29 de out. de 2011

184) ERA FELIZ E NÃO SABIA

“Dei uma sumida”, como dizemos lá em Minas. Emendei a semana do feriado de Nossa Senhora Aparecida para ir às Alterosas, sem computador, sem Internet, e, na seguinte, dediquei-me intensamente à tarefa de colocar em dia vários temas importantes que a mim tocam em decorrência da vida comunitária a qual faço parte. Por essa razão, duas semanas sem publicar nada de novo no meu blog. Sei que isso não fez falta a ninguém, mas incomoda-me, pessoalmente, passar um tempo longo sem registrar parte do turbilhão de lucubrações que me ocupam as noites e mesmo os dias...

É exatamente sobre isto que quero falar hoje: No meu último texto publicado, fiz referência ao grande gênio da informática que havia falecido justo naqueles dias, Steve Jobs. Sua mente privilegiada e inovadora fez brotar soluções que facilitaram em muito o nosso relacionamento com o mundo moderno. Não fosse, por exemplo, a maneira amigável que ele adotou via as interfaces gráficas entre o humano e a máquina, o computador, mesmo com o avanço do hardware ainda estaríamos na dependência daqueles “nerds” que dominavam as linguagens FORTRAN e COBOL para conseguirmos um mero relatório, uma planilha ou mesmo produzir um texto como este. Hoje, graças a gênios como o de Steve Jobs, podemos clicar no mouse sobre um ícone e ir direto para uma tarefa, produzir a planilha, o texto, editar fotos e um mundo de outras peripécias. Soube como poucos utilizar de forma brilhante tecnologias disponíveis em sua época.

Fiquei com Steve Jobs na cabeça enquanto percorria as estradas de Minas. Entre uma montanha e outra eu me lembrava de tudo, inclusive do meu aparelho celular ligado ao acendedor de cigarros do carro. Permitindo-me uma digressão: Já que fumar tornou-se pecado, não compreendia também porque aquele dispositivo no qual podem ser ligadas várias coisas não ganhasse um novo nome. “Liga Tudo”, talvez. Mas, isso não vem ao caso. O que interessa é que Steve Jobs me perturbava a mente. Só depois de refletir sobre as razões, me dei conta do porquê. O meu celular, como o da maioria das pessoas modernas, agora vem com o tal do recurso que nós brasileiros, sem ufanismo lingüístico, fazemos questão de manter no Inglês original, “touch screen”. Tocou na tela, tudo começa a acontecer.

Estava ali, portanto, a razão daquele fantasma percorrendo minha mente. A ligação entre o maldito do ”touch screen” e a lembrança de Steve Jobs. Foi ele que, mesmo sem o ter inventado, colocou essa inovação nos celulares e com isso bagunçou a até então boa relação que eu mantinha com a maravilhosa maquininha portátil que faz de tudo, inclusive nos serve como telefone. Estou meio passado, reconheço, mas me recuso a meter aquela maquininha dentro de uma capinha e dependurá-la no cinto da calça como se fosse o coldre de revólver só para que sua tela sensível ao toque fique protegida de ações involuntárias.

Desde que peguei esse celular “touch screen” comecei a desenvolver alguma neurose. De cada dez ações que tento fazer pelo menos metade sai errada. Pego o aparelho com o mesmo cuidado que um paleontólogo pega um fóssil raro devido a sua fragilidade. Sem querer, meu dedo roça um daqueles ícones e lá vem algo que eu não queria. O telefone toca e quando atendo um amigo diz “Edson você ligou para mim? Tenho aqui no meu celular registro de três ligações que você me fez há minutos” Já sei, digo: “Foi esse meu celular que disparou ligações por conta própria, desculpe-me”.

De um amigo ouvi que a conta da operadora do celular veio estratosférica. Razão: uma conexão involuntária de sua maquininha também com ”touch screen” conectou vários sites e baixou vultosos gigabytes de inutilidades. Pagou por que tinha de pagar, mas praguejou como nunca fizera antes.

Como buscar sossego em Minas se Steve Jobs me persegue? Não joguei fora o meu aparelho porque o meu ódio não era devotado ao conjunto da obra, a propósito, maravilhoso, mas sim e tão somente a um de seus dispositivos, o inconveniente do “touch screen”, justo em um aparelho que, além de ser portátil, pretende ser manual e tateável, na maioria das vezes, por uma só mão. Fica bem na tela de um caixa eletrônico bancário, num "tablet" que se usa sentado, num monitor de computador em que o garçom anota o pedido do cliente, mas nunca em um "gadget" de palma de mão.

Já decidi: Tão logo a loja da Vivo em frente a qual às vezes passo estiver menos entupida de gente, provavelmente reclamando, entrarei para trocar o aparelho, o chip, o sistema, seja lá o que for preciso, qualquer coisa, para me livrar do “touch screen”. Se pudesse, voltava correndo para o meu antigo starTAC da Motorola, aquele aparelhinho que mesmo parecendo com um vaso sanitário não se prestava a acolher todas as imundices tecnológicas.

Edson Pinto

Outubro’2011

9 de out. de 2011

183) JUSTIN & STEVE



Faz exatos quarenta e três dias que parte expressiva da família ficou ao redor do computador esperando que chegasse a meia-noite. Naquela 0h do dia 26 de agosto o objetivo era nobre: conseguir comprar pela Internet, e o quanto antes, o ingresso para a apresentação do neossóptilo do momento, Justin Bieber, que aconteceria hoje, 8/10, aqui em São Paulo.

Obviamente, o esforço familiar era para tornar feliz a minha netinha de 10 anos que como a maioria da garotada de sua faixa de idade passou a devotar extraordinária paixão pelo imberbe cantor canadense. Poderia chamá-lo de fenômeno midiático, ídolo teeneger ou ainda adjetivá-lo de forma contemporaneamente mais juvenil.

Prefiro, no entanto, associá-lo ao mais notável sinal do viço, do verdor e da exuberância que denota o maravilhoso fenômeno da continuidade da vida, o renascer. As folhas que fenecem no outono da vida, como sabemos, dão lugar às novas da primavera. Daí, perdoe-me o substantivo pouco usual, mas a penugem que significa início de vida (do grego ptílon) da ave recém-nascida (também do grego, neossós) sugere-me associá-lo a esta marca da aurora da temporalidade.

A existência alongada tende a ser chata na medida em que as experiências acumuladas nos tornam prisioneiros do conhecimento adquirido. Já vimos tantas coisas acontecerem que, salvo raras exceções, as novidades são insuficientes para juvenescer nosso ânimo. Marchamos cabisbaixos pelas sendas que levam ao fim da jornada sem perceber que por detrás de nós o mundo se renova continuamente. Para os que se encontram no seu prelúdio, tudo é motivador, tudo faz sentido, tudo flameja.

A trajetória humana seria uma lástima sem os elementos revitalizantes que brotam mesmo que alheios a nossa vontade. É como se tudo se renovasse a cada instante de forma continua, infinita. O que passou, passou. O novo vem para tocar a vida para a frente, sempre...

Por ironia do destino, justo agora o mundo perde o talentoso Steve Jobs, criador do computador do uso fácil com o qual compramos o ingresso para o show de Justin Bieber. É dele esta reflexão: "... a morte é provavelmente a maior invenção da vida. É o agente de transformação da vida. Ela elimina os antigos e abre caminho para os novos"

E os novos que são? São os que se colocam cheios de vigor e alegria no começo de uma nova jornada. É a netinha de 10, o Justin Bieber adolescente, a flor que brota de onde há pouco uma folha seca se desprendera, a ave recém-nascida ainda coberta por tênue penugem. O porvir, a esperança...

Cansada fisicamente pelas 12 horas que hoje dedicou ao evento, mas feliz por ter tornado o seu sonho realidade, minha netinha acaba de chegar aqui em casa enquanto eu, ainda me servindo dos ícones das interfaces legadas por Steve Jobs, escrevia este texto.

Só me restou perguntar-lhe:

__ E aí, como foi o show “my baby, baby”?

__ Boa noite!



Edson Pinto

Outubro’2011

1 de out. de 2011

182) O TREM DE MINAS


Sonho um dia colocar todos os meus amigos em um romântico trem maria-fumaça e, sem pressa, levá-los a conhecer a minha Minas Gerais. Não me ufano sem causa, nem me sirvo de mania de grandeza, menos ainda me apego com arrebatado deslumbramento às mais encantadoras formas de beleza. Juro! O que me sacode a alma e me faz sonhar é a possibilidade de sentirmos, juntos e in loco, o quanto Ele esteve inspirado naquele mágico momento da semana primeva quando, generoso e desprendido, concebeu o mais lindo de todos os rincões da Terra.

Lá, Deus pôs montanhas com curvas magnificamente suaves e belas, só imitáveis pelas mãos abençoadas dos gênios das artes na nobre missão de eternizar a harmonia das linhas incertas. Pôs, a não mais bastar em generosidade, também um céu de anil único. Cuidou, no mais, e em respeito ao espírito de liberdade do povo da terra, de não aprisionar tal céu por entre as penhas. Fez dispô-lo solto no éter para que pudesse se espalhar generoso pelo teto amplo de toda a Pátria.

Determinou erguessem as igrejas mais belas e nelas as pinturas mais ricas. O barroco mais exuberante e o rococó de elegância mais requintada. Deu-lhes a arquitetura mais nobre e fez, ali, florescer o gênio de Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, que mesmo dispensado das digitais consagrou-se na arte das formas. Ao mestre Ataíde permitiu-lhe lançar suas tintas mágicas em perspectivas encantadoras nos tetos de mil igrejas. Deu-lhes minérios para forjar o aço e inspirar o poeta da pedra no meio do caminho, da Itabira, de tantos por cento de ferro nas almas. Não se lhe pôs o mar, é fato, porque aí já seria declarada demonstração de privilégio filial, mas aos Seus filhos, encarregados de zelar pela Sua obra magna, os fez jeitosos, matreiros, cordiais e resolutos.

Por isso, queria colocar todos os amigos no mesmo trem. E quando eles pensarem que a viagem terá terminado, eu lhes provarei estarem enganados, porque a verdadeira viagem é aquela que fica eterna na alma. Depois das belezas de Minas, de sua culinária ímpar, da deliciosa convivência com seu povo especial, da imersão na história da pátria, do ar de liberdade que lá se respira, que lugar mais no mundo alguém almejaria ainda conhecer?

Meu objetivo secreto para essa viagem - devo confessar-lhes agora - é o de nunca ter os meus amigos longe de mim, posto que justificadamente recusem o abandono do trem maria-fumaça que nos levará pelas entranhas de Minas. Alguém iluminado, mineiro ou não, presenteou-nos com a apresentação que lhes envio como anexo do meu e-mail. Embora ele proponha a mesma viagem num belo e moderno ônibus vermelho, apetece-me fazê-la num trem, essa “coisa” que faz parte do modo de ser mineiro.

Curtam-na! Se não gostarem, das duas uma: Perderam a noção das coisas que justificam viver ou - o mais provável - encontraram um bom pretexto para estarem longe de mim. De qualquer forma, não me importo. Continuo amigo de todos...

Edson Pinto
Outubro’2011