28 de mai. de 2009

81) FLOR DE ESTAMPA

Segundo a Numismática, área do conhecimento humano que se ocupa do estudo das cédulas, moedas e medalhas, o termo “flor de estampa” é aplicado para designar uma cédula completamente preservada. O papel da qual é feita apresenta-se absolutamente limpo, não descorado e firme. Além disso, não exibe vestígios de dobras ou outras evidências de manuseio impróprio. Em suma, uma preciosidade para colecionistas.

Assim era Verinha quando apareceu pela primeira vez desfilando graciosa em frente ao boteco do Chico naquele final de tarde de uma sexta-feira de verão. Uma nova garota de Ipanema agora na cor canela. O vozerio perturbador que normalmente ressoava do boteco - como por encanto - cai momentaneamente a decibéis compatíveis com o exigido em corredores hospitalares.

Olhares múltiplos, sedentos, curiosos e avermelhados de desejos convergem para aquela deusa, novinha, totalmente preservada, sem vestígios de dobras ou manuseio impróprio, verdadeira flor de estampa.

Obrigado meu Deus! Exclamaram vários em uníssono. Que Deus era brasileiro todos nós já sabíamos, mas que Ele agora também decidira mandar-nos um presente como esse, aí já é demais... Humildemente, confessa Valtão, nada fizemos por merecer, mas, já que os céus nos foram tão generosos não nos resta alternativa a não ser aceitá-lo de bom grado.

Verinha triscou o salto de sandália de tiras vermelhas ao mesmo tempo em que lançou para o boteco seu olhar de feitiço, enlouquecedor, mas vago, de propósito. Contornou a palmeira da calçada, testemunha silenciosa daquele instante mágico, e flutuou com passos graciosos atravessando a rua ao mesmo tempo em que corações batiam mais fortes e assovios mil irrompiam do boteco quebrando o silêncio efêmero que ela mesma provocara.

__ Você viu Valtão? __ Claro que vi Nenê! __ E como não haveria de notar tamanha formosura? Estou arrepiado, apaixonado. Preciso saber quem é ela; de onde veio; o que faz aqui e até mesmo se posso ter uma chance. Vou atrás! Disse Valtão, enquanto iniciava o trote que o colocaria próximo da deusa. Coragem e iniciativa eram características marcantes da personalidade de Valtão. O boteco inteiro postou-se ansioso a espera do resultado.

Inteiramente anuviado Valtão retorna ao boteco pouco tempo depois. __ E aí Valtão o que aconteceu? Não deu certo? Ela já tem dono? __ Nada disso gente. Falei com ela. Ela não tem dono. Gostou de mim e até quis ficar comigo. __ E por que isso já não aconteceu de imediato Valtão? __ Caras! Lembram-se do Astolfo, aquele pretinho bom de bola que morava na rua de baixo? Pois é, cresceu, fez plásticas várias, assumiu-se de vez e agora se chama Verinha.

Definitivamente não dá!

Edson Pinto
Maio’ 2009

22 de mai. de 2009

80) VIVANDEIRAS ALVOROÇADAS


“... São as vivandeiras alvoroçadas que vêm aos bivaques bulir com os granadeiros e provocar extravagâncias do poder militar"
Atribui-se ao Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, primeiro presidente do período militar, essa frase tão emblemática quanto vigorosa, tomado, evidentemente, as circunstâncias políticas da época.

Quando ele a pronunciou em histórico discurso ao Estado Maior do Exército, em agosto de 1964, quis metaforicamente chamar a atenção de seus pares para o fato de que vivandeiras, que o Aurélio nos define como sendo vendedoras de mantimentos que seguem a marcha das tropas para abordá-las nos bivaques, áreas de seu estacionamento, e aí tirar proveito das condições reinantes.

Felizmente, o regime militar já terminou há considerável tempo, mas as vivandeiras que, tal como as baratas que podem sobreviver até a hecatombes nucleares, ainda estão acompanhando o poder. Agora, não mais o militar, mas quaisquer outros que se estabeleçam, desde que deles se possam tirar proveitos egoísticos.

Lula fora, antes e no início de seu primeiro mandato, olimpicamente desdenhado pelas elites, termo, por sinal, que ele, Lula, adora mencionar, principalmente quando precedido da preposição “de” conjugado com o artigo no plural “as” naquela forma que agrada em cheio ao populacho: dazelites.

“Azelites”, portanto, são capazes de tudo até de apoiar um inconstitucional 3º mandado para Lula, a partir, simplesmente, do ainda prematuro desassossego provocado pela doença da candidata do planalto, Dilma Rousseff. A ministra, mal tendo começado o tratamento médico que, como tudo indica, será coroado de êxito, já, tristonha, vislumbra das janelas do Palácio a chegada das vivandeiras que articularão extravagâncias, de forma alvoroçada, com os granadeiros que se refestelam nos bivaques de Brasília.

Não vem ao caso discutir se Lula fez um bom governo ou não. O importante é que a tentação do continuísmo não venha a nos conduzir pelos mesmos maus caminhos trilhados pela nova safra de ditadorzinhos que surge com grande ímpeto na América Latina de nossos dias. Todos nós sabemos muito bem quem eles são...

A alternância de governo é benéfica sob todos os aspectos que se queira considerar. A máxima popular de que “em time que está ganhando não se deve mexer” não se aplica adequadamente à política. Nada pior para um país do que um longo período sob o comando de uma mesma turma.

A História está repleta de exemplos de que isso é verdade. Para não ser longo, mirem-nos nos exemplo de Cuba, no Franquismo, no Salazarismo, nas monarquias absolutistas de passado, no Peronismo e até mesmo no nosso militarismo de duas décadas. Começam bem, depois se degradam...

Até dois mandados de 4 anos cada, como temos, parece ser a fórmula ideal. Não devemos mexer nisso.

Edson Pinto
Maio’2009

15 de mai. de 2009

79) LABIRINTO DA ALMA


Miguel praguejou o sol que penetrava brilhante pela fresta da janela do quarto e aquecia seu rosto. Xingou qualquer um porque algo não estava no lugar de sempre. Depois, maldisse a vida porque o café não lhe apetecia. Até faísca, o cãozinho dócil e ansioso por carinho, é olimpicamente menosprezado.

E olha que o dia estava apenas começando. Dormiu mal? Problemas novos remoídos ao longo da noite tiraram-lhe o sono e agora o seu humor? Não! Esse era o natural de Miguel. Difícil criar condições que o tornasse mais sociável, alegre externamente e participativo. Amélia sabia tanto disso que já havia decidido nunca mais tentar alterar aquilo que era inerente e imutável em seu marido. Era uma questão de saber entendê-lo. E assim, simplificou a sua militância familiar...

Mas Miguel compensava seu gênio arredio e permanentemente abrutalhado com o trabalho duro no próspero negócio que ele mesmo tinha construído. Era o que se chamava de um verdadeiro "pé-de-boi". Materialmente, não faltava nada em sua casa. Aos filhos provia-lhes, sem não antes aplicar reprimendas rigorosas, com o mais moderno vídeo game, o computador possante com acesso à Internet, tênis da moda e tudo o mais que os envaidecia possuir. As freqüentes brutalidades com Amélia eram recompensadas com jóias e vestidos novos. Tinha orgulho de dizer que trabalhava muito, sempre pensando nos filhos e na sua esposa.

Amélia nunca deixara de reconhecer a tenacidade laboral de seu marido e fartava-se ao elogiá-lo. Mas, no fundo de seu coração, sentia muita falta de um pouco de alegria em sua casa. Nem se importava, pensava intimamente, com menos bens materiais, desde que também pudessem, todos, rir com mais freqüência e ter de seu marido um pouco mais de atenção e carinho. Esse modelo, contudo, não se encaixava no perfil do tosco Miguel, e assim continuou inalterado.

Um dia, Miguel, ao cabo de impetuosa faina e de tanto se amargurar com tudo, com todos e por motivos incompreensíveis, viu-se privado de boa saúde. O humor que já era ruim piorou. Amélia ainda tentou repetir a velha pregação: “A falta da felicidade interna, Miguel, atrai doença e nos rouba o vigor”. Mesmo dizendo concordar, Miguel não conseguia ser diferente. Estava nele, estava no labirinto da alma confusa que o destino lhe dera, aquele enigma até agora e para todo o sempre, indecifrável.

Amélia quedou-se triste e conformada, perguntando a si mesma: Quem sabe não é assim que ele se sente feliz?

Edson Pinto
Maio’2009

8 de mai. de 2009

78) O ENIGMA DE CAPITU




Em Dom Casmurro, famoso romance daquele que é considerado um dos maiores escritores em língua portuguesa, o brasileiro Joaquim Maria Machado de Assis, Bentinho, narrador-protagonista da história, prende de tal forma a atenção do leitor que, ao final, nem nos importamos muito em entender se ele fora ou não traído pela sua amada Capitu. O prazer propiciado pela trama e ímpar estética literária do irrepreensível escritor já nos recompensa plenamente a leitura.

Só mesmo um mestre na arte das palavras como Machado de Assis para tornar tão interessante - neste caso na forma da valiosa ficção romanceada - um dos aspectos mais notáveis da mente humana: O “enigma”, esse enunciado obscuro, quase sempre de propósito e cheio de ambigüidades, misterioso e indistinto que aguça nossa vontade de desvelamento. Somos movidos pela curiosidade. O prazer de decifrar uma charada, entender e rir de uma piada, descobrir um segredo, enfim, desnudar um enigma, tem sido ao longo dos tempos o motor da raça humana.

E tem, verdadeiramente, muito sentido que as coisas sejam assim. Mal começamos a nos dar por gente e já nos suscita o desejo de compreender o incompreensível. Os mistérios da criação, da infinitude do universo, da razão da vida, do pós-vida terrena e tudo o mais que vai nos instigando a cada dia que passa. Somente os néscios não mostram interesse pelo esclarecimento do desconhecido. Por outro lado, aqueles que se aguçam no observar da vida querem, cada vez mais, a aproximação ao cerne do enigma, extraindo-lhe a verdade.

Tudo dito desta forma pode até parecer que aceito como normal a xeretagem dos bisbilhoteiros de fé, essa nova praga da vida nacional. E o pior é quando tudo isso visa a apenas a obtenção da notoriedade fugaz propiciada pela exposição midiática. Sou assim forçado a dar razão a Andy Warhol, o reinventor da “pop art”, ao identificar o desejo de todos pelos míseros 15 minutos de fama. Ao contrário, compadeço-me daqueles que não medem esforços para cumprir a rigor tal vaticínio.

O que temos visto no Brasil de hoje, parece-me facilmente enquadrado nessa louca sanha em busca da notoriedade. À parte o ultrapassado viés ideológico dessa nova turma ocupante de funções constitucionais da maior importância, como a Justiça, o Ministério Público, a Polícia Federal e tantos outros órgãos de responsabilidades, ficam-nos a impressão de que, mais importante do que a nobre missão do cargo, encontra-se o desfrute da oportunidade de concretização dos 15 minutos de fama. Obtido isso, ótimo, agora cabe a quem teve a vida bisbilhotada a tarefa de provar que não mereceu o veneno da insidiosa flecha. Do sagrado direito de defesa fazem detalhes de somenos importância e, com isso, da honra, não mais virtude, senão um pormenor, uma minudência.

Há, sim, algo de podre aqui, tal qual no reino da Dinamarca. Não precisamos apossar do Hamlet de Shakespeare para ver muita semelhança com a nossa realidade. Algo de muito errado está grassando também nesta terra de Machado de Assis e isso poderia ser considerado, de fato, um enigma. Senão, respondam:

1) Por que um delegado destrambelhado como o Protógenes que ora diz uma coisa ora outra; um promotor com cara de adolescente mal saído da faculdade; uma juíza que decide hoje já sabendo que amanhã seu ato será reformado pela instância superior, tudo, tudo sob os holofotes da mídia, podem, impunemente, assumir posturas de justiceiros, quando o julgamento legal ainda está por acontecer?

2) Por que as investigações não seguem com seriedade e cautela convocando pessoas suspeitas para depoimentos preliminares sem a necessidade de convocação da imprensa?

3) Por que não atuam preventivamente nos órgãos de fiscalização, preferindo deixar as coisas acontecerem para, em seguida e com o apoio da TV, fazerem prisões espetaculosas com duração, em geral, curtíssimas?

É claro que todos nós queremos um país mais limpo e transparente. Não queremos ver empresários gananciosos burlando o fisco. Não queremos que a enorme carga tributária que já nos sufoca de algum tempo sirva para pagar propinas, sustentar na folha de pagamento do Congresso, funcionários fantasmas, nem vermos mais dólares em cuecas, muito menos castelos medievais construídos com recursos escusos. Gostaríamos, contudo, que os responsáveis pelas investigações, em nome da boa justiça, evitassem tirar proveito pessoal e inconseqüente como hoje andam fazendo.

Se Capitu traiu ou não Bentinho é um enigma que aceitamos manter insolúvel, porque nasceu da mente de um ficcionista impecável para o propósito tão somente de nos deleitar a imaginação. Mas, não podemos conviver com esse novo enigma que reveste a realidade da vida nacional. Essas atitudes evocam-nos lembranças históricas de estados policialescos coveiros da democracia. E isso, nunca mais...

Edson Pinto
Maio’09

1 de mai. de 2009

77) ALMA DE COWBOY


Em Dom Casmurro, famoso romance daquele que é considerado um dos maiores escritores em língua portuguesa, o brasileiro Joaquim Maria Machado de Assis, Bentinho, narrador-protagonista da história, prende de tal forma a atenção do leitor que, ao final, nem nos importamos muito em entender se ele fora ou não traído pela sua amada Capitu. O prazer propiciado pela trama e ímpar estética literária do irrepreensível escritor já nos recompensa plenamente a leitura.

Só mesmo um mestre na arte das palavras como Machado de Assis para tornar tão interessante - neste caso na forma da valiosa ficção romanceada - um dos aspectos mais notáveis da mente humana: O “enigma”, esse enunciado obscuro, quase sempre de propósito e cheio de ambigüidades, misterioso e indistinto que aguça nossa vontade de desvelamento. Somos movidos pela curiosidade. O prazer de decifrar uma charada, entender e rir de uma piada, descobrir um segredo, enfim, desnudar um enigma, tem sido ao longo dos tempos o motor da raça humana.

E tem, verdadeiramente, muito sentido que as coisas sejam assim. Mal começamos a nos dar por gente e já nos suscita o desejo de compreender o incompreensível. Os mistérios da criação, da infinitude do universo, da razão da vida, do pós-vida terrena e tudo o mais que vai nos instigando a cada dia que passa. Somente os néscios não mostram interesse pelo esclarecimento do desconhecido. Por outro lado, aqueles que se aguçam no observar da vida querem, cada vez mais, a aproximação ao cerne do enigma, extraindo-lhe a verdade.

Tudo dito desta forma pode até parecer que aceito como normal a xeretagem dos bisbilhoteiros de fé, essa nova praga da vida nacional. E o pior é quando tudo isso visa a apenas a obtenção da notoriedade fugaz propiciada pela exposição midiática. Sou assim forçado a dar razão a Andy Warhol, o reinventor da “pop art”, ao identificar o desejo de todos pelos míseros 15 minutos de fama. Ao contrário, compadeço-me daqueles que não medem esforços para cumprir a rigor tal vaticínio.

O que temos visto no Brasil de hoje, parece-me facilmente enquadrado nessa louca sanha em busca da notoriedade. À parte o ultrapassado viés ideológico dessa nova turma ocupante de funções constitucionais da maior importância, como a Justiça, o Ministério Público, a Polícia Federal e tantos outros órgãos de responsabilidades, ficam-nos a impressão de que, mais importante do que a nobre missão do cargo, encontra-se o desfrute da oportunidade de concretização dos 15 minutos de fama. Obtido isso, ótimo, agora cabe a quem teve a vida bisbilhotada a tarefa de provar que não mereceu o veneno da insidiosa flecha. Do sagrado direito de defesa fazem detalhes de somenos importância e, com isso, da honra, não mais virtude, senão um pormenor, uma minudência.

Há, sim, algo de podre aqui, tal qual no reino da Dinamarca. Não precisamos apossar do Hamlet de Shakespeare para ver muita semelhança com a nossa realidade. Algo de muito errado está grassando também nesta terra de Machado de Assis e isso poderia ser considerado, de fato, um enigma. Senão, respondam:

1) Por que um delegado destrambelhado como o Protógenes que ora diz uma coisa ora outra; um promotor com cara de adolescente mal saído da faculdade; uma juíza que decide hoje já sabendo que amanhã seu ato será reformado pela instância superior, tudo, tudo sob os holofotes da mídia, podem, impunemente, assumir posturas de justiceiros, quando o julgamento legal ainda está por acontecer?

2) Por que as investigações não seguem com seriedade e cautela convocando pessoas suspeitas para depoimentos preliminares sem a necessidade de convocação da imprensa?

3) Por que não atuam preventivamente nos órgãos de fiscalização, preferindo deixar as coisas acontecerem para, em seguida e com o apoio da TV, fazerem prisões espetaculosas com duração, em geral, curtíssimas?

É claro que todos nós queremos um país mais limpo e transparente. Não queremos ver empresários gananciosos burlando o fisco. Não queremos que a enorme carga tributária que já nos sufoca de algum tempo sirva para pagar propinas, sustentar na folha de pagamento do Congresso, funcionários fantasmas, nem vermos mais dólares em cuecas, muito menos castelos medievais construídos com recursos escusos. Gostaríamos, contudo, que os responsáveis pelas investigações, em nome da boa justiça, evitassem tirar proveito pessoal e inconseqüente como hoje andam fazendo.

Se Capitu traiu ou não Bentinho é um enigma que aceitamos manter insolúvel, porque nasceu da mente de um ficcionista impecável para o propósito tão somente de nos deleitar a imaginação. Mas, não podemos conviver com esse novo enigma que reveste a realidade da vida nacional. Essas atitudes evocam-nos lembranças históricas de estados policialescos coveiros da democracia. E isso, nunca mais...

Edson Pinto
Maio’09