em abundância com as emoções que emanam das partidas. E eu queria – como de fato consegui – assistir, pela TV e com amigos, todas as partidas realizadas, exceto uma... E é sobre esta em especifico que quero falar.

E por que a esta “uma” eu não a assisti pela TV? Quis o destino que, pelo site da FIFA, através do sistema de sorteio, ter conseguido, meses antes de iniciada a Copa, comprar ingressos para a partida de nº 61, semifinal no Estádio Mineirão em Belo Horizonte no dia 8 de julho. Podia ser qualquer time a estar lá naquele glorioso dia, mas botei fé de que assistiria a uma partida do Brasil. E pela análise que fazia com a família, com grande certeza daria o Brasil contra a Alemanha. De fato, tudo ocorreu como sonhado: O Brasil iria enfrentar a poderosa Alemanha exatamente naquele jogo.

E lá estávamos, família em peso, cheios de alegria e confiança. Nem o fato de termos perdido o Neymar e o zagueiro Thiago Silva para aquela partida foi suficiente para tirar a nossa esperança por uma vitória redentora. Estávamos em casa; as condições climáticas, ambientais e até a atmosfera estavam a nosso favor. Tudo funcionou bem e organizadamente. Há anos não entrava em um banheiro de estádio tão limpo; não sentava em cadeiras tão confortáveis; o estádio dispunha de telões com imagens reluzentes que nos davam informações úteis. “Tudo bacana”, para usar um termo comum na época em que ainda adolescente, no final dos anos 60, frequentava aquele mesmo Mineirão de arquibancadas rusticamente cimentadas.

Já havia jurado nunca mais voltar a estádios enquanto não fosse respeitado como consumidor consciente. Os nossos estádios, até que o padrão FIFA se fez presente, eram infames, verdadeiras pocilgas. Aquele oito de julho se me apresentava como a redenção de todos os nossos pecados terceiro-mundistas. As pessoas se confraternizavam até mesmo com os adversários do dia, os alemães, como se estivéssemos ali não para tentar superar um já tricampeão mundial, mas sim para comemorar uma vitória que de antemão já se dava como certa.

Mas eu vi... E digo como dizia o velho chefe timbira ao narrar as proezas do índio tupi no romance “I-Juca Pirama” de Gonçalves Dias: Meninos eu vi! Eu vi um time desfigurado, impotente, atônito, humilhado ser massacrado por magricelas de pernas longas e cabelos louros que passavam bola de pé em pé assemelhadamente ao que os Globetrotters faziam como as mãos. E foram sete gols que nos fizeram pequeninos como nunca antes na “história deste País”. E se o futebol não funcionou, todo o resto tomou aspectos nebulosos, perderam a graça como quando se desperta de um sonho tão fabuloso quanto irreal.

Meninos, eu vi o semblante das pessoas que estavam ao meu redor transmudarem de expressivos para apáticos; de sorridentes para carrancudos; de fraternais para agressivos e perplexos. Lembrei-me - ato contínuo - de outro texto que escrevi em 02 de julho de 2010 quando o Brasil havia perdido naquelas quartas de finais para a Holanda, na copa da África do Sul. Vide meu texto de nº 127, “Cinco Minutos de Tristeza”. Mas senti que, ao contrário daquela derrota de quatro anos antes, esta do Mineirão e nas condições em que ocorreram, apenas cinco minutos não seriam suficientes para apagar o desalento que se abateu sobre nós.

O céu que naquele dia apresentava-se aberto, lindo, ensolarado, de repente começou a mudar para um tom cinzento que causava medo. E não era chuva, meninos, eu vi! Era certamente de tristeza pela frustração de não apenas não vermos realizada um sonho legítimo, pois afinal somos o país do futebol, mas uma decepção de tamanha monta que procurar culpados ou encontrar justificativas de qualquer ordem torna-se desnecessário e contraproducente.

Mas, a vida continua e os fatos mudam as percepções que temos dela. Em tudo o que ocorre há sempre uma lição a ser extraída, a menos que não queiramos. O futebol para mim tem muito a ver com o curso da nossa própria existência: ganhamos ou perdemos. Nada de novo! O importante é termos consciência de que as maiores lições vêm-nos dos momentos em que fracassamos e não dos momentos de vitórias. É preciso crer, portanto, na real possibilidade de sermos derrotados. Só assim, as vitórias que esperamos para o futuro serão comemoradas com glória.

Até à Rússia em 2018...

Edson Pinto

Julho’2014