29 de ago. de 2014

274) CONTA DO ABREU

Há uma expressão popular que se encaixa à perfeição ao que eu gostaria de expor na crônica desta semana. Pode ser que os jovens, hoje informados maciçamente pela Internet e de vida tipicamente urbana com hábitos, cultura e ideias bem diversos dos nossos, não a conheça muito bem.  Mas posso garantir-lhes que sua contextualização é atemporal, pois é tão verdadeira hoje como o era em qualquer tempo pretérito. Desde que o mundo é mundo e desde que Cabral avistou terras nesta banda previamente definida em Tordesilhas, já era comum assumir responsabilidades confiando não em si mesmo, mas em outrem. Portanto, nem é necessário entender historicamente a origem da expressão para compreender o que ela quer dizer:

“Põe na conta do Abreu, se ele não pagar, nem eu”.

O pobre do “Abreu” (talvez assim escolhido apenas por rimar bem com o pronome eu) pode ser o futuro, o destino, o acaso, as circunstâncias ou mesmo os sonhos malandramente convertidos em promessas. Aquele que assume a façanha de comprar os votos dos bem-intencionados eleitores prometendo-lhes pagar mais adiante quando estiverem encastelados no poder, ou mesmo mantidos no trono que já lhes servem, certamente corresponde ao “eu”, esse esperto que já sabe de antemão que suas promessas são irreais. Entenda, então, e desta forma, a mesma expressão agora com a devida adaptação à realidade política brasileira:

“Dê-me o seu voto em troca da realização futura de tal ou qual promessa, mas ponha na conta do futuro incerto. Se ele, o futuro, não honrar com os compromissos que acabo de assumir, infelizmente, nem eu terei como honrar”.

Legal, não?

Pois é exatamente assim que as coisas acontecem no nosso ambiente político. Estamos em plena campanha eleitoral. Os compradores de votos estão mais excitados do que nunca. Infelizmente, grande parte da nossa população mais simples não dá conta da importância de seu voto e dos poderes que conferem a um presidente, por exemplo, e aos seus partidos coligados.

No nosso sistema político, a presidência da republica com a coligação partidária que precisa formar para ter apoio e sucesso no Congresso, pode – se bem sucedida nesse grande, penoso e execrável concerto - fazer tudo o que quiser: Tornar o País mais democrático, menos democrático, mais liberal, mais fechado; com imprensa livre ou controlada; economia centralizada, aberta ou mesmo levar à “bolivarização” de tudo o que entenderem compatível com os modelos cubano ou venezuelano, só para citar alguns.

Da morte trágica de um homem público com enorme potencial futuro emergiu a candidata Marina Silva, tal qual a baratinha da história infantil, com a sua caixinha cheia de votos amealhados nos momentos de irracionalidade e falta de alternativa da eleição anterior. O seu discurso é o da Terceira Via, este eufemismo para captar os dissidentes das forças que ela considera polarizadoras da Política Velha, como se as ideias que ela representa fossem nitidamente novas. Na verdade, o que ela procura ocultar é a sua incipiente experiência como administradora e a inconsistência ou mesmo ainda inexistência de um programa governamental minimamente esclarecedor de seus propósitos quando estiver à frente da Nação. Aqui, vejo, infelizmente, amadorismo e aventura. O País não pode mais se dar ao luxo de perder novos quatro anos.

O governo atual quer se manter a qualquer custo e para isso manipula de forma irresponsável os dados de que dispõe para tentar convencer a população de que fez e faz muito mais do que a realidade de um PIB que já sinaliza recessão, uma inflação ainda elevada e as contas públicas descontroladas estão a nos demonstrar. Os quarenta ministérios e a obesa máquina pública com a acomodação da militância obviamente não quer perder as benesses, ainda que isso continue sendo suportado por uma carga tributária cada vez mais elevada.  Neste quadro, vejo incapacidade de os mesmos gestores que erraram feio na condução de nossa economia agora mudem o comportamento e façam tudo diferente. Como justificar que estavam errados nos últimos anos?

O candidato da oposição direta ao governo atual pode até ter lá também suas restrições, mas é o que, pessoalmente, me parece o mais sério e o que mantém mais os pés no chão para o enfrentamento dos problemas que nos aguardam a partir de 1º de janeiro do ano que vem. Gosto da clareza de ideias e do dinamismo do candidato Aécio Neves. Também me deixa certo conforto saber dos nomes que fazem parte do seu provável futuro governo. Tem pontos fracos? Certamente que os tem, como todos os outros, mas inspira-me mais confiança quanto a pontos que considero fundamentais de um novo governo: novos rumos da economia; política externa mais responsável; projeto para enxugamento e racionalização da máquina pública e o seu desejo manifesto de conduzir uma reforma tributária que levem as empresas e os cidadãos a recuperarem o seu vital necessidade de respirar. Estamos sufocados com tanta burocracia e tanta voracidade tributária. Se ainda não estamos parados, já estamos quase...

Bem, penso que defini o meu voto e de coração aberto o expus. Respeito democraticamente as escolhas diferentes da minha, só esperando que sejam racionais e não emocionais, pois – embora não pareça – política é coisa séria que afeta muito as nossas vidas. Se eu não ficar com a maioria que elegerá o próximo presidente, paciência. Manterei, contudo, a consciência tranquila de que estou sendo coerente com a visão de mundo que tenho. O que devemos por fim considerar é que se o Abreu não honrar os compromissos do próximo eleito, quem irá com toda a certeza fazê-lo não será o candidato malandro, mas sim nós mesmos. Afinal, quem paga a conta é sempre o povo, o Abreu não existe. É como Papai-Noel...

Edson Pinto

Agosto’ 2014

21 de ago. de 2014

273) O CONTO DO VIGÁRIO

Contam que em século pretérito as paróquias do Pilar e da Conceição, ambas em Ouro Preto, MG, disputavam entre si o direito de terem definitivamente em seus respectivos altares certa imagem de Nossa Senhora muito adorada pelos fiéis da época.

Num gesto aparentemente conciliador, o vigário da paróquia do Pilar fez ao outro a proposta para que amarrassem a imagem da santa num burrico que naquele momento vagueava pelas vielas do povoado: Liberado em ponto equidistante às duas paróquias, deixariam que o angelical muar se dirigisse livremente para aquela que mais lhe apetecesse.  A paróquia, assim escolhida, tomaria a posse definitiva da santa. Dito, tratado e feito. O burrico quase que sem pestanejar marchou célere para a paróquia do Pilar.

Passado algum tempo soube-se que aquele burrico dócil pertencia já de há muito ao vigário da Paróquia do Pilar e era lá que tinha a sua morada e o capim de cada santo dia. Ao delegar a decisão ao “tertius burrico”, o esperto vigário omitiu tal fato. Já sabia, de antemão, que era para lá que ele se dirigiria, uma vez que, como muita gente que conhecemos hoje de sobeja, mesmo sem ter as orelhas longas do protagonista em questão, mas por mera parvoíce, visão bitolada, cabeça-dura e dependência alimentar, faria sempre a mesma coisa. Estava assim estabelecida a versão brasileira do conto do vigário. Há outra versão de origem portuguesa que se atribui a Fernando Pessoa pelo seu conto homônimo, mas que não vem ao caso citar aqui. Fiquemos com esta versão bem brasileira, bem mineirinha...

Como sabemos, já há tempos, toda vez que nos deparamos com uma “esperteza” lembramo-nos do vigário e mais especificamente do substantivo que ele, a contragosto, imagino, conseguiu incluir em nosso léxico: “vigarice”. Atenção, portanto, amigos: Quando alguém, de forma dissimulada, maneirosa e dócil lhes oferecer alguma operação vantajosa tenha sempre em mente que isso ou vem de sua adorável mãezinha ou vem do vigário da paróquia do Pilar...

O telefone toca:

__ Boa noite senhor, aqui é da Vivo. Gostaria de falar com o proprietário da linha.

__ Sim, é ele.

__ Senhor, esta ligação por motivo de segurança está sendo gravada (isto dá certa seriedade à conversa, não é?). A Vivo tem uma excelente oferta para o que o senhor “possa estar reduzindo” o valor da sua conta do telefone fixo (olha o gerúndio!).

__ Ótimo que esteja sendo gravada. Aprecio muito esta providência. Assim, quem sabe ela poderá me ser útil mais à frente. Farei o mesmo do lado de cá. Neste caso, se vocês a perderem eu poderei usar a minha...

__ Senhor, estamos vendo aqui no nosso cadastro que o senhor tem uma linha fixa e que o seu gasto tem sido ao redor de R$200,00 por mês. Gostaríamos de oferecer-lhe a possibilidade de migrar para um plano de 100 minutos que lhe custará apenas R$31,00/mês. É muita economia!

__ Ué (assim mesmo, bem mineiramente), vocês da Vivo não estão precisando de dinheiro? Por que abririam mão dos meus R$200,00 e se contentariam com apenas R$31,00? Será que entendi? Nem precisa explicar, já captei...

__ Senhor...

__ Espera aí! O que há por trás disso? Já sei. Provavelmente eu que uso muito mais do que 100 minutos (menos que duas horinhas por mês) deverei ser penalizado pesadamente com os minutos que excederem a isto, não é mesmo? Cada “papo” semanal com a minha mãezinha leva no mínimo duas horas. No mês já seriam oito horas. E os meus compadres e as comadres da minha mulher que ainda nem sabem da existência do WhatsApp? Nada feito!

__ Senhor, mas...

__ Além disso, "minha querida", eu não consigo entender a lógica capitalista dessa grande empresa. Enquanto todas as atividades econômicas buscam maximizar os seus lucros, esta, surpreendentemente, optaria por reduzi-lo? Façamos o seguinte: Como estou satisfeito com o que pago e com a utilização que dou ao meu telefone deixarei tudo como está. Agradeço a sua gentileza. Boa noite!

Telefone desligado vem a reflexão:

É incrível como as empresas que prestam serviços através dos chamados “Call Centers” são ineficientes para nos atenderem quando precisamos de alguma informação, reclamação ou quaisquer outros tipos de serviços pós-venda, mas se mostram tão rápidas e “generosas” na hora que querem nos envolver em manobras que nos levem a gastar mais com elas.

Alguém já imaginou a concessionária da rodovia, espontaneamente, reduzir o valor do pedágio? Algum hospital baixar, sem que se peça, o preço de uma internação? O supermercado onde você compra regularmente lhe mandar um cheque correspondente a um desconto que julgarem que você fez por merecer?
 
Será que estamos às vésperas de uma grande mudança conceitual do capitalismo? Errou de novo Marx ao prognosticar que o capitalismo clássico por não lograr superar suas contradições internas levaria inevitavelmente ao comunismo? Claro, ele não contava com a hipótese de que – pelo menos aqui no Brasil – já estarmos promovendo a transição do capitalismo clássico, selvagem, para um capitalismo generoso, este mesmo que leva empresas a procurarem insistentemente seus clientes para lhes oferecer faturas menores mesmo que com isso lucrem menos.

Edson Pinto

Agosto’2014

14 de ago. de 2014

272) CONHEÇA A SI MESMO


Organizando os meus livros antigos, encontrei um que me chamou a atenção não apenas pelo seu sugestivo título, “Deficiências e Propensões do Ser Humano”, mas pela imediata lembrança que me fez suscitar. O livro é de autoria do pensador argentino Carlos Bernardo González Pecotche (1901 – 1963), fundador da doutrina ético-filosófica mundialmente conhecida como “Logosofia”. Importante e atemporal como são todas as coisas que formam o alicerce de trajetória humana, revisitá-lo teve para mim o sabor agridoce das lições que nunca perecem. Comprei o livro na Fundação Logosófica que no meu tempo de Belo Horizonte ficava lá na Rua Piauí, no Bairro dos Funcionários. Sei que a Fundação ainda está lá e em mais um par de outros endereços demonstrando que a doutrina de Pecotche - com razão – mantém-se de forma sólida.

Curiosamente encontrei dentro de livro, já amarelado, o recibo de sua compra. Paguei exatos NCR$ 15,00 (quinze cruzeiros novos) em 26/3/1972, portanto há 42 anos. Movido pela sede de desvendar mistérios, busquei converter o valor original da compra, em Cruzeiros Novos, agora para Reais que é o nosso padrão monetário em vigor. A cifra correspondente apurada foi abaixo de zero. Isto demonstra o quanto a nossa moeda perdeu valor em quatro décadas. A moeda virou pó, todos nós já sabemos disto, mas, felizmente, o conteúdo do livro nunca perdeu um centavo de sua enorme importância. Arrisco-me até a dizer que nos dias que correm, com tantos desacertos individuais e políticos, deve até estar sobrevalorizado...

Andei frequentando a Fundação Logosófica por cerca de um ano até que me transferi para São Paulo e nunca mais tive oportunidade de retomar o estudo que ministravam. Com 20 e poucos anos de idade é de se admitir que, na época, a cabeça também não se mostrava muito interessada no entendimento de si mesma, principio básico e razão de ser da Logosofia. A doutrina estruturada por Pecotche deu corpo ao que pensadores gregos como Sócrates e Platão conjecturaram sobre a necessidade do autoconhecimento no papel de pré-requisito a evolução humana consciente. A ideia é a de que é necessário se autoconhecer para assim poder diagnosticar as deficiências e as propensões negativas que delineiam o nosso comportamento. Só a partir daí, metódica e insistentemente, iniciar e manter a prática de suas antideficiências.
   
Sempre achei muito difícil uma pessoa mudar a sua essência. A Psicologia, as religiões, a Filosofia e genericamente a Educação não cansam de buscar meios para que tal transformação ocorra. Atrevo-me, contudo, a dizer que se trata de uma empreitada muitíssimo árdua, embora não totalmente impossível. De qualquer modo, entendo que só há um meio de se operar uma mudança no comportamento e na maneira de ser das pessoas dominadas por características ruins e prejudiciais à suas respectivas vidas sociais. Este meio é o do autoconhecimento, sem dúvida...

O mérito da doutrina logosófica é - a principio - a identificação de 44 deficiências e de 22 propensões nefastas que, se dominadas adequadamente, levariam as pessoas a desfrutarem de um patamar qualitativo mais elevado em suas próprias existências. Enquanto as deficiências dominam efetivamente o psicológico da pessoa, as propensões são mais brandas, porém mesmo assim tendentes a interferir nas decisões e no modo de ser e de reagir das pessoas por elas afetadas. Para cada uma das 44 deficiências o método logosófico propõe a prática de uma atitude oposta benéfica e restauradora.

Alguns exemplos:

À deficiência da Aspereza contrapõe-se a Afabilidade; à Credulidade, o Saber; ao Egoísmo, o Desprendimento; à Impaciência, a Paciência Inteligente; à Indiferença, o Interesse; à Intolerância, a Tolerância; ao Rancor, a Bondade; à Soberba, a Humildade; à Vaidade, a Modéstia e à Veemência, a Serenidade. Citei apenas 10 deficiências para não me alongar, mas são 44 ao todo.

Das 22 propensões, para as quais não há a explícita nomeação de antipropensões, poderia também citar 10, tais como: a propensão a Adular, que significa bajular, lisonjear de forma servil; à Dissimulação ou fingimento; à Discussão, por quaisquer e tolos motivos; ao Desespero, também por quaisquer razões, mesmo as mais simples; à Desatenção; ao Pessimismo; à Licenciosidade; à Frivolidade, que é o interesse por coisas fúteis, comportamento leviano e volúvel; a Prometer, mesmo sabendo da impossibilidade de cumprimento; ao Abandono e ao Exagero, quando a pessoa dá asas a sua imaginação muito além do que recomendaria a sua própria inteligência e à dos outros.

Se o amigo acha que dessas deficiências e propensões nenhuma lhes cabe, tudo bem. Se sim, ou mesmo se pode ser de alguma utilidade para proveito de seus orientados, então sugiro a leitura do mencionado livro. O título e o autor são aqueles aos quais já fiz menção ao longo do texto. A publicação é da Editora Logosófica. Dentro do possível, voltarei ao tema para analisar pontualmente algumas dessas deficiências e propensões. Não me esquivarei, por certo, nem mesmo daquelas a que me considero também acometido.

Edson Pinto
Agosto’2014