11 de dez. de 2009

110) OS SINOS REPICAM POR NÓS

Nada mais simbólico do que a imagem de um sino... Em real, podemos encontrá-lo soberano no campanário da torre de uma igreja como a lembrar-nos de atos importantes; no pátio da escola dando alegria à garotada ao informar a chegada do intervalo ou o fim da aula; na porta de uma casa para anunciar um visitante, e ainda, modernamente, no toque de um telefone celular excêntrico.

O bimbalho do sino que já foi considerado o grito do medievo regulava a vida da cristandade. Convocava para a missa, lembrava as horas marianas, as novenas e dobrava lúgubre pelo pesar de uma morte na comunidade. O Quasímodo, fruto da fértil imaginação de Vitor Hugo, sineiro da Catedral de Notre Dame de Paris, mesmo surdo pelo reboar estrondoso dos sinos que badalava, não se sentiu impedido de apaixonar-se pela sua cigana Esmeralda.

O sino, como alegoria, traz-nos mensagens profundas o bastante para sensibilizar-nos o âmago. Ele nos faz lembrar tantas coisas: Da infância, dos domingos de missa, da escola e da professora. Em tempos de Natal e de virada de ano, tende a simbolizar somente coisas boas: Lembra-nos de que a cristandade se regozija com a chegada do menino Jesus e do bem que ele trouxe ao mundo. Lembra-nos, ainda, da missão cumprida por mais um ano de nossas vidas e dos desafios que enfrentaremos no próximo.

Quero, por essa razão, lançar mão do simbolismo do sino para transmitir a todos os meus amigos os sinceros votos de um feliz Natal e um ano novo repleto de realizações boas e vitórias sólidas. Como presente de Natal, dou a todos uma trégua nas publicações em meu blog. Este texto é o último do ano e só voltarei a aborrecê-los, com outro, lá para o início de fevereiro quando o carnaval já tiver assumido a posição central das preocupações dos brasileiros.

O ano de 2010 promete-nos muito: Copa do Mundo de Futebol na África do Sul, portanto muitas vuvuzelas e eleições presidenciais aqui no Brasil. Quero estar vivo junto com vocês para podermos acompanhar tudo e assim ouvirmos com imensa alegria o sino da vitória. Sabe por quê? Porque eles sempre repicam por nós...

Feliz Natal e próspero Ano Novo a todos!

Edson Pinto
Dezembro’09

7 de dez. de 2009

109) O PRINCÍPIO DE DIRICHLET


O matemático alemão Johann Peter Gustav Lejeune Dirichlet que viveu na primeira metade do século XIX ganhou notoriedade com seus estudos no campo da teoria dos números. Legou-nos um princípio tão óbvio e simples que, se quisermos, podemos aplicá-lo em campos vários do relacionamento humano.

Na versão mais simples do Princípio de Dirichlet aprendemos que “se existem “n+1” pérolas em “n” caixas, então alguma caixa conterá mais uma pérola”. Simples assim, podemos inferir que muitos problemas que o dia-a-dia nos apresenta podem ser facilmente resolvidos sem necessidade de zelosas lucubrações. Exemplo: Se tenho oito compromissos em uma semana, logo, em no mínimo um dos dias, terei mais de um compromisso a ser cumprido. Óbvio, pois a semana tem somente sete dias. Sabendo disso, eu me reprogramo ou já saberei de antemão que terei uma semana infernal, já que moro em São Paulo onde o trânsito, no máximo, nos permite assumir um único compromisso por dia.

Extrapolemos a aplicação desse princípio para a vida política do País. Se cada homem público tem “n+x” parentes, namorados de netas, colegas de sobrinhos, primos de conhecidos, indicados de amigos e coisas do gênero enquanto só temos “n” cargos disponíveis na máquina estatal, logo, para os mesmos cargos existirão sempre vários apaniguados. A conseqüência é que toda essa gente continuará na Folha de Pagamentos da Pátria Amada mesmo que não tenha absolutamente nada a fazer.

Aqui o Principio de Dirichlet nos indicaria a necessidade de cortar toda a gordura até que a eficiência máxima possível fosse alcançada. __ Mas, quem faria isso? Dirichlet só enunciou o seu princípio, convenhamos. Compete a nós entendê-lo e usá-lo em favor de nossas melhores intenções. __ E por que não o fazemos? Todo nós que não somos políticos, não estamos em posição de mando na máquina estatal e que somente pagamos impostos e cada vez mais altos, ficamos lamentando a própria impotência diante de tão avassaladores desmandos.

É a democracia! Responderiam os puros que, como eu, acreditam no andamento ainda inacabado do nosso processo democrático. Um dia, esperamos nós os otimistas, chegaremos a ser um país mais eficiente e por conseqüência mais justo. Tudo depende de duas coisas muitos simples: A intensidade de nossa paciência para esperar por tempos melhores e da nossa atuação ativa para que o processo se complete de forma mais rápida.

Paciência é uma questão pessoal. Uns tem menos que outros e por isso podem sofrer mais. Atuação, contudo, é muito mais simples e o momento é igual para todos: É só levarmos a sério o valor do nosso voto no momento sagrado do sufrágio. 2010 já está bem aí...

Edson Pinto
Novembro’2009

30 de nov. de 2009

108) IN HOC SIGNO VINCES


Nascido Flavius Valerius Aurelius Constantinus, tornou-se, aos 30 e poucos, imperador de Roma no século IV da nossa era. Daí à Constantino I, Constantino Magno e Constantino, o Grande, foi um pequeno passo para aquele homem, mas um grande salto para a humanidade de seu tempo, tal qual, 16 séculos mais tarde, Neil Armstrong pronunciaria de forma épica quando pisou pela pela vez na Lua.

Antes da famosa batalha contra Maxêncio, Constantino teria tido a visão de uma cruz e sobre ela gravadas as palavras título deste texto: “in hoc signo vinces”, que, traduzidas, nos dizem: “com este signo vencerás”.

No Vaticano encontra-se, desde 1666, um grupo escultórico do artista Gian Lorenzo Bernini representando o momento em que Constantino teria deparado com a famosa cruz. Claro que, motivado pelo acontecimento e especialmente pelo símbolo reforçado pelo efeito da frase, venceu Maxêncio. A propósito, Constantino reinou até a sua morte em 337, garantindo, intacta, a continuidade da dinastia constantiniana.

A cruz tem sido, dessa forma, o simbolo que motiva cristãos mundo afora a enfrentar com coragem adequada os inimigos que a vida lhes impõe. Quem - mesmo sem ser fervoroso em sua religiosidade - nunca fez o sinal da cruz ou deparou-se apiedado ante uma delas e nesse ato não tenha buscado forças para certas batalhas? Roberto Carlos apegou-se de tal forma ao crucifixo que lhe deu a irmã Faustina, ainda em seus tempos de Cachoeiro do Itapemirim, que não faz nada sem que o tenha dependurado ao pescoco.

É muito comum ouvirmos pessoas bem vividas dizerem que uma imagem, um símbolo, ou um signo valem mais do que mil palavras. Verdade irrefutável! Emocionamos mais ao ver pela TV aqueles aviões ensandecidos chocando contra as torres gêmeas no 11 de setembro do que seria capaz de nos comover a melhor descrição literária do melhor autor que pudéssemos imaginar.

Um signo ou um símbolo como a cruz, a bandeira do país, o escudo do clube do coração ou mesmo a logomarca de um importante fabricante de automóveis que apreciamos exercem sobre nós tal fascínio. A razão disso é exatamente o poder mágico que a simbologia exerce na profundidade de nossas mentes, sem que tenhamos que recorrer às palavras. Eles falam por si só.

Os publicitários, nos dias de hoje, são mestres exímios no uso dos simbolos, dos signos, dos ícones, das músicas e das imagens. Isso bem explica porque todo grande produto tem uma logomarca para comunicar, uma cor para identificá-lo e outros recursos que dizem mais do qualquer bom texto que viesse a ser produzido sobre ele.

Mas, se você pensa que esse conhecimento sobre a força dos signos é descoberta recente, está enganado. As religiões, o catolicismo por excelência, já haviam captado, de há muito, a importância dos símbolos para se criar fidelidade aos seus propósitos. Foi na esteira da Contrarreforma, do Concílio de Trento (1545-1563) e da fundação da Companhia de Jesus que o Barroco, com a suas músicas e artes em geral fizeram das cerimônias religiosas verdadeiros deleites, produzindo em seus fiéis uma extraordinária e marcante experiência.

O Barroco vicejou e expandiu-se a partir do século XVI ao construir grande quantidade de igrejas por toda a Europa sempre com o objetivo de que a arte servisse de propaganda e meio para a transmissão adequada da doutrina católica. Cristalizou-se, alí, a consciência de que o caminho mais seguro para se chegar aos fiéis seria através de um grande e comovente apelo aos seus sentidos. Nesse ponto, tanto a arquitetura como a escultura, a arte pictória, a música e os símbolos ou signos vários desempenhavam um papel importante para que o catolicismo voltasse a crescer. E, de fato, cresceu...

Portanto, sejamos cristãos, ou não, somos sempre pessoas passíveis do poder de motivação de um signo. Pode ser a cruz ou outro desde que lhe seja capaz de criar entusiasmo, inspiração, alegria e paixão por uma causa, por um objetivo de vida. Portanto, pegue-se à esse símbolo e considere que “in hoc signo vinces”, e vencerás...

Edson Pinto
Novembro’2009

23 de nov. de 2009

107) NOSSO MARQUÊS DE POMBAL


Uma das passagens mais interessantes do nosso período colonial ocorreu na segunda metade do século XVIII quando a produção de ouro das Minas Gerais começou a declinar e os impostos recolhidos à coroa portuguesa, também. O marquês de Pombal, primeiro-ministro do rei dom José I, decretou então que o quinto mínimo a ser recolhido seria de 100 arrobas anuais, ou 1.500 quilos de ouro.

Impossibilitados de honrar o tributo devido à escassez do precioso metal, os mineradores começaram a atrasar o seu pagamento. Em 1765, a Coroa, em rancorosa reação, instituiu a derrama para cobrança dos atrasados. Esta se caracterizou pela maneira violenta com a qual os coletores invadiam as casas e prendiam aos que resistissem ao pagamento. O que sucedeu a esse triste episódio, todos nós sabemos: A Inconfidência Mineira liderada por Joaquim José da Silva Xavier, Tiradentes, surgiu para se tornar no movimento de independência mais importante da nossa jovem nação.

Esse registro histórico com suas conseqüências tão meritórias é feito apenas para traçar um paralelo com a atual sanha do governo por uma fatia cada vez maior, na forma de impostos, da produção de todos nós brasileiros. E veja que não falamos apenas de um quinto, o que corresponde a 20%, mas já estamos quase chegando a dois quintos ou 40% de tudo o que produzimos.

A crise econômica mundial que ainda vigora em vários países afetou, embora menos, também a nossa capacidade produtiva e, por extensão, a arrecadação de impostos. O custo de manutenção da máquina estatal, contudo, só faz aumentar e o governo, diferentemente de qualquer cidadão comum, só imagina resolver o problema pela via do aumento de impostos. A CPMF, não faz muito tempo eliminada e que, por uma manobra perversa dos governistas, fora plenamente substituída por carga maior do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) agora ressurge com o nome de CSS (Contribuição Social para a Saúde). Se passar no Congresso, será que reduzirão o IOF antes aumentado pela perda da CPMF? Du-vi-d-o-dó!

O nosso novo marquês de Pombal já está mexendo seus pauzinhos para uma nova derrama. Começou com a defenestração da Secretária da Receita Federal, pois será necessário muito dinheiro nessa tentativa que julgo inglória de fazer Dilma sua sucessora e preparar o terreno para o seu retorno em 2014.

O que não se deve esquecer é que uma inconfidência nos tempos atuais se dará, não com movimentos conspiratórios como os da época de Tiradentes, mas, sim, com votos conscientes nas urnas.

Edson Pinto
Novembro’2009

16 de nov. de 2009

106) O CAVALO DE ÁTILA


Incursões avassaladoras dos ferozes hunos no século IV desmantelaram o Império Romano do Ocidente e abriram caminho para a sua queda. Os hunos, destemidos guerreiros de origem mongólica eram comandados por Átila que, devido às expedições impiedosas que comandou, deram-lhe a alcunha de “o flagelo de Deus” e mais do que isso, passou para a posteridade a famosa frase “onde o cavalo de Átila pisava a grama não voltava a crescer”

Nos dias de hoje - com raras exceções - as nações já não correm o perigo de conquistadores, especialmente desses com a crueldade de Átila, de seus guerreiros e até mesmo de seu cavalo. No entanto, intriga-nos o fato de que os gramados Brasil afora, notadamente os de Brasília, dos amplos jardins que emolduram a Praça dos Três Poderes, andam prá lá de sequinhos e até mesmo fumegantes. Indícios de que o cavalo de Átila anda pisando com muita freqüência por aqui.

Os Átilas do momento não usam cavalos e sim aviões modernos pagos com as verbas de passagens aéreas sobre as quais já não falamos mais. Não têm os guerreiros mongóis valentes e impiedosos, mas um exército de apaniguados que se encontram na Folha de Pagamentos do Erário e que nem precisam freqüentar escritórios ou mesmo fazer qualquer coisa para justificar os seus generosos soldos. Ocupam, por apadrinhamento político e sem qualquer critério de mérito profissional, cargos nas empresas estatais provocando – por falta de competência – apagões assustadores que paralisam o País. Questionados, jogam toda a culpa à mãe-natureza e inventam raios, aos milhares, caindo sobre torres em locais onde mal chovera. Não precisam empunhar espadas para conquistas, pois suas armas são a venda de votos, a composição promíscua entre partidos na defesa de presidentes do Senado e arquivamento de inquéritos nos Conselhos de “Araque” de Ética, tudo para manterem-se firmes nas tetas pejadas da mãe-pátria.

Se estivéssemos ainda no longínquo século IV talvez fosse mais razoável erigirmos um monumento a Átila e ao seu cavalo como forma de impedir que nos esquecêssemos de quão cruel os invasores da pátria poderiam ser. Mas, como os tempos e os métodos são outros, fiquemos com um memorial à cara-de-pau de nossos políticos.

Edson Pinto
Novembro’2009

9 de nov. de 2009

105) NINGUÉM FUROU O OLHO DO CICLOPE

O ciclope Polifemo, gigante imortal com um só olho no centro da testa, vivia em uma caverna próximo da Sicília, junto ao Etna, cuidando de seu rebanho de ovelhas. Vida pacata e feliz até que por lá desembarcam Ulisses e seus homens a caminho de casa, em Ítaca, retornando vitoriosos da guerra de Tróia.

Não fosse a astúcia de Ulisses ao embebedar o gigante e assim evitar que ele continuasse a comer um a um de seus guerreiros, e quem sabe até ele mesmo, o final da grande Odisséia herdada do mundo grego clássico seria outro. Certamente muito menos excitante, porque Ulisses não teria reencontrado seu filho Telêmaco nem a sua amada Penélope.

Ulisses enganou o gigante Polifemo furando-lhe o olho enquanto dormia. Ao notar-se cego o ciclope pede o nome de quem o cegara. Ulisses disse ter sido Ninguém. Escapam da eventual fúria dos outros ciclopes, pois Polifemo diz a eles que Ninguém o cegara.

Ora, consideremos o povo brasileiro como se fosse o ciclope Polifemo. Lula, a turma do PT junto com o PMDB e demais partidos da base aliada, astutamente vivem a furar-lhe o único olho de que dispõe e sempre dizem que Ninguém é o culpado. O povo na forma do ciclope Polifemo acredita e, dia após dia, vai permitindo que a nossa odisséia se escreva de modo tão peculiar.

Ninguém é culpado pelo mensalão. Ninguém viu que os cartões corporativos estavam sendo usados de forma irresponsável. Ninguém quer um terceiro mandato para Lula. Ninguém levou dólares na cueca. Ninguém tem responsabilidade sobre os descalabros do nosso Senado e seus atos secretos. Ninguém viu Dilma intercedendo com Lina Vieira da Receita Federal para livrar a cara dos Sarneys...

Veja que maravilha o uso desse pronome indefinido: Refere-se a terceira pessoa de modo indeterminado, porém, se bem usado como na Odisséia de Homero ou na argumentação padrão do governo petista, pode nos surpreender com efeitos mágicos inesperados e até se transformar em um substantivo próprio.

Se dá certo muda-se para o pronome pessoal do caso reto na primeira pessoa do singular: EU. Não dá certo, joga-se a responsabilidade a terceira pessoa do plural: ELES. E quando não tiver escapatória usa-se sempre o mais famoso de todos os indefinidos livrando-se a própria cara: Ninguém. E não se fala mais nisso...

Edson Pinto
Novembro’ 2009

2 de nov. de 2009

104) NOVA LUZ QUE SE FAZ

Fernando Martins Couto, 32 anos, jovem biólogo, desprendido com as coisas materiais da vida, só queria aproveitar aquele dia de feriado do serviço público estadual em que o trabalho no Instituto Butantã, onde se aprofundava no estudo da cascavel Crotalus durissus, para o seu mestrado, ficaria para o dia seguinte.

Saiu do bairro do Butantã, onde também morava, segunda-feira, 26, pela manhã, com sua bicicleta a caminho do autódromo de Interlagos. Nada mais simples, bucólico, aventureiro e saudável para o jovem que abrira mão do convívio tranqüilo com os pais no interior pela sua sincera paixão à Biologia. Infelizmente, ainda no trajeto e enquanto se informava com um gari no canteiro central de uma avenida, um ônibus, desses muitos desgovernados da louca cidade de São Paulo, destrói-lhe o corpo físico e, no ato, liberta sua alma iluminada para a dimensão eterna.

Num átimo, e nada mais do que isso, o corpo são de um jovem sonhador perde sua luz como se fosse uma lâmpada desligada pelo simples toque em um interruptor. Difícil aceitar, embora exemplos se multipliquem mundo afora, que uma vida possa ser desligada assim de forma tão inesperada. Deveríamos morrer vagarosamente, por anos e anos à medida que a vida avançasse bastante, mas bastante mesmo e em tempo suficiente para que aprendêssemos tudo, cantássemos todas as canções do mundo, brincássemos com todas as crianças e cultivássemos todos os amigos possíveis. Só filhos, netos e bisnetos deveriam ver seus pais, avós e bisavós morrerem e nunca o contrário. Mas, nossos amigos Roberto e Regina Couto tiveram que experimentar o dissabor dessa lógica contrariada.

De mente instruída pela vivência profícua e pela comunhão com ideias sólidas da eternidade da alma, aceitam essa antecipação do inevitável como prova de que Fernando não deixa este mundo, assim, só por deixá-lo. Deixa-o rápido como uma luz, pois nada mais rápido do que ela para, num átimo e nada mais do que isso, sair desse vale de lágrimas e tomar acento na dimensão longínqua onde habita o Criador e as criaturas do bem. É, de hoje em diante e para sempre, mais uma estrela a brilhar na imensidão do infinito.

Nós, os amigos entristecidos, depositamos nos corações de Roberto, Regina e Marcelo o calor da solidariedade e o testemunho de que Fernando, 32 anos, jovem biólogo, desprendido com as coisas materiais da vida e que só queria aproveitar aquele dia de feriado fora tão amado nos seios da família e dos amigos que só nos resta, humildemente, rogar para que a sua luz nunca deixe de incidir sobre nós.

Sim, assim é a vida: Tudo termina como começa...

Edson Pinto
Novembro'2009

26 de out. de 2009

103) CERZINDO A SEMANA



Êta semaninhas confusas essas últimas que passaram em nossas vidas!

Saímos da grande alegria pela conquista da sede das Olimpíadas de 2016 para o torpor diante a derrubada do helicóptero policial pela bandidagem da Cidade Maravilhosa, jogando, assim, a maior água fria sobre nossas cabecinhas chauvinistas. Ficamos mal com o mundo, pois havíamos mostrado, de Copenhague e com a ajuda de um Lula plangente, uma paradisíaca cidade do Rio de Janeiro com povo afável, ordeiro e alegre. Já começamos bem a caminho da medalha de ouro na modalidade Farsa Coletiva. Resta-nos, contudo, o consolo de que esse fato horrendo gere nos membros do COB a ideia de um helicóptero ardente acendendo a pira olímpica, em 2016, antes do mergulho mortal na Baia da Guanabara sob os braços abertos de um estarrecido Cristo, incapaz de nos redimir de tantos pecados.

Saímos da euforia pela brilhante pole position do Rubinho, no sábado, com o seu concorrente direto ao título lá pela 14ª posição do grid de largada para o Rubinho de sempre, com pneu furado e atrás de Jenson Button, no domingo. Mas, gostamos tanto da simpatia e humildade desse piloto que continuaremos achando que em 2010, muito provavelmente na Williams, as coisas serão mais alvissareiras. Seguiremos, é claro, a acreditar em um título do nosso querido piloto até mesmo quando o cockpit de seu bólido já tiver sido adaptado para acomodar a bengala e um pequeno estoque de fraldões descartáveis para uso do adorável piloto-vovô.

Apareceu finalmente a agenda da Lina Vieira. Aquela mesma que o presidente Lula, arrogantemente, exigia fosse mostrada para fazer prova do encontro da secretária da Receita Federal com a ministra Dilma quando esta pediu aquele “jeitinho” para livrar a cara dos Sarneys. Lula, enganado como sempre pelos seus acólitos, acreditava que a tal agenda jamais existira. Agora, só restou à tropa de choque, hipocritamente, argumentar que o assunto já tinha se encerrado e não se falava mais nisso, mesmo porque, Dilma está em palanque com Lula para mostrar ao sofrido povo do interior nordestino que a transposição do Rio São Francisco só acontecerá caso o PT continue no governo.

Sarkozy, pelo que consta, encontrou-se poucas vezes com Lula e vejam, já aprendeu e aplicou em seu país o principio básico do nepotismo ao estilo Brasil. Seu filhinho de 23 anos vai comandar uma importante atividade econômica em Paris. E o maluco que escondeu o filhinho no sótão para dar ao mundo a impressão de que o pimpolho subira desvairado pelo balãozinho de gás, quem sabe à busca de contatos extraterrestres? Estou desconfiado que o cientista de araque havia tomado conhecimento da aventura do nosso padre voador, Adelir de Carli, que no ano passado subiu aos ares para nunca mais voltar. É o Brasil fazendo escola. Como isso nos infunde orgulho, brasileiros e brasileiras!

Dado esse resumo noticioso, permaneço aqui e agora dialogando com os meus botões sobre o que nos reserva as próximas semanas. Vejo que um deles não pára quieto em sua casinha já bem surrada o que pode me indicar problemas à vista. Mas, eu posso refazer-lhe o cerzido usando uma agulha de ponta menos aguda a fim de não só não ferir intensamente o meu insignificante dedinho, como nem magoar, em profundidade, a minha alma em frenética peregrinação expiatória.

Edson Pinto
Outubro’2009

19 de out. de 2009

102) GRANDES NAVEGAÇÕES




Historicamente, a passagem para os tempos modernos ao raiar do século XVI a.D, não seria bem compreendida sem o reconhecimento do papel maiúsculo desempenhado pelo que se denominou, mais tarde, de “As Grandes Navegações”.

Razões variadas, principalmente as de ordem econômica, levaram nações europeias a empreender incursões cada vez mais distantes pelos oceanos, tanto à busca de novos caminhos para as Índias como para conquistas de novos territórios. Nessas, descobriu-se a América em 1492, o Brasil em 1500 e muitos outros territórios que passaram a constituir o Novo Mundo.

O arrojo de marinheiros conquistadores do passado só pôde ser mantido e até mesmo consagrado, porque inovações tecnológicas contribuíram para que as expedições saíssem de suas terras com boas chances de sucesso. Senão, ninguém - por mais espírito de aventura que tivesse - se arriscaria a adentrar os oceanos desconhecidos da época. As caravelas e outras naus aventureiras começaram a contar com o equivalente do que hoje chamamos de “Tecnologia Embarcada”. Não dava para saber para onde se ia sem o uso da famosa bússola, então aperfeiçoada, e que lhes indicava os pontos cardeais; de um instrumento chamado sextante que ao medir a abertura angular entre um astro e o horizonte podia aproximar cálculos de distâncias e mesmo o astrolábio que tinha função parecida com a do sextante ao inferir posições a partir do exame da altura dos astros.

Com tal tecnologia, os Vascos da Gama, Cristovãos Colombo e Pedros Álvares Cabral da época alargaram o mundo e deram o pontapé inicial ao grande progresso que a humanidade veio a experimentar nos séculos seguintes. Passados apenas 5 séculos e o mundo, graças aos corajosos navegadores e aos astrolábios de então, fizeram história e inspiraram poetas como Camões e Fernando Pessoa, respectivamente: “As armas e os Barões assinalados que da ocidental praia lusitana, por mares nunca dantes navegados, passaram ainda além da Taprobana” ou, “Oh! mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal? Valeu à pena? Tudo vale à pena se a alma não é pequena”

Um bom amigo, cujo nome preservo, encarna, agora, neste século XXI, o espírito dos grandes navegadores renascentistas. Tal como eles, quis, também e sempre, fazer conquistas. Nem as profundezas abissais dos oceanos da vida, nem as distâncias infinitas das estradas que margeiam despenhadeiros ou os árduos obstáculos que se lhe antepõem com rudeza, são suficientes para impedir-lhe a navegação. Não a marítima, com bússola, sextante ou astrolábio, como se agia no passado, é claro, mas, agora, urbana, a procura de ruas na cidade louca de São Paulo, uma das maiores do mundo e em termos de inacessibilidade do trânsito, também uma das piores.

GPS é o instrumento desse meu amigo, o Colombo moderno. Começa programando o local de ida. No painel do automóvel a tela brilhosa mostra ruas bem traçadas sobre as quais vai o carro se deslocando. Uma voz feminina, tão encantadora quanto persistente, rouba-lhe o prazer da música ao sobrepor-se ao MP3 que libera som límpido moldado para mitigar-nos as agruras de mais um congestionamento:

“Prepara-se para virar à direta daqui a 300 metros”, anuncia a voz melosa, aos moldes da Iris Lettieri dos nossos aeroportos. Ou, ainda, “Mantenha-se à esquerda para entrar na próxima rua”. Mas, pode também ser: “Recalculando a rota para seu destino”.

__ Agora, não bastasse a ditadura da vida cruel, do trânsito maluco, dos impostos a pagar para sustentar mordomias dos nossos políticos e do tempo exíguo para o cumprimento de tantos compromissos, me vem essa senhora metódica a ditar-me o caminho? Desdobrasse desta forma o relacionamento entre o navegador moderno e o seu astrolábio redivivo na forma de GPS metido nessa caixinha eletrônica dos diabos.

__Melhor eu entrar à direita do que à esquerda, conclui. __ Será que essa senhora não percebe que à esquerda não tem passagem devido àquele acidente? __ Não chegarei a lugar nenhum, por isso farei ao meu modo...

“Recalculando a rota”.

__ Lá vem ela de novo, meu Deus! “Siga em frente até a próxima Avenida”. __ Louca essa mulher, grita e gesticula o amigo em flagrante irritação. __ À frente tem um ônibus quebrado, vou mesmo é para a esquerda e pronto!

“Recalculando a rota”.

__ Valha-me meu Senhor do Bonfim! “Contorne a praça e depois dobre a direita na esquina do semáforo”. __ Louca, louca, louca! __ Não vê que o semáforo está piscando de forma ininterrupta o que significa estar quebrado? __ Vou agora para a direita e seja lá o que Deus quiser...

__ Ufa! Acho que finalmente cheguei, exclama o amigo entre um pouco contente e muito cansado, sem se dar conta de que chegara exatamente ao ponto de onde havia partido.

Teria ele, como os navegadores antigos, tirado bom proveito de seu astrolábio moderno? Descobriu novos caminhos e teve novas conquistas? Circunavegou, e, como Fernão de Magalhães, voltou, também, ao ponto de partida, com a única diferença de nunca ter chegado aonde pretendia.

Edson Pinto
Outubro’2009

12 de out. de 2009

101) TU QUE NO PUEDES

Francisco de Goya, o grande pintor espanhol (1746-1828), tinha genialidade mais do que suficiente para lhe assegurar, como de fato aconteceu, um lugar de destaque no panteão dos grandes artistas. Encontra-se no museu do Prado, em Madri, uma de suas gravuras mais intrigantes, chamada de “Tu que no puedes”.

Repare na total inversão da lógica! Dois homens carregam, às costas, dois burros. O certo seria o contrário, não? Aqui, contudo, Goya quis passar, por metáfora, uma crítica à sociedade da sua época. Os dois sofridos homens representavam a classe dos camponeses e trabalhadores e os burros, as classes ociosas, ou seja, a nobreza e o clero. Repare ainda que os homens se dão a esse cruel trabalho mantendo os olhos fechados, certamente por ignorância e falta de visão política.

Já estamos no século XXI. Pelo menos, para nós aqui do outro lado do Atlântico, não temos a nobreza nem o clero para serem sustentadas pelo povo, mas, infelizmente, essas duas classes privilegiadas na sociedade de Goya foram substituídas por algo pior: a classe dos políticos. Esta, sim, inversora da lógica natural das coisas, pois o homem público deveria servir e não o contrário.

Os trabalhadores somos todos os que lutamos no dia-a-dia pela sobrevivência e de quem, cerca de 40% de tudo o que se produz, é extraído na forma de impostos. A classe dos políticos que ainda acomoda seus parentes, namorados de netas, companheiros indicados pelos partidos do poder e outros se apodera com voracidade dos impostos recolhidos fazendo o uso que melhor lhe aprouver.

Assim, continuaremos a marchar com nossos pesados burros às costas, a menos que decidamos abrir os olhos e passar a enxergar o que deveria ser o certo. Se o prêmio Nobel da Paz, Barack Obama, lançou o refrão “Yes, we can”, por que não podemos juntar à crítica de Goya “tu que no puedes” o otimismo do presidente americano e assim dizermos, também: “tu e nós, juntos, podemos”?

Edson Pinto
Outubro’2009

5 de out. de 2009

100) CEM TEXTOS DE SOLIDÃO

Gabriel Garcia Marques, o grande escritor colombiano, isolou-se por 1 ano e meio para escrever a obra que é considerada a 2ª mais importante de toda a literatura hispânica. Seria suplantada, segundo Pablo Neruda, apenas pelo clássico de Miguel de Cervantes, Don Quixote de La Mancha.

No famoso romance no melhor estilo do autêntico realismo fantástico, o ganhador do prêmio Nobel de Literatura de 1982 retrata a saga da família Buendia-Iguarán no povoado de Macondo que eles mesmos fundaram. Sucedem gerações e gerações, personagens e mais personagens para compor a surpreendente saga da família ficcional gestada na mente de Marques. O encanto de sua trama levou-o a vender mais de 30 milhões de exemplares de “Cem Anos de Solidão” tornando Gabriel Garcia Marques em mais do que um mito, senão um verdadeiro ícone da literatura latino-americana e mundial.

Há um ano e meio eu comecei a escrever as insignificâncias que publico religiosamente a cada semana no meu blog pessoal. Seria gigante a insensatez de minha parte se quisesse traçar alguma relação desta auto veleidade com a obra magnífica de Marques. No entanto, atrevido como sou, roubei-lhe a idéia do título porque, com este texto que ora escrevo, atinjo a marca não de cem anos como na saga dos Buendias, mas de cem publicações. E mais, considerando que o ato de escrever é, no fundo, um ato de ensimesmamento, concentração e pura solidão, me vejo encaixado de forma furtiva e despretensiosa em algo que, de certo modo, tornam as coisas um tanto parecidas. Cem anos, cem textos e a solidão típica dos escrevinhadores que persiste em nos envolver.

Todos nós escrevemos de forma contínua as passagens de nossas vidas, nossas idéias, fantasias e desejos. Escrevemos na mente e deixamos que efeitos químicos gravem tudo em nossos neurônios, mesmo que seja para serem lidos somente pelo inconsciente na calada do sonho noturno ou captados como ecos distorcidos vindos do labirinto de nossas almas. Às vezes, podemos gravar os mesmos fatos, idéias, fantasias e desejos na forma de símbolos sobre folhas de papel ou cliques no teclado de um computador, tudo, como decorrência de um impulso que nos leva a partilhar com o exterior aquilo que incomoda ocultar.

Vã a idéia de que ao revelar nossos pensamentos na forma de textos, eles encontrarão calorosa acolhida por parte de quem se dá ao trabalho de lê-los. Por isso, aquele texto que tocou-nos fundo a alma pode não ter o menor efeito para os outros. O contrário, um texto despretensioso, como julgava Marques ser o seu livro agora célebre, pode cair no gosto de toda a gente. Quem escreve com a alma não deve ser guiado pela ânsia de que o texto agrade, pois se a alma não é pequena, como nos ensinou Fernando Pessoa, tudo valerá à pena.

Ao atingir o texto de número 100 publicado no meu blog, penso que meus poucos, mas fieis leitores merecem mais do que o meu agradecimento por terem me tolerado por tanto tempo, mas também a deferência de uma consulta sobre o interesse em continuar recebendo meus escritos. Com base no grau de aceitação de meus leitores pretendo decidir se continuo publicando meus textos no mesmo ritmo atual ou se farei modificações quanto à sua frequência.

Mandem-me em resposta um e-mail: epinto2008@gmail.com ou façam os registros que julgarem adequados no espaço destinado a COMENTÁRIOS que vem em seguida a este texto.

Edson Pinto
Outubro’2009

28 de set. de 2009

99) DESTINO MANIFESTO


No século XIX, a nascente república dos Estados Unidos da América imbuiu-se de uma ideologia que muito apropriadamente batizaram-na de “Destino Manifesto”. Por detrás daquele sistema de ideias, crenças e de valores patrióticos, germinava a forte decisão - de fato implementada - de tornar-se uma grande nação em termos de território e, a partir dali, assumir o papel de protagonista dos novos tempos que viriam. Conquistaram, do México, o território do Texas em 1836 e se não bastasse, depois de sangrenta guerra entre 1846 e 1848, também mais da metade do território remanescente do seu vizinho sulista. A América tornou-se, então, e como todos nós bem sabemos, o grande país que hoje é.

Faz todo o sentido buscar na Natureza uma possível explicação para este e para todos os atos que justificam uma posição de superioridade, tal qual imaginaram os americanos em sua famosa ideologia. A palavra “manifesto”, enquanto adjetivo, quer dizer que algo é patente, flagrante, notório, indiscutível, evidente. Um animal de grande porte, livre na natureza, se impõe pelo seu físico avantajado o que implica em ser mais forte e, portanto, dominador. Não é por outra razão que o tema olímpico, por excelência, nos ensina: citius, altius, fortius, ou seja: mais rápido, mais alto, mais forte.

Na espécie humana também não é muito diferente: Em estado bruto, o mais rápido, mais alto e mais forte se impõe no esporte ou mesmo numa peleja fisica. Ser mais rápido, coloca-nos à frente. Mais alto, nos dá visão privilegiada do ambiente e mais forte, nem precisa explicar... Adicione-se a isso, também, ser mais inteligente, mais ambicioso, mais estrategista, mais equilibrado, mais arrojado e tantas outras predicações que bem dosadas e bem combinadas tornam alguém, ou mesmo uma nação, vencedores. Só devido a patologias de diversas ordens, um individuo grande, mas lento e fraco, ficará por baixo e além disso ganhará facilmente a alcunha de “grandão bobo”, pois nem as características especiais que a natureza lhe deu são utilizadas a seu favor. Então, fica aqui uma pergunta interessante: Tendo você nascido rápido, alto e forte não seria mais desejável dominar do que ser dominado?

Com as nações não deve ser muito diferente. Olhemos para o Brasil! Temos muito território, grande população, infindos recursos naturais, sol em abundância, muitas inteligências e muita vontade de também protagonizar papel importante neste mundo. Tipicamente, um “Destino Manifesto” que, se nunca assumido de forma aberta, pelo menos parece fazer parte de nosso código genético. Aí fica o grande dilema a nos atormentar a cada instante: Somos, ainda, um país pobre e injusto. Temos riquezas, mas distribuimo-las muito mal. Temos um Estado perdulário, uma classe política não confiável e certa irresponsabilidade quanto ao nosso próprio destino. Como podemos nos atrever a almejar uma posição de destaque no mundo? Pleiteamos fazer parte permanente do Conselho de Segurança da ONU junto com somente 5 outras poderosas nacões. Queremos indicar o presidente do BID, ter um prêmio Nobel, liderar o G-20, comandar a OMC, promover a Copa do Mundo, sediar uma Olimpíadas e ao mesmo tempo titubeamos ao tomar posições políticas assertivas como nos casos de flagrantes “democraticídios” que ocorrem a todo momento, especialmente em nossa América Latina.

Apoiamos o Chaves na Venezuela, Evo Morales na Bolívia, Rafael Correa no Equador, o garanhão do Lugo no Paraguai e até abrimos os braços para os desvairados Ahmadinejad e Muammar Kadafi. Queremos salvar a pele do assassino Cesare Batistti, tal qual já havíamos feito com Ronald Biggs. Queremos ficar bem com todo o mundo, mas, infelizmente, isso é – por razões óbvias – impossível. Já está na hora de assumirmos um papel mais claro sobre o que queremos fazer para melhorar o mundo, se é que entendemos que temos condições de contribuir com algo. Temos que abandonar a ilusão da aprovação unânime e saber que há sempre um preço a se pagar para sermos importantes. Até os grandes animais, mesmo vencendo, podem sair fortemente arranhados. Lembremo-nos de que “toda unanimidade é burra”, como nos deixou Nelson Rodrigues.

No episódio de Honduras, o Brasil, penso, está novamente agindo de forma complicada, desnecessariamente. Claro que não dá para aceitar que a democracia seja vilipendiada impunemente como fizeram os golpistas que depuseram, sem respaldo constitucional adequado, o também pouco democrático presidente Manuel Zelaya. O doidão de chapéu de boiadeiro tentou, via brechas na Constitução de seu país, mobilizar o povo hondurenho para um plebiscito que poderia levá-lo, aos moldes chavistas, a um segundo mandato, quem sabe até a mais. Ao invés de, constitucionalmente, abortar-lhe a quimera, preferiram a via curta do prende-e-expulsa. A OEA, como de resto quase todos os países latinoamericanos sérios, os EUA e outros blocos políticos importantes, se manifestaram contra o governo de facto ali instalado.

Agora, contudo, o homem do chapelão está curtindo Bossa Nova na Embaixada do Brasil, em Tegucigalpa, a espera do seu retorno triunfal ao poder. Mesmo estando o Brasil, de certo modo, tomando posição quanto à forma antidemocrática com a qual o homem foi destituído de seu cargo, há índicios fortes de que Hugo Chaves manipulou nossa ingenuidade colocando-nos no centro de uma questão intrincada de modo muitissimo inapropriado. Não dá para ver uma estratégia bem formulada por parte do Brasil para atuação neste caso. Estamos lá ao acaso e sem sabermos o que efetivamente fazer, e isto é uma pena.

Se o Brasil, tal qual a América, vislumbra também o seu “Destino Manifesto”, devemos, sim, estar preparados para coisas muito piores. No entanto, manipulados por outros e bonzinhos, para agradar a todos, só nos fará por merecer o epíteto de Grandão Bobo. Isso dói...

Edson Pinto
Setembro’2009

21 de set. de 2009

98) ANTIGENTE

Juvenal estava cansado. Dizia que 50 anos de sofrimento eram mais do que suficientes para fazê-lo pensar em deixar de vez o seu cruel modo de vida. Em meio século neste mundo de enganos e sombras, nada mais conhecera senão parcos relacionamentos sociais, portas fechadas para tudo e por todos e preconceitos que fizeram da sua existência algo comparável à trajetória de um palhaço das “perdidas ilusões”, como na antiga canção.

Com mulheres não tivera sorte, dizia. Amigos verdadeiros? Raros! Só interesseiros que lhe sugaram os miolos e os recursos minguados. Família? Quem sabe ainda existissem alguns gatos-pingados por esse mundo sem fim. Se nunca os vira até então, não seria agora o momento de fazê-lo, justo quando tinha decidido por se tornar um “antigente”.

O conceito de antigente vinha sendo cristalizado em sua cabeça há anos. Como não se sentia gente imaginou ser, então, um antigente: uma pessoa ao contrário, um ser negativo ou qualquer coisa que tivesse o efeito de um sinal invertido. Não que pensasse em dar cabo de sua vida. No fundo, no fundo, Juvenal gostava de viver e até rejubilava-se por ter corpo e mente sãos, boa visão de mundo e perfeita consciência da natureza grandiosa ao seu redor. Considerava isso mais do que uma dádiva, um milagre no qual ele também fora generosamente inserido. Queria, sim, continuar a jornada que o levaria algum dia no futuro para o eterno, mas não mais como gente e sim como antigente.

Antigente para Juvenal seria incorporar à sua vida todos os elementos contrários aos que ele de fato tinha e que não lhe agradavam. Como antigente, os parentes que nunca conhecera acorreriam a ele às centenas e ele seria guindado à posição de orgulho da família. Às mulheres que tantas dores lhes causaram, na posição de antigente, arrastar-se-iam aos seus pés pranteando juras de amor infindo e ele as compreenderia, compadecidamente...

Para ser antigente inverteu os números de seus documentos começando pelo digito de controle até o primeiro número que passou a ser o último. As fotos nas carteirinhas foram afixadas com Juvenal de cabeça para baixo e até o próprio nome ganhou a versão invertida, Lanevuj. Passou a gostar de coisas que antes odiava como, choro de criança embirrada, garçom desatencioso, congestionamento de trânsito, ônibus lotado, reunião de condomínio, malabaristas de semáforos, atrasos de voos, morosidade da justiça, juros do cheque especial, preço da gasolina, música eletrônica, sujeira do rio Tietê, fila do INSS, discurso de Lula, mentiras da Dilma, nomeações do Sarney e mau-humor do Dunga...

E deu no que deu!

O tempo passou tal qual passara nos seus primeiros 50 anos de vida e por mais antigente que Juvenal tenha se tornado, suas novas percepções, agora completamente satisfeitas, tornaram-lhes a vida monótona.

E não é que, mais rápido do que imaginava, concluiu Juvenal, mais valia ser gente insatisfeita a ser antigente contente. A graça e gosto da vida estavam exatamente em sempre se ter do que não gostar...

Edson Pinto
Setembro’2009

14 de set. de 2009

97) KUMBA MELA

Em questão de religiosidade explícita, penso, nada se compara às produzidas no mundo Índia. O budismo e o hinduísmo conviveram e ainda convivem com outras manifestações não menos importantes, como o islamismo, o cristianismo, o confucionismo e mais. Conflitos e demonstrações pacíficas de cunho religioso formam ali um quadro muitíssimo peculiar na história desse fantástico país, inclusive recém-badalado na forma de novela em horário nobre da Rede Globo.

Das muitas manifestações religiosas indianas a que sempre me chamou a atenção pela sua grandiosidade em termos de participantes é a chamada Kumba Mela. São peregrinações monumentais de renunciantes às suas riquezas, aos seus trabalhos e às suas famílias. Juntam-se, quase nus, em enormes massas humanas e assim passam a viver como mendigos. Na verdade, peregrinos espirituais. São, contudo, muito respeitadas pela outra parte da população que acredita que esses peregrinos, pelo ato de suas renuncias, estão mais próximos da divindade. E na Índia, estar bem com os deuses, é super importante.

Em janeiro de 2001, a localidade de Allahabad-Prayag, às margens do rio Ganges, recebeu uma Kumba Mela de – não se espantem, é isto mesmo – 70 milhões de peregrinos. Um estádio como o do Morumbi lota com 50 mil pessoas. Precisaríamos, portanto, de 1.400 estádios iguais para acomodar essa Kumba Mela. Incrível, não?

Curioso é que, tanto lá como cá, entre gente tão pura de propósito entram também farsantes e embusteiros. Sabe-se, contudo, que, na Índia, a proporção de espertinhos é bem pequena. Assim, o caráter de religiosidade verdadeira dos peregrinos espirituais é mantido incólume e as Kumba Mela se perpetuam na cultura daquele povo.

Se pudéssemos traçar um paralelo com a cultura brasileira, só poderíamos fazê-lo em campos outros que não o da religiosidade. O brasileiro - falo em tese - jamais se disporia a renunciar a algumas coisas, especialmente à riqueza e à família. Poderia, sim, renunciar ao trabalho, desde que, é claro, houvesse um meio de continuar recebendo o seu salário no final do mês, ou, na falta prévia desse, de sua bolsa-família paga pelo governo federal.

Peregrinar então, aí vejo mais dificuldades. A não ser que seja para assistir a um jogo de futebol, participar do Galo da Madrugada em Recife ou do carnaval de rua de Salvador e outras localidades. Ah! Sair em uma escola de samba nos sambódromos do Rio, de São Paulo, de Manaus, seguir os bois Caprichoso e Garantido do festival folclórico de Parintins, o bumba-meu-boi de São Luiz ou, ainda, paulistanos em direção à praia em feriados prolongados também atrairiam kumba melas bem brasileiras.

Adicione ao que imaginei no parágrafo anterior, a real possibilidade de uma kumba mela, ainda que em tamanho menor em relação às indianas, mas com grande possibilidade de crescimento: A parentalha e agregados do senador José Sarney peregrinando em direção ao Congresso Nacional para – por atos secretos, evidentemente – conseguir empregos que dispensem trabalho real.

Aqui, diferentemente do que ocorre na Índia, os “kumba-meleiros” do Sarney não precisariam renunciar a nada, exceto, à dignidade que, como todos os cidadãos, deveriam, também, ter.

Edson Pinto
Setembro’2009






8 de set. de 2009

96) BUMBA-MEU-BOI



Bumba-meu-boi ou boi-bumbá é festa popular tradicional do Estado do Maranhão, terra de Sarney. Entre junho e julho de cada ano dezenas de milhares de pessoas formando grupos folclóricos variados tomam São Luiz, a capital, sua periferia, o centro e até mesmo os shoppings e áreas nobres da cidade, patrimônio cultural da humanidade, para extravasar a mais pura alegria. Nada mais pop e democrático!

Lendas, crenças populares, canções e costumes juntam-se nessa comemoração que tem sua origem em condicionantes adversas das relações sociais e econômicas da época em que o Vice Reino do Grão-Pará e Maranhão, sob o período pombalino, século XVIII, levou progresso ao local. O Maranhão tornou-se economicamente importante à base da monocultura, da criação extensiva de gado e de muita escravidão. Já dá, portanto, para imaginar que, em ambiente com essas características, outra coisa não poderia resultar senão em gritante disparidade entre uma elite de sátrapas maneiros e um povo pacífico, mas sofrido.

O enredo da festa baseia-se no “atrevimento” de um escravo que teria abatido um boi para tirar-lhe a língua e assim satisfazer o desejo alimentar de sua mulher grávida. O senhor, ao descobrir a proeza do escravo, obriga-o a trazer de volta, com vida, o tal animal. Com a ajuda de curandeiros e pajés o escravo consegue enfim ressuscitá-lo. A festa é, portanto, a comemoração do milagre da volta do ruminante vivinho da silva e, principalmente, da preservação da vida do escravo amoroso e querido por todos. Por quase uma década, em fins do século XIX, a festa esteve proibida no Maranhão por ser uma manifestação típica da população negra e escrava.

Já estamos no século XXI e o Bumba-meu-boi restabeleceu-se como festa popular que muito bem identifica o nobre povo daquele Estado brasileiro. A escravidão acabou ainda em 1888, São Luiz manteve aos trancos e barrancos o seu valioso casario histórico e ganhou até proteção da UNESCO e a população do Estado já passa de 6 milhões de almas. Muita coisa mudou de lá para cá, só não mudaram as relações entre a elite e o povo. Os senhores donos da monocultura e do gado de antão libertaram seus escravos por força do ato redentor, a lei Áurea, da herdeira do trono de D. Pedro II e primeira senadora do Brasil, Princesa Isabel, mas, infelizmente, continuam como donos absolutos do destino de cada maranhense, agora, mais intensamente do que no passado.

Quem nunca leu, circulando pela Internet, a lista de homenagens que caracterizam o verdadeiro culto à personalidade, ainda viva, do patriarca e da família de plantão no comando do Estado? Vejamos alguns: maternidade Marly Sarney, escolas Sarney Neto, Roseana Sarney, Fernando Sarney, Marly Sarney, José Sarney; posto de saúde Marly Sarney, biblioteca José Sarney, tribunal de contas Roseana Murad Sarney, ponte José Sarney, Avenida José Sarney, rodoviária Kiola Sarney, fórum José Sarney, sala de imprensa Marly Sarney e a mais recente Fundação José Sarney para preservar, com verbas da Petrobrás, isto é, parte do preço da gasolina que consumimos, a memória de um ex-presidente. Óbvio que o ex-presidente é o próprio José Sarney. Ufa! Paro aqui, não por falta de mais homenagens, mas por falta de espaço para listar a todas.

Quem de outro país visse pela primeira vez essa catarata do Iguaçu de homenagens certamente imaginará que o Maranhão tornou-se, graças à nobre família, uma das regiões mais prósperas do Brasil. Ficará, contudo decepcionado quando souber que se trata de um dos mais pobres e o pior IDH (índice de desenvolvimento humano) do país. Dos 100 municípios com piores IDH’s do país, 36 estão no Maranhão. Nada precisa mais ser dito, concorda?

E a luta continua “brasileiros e brasileiras”, como diria o próprio Sarney. Ele, Sarney, apegou-se de tal forma a cadeira de presidente do Senado que – salvo os planos de Lula para a permanência do PT no comando da nação e que dependem do apoio do PMDB de Sarney – só fica uma razão para que o velho cacique continue dando as cartas: por meio de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) ele conseguirá a mudança do nome de seu Estado usando, é claro, a mesma forma apocopada da qual também se serviu o marquês de Pombal para designar o que é grande.

Teremos o Estado do GRÃO-SARNEY e o Grão Pará e Maranhão de outrora serão apenas menções históricas em páginas amarelados de um livro velho repousando ao lado de “Marimbondos de Fogo” na estante do ilustre imortal. Quiçá, também, um objeto histórico, sob uma redoma de vidro protegida por seguranças pagos pelo Senado Federal no museu de José Ribamar Sarney, o Grande.

Edson Pinto
Setembro’2009

1 de set. de 2009

95) DILMA VESTIDA, DILMA DESNUDA...



Aprecio muito a obra de Francisco de Goya (1746-1828). Já em outras ocasiões falei do genial espanhol que dominou a pintura Neoclássica, mas que esteve, também, presente quando o Romantismo veio ao mundo. Pela sua habilidade com os temas populares, muito valorizados no reinado de Carlos III, conquistou a simpatia da nobreza e tornou-se o pintor oficial da corte para retratar, como poucos antes tão bem fizeram, a família real da Espanha.

Em 1792 ficou completamente surdo. Como conseqüência tornou-se mais ligado às dores de seus semelhantes e passou a pintar o grotesco e a dar mais atenção às críticas sociais. No ápice de sua criatividade envolveu-se em um romance tórrido com a duquesa de Alba, linda e viúva. Duas de suas obras mais conhecidas, A Maja Vestida e A Maja Desnuda retratam essa paixão e sugerem a dimensão mundana do affair. Sem querer me alongar em excesso nessa sinopse da vida de Goya, vale ainda registrar que o erotismo das duas obras o levou a ser julgado pela Inquisição.

Por razões óbvias, deixo de lado o aspecto erótico do duplo retrato da duquesa de Alba para ver, sob outro aspecto, neste caso, o moral, certa semelhança com a nossa ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff.

Dilma vestida com o seu traje de candidata favorita do presidente Lula inspira confiança e faz por merecer os votos do povo. Para a imagem de pureza tão necessária aos cargos públicos, Lula aplica-lhe, ainda, o sagrado termo “mãe” adicionando-lhe a sigla PAC. Sendo verdade, quem não votaria na mãe de Jesus, na própria mãe ou mesmo na mãe do programa de aceleração do crescimento? É tudo o que o povo quer: um programa que lhes melhore a vida e uma mãe... Desnudada, porém, pela revelação das mentiras cometidas, deixa o seu caráter frágil exposto como um corpo desprovido de suas vestes.

Dilma mentiu em seu currículo sobre cursos nunca feitos ou nunca terminados. Mentiu que não tinha preparado um dossiê para incriminar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e sua falecida esposa, Dona Ruth, relacionando-os ao caso dos cartões corporativos. Mentiu no episódio da Varig e agora também mente no caso da reunião com a ex-secretária da Receita Federal, Lina Vieira, a quem “sugeriu” agilidade no caso do filho do senador Sarney. Mostrou-se, agora desnuda, ser detentora de uma tendência incorrigível para a prática da mentira. Seria uma mitomaníaca de nascença ou teria adquirido esse péssimo hábito à medida que vem se aprofundando no relacionamento com a cúpula do PT?

Pena que Dilma desnuda não tem como ficar parecida com a duquesa de Alba. De qualquer forma, é melhor vê-la agora desnudada enquanto não assume a cadeira de Lula do que depois de lá se assentar. Com a tropa de choque que o governo conseguiria reforçar no caso de vitória do PT em 2010 e com a jogada mirabolante do pré-sal, não haverá Inquisição capaz de tirá-la de lá.

E o pior, em 2014, seria de novo: Lula, lá...

Edson Pinto
Setembro’2009

25 de ago. de 2009

94) O FUSQUINHA DO ITAMAR



Dizem que quando envelhecemos nossa memória de curto prazo fica bem fraquinha. Podemos esquecer com facilidade eventos que nos ocorreram há pouquíssimo tempo. Por outro lado, dizem também, que as memórias antigas continuam intactas e até mesmo mais avivadas. Não me interessa a razão disso acontecer dessa forma, mesmo porque se eu obtiver, agora, uma resposta cientificamente plausível, certamente, logo, logo, eu a esquecerei. Satisfaço-me com a ideia antiga de que isso é coisa de quem já passou dos 50 e isso me basta...

Há, contudo, uma vantagem em lembrarmos facilmente das coisas passadas, pois às vezes nos divertimos muito com elas. Os jovens, coitadinhos, ainda não podem se dar a esse prazer. Memórias antigas implicam em que sejamos, obviamente, antigos também e eles, os jovens, ainda estão no começo da caminhada com tudo novinho nas cabeças. Uma comparação pertinente seria a do vinho jovem recém-produzido com a do vinho envelhecido por longos anos em tonéis de carvalho. Neste caso, o conjunto dos aromas da bebida de Baco que os enólogos chamam de “bouquet”, evolui bastante, tornando-o mais encorpado, forte. Qual é o mais saboroso, hein?

Hoje, por exemplo, meu relicário de memórias recuperou aquela passagem histórica em que o presidente Itamar Franco, substituto do impedido e ainda hoje super arrogante Fernando Collor, lá nos primeiros anos da década de 90, resolveu ressuscitar o Fusca.

Para quem não sem lembra, o fusca, fusquinha, besouro ou qualquer outro de seus múltiplos apelidos carinhosos, era aquela gracinha de máquina econômica e simples que Hitler mandou produzir para ser o carro popular do III Reich. Nós brasileiros amávamos também o fusquinha, aqui produzido por mais de 3 décadas sempre com inovações insignificantes e cosméticas. Quase todos nós que já passamos dos 50 tivemos ou gostaríamos de ter um. Quando jovens, o sonho era ter uma daquelas máquinas projetadas lá nos anos 30, sob encomenda de Hitler, repito, por ninguém menos do que o lendário Ferdinand Porsche. Se dotado de tala-larga, melhor ainda. Transportava famílias, propiciava o surgimento de paixões, gastava pouco combustível e além de tudo era refrigerado a ar. O único defeito era o entupimento do carburador, mas, todo mundo sabia muito bem como limpá-lo a custo quase zero.

Pois bem, Itamar com aquele indefectível topete era a materialização do saudosismo. A República do Pão de Queijo que ele erigiu com o apoio de uma coalizão partidária, exceto é claro, o PT, à época já tendo perdido a primeira tentativa de Lula à presidência, contrapunha-se à tendência modernizante e liberal de Collor. Por isso, Itamar, mineiramente, já tinha rompido politicamente com Collor bem antes que o impeachment se materializasse. Itamar era, e ainda deve sê-lo, um puro nacionalista, saudosista, tal qual o seu topete. Penso até que o adjetivo “topetudo” que caracteriza as pessoas de comportamento atrevido tem muito a ver com o Itamar.

Ao lado do Governador Fleury no início dos anos 90 – e lá se vão quase 20 anos – Itamar reinaugura a linha de montagem do Fusca. Concretizava assim o seu atrevimento saudosista e ao mesmo tempo dava mostras da pureza de sua alma de brasileiro nacionalista. O novo fusca foi produzido por não mais do que 3 anos e aí se rendeu, definitivamente, para a implacável modernidade. Esta, pode até ser dificultada pelos topetudos do momento, mas, a longo prazo, sempre prevalece.

Nada me diverte mais do que encontrar nos seres humanos comportamentos que revelam certa incoerência, pelo menos aparente. Ou seja: se somos, por mérito, rotulados como saudosistas, românticos, conservadores ou por quaisquer outros predicados que nos liguem aos tempos idos, isso deveria ser aplicado em tudo o que fazemos e somos. Atitudes dúbias têm, evidentemente, o poder de suscitar desconfianças...

No caso de Itamar Franco, essa discordância se fez materializar quando – modernamente – no carnaval de 1994, no sambódromo do Rio, apresentou-se efusivo e bem avançadinho ao lado de Lilian Ramos. A moça, sem nada por baixo dos panos, lhe fez esquecer o comportamento de “tradicional família mineira” em que se enquadrava na sua Juiz de Fora de outrora e quando, "dar uma sambadinha", significava tão somente mexer os pés ao ritmo de uma marchinha carnavalesca bem comportada. O Brasil inteiro descobriu ali que Itamar não era assim tão saudosista, ou, quem sabe - em matéria de libidinagem - o velho e o novo são, foram e sempre serão a mesma coisa.

Digam o que quiserem do topetudo Itamar, mas, salvo profundo erro de avaliação, pelo menos nessas questões de despudoradas mutretas que abundam em nosso Senado ele ficaria do lado bom, pois, sendo o saudosista inveterado que é, por certo, estaria alinhado com Rui Barbosa, senador emérito que em 1914 proferiu sua grande lição de homem público de caráter ilibado:

"De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto".

Edson Pinto
Agosto’2009

19 de ago. de 2009

93) A CIGARRA E A FORMIGA

É encontrada nos EUA e no Canadá uma espécie de cigarra muito peculiar quanto à sua estratégia de sobrevivência. A cigarra Magicicada septendecim, também conhecida com cigarra periódica, embora parecida com suas primas de outras espécies tem como curiosidade o fato de ser a de mais longo tempo de vida. Permanece 17 anos sob a terra alimentando-se de raízes de árvores e somente aí vai à superfície para botar seus ovos e, em poucas semanas, morrer. Assim, o ciclo de perpetuação de sua espécie prossegue...

Cientistas descobriram a razão pela qual a Magicicada septendecim regulou-se para viver 17 anos. Dezessete, como se sabe, é um número primo, e os números primos só são divisíveis por 1 ou por ele mesmo. O fato relevante é que o predador natural dessa cigarra apresenta um ciclo vital de 2 a 3 anos. Bingo! A Magicicada sabe que o número 17 não é divisível nem por 2, nem por 3. Assim, na pior das hipóteses a sua linhagem familiar só deparará com um predador a cada 34 ou 51 anos. Sua esperteza matemática garante uma vida mais longa a toda a família.

Como nos é dado concluir, se estratégias de continuidade são encontradas em espécies tão simples como no caso dessa cigarra, imaginem se também não fariam parte do rol de estratégias dos humanos... Exceto por razões patológicas a levar alguém a desistir de viver, o que se nota, como regra geral, é que quanto mais pudermos evitar nossos predadores, tanto melhor. Isso explica coisas banais como, por exemplo, o fato de que nenhuma seleção de futebol de bom senso querer enfrentar a seleção canarinha do Brasil logo na primeira fase de um torneio. As chances de prosseguir na competição reduzem-se, consideravelmente.

Em política não é muito diferente, embora a ambição e a falta de bom-senso de alguns políticos muitas vezes os levem a achar que podem se sair vitoriosos em enfrentamentos sabidamente desfavoráveis. O bom político, contudo, ao perceber o cheiro da derrota, cai fora da disputa ou compõe-se com outras forças na tentativa de superação de suas deficiências.

Lula, tal qual uma Magicicada septendecim, sabe muito bem que seus predadores famintos estarão presentes em 2010, diminuindo-lhe sobremaneira a possibilidade de sobrevivência mais longa. O que fazer? Mais 4 anos sob a terra, tranquilinho e saboreando as raízes que os bons tempos lhe propiciaram e só mais adiante pensar em retornar à disputa. Enquanto isso, Dilma Rousseff e seus acólitos são enviados à superfície para serem devorados em seu lugar.

Para que um terceiro mandato contínuo se posso ter quatro em 2 blocos de dois cada? Assim pensa a nossa cigarra de Garanhuns. E que se lasquem os puros do PT, e os oportunistas (bem feito!) de partidos da coalizão, especialmente os do insaciável PMDB.

O único problema que a cigarra Lula septendecim da Silva pode não estar vendo, é a lição legada por Esopo e por La Fontaine em suas instrutivas fábulas. Quando o inverno chegar talvez ele tenha que pedir ajuda às formiginhas que souberam poupar durante o verão.

Confira abaixo a fábula da cigarra e da formiga na versão clássica de Bocage.


Edson Pinto
Agosto’2009


A Cigarra e a Formiga
(Bocage)

Tendo a cigarra, em cantigas,
Folgado todo o verão,
Achou-se em penúria extrema,
Na tormentosa estação.

Não lhe restando migalha
Que trincasse, a tagarela
Foi valer-se da formiga,
Que morava perto dela.

Amiga – diz a cigarra
Prometo, à fé de animal,
Pagar-vos, antes de agosto,
Os juros e o principal.

A formiga nunca empresta,
Nunca dá; por isso, junta.
No verão, em que lidavas?
À pedinte, ela pergunta.

Responde a outra: Eu cantava
Noite e dia, a toda a hora.
Oh! Bravo! – torna a formiga
Cantavas? Pois dança agora!

12 de ago. de 2009

92) OH TEMPORA! OH MORES!

__ Excelência, permita-me um aparte?

__ Pois não, nobre senador, as suas intervenções sempre engrandecem o já elevado nível do debate travado nesta egrégia casa de leis.

__ Muitíssimo grato senador, eu pedi a palavra apenas para dizer que Vossa Excelência não passa de um cangaceiro de merda.

__ Nobre colega, muito me lisonjeia ouvir de sua própria voz tão augusta referência à minha pessoa, razão pela qual retribuo o elogio dizendo que o senhor é a prova viva de que as meretrizes do velho bordel de quinta categoria deixaram crias espúrias neste mundo.

Debates desse naipe estão se tornando uma rotina na nossa câmara alta, a casa que reúne senadores em igual número de todos os estados brasileiros para preservar – pelo menos era o que se imaginava – o famoso pacto federativo.

Nesta mesma casa discursaram no passado grandes patriotas, oradores da fina flor da intelectualidade brasileira, lideres verdadeiros que enchiam de orgulho a alma nacional. Embora sejamos um país jovem, com uma república mais jovem ainda, só proclamada em 1889, tivemos Rui Barbosa, Afonso Arinos, Santiago Dantas, Gustavo Capanema, Teotônio Vilela, Tancredo Neves e Ulisses Guimarães, entre outros, que honraram a Instituição e enriqueceram a vida pública do país.

Agora – valha-nos Deus – temos Wellington Salgado, MG, aquele cabeludo desengonçado tanto física como mentalmente. Temos, ainda, Almeida Lima, SE, se não total, certamente, um quase-idiota. Temos o despudorado Fernando Collor, AL, saído pelos atos desonestos praticados enquanto presidente da República, mas voltando com cara de que nada lhe acontecera no passado e – pasmem - mais arrogante do que nunca. Não nos esqueçamos da destrambelhada Ideli Salvatti, SC, do infiel Renan Calheiros, AL, do nefelibata, embora boa alma e frustrado cantor, Eduardo Suplicy, SP e tantos outros que, metaforicamente, substituíram a cúpula circular de concreto projetada pelo grande Oscar Niemeyer pela famosa lona desmontável que encobre espetáculos de acrobacia, domadores e palhaços que divertem públicos de todas as idades.

Claro que há exceções: Jarbas Vasconcelos, PE, Pedro Simon, RS, Cristovam Buarque, DF e alguns poucos outros que por mais que queiram não conseguem se livrar da mediocridade contaminante do Senado Federal da presente legislatura.

A constância das crises na nossa câmara alta da República, ora com Jáder Barbalho, ora Renan Calheiros e três vezes com Sarney, só para citar casos mais recentes, mostram que as maçãs podres infetam as boas e nunca o contrário. O Senado, bem como o Congresso como um todo, continuam sendo piores do que o país que deveriam representar.

Além de medíocre e inútil, o nosso Senado custa quase 3 bilhões de reais por ano de nossos impostos, quase tudo para pagar mais de 10.000 funcionários que fingem trabalhar, ou são simplesmente fantasmas e mamam nas tetas prodigas do erário público. Enquanto isso, o povão se mata no sol a sol de cada dia para pagar impostos e custear gastos que seriam da responsabilidade do governo como escola, segurança e saúde.

O debate está, pois, novamente no ar: Será que justifica mantermos uma Instituição tão onerosa que mais atrapalha do que ajuda? Será que a Câmara dos Deputados – Instituição igualmente custosa – não poderia absorver as funções constitucionais atribuídas ao Senado simplificando assim a vida política nacional?

Dez entre dez brasileiros de bom-senso dirão que sim. O único obstáculo para que isso se torne realidade é o fato de que são exatamente os interessados na manutenção do “status quo” que precisariam tomar tal iniciativa.

Eu, infelizmente, não acredito que terei tempo de ver isso acontecer...


Edson Pinto
Agosto’2009

7 de ago. de 2009

91) SE A JUVENTUDE SOUBESSE...



Michael, 40 anos, reclinou-se feliz enquanto, de seu automóvel estacionado ali em frente à escola, via seu casal de filhos pré-adolescentes aproximarem para serem levados, com a alegria de sempre, para casa. Garotos lindos, saudáveis e felizes como ele sempre imaginara. Mais alguns poucos segundos e ambos já o estariam beijando como de hábito acontecia ao menos 2 vezes por semana. Michael era o protótipo do que se convencionou chamar de pai presente, figura cada vez mais rara neste mundo de competição desmesurada.

Aqueles poucos segundos até o beijo dos filhos foram suficientes para que Michael rememorasse o instante mágico em que assimilou a mais importante de todas as lições de sua ainda jovem vida: Estava com 28 anos, recém-casado, cheio de planos para a carreira profissional e sentado na sala de espera do vôo que o levaria à sua primeira viagem internacional de negócios. Não se continha em si mesmo só de pensar que dentro de alguns anos aquilo passaria a ser rotina. Decidira entregar-se de corpo e alma ao trabalho e já se vislumbrava nos cargos mais elevados da empresa. Alto salário, projeção social e poder...

Afortunadamente, ao seu lado, pensativo, encontrava-se também o homem que de forma espontânea iria presentear-lhe com a mais sábia de todas as lições que aprendera até então. Dr. Roberto, 80 anos, cabelos totalmente grisalhos, mãos e rosto de peles flácidas pela ação do tempo, não só percebera a ansiedade de Michael como se apresentara e puxara a conversa que mudaria a forma como Michael passaria a entender a vida:

“Ah, exclamou Dr. Roberto, se há 40 anos eu tivesse me dado conta de que além da minha carreira profissional devesse ter prestado mais atenção à minha família e aos meus amigos, eu teria feito tudo de uma forma bem diferente”.

“Preferi passar os finais de semana trabalhando naqueles projetos intermináveis, viajando loucamente para controlar as filiais, reuniões de negócios, eventos promocionais e coquetéis que nunca terminavam. Enquanto isso meus filhos e netos foram crescendo sem que eu percebesse. Foram para a escola com minha mulher, não raro sozinhos; aos estádios de futebol que tanto adoravam, iam com os pais dos amigos, pois eu nunca estava disponível. Não lhes acompanhei nas primeiras incursões às discotecas e até mesmo, quando se casaram, só me fazia presente nas cerimônias religiosas como se fosse um parente distante recém chegado para os eventos”.

“Reuniões familiares, jantares na intimidade de minha casa com amigos, festas juninas do bairro onde as crianças alvoroçavam-se ou mesmo os 80 anos de minha mãe quando a família toda se reuniu, confesso, não pude participar. Estava envolvido, ora com a inauguração de uma nova fábrica, ora com um seminário de tecnologia ou com um curso de aperfeiçoamento na matriz da empresa lá do outro lado do mundo”.

“Até o dia em que, por forças do planejamento estratégico da empresa, diga-se de passagem, que eu mesmo ajudei a elaborar, retribuíram com bons trocados, agradeceram-me pela carreira brilhante, deram-me um diploma emoldurado por fitilhos dourados durante um jantar de despedida e decretaram ali, para sempre e solenemente, o fim da minha jornada profissional. Voltei para casa onde já não estavam mais o filhos que haviam, desde há muito, casado e mudado. O meu próprio casamento derretera-se lenta, mas implacavelmente há tempos pela minha ausência eterna. Afinal, eu tinha me casado com a profissão e o meu lar era a empresa”

“Agora, mesmo que quisesse, não me é mais necessário nem possível levar os filhos, sequer os netos, à escola, nem ao estádio para assistir a uma partida de futebol, nem à discoteca. Eles já se fizeram independentes e bateram asas. Para dizer a verdade, passo boas horas dos meus infindáveis dias folheando antigos álbuns de fotografia para lembrar as faces de meus filhos e netos quando estavam na escola primária, depois quando adolescentes. Eu não estava na foto que fora tirada na porta da igreja quando o mais velho casou-se. Chegava de uma viagem de negócios e só adentrei a igreja quando todos já perfilavam para o início da solenidade. Verdadeiro vexame”.

“Vejo, hoje, os vizinhos recebendo amigos e parentes para um churrasco fraterno em que muito se ri. Rolam músicas, cerveja e cantorias desafinadas. Mas, tudo refletindo alegria sincera. Todos parecem deleitar-se com coisas simples que eu me privei de ter, também. Não é fácil construir uma rede de amizades depois de certa idade. As amizades são feitas ao longo de décadas e marinadas nos infortúnios e alegrias do dia-a-dia. Agora, passo o tempo lustrando meus bens materiais, mas eles não falam, não têm sentimentos, não compartilham minhas mágoas e frustrações. Sou definitivamente um homem só. Lá na empresa são, agora, apenas caras novas. Não conheço mais ninguém. Mesmo que os antigos ainda lá estivessem, seriam apenas colegas de empresa. E colegas não são necessariamente amigos. São relacionamentos lógicos, muitas vezes frios, voltados para o trabalho e que se desfazem quando fora daquele ambiente”.

“Meu jovem Michael, cada um de nós escolhe a vida que julga mais conveniente a ser seguida, tudo tendo em vista os propósitos que impomos a nós mesmos. Mas, se eu pudesse voltar no tempo faria tudo de forma bem diferente. Continuaria trabalhando, responsavelmente, é claro, mas jamais descuidaria de minha família, especialmente de minha mulher, de meus filhos e netos. Cultivaria mais amigos e daria mais valor às coisas simples da vida, mesmo que os cargos máximos da empresa fugissem do alcance de meus sonhos”.

Os filhos beijaram Michael e ele respirou fundo como se fosse para recobrar-se daquele arrebatamento intimo que confirmava a sensatez de sua decisão em ter acatado a experiência de vida do Dr. Roberto. Não ter repetido todos os seus erros para só mais tarde, e quando nada mais pudesse ser feito, descobrir que tivesse errado foi para Michael a maior de todas as lições que aprendera.


Edson Pinto
Agosto’09

2 de ago. de 2009

90) O PRIMEIRO TERREMOTO NUNCA SE ESQUECE


Meu filho caçula, Felipe, acaba de voltar de um ano de estudos no mais lindo de todos os países centro-americanos, que, não sem razão, ganhou de Cristovão Colombo quando de sua quarta viagem à América e em retribuição ao privilégio de tê-lo descoberto, o adequado e merecido nome de Costa Rica.

Para refrescar as nossas memórias tão fatigadas com os escândalos inesgotáveis da politicagem brasileira, lembro que esse magnífico país de climas tropical e subtropical ameno em altitudes, tais quais os nossos, desfruta de uma privilegiada posição geográfica acima do Panamá e abaixo da Nicarágua. Para aquele povo progressista e hospitaleiro, Deus ainda lhes deu 2 litorais, o do Mar do Caribe, a Leste, que dispensa comentários e outro a Oeste, do lado do Pacifico, que juntos com a exuberância de sua fauna e flora fizeram do Turismo o motor de sua economia, propiciando-lhes um IDH (índice de desenvolvimento humano) elevado: 0.847.

Emoldurado por esse cenário paradisíaco é que Felipe, 20 anos, garoto sério, aparentemente tímido, mas, de ferrenha vontade própria, fruto de sua desenvoltura e coragem impressionantes, lá se meteu por um ano inteiro. Estudando em Heredia freqüentava a capital San José - cerca de 20 minutos de ônibus - com grande freqüência e praticamente para tudo. Fazer umas compras, ir ao cinema, encontrar uma garota e para lá se dirigia Felipe acompanhado de amigos ou, se não disponíveis, mesmo sozinho.

Numa dessas idas a San José, sozinho, Felipe entra no Mercado Municipal da cidade já depois de bater pernas em excesso e, faminto, senta-se à mesa de uma de suas lanchonetes para o almoço que nunca lhe parecera tão desejado quanto apetitoso. Era tudo o que um estudante orgulhoso por não ficar pedindo frequentemente dinheiro ao pai estava disposto a gastar naquele dia de sol tropical.

Dado o primeiro gole na coca-cola e experimentado a primeira garfada do casado, prato típico da cultura costarriquense, que inclui, entre outros, carne, feijão e arroz, Felipe, de súbito, é apresentado à grande experiência que jamais irá esquecer:

Naquele dia 8 de janeiro de 2009, por volta das 14 horas e com o sol a pino, a terra treme na magnitude de 6,1 graus da escala Richter. A sensação foi a de ter caído dentro da lavadora de roupas ligada, é claro. Durou ¼ de minuto, tempo mais do suficiente para que todos os moradores locais, já suficientemente acostumados com esse incontrolável fenômeno da natureza, saíssem em disparada em busca de uma posição no meio das ruas, longe de prédios, de tetos e de outras coisas que pudessem desabar sobre suas cabeças.

Felipe, sem experiência nessa matéria e muito cioso da importância daquele prato farto de casado, decide que não seria uma inusitada sacudidela nervosinha que iria fazê-lo abandonar a refeição tão necessária e já devidamente paga. Na verdade, confessa, até pensou em sair como todos também do Mercado, porém levaria o prato e a garrafa de coca-cola. Afinal, o tremor já tinha passado e nada havia ainda desabado. Permaneceu, portanto, ali, sentado, entre espantado e confuso até que o último grão de feijão tivesse sido empurrado pelo último gole da coca-cola geladinha. Só aí saiu calmamente do recinto.

Mais tarde, já entre sirenes que cinematograficamente ecoavam por todos os lados no apoio aos feridos, resgate de corpos e outras mazelas próprias de um terremoto de grandes proporções é que ficou sabendo da razão pela qual as pessoas buscam sempre um lugar aberto para se proteger tão logo sobrevenha o primeiro sismo. Em geral, o terremoto traz o que chamam de "replicagem", isto é, dada a primeira onda, há, invariavelmente, uma segunda ou terceira ou mais que, com raras exceções, vêm em graus da escala Richter mais fortes ainda. A experiência mostra que o primeiro momento do terremoto, ironicamente falando, pode ser o mais seguro, e - como se fosse um alerta - deve-se procurar proteção.

Felipe não sabia disso, por isso ficou saboreando indiferente o seu arroz com feijão e livrou-se, como agora confessa, do “mico” de correr com prato e refrigerante nas mãos, pois disso – ao que parece e devido às circunstâncias – por nada neste mundo haveria de fazer concessões.

Por sorte, e graças ao bom Deus, a segunda onda do sismo veio, contrariando a lógica, bem fraquinha. O pior já tinha acontecido...

Edson Pinto
Agosto’2009