23 de jul. de 2009

89) WALKTAXI



A indústria automobilística brasileira instalou-se a partir do final de década de 50 quando o grande presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, desenvolvimentista dos bons que era, entendeu que para o Brasil crescer 50 anos em 5 muitas coisas deveriam ser feitas ao mesmo tempo.

Além de interiorizar o desenvolvimento do país com a construção de Brasília e outros investimentos, incentivou a implantação de várias fábricas de automóveis, caminhões, ônibus e seus derivados que, sobre rodas, facilitam a vida, movem a economia, geram empregos, mas também produzem CO2 e congestionamentos em abundância. Entre vaivens inúmeros, hoje ostentamos o 6º lugar na produção mundial de veículos automotores e, dizem, caminhamos para ser a 5ª indústria, em breve.

Deixando de lado o enfoque macroeconômico suscitado pelo tema, o que, aos brasileiros das grandes cidades mais tem a ver com o assunto, é o fato de que a frota não para de crescer e com ela, também, não deixam de agigantar os nossos problemas de locomoção.

Em São Paulo, por exemplo, quase 1.000 carros novos são licenciados por dia. Multiplique isso 5 anos e então constatará que não existem ruas, avenidas, estradas ou mesmo estacionamentos suficientes para tantos veículos. Uma conta simples com base nesses números nos indica que em 2014, ano da copa do mundo no Brasil, só na cidade de S. Paulo já teremos quase 2 milhões de carros acima dos 6 milhões que aqui já circulam. Considerando que cada veículo ocupa em média 5 metros lineares de pista, precisaríamos de mais 10.000 km de pistas novas só para manter todos os carros enfileirados. Inimaginável, não?

Bem, o importante é que o ser humano vai se adaptando às dificuldades que se lhe apresentam. Charles Darwin, o grande naturalista britânico, legou-nos a famosa Teoria da Evolução das Espécies e demonstrou-nos os mecanismos de adaptação necessários para elas se entenderem com o meio ambiente em que vivem. Esta situação do caos urbano embora ainda não existente na época de Darwin, agora, infelizmente, mais do que prova que a nossa espécie humana vem confirmando sua teoria.

Tão logo constatadas as dificuldades para uso do automóvel como veículo individualista que é, o habitante das grandes cidades migrou para o ônibus, o metrô, o taxi, o ônibus fretado, a carona solidária até chegar às mototaxis cuja regulamentação em forma de lei o presidente Lula acaba de sancionar.

Será que agora as madames, as moçoilas e os executivos que precisam circular dentro das megalópoles se adaptarão para encarar a garupa de um desses motoqueiros atrevidos a transitar em alta velocidade por entre carros, subindo calçadas e avançando semáforos? Seria você um de seus clientes, ou quem sabe, vitimas, a fungar ensandecido no cangote de uma fera dessas? Pode ser! A teoria de Darwin logo, logo nos dará resposta a isso...

Mas, Genivaldo Silva, brasileirinho esperto como ele só, já vislumbrou o próximo lance dessa luta inglória contra o congestionamento das grandes cidades. Ele afirma que em tempo mais curto do que possamos imaginar nem as motocicletas conseguirão fluir pelas nossas escassas ruas e avenidas. Será o caos total. Pessoas poderão sair de casa na segunda-feira pela manhã para ir ao trabalho e só conseguir chegar ao destino lá pela sexta-feira, à tarde, quando o expediente já terá terminado. Felizmente, ainda sobrará o final de semana para tentar voltar para casa. Os de espírito mais práticos conseguirão uma vaga de estacionamento próxima do trabalho sem nunca remover o seu carro de lá. À noite, saem do trabalho e vão ao carro para dormir e para outras necessidades inconfessáveis. No dia seguinte, dali saem para ir ao trabalho fazendo isto até que chegue a data de suas férias.

Por isso, Genivaldo já está se preparando para lançar-se no novo e promissor negócio que ele já chama de Walktaxi. E o que vem a ser esse serviço? Ele mesmo explica:

“Apresento-me ao cliente, pego sua pasta, embrulho ou outro objeto que ele tenha que levar para o seu compromisso e vamos caminhando juntos. A grande vantagem é que ele não precisará carregar nada e tenho até um guarda-chuva que aciono em caso de necessidade. Avançaremos a uma velocidade de até 6 quilômetros por hora enquanto as motos não conseguirão nem 1/3 disto e os carros, zero”.

O meu serviço – completa Genivaldo – propiciará ainda um benefício que não penso em cobrar: Caminhando de casa para o trabalho e vice-versa o meu cliente manterá a forma física e ainda terá com quem desabafar suas mágoas, desventuras amorosas e dificuldades financeiras. Claro, poderá ainda falar de seus planos de mudança definitiva para um lugar pequeno onde não se ganhe tanto dinheiro, mas que pelo menos possa exercer o sagrado direito de ir e vir, coisa que passou a ser utópico nas grandes cidades.

Edson Pinto
Julho’2009

15 de jul. de 2009

88) O CINQUENTENÁRIO



Dentre todos os artifícios que o ser humano desenvolveu para marcar os períodos importantes da vida, creio que a referência ao número 50 seja uma das mais significativas. Não que, falar de século, 100 anos, ou de milênio, 1000 anos, seja alusão a marcos temporais que não nos mereçam maior apreço. Há, tal como eles, muitas outras divisões de tempo igualmente meritórias:

Na tradição civil e religiosa mundo afora se consolidou a comemoração das bodas, isto é, o aniversário do casamento ou de outro evento dando-lhes nomes para bem marcar a efeméride. Assim, temos para os numerais de 1 a 100 uma representação material para cada ano. De bodas de papel para o primeiro ano de uma união a bodas de jequitibá para comemorar 100 anos. Tudo isso, passando, por exemplo, por bodas de turmalina quando se comemora 16 anos, bodas de seda aos 41 e a bem sugestiva bodas de bronze quando se comemora 51 anos de casamento.

Mas, por que 50 anos, qüinquagésimo ou cinqüentenário passaram - pelo menos ao que a mim me parece – a ser um marco importante? Imagino que, na época em que vivíamos bem menos, esse marco fosse, por razões óbvias, desprezado. Fugia ao nosso limitado horizonte temporal. Poucos viviam para comemorar os próprios 50 anos de vida ou 50 anos de casamento ou 50 anos de carreira profissional ou 50 anos de amizade. A vida se circunscrevia a um tempo de duração bem menor.

Aí veio o progresso das ciências médicas e as melhorias das condições de vida em geral. Uma mulher de 50 não é mais a vovozinha da metade do século passado. Pode ser tão bonita, atraente, cheia de charme e ainda detentora de grande experiência de vida, que - não raro - deixa mancebas púberes a inalar-lhe as poeiras. Se Honoré de Balzac voltasse ao nosso tempo, certamente não mais endeusaria a mulher de 30. Adicionar-lhes-ia uns 20 ou mais anos. Não só ficaria politicamente bem com as mulheres que sabem tudo das coisas e vivem com sabedoria como ainda nada teria a exigir-lhes mais em matéria de sensualidade.

O rei da música pop, Michael Jackson, despede-se prematuramente aos 50 anos e no nosso próprio rei, Roberto Carlos, enche o maracanã para marcar os seus qüinquagésimo ano de carreira musical. Em 50 anos, Roberto Carlos gravou cerca de 50 discos enaltecendo, como ninguém, a força do amor. Michael Jackson vendeu mais de 100 milhões, fez dezenas de cirurgia plásticas, desenvolveu mil esquisitices e, por descuido, fez à beira do abismo da eternidade o seu derradeiro “moonwalk”, aquele passo em que se desliza de costas.

Se você ainda não chegou aos 50 ou se já passou deles reflita sobre o quanto se pode fazer com tal tempo. Para aqueles que, como eu, acham a vida um delicioso festim só se pode desejar-lhe ainda mais longa. Se for o contrário, revise seus critérios de avaliação e, por favor, jamais considere ensaiar o próprio “moonwalk”.

Edson Pinto
Julho’09

8 de jul. de 2009

87) DA LIBERDADE...


Poucas palavras entre as dezenas de milhares em quaisquer que sejam os idiomas são tão fortes em significado quanto Sua Alteza Real, o substantivo feminino “liberdade”. Embora nem todos saibam bem explicar a grandiosidade e extensão de sua abrangência, sabem, contudo, a falta que ela faz quando vem a ser cerceada, agredida ou no extremo, suprimida.

A história da humanidade é feita de lutas pela liberdade. Vitórias e retrocessos. Mais aquelas do que estes têm sido ao longo dos tempos a motivação maior da trajetória da nossa raça. Não fosse pelo amor a ela, o mundo teria se estagnado e provavelmente muito pouco teríamos avançado além do fato de termos descido das árvores nos separando em definitivo de nossa origem primata.

Nem guerras, nem povos escravizados, nem catástrofes absurdas e muito menos tragédias tipicamente humanas com o Holocausto foram suficientes, até então, para deter o ímpeto de cada ser pela liberdade. Filósofos de todas as épocas, origens e linhas de pensamentos sempre viram a liberdade pelo lado da recusa do homem em se sentir submisso, servil e sim, positivamente, reconhecendo sua necessidade por autonomia para agir, responsavelmente, conforme sua vontade e instintos. Para Kant, ser livre é ser autônomo, assim como para Spinoza, ser livre é deixar-se seguir conforme sua própria natureza.

E a liberdade levou o homem a descobrir novas terras e habitá-las. A liberdade de investigar os mistérios da natureza o levou a descobrir as maravilhas que o Criador caprichosamente ocultou na forma de partículas minúsculas como os átomos e seus elétrons. Esses, uma vez descobertos e bem compreendidos nos deram luz, calor e a energia movedoras de tudo, inclusive deste computador que dele ora me sirvo para divagar na busca da sensatez fugaz, produto casual da divagação dos loucos.

A liberdade de investigar levou o homem ao espaço para ampliar seu conhecimento do Universo e ao fundo do mar para melhor compreender a formação de nosso planeta e a conhecer outros seres que nele habitam. Ao penetrar, com liberdade, nas entranhas do corpo humano encontrou formas de reparar os males causados pelas doenças e o modo de mitigar nossas dores. Com liberdade inventou os meios de transporte e comunicação que aproximam as pessoas, matam saudades e unem corações. Tudo, tudo, só porque o homem contou com a liberdade.

E aí tudo vinha muito bem até que esse mesmo homem, deslumbrado com o progresso e no exercício pleno de sua liberdade de criar sofre uma recaída sem precedentes e inventa o telefone celular. Com isso, nos remete de volta aos galhos das árvores de onde nunca saíram - por falta de liberdade - os ancestrais de nosso momento inaugural.

Edson Pinto
Julho’09

1 de jul. de 2009

86) VUVUZELAS DA PICARETAGEM






Como grande apreciador de futebol, o presidente Lula não deixaria de acompanhar as partidas da Copa das Confederações ocorrida nos últimos dias na África do Sul e da qual o Brasil saiu-se muito bem. Vencemos todas e assim trouxemos mais um caneco para casa. Parabéns aos nossos briosos artistas do ludopédio!

Desde o primeiro jogo, reações diferentes foram manifestadas quanto ao domínio extra campo dos novos craques do evento: aquelas cornetas de plástico que os alegres africanos assopravam com um fôlego aparentemente inesgotável. As vuvuzelas foram assim apresentadas ao mundo, todavia - se não me falha a memória futebolística - há algo parecido aqui no Brasil, porém sem tanto sucesso como as congêneres da terra de Mandela.

Pode-se acusar Lula de tudo, menos de que lhe falta senso de oportunidade. É o mestre dos mestres na arte de sacar aquilo que pode agradar ao povão e a partir daí desenvolver seu discurso - mas não necessariamente suas ações - para explorar em proveito de suas quase-teses socialistas quaisquer artifícios que sustentem sua obsessão pelo ordinal do número 3.

“Dilma minha companheira”, exclamou com grande alegria. “Inclui aí no PAC um novo programa social que acabo de criar. Vamos fazer o Bolsa Vuvuzela para garantir que cada brasileiro possa tocar sua corneta após tomar café da manhã, almoçar e jantar. Essas três refeições básicas nós já garantimos para todos, daí essa felicidade geral. Temos agora que fazer dessa alegria do povo um momento de grande êxtase nacional. O som das vuvuzelas será ininterrupto, pois os brasileiros nunca comeram tanto na história deste país como agora no meu governo. E tal foi feito! A propósito, parece ter sido esta a única meta do PAC que conseguiu ser integralmente realizada.

Nos primeiros dias o Brasil ficou parecendo uma casa de marimbondos. Aviões vindos da Europa já começavam a captar aquele ruído de vespídeos alvoroçados mal adentravam as 200 milhas de nosso mar territorial. Vizinhos, como os do cone sul, especialmente os exigentes portenhos, já não suportavam mais aquele zumbido ensurdecedor que vinha do norte e só se amenizava ao atingir os rincões da Patagônia. Lula não se continha em si mesmo. Os 84% de aceitação que indicavam as pesquisas eram coisa do passado. Faltava pouco para a unanimidade...

Mas não passou muito tempo e o zumbido verde-amarelo varonil reduziu-se aceleradamente à medida que a crise econômica chegava a ritmo mais rápido e mais intenso do que a marolinha anunciada. Os médicos otorrinos dos países limítrofes e mesmos os nacionais perderam suas clientelas; aviões da Air France se desorientavam ao adentrarem nossas 200 milhas, pois seus “pitots” já não captavam mais aquele ruído contínuo que passara a ser nossa marca registrada. O “zumbido Brasil” havia sido incorporado ao software que comandava o automatismo das modernas aeronaves. Sem ele, o piloto automático considerava que estava na rota errada, e, não raro, faziam meia-volta...

“Presidente Lula, certamente o senhor não está sabendo, pois viajava mundo afora na defesa de seu título de “O Cara”, mas devo informar-lhe de que as vuvuzelas pararam de soar no país. Para ser correta, senhor presidente - adicionou Dilma em nome de todos os ministros que foram recepcioná-lo depois de quase três meses fora do Brasil - só se ouve, ainda e por razões óbvias, alguns vuvuzeleiros convictos aqui em Brasília. No resto do país o silêncio é total”. “Ora minha cara Dilma, progenitora arretada do PAC, diga ao povo que voltei e que já pode tocar de novo. Não sabia – fico até emocionado - que o povo sentiria tanto a minha falta”...

“Mas senhor presidente - intercedeu Guido Mantega - o problema é que a crise chegou mais brava do que havíamos prometido e o povo ficou sem o que comer e assim deixou de tocar as vuvuzelas”. “Mas, ministros, vocês não conseguiram convencer o povo de que assoprar as vuvuzelas podia enganar o estomago e a fome? O importante é que o povo se mostre feliz. Comer é só um detalhe, é coisa “dazelites”. Na minha época de sindicalista no ABC quando não tinha comida mandávamos uma cangebrina e tudo bem “...

“Infelizmente, só o senhor poderia convencer o povo disto, mas o senhor não estava. O povo, para não morrer de fome, acabou até mesmo comendo as vuvuzelas”.

“Xi! - exclamou Lula – Então a coisa é braba. Por isso, tô fora, mas volto em 2014. Até lá o povo já esqueceu esse tsunami...


Edson Pinto
Julho’09