24 de fev. de 2008

9) 1400 MEMÓRIAS-II (fevereiro'08)

Amigos Philipinos:

Agora são 18 horas deste domingo chuvoso, 24/2/08.

Já li o Estadão do dia e me inteirei tanto da nova safra de boas notícias da economia brasileira como de mais um capítulo do espetáculo infindo dos desmandos de nossos péssimos políticos, dos seus cartões corporativos e de seus conchavos em trocas de favores por nomeações. Mas, vi, também, a alegria dos kosovares pelo nascimento de sua nação...

Folheei, como de costume a Revista Veja, conferindo o Diogo Mainardi que - com a sagaz inteligência de sempre – tenta, inutilmente, fazer a aproximação de Lula com o pensador Isaiah Berlin para que este explique ao primeiro o conceito de “liberdade negativa”. Deixa pra lá...

Mas, ainda, deu para fechar as páginas da conceituada revista rejubilando-me com o povo cubano que já deve começar a ver uma luz ao fim do túnel com a tardia, mas ainda em tempo - saída de cena do velho Fidel.

Tudo - assim visto - mais à minha mente me trás a lição simples, porém profunda, que Cervantes nos legou através da fala de seu famoso Don Quixote ao seu, não menos famoso, ajudante de ordens:

“A liberdade, Sancho, é um dos dons mais preciosos que aos homens deram os céus; a ela não se podem igualar os tesouros que a terra encerra, nem os que o mar encobre; pela liberdade, assim como pela honra, se pode e se deve arriscar a vida, e, ao contrário, o cativeiro, é o maior dos males que pode ocorrer aos homens”.
Almocei com a família e agora me instalo diante desta máquina poderosa que tem transformado o mundo, muito mais do que os mais otimistas poderiam conceber há não muitos anos: este computador que acessa a Internet e nos põe em contato com os amigos, com o mundo de uma forma assustadoramente rápida e rica.

E quem disse que o homem estaria condenado a perder a sua capacidade de se emocionar quando fizesse uso desta máquina dos demônios com todos os seus gigabytes da frieza tecnológica?

Não, isto não está acontecendo, pelo contrário: É essa tecnologia que nos propicia partilhar da emoção que a troca de mensagens recheadas de tanto saudosismo, carinho, amizade e grandeza entre os queridos Ilário e Araújo, antigos colegas da Philips, conforme pode ser visto na seqüência de e-mails abaixo.

Quem nas últimas 4 décadas, que tendo passado pela Philips, não há de se lembrar dos colegas Ilário e Araújo?

Há tantos outros personagens e tão boas recordações que um livro será pouco. O projeto do livro sugerido pelo Antônio Rego não será esquecido. Por todo o tempo em que nossas almas ainda estiverem respirando o pó dos escombros do 1400, ainda teremos como contar uma história bonita e que, como esta do Ilário e do Araújo, tanto nos emociona:

Uma boa semana a todos

Edson Pinto
(24/2/08)


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From: Araujo
To: ILÁRIO
Cc: Edson TERRA
Sent: Sunday, February 24, 2008 2:29 PM
Subject: RES: informação

Você só pode estar brincando, que não me lembro de Você... Eu nunca esqueci meu, mais que prezado, Amigo Ilário que, quando cheguei, no longínquo 1951, à nossa Philips na Rua dos Amores, como “Office-Boy”, lá estava ele “soberano”; um dos funcionários mais importantes (mais importante que Van der Zwaan, De Roode, Gielings, José Vieira Lima, etc) pois, através dele, vinha toda quinzena (em dinheiro vivo...lembra-se??) o “sagrado tutuzinho”, que para aquele menino de 13 anos era uma riqueza. Vou confessar uma coisa a Você Amigo Ilário: o exemplo que tive da tua postura como Gente e como Profissional, naquele período da minha vida, ajudou muito na formação do homem que me tornei. Viu aí, porque eu nunca poderia esquecer Você, Ilário.

Só vou corrigir uma coisinha na tua mensagem: “posso ter dado a impressão, más nunca fiquei, absolutamente, bravo por ir comprar tuas passagens para Botucatu, para Você ir encontrar a Namorada que, depois, veio a se tornar tua Esposa”.

Espero que Você esteja gozando de muito boa saúde e te mando um grande abração, Amigo Ilário. Se Você me mandar teu telefone, de vez em quando, vou dar uma ligadinha, para “trocarmos figurinhas”.

Viu aí, meu Amigo Edson Pinto, quanta coisa maravilhosa Você, literalmente (quase podia dizer “literariamente”), “detonou” com a linda mensagem da implosão do edifício da nossa Philips... Daqui a pouco vou escrever ao Amigo Rocha de Carvalho, de Portugal, de quem, também, tenho muito boas recordações. Li tanta coisa bonita, graças a Você, nestes últimos dias, que quase me atrevo a dizer que a demolição foi uma “benção”.

Um grande abraço a Você também, Amigo Edson.

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De: ILÁRIO
Enviada em: sábado, 23 de fevereiro de 2008 12:01
Para: Araujo
Assunto: informação

Prezado Araujo: Recebi um email e fiquei contente e satisfeito sabendo que você está bem e ainda trabalhando. Talvez não se lembre de mim mas sou o Ilário responsável pelos pagamentos dos horistas e mendalista e aquele que te perturbava para comprar passagerm para Botucatu e você ficava bravo mas ia. Um grande abraço e muitas felicidades

17 de fev. de 2008

8) 1400 MEMÓRIAS-I (fevereiro'08)

Com o tempo vamos mudando nossa maneira de ver e de interpretar os fatos que envolvem a nossa vida. Hoje, certamente devido às retinas cansadas e aos joelhos esfolados pela jornada, dou valor às coisas não pelo que valem, mas, mais pelo que me significam. Isto é, mais me valem as mensagens que emanam por detrás dos fatos do que a objetividade do real, do palpável.

Em março de 2001, por ordem do governo fundamentalista taliban, foram destruídas as gigantescas e milenares estátuas do Buda do vale Bamiyan a 240 km de Cabul no Afeganistão. Uma delas era a maior estátua de um Buda no mundo. Implodiram-nas como ao 1.400 da Av. Engº Luiz Carlos Berrini, porque queriam apagar a memória do passado que lhes parecia cruel.

Em 64 AD, o paranóico imperador Nero, depois de já ter determinado a morte de sua mãe Agripina e também a de sua esposa, incendiou Roma na esperança de reconstruí-la com ainda mais esplendor. De seus escombros surgiria uma Roma mais moderna, como certamente será o novo espigão na confluência da Geraldo Flauzino Gomes com a Av. que tem o nome do famoso engenheiro.

Thor, o deus nórdico de cabelos vermelhos e que representava as forças da natureza, fazia surgir de seu martelo mágico os raios que destruíam seus inimigos de forma impiedosa, como as dinamites que transformaram em pó o antigo Head-Quarters da grande multinacional das Ondas e Estrelas e que para lá se mandou quando seus líderes vislubraram um futuro ainda mais portentoso para a grande Organização.

Não será a última implosão de nossas vidas, nem a última minúscula partícula de pó a entrar nos nossos olhos, menos para arranhá-los, mas, mais para provocar-nos lágrimas de nostalgia. Como são tolas e inúteis nossas memórias românticas... Por que se nos formaram tão fortes sinapses daquilo que materialmente pouco faz sentido, mas que nos vale para a alma mais do que todo o ouro do universo?

É isto o que nos significam os sonhos que tivemos... Responde-me o coração, porém a lógica não me fala nada... Um sonho coletivo daqueles que marcam a vida de várias gerações, daqueles que se tornam uma obra grandiosa na vida de cada um, como as gigantescas estátuas do líder espiritual, como a cidade berço da civilização e cultura mundiais ou como o imaginário mitólogico de nossa ânsia ancestral para compreensão melhor do mundo em que vivemos.

Ao ser pulverizado aquele prédio - que nem nosso mais era – pulverizam-se também nossas gratas memórias. Aquela potência que jogava limpamente no tabuleiro das grandes partidas de um ambiente econômico tão rude, mas que soube galgar celeremente a liderança em quase todos os segmentos em que atuava. Quase 25 mil almas lá trabalhando ao mesmo tempo, 4 vezes mais almas dependentes que viviam na órbita e gerações seguidas que, se tudo somado, ocupariam plenamente a grandiosa Roma dos tempos de Nero.

Mas, nas voltas que a vida dá, tudo mudou. Claro que pode e deve ter sido para melhor, pelo menos para o melhor do momento. A grande organização como que vivendo na Liliput das famosas viagens de Gulliver ajustou seu tamanho para continuar viva no palco das grandes batalhas. Obrigou-se a ser pequena e leve em acordo com o oxigênio que as vigentes regras do mercado lhe disponibiliza.

E aqui ficamos nós, a velha guarda philipina, interpretando de forma nostálgica a mensagem que o pó deste prédio nos quer passar. Será o fim de uma era dourada? O despertar de um longo e doce sonho? Quem suportaria amargar por tanto tempo a mais doída de todas as dores que é esse infindo aperto d’alma? Vão-se, junto com toda a poeira revolta que emerge dos escombros do 1.400, também nossas doces lembranças?

Tenho certeza de que não...

Não por coincidência tinha eu, até então, listado 1.399 lembranças de nossa empresa querida, indo das boas e duradouras amizades que lá fizemos, do aprendizado, sem igual, que os grandes mestres philipinos no propiciaram, até ao prazer maior que nos enchia de orgulho por darmos empregos, gerarmos riquezas, fazer e distribuir produtos inovadores que divertiam, iluminavam e salvavam vidas.

Agora, com mais a lembrança desta foto que reproduzo abaixo, totalizam-se 1.400 razões para renovarmos o nosso orgulho philipino.


 Jornal A Folha de São Paulo – foto de Raimundo Pacco/Folha - Em quatro segundos, prédio na Luiz Carlos Berrini, nr 1.400, desaparece em São Paulo

Edson P. Pinto – SP 17/02/2008