26 de out. de 2009

103) CERZINDO A SEMANA



Êta semaninhas confusas essas últimas que passaram em nossas vidas!

Saímos da grande alegria pela conquista da sede das Olimpíadas de 2016 para o torpor diante a derrubada do helicóptero policial pela bandidagem da Cidade Maravilhosa, jogando, assim, a maior água fria sobre nossas cabecinhas chauvinistas. Ficamos mal com o mundo, pois havíamos mostrado, de Copenhague e com a ajuda de um Lula plangente, uma paradisíaca cidade do Rio de Janeiro com povo afável, ordeiro e alegre. Já começamos bem a caminho da medalha de ouro na modalidade Farsa Coletiva. Resta-nos, contudo, o consolo de que esse fato horrendo gere nos membros do COB a ideia de um helicóptero ardente acendendo a pira olímpica, em 2016, antes do mergulho mortal na Baia da Guanabara sob os braços abertos de um estarrecido Cristo, incapaz de nos redimir de tantos pecados.

Saímos da euforia pela brilhante pole position do Rubinho, no sábado, com o seu concorrente direto ao título lá pela 14ª posição do grid de largada para o Rubinho de sempre, com pneu furado e atrás de Jenson Button, no domingo. Mas, gostamos tanto da simpatia e humildade desse piloto que continuaremos achando que em 2010, muito provavelmente na Williams, as coisas serão mais alvissareiras. Seguiremos, é claro, a acreditar em um título do nosso querido piloto até mesmo quando o cockpit de seu bólido já tiver sido adaptado para acomodar a bengala e um pequeno estoque de fraldões descartáveis para uso do adorável piloto-vovô.

Apareceu finalmente a agenda da Lina Vieira. Aquela mesma que o presidente Lula, arrogantemente, exigia fosse mostrada para fazer prova do encontro da secretária da Receita Federal com a ministra Dilma quando esta pediu aquele “jeitinho” para livrar a cara dos Sarneys. Lula, enganado como sempre pelos seus acólitos, acreditava que a tal agenda jamais existira. Agora, só restou à tropa de choque, hipocritamente, argumentar que o assunto já tinha se encerrado e não se falava mais nisso, mesmo porque, Dilma está em palanque com Lula para mostrar ao sofrido povo do interior nordestino que a transposição do Rio São Francisco só acontecerá caso o PT continue no governo.

Sarkozy, pelo que consta, encontrou-se poucas vezes com Lula e vejam, já aprendeu e aplicou em seu país o principio básico do nepotismo ao estilo Brasil. Seu filhinho de 23 anos vai comandar uma importante atividade econômica em Paris. E o maluco que escondeu o filhinho no sótão para dar ao mundo a impressão de que o pimpolho subira desvairado pelo balãozinho de gás, quem sabe à busca de contatos extraterrestres? Estou desconfiado que o cientista de araque havia tomado conhecimento da aventura do nosso padre voador, Adelir de Carli, que no ano passado subiu aos ares para nunca mais voltar. É o Brasil fazendo escola. Como isso nos infunde orgulho, brasileiros e brasileiras!

Dado esse resumo noticioso, permaneço aqui e agora dialogando com os meus botões sobre o que nos reserva as próximas semanas. Vejo que um deles não pára quieto em sua casinha já bem surrada o que pode me indicar problemas à vista. Mas, eu posso refazer-lhe o cerzido usando uma agulha de ponta menos aguda a fim de não só não ferir intensamente o meu insignificante dedinho, como nem magoar, em profundidade, a minha alma em frenética peregrinação expiatória.

Edson Pinto
Outubro’2009

19 de out. de 2009

102) GRANDES NAVEGAÇÕES




Historicamente, a passagem para os tempos modernos ao raiar do século XVI a.D, não seria bem compreendida sem o reconhecimento do papel maiúsculo desempenhado pelo que se denominou, mais tarde, de “As Grandes Navegações”.

Razões variadas, principalmente as de ordem econômica, levaram nações europeias a empreender incursões cada vez mais distantes pelos oceanos, tanto à busca de novos caminhos para as Índias como para conquistas de novos territórios. Nessas, descobriu-se a América em 1492, o Brasil em 1500 e muitos outros territórios que passaram a constituir o Novo Mundo.

O arrojo de marinheiros conquistadores do passado só pôde ser mantido e até mesmo consagrado, porque inovações tecnológicas contribuíram para que as expedições saíssem de suas terras com boas chances de sucesso. Senão, ninguém - por mais espírito de aventura que tivesse - se arriscaria a adentrar os oceanos desconhecidos da época. As caravelas e outras naus aventureiras começaram a contar com o equivalente do que hoje chamamos de “Tecnologia Embarcada”. Não dava para saber para onde se ia sem o uso da famosa bússola, então aperfeiçoada, e que lhes indicava os pontos cardeais; de um instrumento chamado sextante que ao medir a abertura angular entre um astro e o horizonte podia aproximar cálculos de distâncias e mesmo o astrolábio que tinha função parecida com a do sextante ao inferir posições a partir do exame da altura dos astros.

Com tal tecnologia, os Vascos da Gama, Cristovãos Colombo e Pedros Álvares Cabral da época alargaram o mundo e deram o pontapé inicial ao grande progresso que a humanidade veio a experimentar nos séculos seguintes. Passados apenas 5 séculos e o mundo, graças aos corajosos navegadores e aos astrolábios de então, fizeram história e inspiraram poetas como Camões e Fernando Pessoa, respectivamente: “As armas e os Barões assinalados que da ocidental praia lusitana, por mares nunca dantes navegados, passaram ainda além da Taprobana” ou, “Oh! mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal? Valeu à pena? Tudo vale à pena se a alma não é pequena”

Um bom amigo, cujo nome preservo, encarna, agora, neste século XXI, o espírito dos grandes navegadores renascentistas. Tal como eles, quis, também e sempre, fazer conquistas. Nem as profundezas abissais dos oceanos da vida, nem as distâncias infinitas das estradas que margeiam despenhadeiros ou os árduos obstáculos que se lhe antepõem com rudeza, são suficientes para impedir-lhe a navegação. Não a marítima, com bússola, sextante ou astrolábio, como se agia no passado, é claro, mas, agora, urbana, a procura de ruas na cidade louca de São Paulo, uma das maiores do mundo e em termos de inacessibilidade do trânsito, também uma das piores.

GPS é o instrumento desse meu amigo, o Colombo moderno. Começa programando o local de ida. No painel do automóvel a tela brilhosa mostra ruas bem traçadas sobre as quais vai o carro se deslocando. Uma voz feminina, tão encantadora quanto persistente, rouba-lhe o prazer da música ao sobrepor-se ao MP3 que libera som límpido moldado para mitigar-nos as agruras de mais um congestionamento:

“Prepara-se para virar à direta daqui a 300 metros”, anuncia a voz melosa, aos moldes da Iris Lettieri dos nossos aeroportos. Ou, ainda, “Mantenha-se à esquerda para entrar na próxima rua”. Mas, pode também ser: “Recalculando a rota para seu destino”.

__ Agora, não bastasse a ditadura da vida cruel, do trânsito maluco, dos impostos a pagar para sustentar mordomias dos nossos políticos e do tempo exíguo para o cumprimento de tantos compromissos, me vem essa senhora metódica a ditar-me o caminho? Desdobrasse desta forma o relacionamento entre o navegador moderno e o seu astrolábio redivivo na forma de GPS metido nessa caixinha eletrônica dos diabos.

__Melhor eu entrar à direita do que à esquerda, conclui. __ Será que essa senhora não percebe que à esquerda não tem passagem devido àquele acidente? __ Não chegarei a lugar nenhum, por isso farei ao meu modo...

“Recalculando a rota”.

__ Lá vem ela de novo, meu Deus! “Siga em frente até a próxima Avenida”. __ Louca essa mulher, grita e gesticula o amigo em flagrante irritação. __ À frente tem um ônibus quebrado, vou mesmo é para a esquerda e pronto!

“Recalculando a rota”.

__ Valha-me meu Senhor do Bonfim! “Contorne a praça e depois dobre a direita na esquina do semáforo”. __ Louca, louca, louca! __ Não vê que o semáforo está piscando de forma ininterrupta o que significa estar quebrado? __ Vou agora para a direita e seja lá o que Deus quiser...

__ Ufa! Acho que finalmente cheguei, exclama o amigo entre um pouco contente e muito cansado, sem se dar conta de que chegara exatamente ao ponto de onde havia partido.

Teria ele, como os navegadores antigos, tirado bom proveito de seu astrolábio moderno? Descobriu novos caminhos e teve novas conquistas? Circunavegou, e, como Fernão de Magalhães, voltou, também, ao ponto de partida, com a única diferença de nunca ter chegado aonde pretendia.

Edson Pinto
Outubro’2009

12 de out. de 2009

101) TU QUE NO PUEDES

Francisco de Goya, o grande pintor espanhol (1746-1828), tinha genialidade mais do que suficiente para lhe assegurar, como de fato aconteceu, um lugar de destaque no panteão dos grandes artistas. Encontra-se no museu do Prado, em Madri, uma de suas gravuras mais intrigantes, chamada de “Tu que no puedes”.

Repare na total inversão da lógica! Dois homens carregam, às costas, dois burros. O certo seria o contrário, não? Aqui, contudo, Goya quis passar, por metáfora, uma crítica à sociedade da sua época. Os dois sofridos homens representavam a classe dos camponeses e trabalhadores e os burros, as classes ociosas, ou seja, a nobreza e o clero. Repare ainda que os homens se dão a esse cruel trabalho mantendo os olhos fechados, certamente por ignorância e falta de visão política.

Já estamos no século XXI. Pelo menos, para nós aqui do outro lado do Atlântico, não temos a nobreza nem o clero para serem sustentadas pelo povo, mas, infelizmente, essas duas classes privilegiadas na sociedade de Goya foram substituídas por algo pior: a classe dos políticos. Esta, sim, inversora da lógica natural das coisas, pois o homem público deveria servir e não o contrário.

Os trabalhadores somos todos os que lutamos no dia-a-dia pela sobrevivência e de quem, cerca de 40% de tudo o que se produz, é extraído na forma de impostos. A classe dos políticos que ainda acomoda seus parentes, namorados de netas, companheiros indicados pelos partidos do poder e outros se apodera com voracidade dos impostos recolhidos fazendo o uso que melhor lhe aprouver.

Assim, continuaremos a marchar com nossos pesados burros às costas, a menos que decidamos abrir os olhos e passar a enxergar o que deveria ser o certo. Se o prêmio Nobel da Paz, Barack Obama, lançou o refrão “Yes, we can”, por que não podemos juntar à crítica de Goya “tu que no puedes” o otimismo do presidente americano e assim dizermos, também: “tu e nós, juntos, podemos”?

Edson Pinto
Outubro’2009

5 de out. de 2009

100) CEM TEXTOS DE SOLIDÃO

Gabriel Garcia Marques, o grande escritor colombiano, isolou-se por 1 ano e meio para escrever a obra que é considerada a 2ª mais importante de toda a literatura hispânica. Seria suplantada, segundo Pablo Neruda, apenas pelo clássico de Miguel de Cervantes, Don Quixote de La Mancha.

No famoso romance no melhor estilo do autêntico realismo fantástico, o ganhador do prêmio Nobel de Literatura de 1982 retrata a saga da família Buendia-Iguarán no povoado de Macondo que eles mesmos fundaram. Sucedem gerações e gerações, personagens e mais personagens para compor a surpreendente saga da família ficcional gestada na mente de Marques. O encanto de sua trama levou-o a vender mais de 30 milhões de exemplares de “Cem Anos de Solidão” tornando Gabriel Garcia Marques em mais do que um mito, senão um verdadeiro ícone da literatura latino-americana e mundial.

Há um ano e meio eu comecei a escrever as insignificâncias que publico religiosamente a cada semana no meu blog pessoal. Seria gigante a insensatez de minha parte se quisesse traçar alguma relação desta auto veleidade com a obra magnífica de Marques. No entanto, atrevido como sou, roubei-lhe a idéia do título porque, com este texto que ora escrevo, atinjo a marca não de cem anos como na saga dos Buendias, mas de cem publicações. E mais, considerando que o ato de escrever é, no fundo, um ato de ensimesmamento, concentração e pura solidão, me vejo encaixado de forma furtiva e despretensiosa em algo que, de certo modo, tornam as coisas um tanto parecidas. Cem anos, cem textos e a solidão típica dos escrevinhadores que persiste em nos envolver.

Todos nós escrevemos de forma contínua as passagens de nossas vidas, nossas idéias, fantasias e desejos. Escrevemos na mente e deixamos que efeitos químicos gravem tudo em nossos neurônios, mesmo que seja para serem lidos somente pelo inconsciente na calada do sonho noturno ou captados como ecos distorcidos vindos do labirinto de nossas almas. Às vezes, podemos gravar os mesmos fatos, idéias, fantasias e desejos na forma de símbolos sobre folhas de papel ou cliques no teclado de um computador, tudo, como decorrência de um impulso que nos leva a partilhar com o exterior aquilo que incomoda ocultar.

Vã a idéia de que ao revelar nossos pensamentos na forma de textos, eles encontrarão calorosa acolhida por parte de quem se dá ao trabalho de lê-los. Por isso, aquele texto que tocou-nos fundo a alma pode não ter o menor efeito para os outros. O contrário, um texto despretensioso, como julgava Marques ser o seu livro agora célebre, pode cair no gosto de toda a gente. Quem escreve com a alma não deve ser guiado pela ânsia de que o texto agrade, pois se a alma não é pequena, como nos ensinou Fernando Pessoa, tudo valerá à pena.

Ao atingir o texto de número 100 publicado no meu blog, penso que meus poucos, mas fieis leitores merecem mais do que o meu agradecimento por terem me tolerado por tanto tempo, mas também a deferência de uma consulta sobre o interesse em continuar recebendo meus escritos. Com base no grau de aceitação de meus leitores pretendo decidir se continuo publicando meus textos no mesmo ritmo atual ou se farei modificações quanto à sua frequência.

Mandem-me em resposta um e-mail: epinto2008@gmail.com ou façam os registros que julgarem adequados no espaço destinado a COMENTÁRIOS que vem em seguida a este texto.

Edson Pinto
Outubro’2009