29 de jan. de 2009

65) SEU EDSON E DONA EVA

 

Minha mulher, Jane, e eu somos assíduos freqüentadores de alguns restaurantes aqui na nossa vizinhança. Estamos na órbita de uma das maiores cidades do mundo, São Paulo, reconhecida por todos os brasileiros e até mesmo por estrangeiros, como uma cidade gastronômica por excelência. Os paulistanos – e aí nos incluímos - são apaixonados pela boa mesa, especialmente agora, em anos mais recentes, quando uma boa comida pode ser acompanhada de um bom vinho e por preço razoável.

Não raro, até mesmo aqui no nosso cantinho, temos que enfrentar filas (e disso entendemos muito bem), para conseguir uma mesa no restaurante de nossa preferência, principalmente se for numa noite de sexta ou sábado; tanto faz o céu emoldurando uma bela lua cheia; o vento leste nos trazendo uma brisa mansa; chuva em proporções amazônicas caindo sobre nossas cabeças, ou, ainda, pousando sobre nossos ombros a garoa que Alvarenga e Ranchinho imortalizaram na canção “Êh São Paulo, São Paulo da garoa, São Paulo terra boa”...

Existem teorias as mais estapafúrdias que sustentam que essa paixão do paulistano por restaurantes seja, talvez, um substituto à falta de praias no seu quintal ou de outras diversões ao ar-livre como as têm em abundância as cidades litorâneas. O que segue é que, esse freqüentar permanente aos templos da boa mesa, gerou uma maneira própria de ser do paulistano e acrescentou-lhe uma nova faceta em seu prisma cultural. Esse hábito, forçosamente, nos torna amigos quase fraternais de recepcionistas, de maîtres e de garçons que nos atendem prazerosamente. Deles, concluí há muito, dependem a nossa sensação quanto ao fato de aquela noite ter valido, ou não, a pena.

É exatamente sobre esse trivial aspecto que quero abordar nesta minha crônica: Qual freqüentador assíduo de restaurante, como nós, não tenha adquirido certa intimidade com esses profissionais, com o quais falamos não só sobre o conteúdo do cardápio, mas até mesmo sobre corriqueirices do dia-a-dia? __ E aí Aristeu, a casa está cheia hoje, que bom, não é? __ É muito bom seu Edson, o povo tá voltando da praia, as férias estão terminando e o faturamento aumenta. O patrão fica feliz e nós também. Vai dar até pra comprar a bicicleta do meu filho que faz aniversário no mês que vem. __ Parabéns para ele...

Esse é o tipo de conversa que nos coloca a quilômetros das preocupações da vida, dos aborrecimentos do trânsito, da insegurança reinante na cidade grande, das discussões no trabalho e de tantas outras picuinhas que nos vão lenta e progressivamente enrugando a face e sepultando a alegria de um sorriso espontâneo. __ Volte sempre seu Edson e Dona Jane. Foi um prazer tê-los aqui. E aquela noite continua serena porque Baco, o filho de Júpiter, apaixonara-se - para nosso melhor desfrute - pela cultura da vinha.

Tão gratificante quanto o jantar em si é a gentil acolhida que recebemos nas casas que freqüentamos com assiduidade: Freqüentamos há anos outro restaurante que além do bom cardápio, nos cobre com gentilezas difíceis de serem encontradas nos dias de hoje:

Os garçons apostam entre eles que o seu Edson e Dona Eva virão hoje, sexta-feira, e já nos reservam espontaneamente uma mesa, colocando sobre ela o vinho que gostamos. Mas, preste atenção, eu disse Dona Eva e minha mulher chama-se Jane. __ Bem-vindos seu Edson e Dona Eva, já reservamos a sua mesa, pois tínhamos certeza de que viriam. E dá-lhe gentilezas, não só do maître Francisco, mas de todos os garçons. Como temos o hábito de chegar mais cedo, a casa ainda não se encontra lotada o que lhes dá uma maior margem para as relações sociais. Seu Edson pra cá; Dona Eva pra lá e o tempo foi passando. Tentei alguns truques para ver se consertavam o equívoco, como o de falar o nome da Jane repetidas vezes quando os garçons acorriam a nossa mesa. Nada... Desta vez não vai falhar, pensamos: __ Francisco, quem vai pagar, hoje, a conta é a Jaannee, digo arrastando a pronúncia para que não fique nenhuma dúvida. Entrego-lhe o cartão, dizendo: __ Olha este é o cartão da Jaannee, tá bom, Francisco? __ Certo seu Edson, vou buscar a maquininha... __ Aqui, Dona Eva, pode digitar a sua senha!

__ Jane, hoje vou falar com o Francisco que seu nome não é Eva. __ Não faça isso, me diz ela, já me chamam assim há tanto tempo que tenho certeza, pela simplicidade deles, que ficarão envergonhados quando souberem que estão errados. Deixa pra lá... __ Até a próxima seu Edson e Dona Eva, muito obrigado pela visita.

Que maldita associação está na cabeça do Francisco? Questiono a mim mesmo: Se eu me chamasse Adão, faria algum sentido imaginar que minha mulher fosse a Eva. Será que precisarei dizer que me chamo Tarzan para que ele finalmente aceite minha mulher como Jane?

__ Vem cá Francisco, chamei-o num dia em que, com meu compadre Luiz Carlos, fomos almoçar no mesmo restaurante. __ Como se chama a sua esposa, Francisco? Marlene, seu Edson, por quê? __ O que aconteceria se o Amadeu, seu colega daqui do restaurante, por não ter entendido corretamente o nome dela começasse a dizer que você dorme com a Tereza? __ Aí eu tava frito, seu Edson. Os meus vizinhos "zoiudos" logo iam dar em cima da Marlene, porque iriam entender que eu tava deixando ela de lado. E o sr. sabe seu Edson, a Marlene não é de se jogar fora. Não quero nem pensar nisso, seu Edson. __ É isso aí Francisco! Sorrindo, passo o meu braço sobre o ombro de tão gentil figura e tomando todo o cuidado para que ele não ficasse constrangido, digo-lhe, ao mesmo tempo em que dou tapinhas fraternais em seu braço esquerdo: __ Então, de hoje em diante, Francisco, acho melhor você chamar a minha mulher pelo nome correto dela, que é Jane, e não Eva, você colabora comigo?

Agora, quando voltamos lá, observamos que os salamaleques aumentaram: Dona Jane, quer que eu traga a água, Dona Jane? Dona Jane, quer o cardápio, Dona Jane? Perdi o papel protagonista que tinha. Fico calado, pois até para saberem se eu gostei da comida perguntam na minha cara: __ Dona Jane, será que o seu Edson gostou do prato, Dona Jane?

Edson Pinto

1 de jan. de 2009

64) COMEÇAMOS 2009, E AGORA?

Juscelino Kubitschek de Oliveira, médico mineiro da cidade de Diamantina, abraçou a política com tal paixão, seriedade, simpatia, otimismo e bom humor até tornar-se o grande presidente a quem gerações de brasileiros prestarão por tempos imorredouros as merecidas loas. Carinhosamente, ganhou de Juca Chaves a alcunha de “Presidente Bossa Nova”, eternizada em famosa canção daquela época dourada. (canção disponível ao final deste texto)

O nosso presidente atual, Luiz Inácio Lula da Silva, como todos sabem, é um aberto admirador do grande Juscelino e não mede esforços para fazer-se parecido a ele. Quer, como o JK dos “50 em 5”, reproduzir - quem sabe – o seu próprio “80 em 8”. Isto é, 10 anos de progresso para cada ano de governo. E, se a maré lhe for favorável nos bastidores sórdidos de reformas em gestação no Congresso, agora em 2009, por que não encarar um Lula de “120 em 12”? Convenhamos, uma prodigalidade que já lhe desperta a mais modesta de suas frases populistas: “Nunca antes na história deste país...”

Tudo, nesse mundo em plena efervescência de crise global, é possível... O que não é possível é ignorarmos o fato concreto de que um país se faz com planos, boa política, honestidade e muito trabalho. Mas, uma dose de humor pode ser considerada como o chantilly que dá o acabamento atrativo para o bolo que nos reserva o ano novo. Fiquemos, portanto, alertas ao que irá acontecer pelo bem ou pelo mal ao nosso querido e eterno país do futuro.

Voltei de Minas após o Natal e lá, como sempre, encontrei coisas deliciosas que podem nos dar motivos para encarar os desafios, esses na forma de nuvens negras que o horizonte já começa a nos mostrar: Um feijão tropeiro com uma linguiça de porco (2009 já começa nos extirpando o trema desse inigualável acepipe); um frango ao molho pardo com tutu e couve mineira; uma pinga de entrada; no final um doce de leite com queijo para a enfrentarmos com ânimo o misterioso 2009 que teremos de atravessar.

E para prevenir nossas almas de eflúvios coléricos e malsãos, nada melhor do que um “causo” bem mineiro para demonstrar que a sabedoria popular não apenas pode explicar, ao seu modo é claro, os fenômenos sobrenaturais de seu imaginário como ainda encontrar uma maneira jocosa de preservar, ao Lula, lobisomem de noite de lua cheia, o nome do grande Juscelino Kubitschek.

Clique na seta ao pé da janela abaixo e ouça que delícia de “causo”. Assim, começamos o ano pelo menos desopilando nosso fígado com uma boa risada. Em seguida você poderá também se deliciar com a agridoce maledicência do grande Juca Chaves e estabelecer um paralelo entre os dois líderes históricos.

Que 2009 seja o suprassumo (agora temos que dobrar o “s” para suprimir o hífen) de nossas melhores conquistas. Fiquemos tranquilos (novamente o trema foi embora), pois penso que só com boas ideias (xi, o acento agudo também se evadiu) poderemos nos adaptar a esse mundo em constante reforma. Até a ortográfica...

"O CAUSO DO LAMBISOME"







Edson Pinto
janeiro'09