Terminada a eletrizante novela “Avenida
Brasil” de João Emanuel Carneiro, a Globo pôs no ar o estilo inconfundível de
Glória Perez com seu voto preferencial, desde “Caminho das Índias”, por
ambientes exóticos. Agora, temos a Turquia com a sua bela Istambul e a estonteante
Capadócia de rochas balsáticas fragmentadas que nos presenteia com cavernas
românticas e chaminés de fadas num cenário único e belo. Quem, portanto, não
gostaria de estar na Capadócia?
A trama de fundo da novela é muito boa, pois a autora se escora em casos reais que não raro passam desapercebidos de todos nós. A abordagem dos temas tráfico de mulheres para fins de prostituição e tráfico de bebês para adoção serve de alerta não só aos cidadãos comuns que nem imaginam a existência de tais crimes, como, e muito mais especificamente, às autoridades responsáveis por assuntos tão escabrosos. Aos moldes de outras novelas que já assistimos na TV o trato que se dá a temas dessa natureza dão, de fato, um sentido prático à obra de arte fazendo-a extrapolar do meramente estético e recreativo.
Mas, convenhamos, novela é novela, realidade é realidade...
Questionada, até com certa frequência, sobre os lances inverossímeis e de difícil aceitação da sua trama, Glória Perez tem se defendido com o argumento irrefutável de que é necessário dar asas à imaginação. É verdade! Concordo! O ficcionista tem em sua essência o gene da criatividade. Imagina coisas quase impossíveis de se reproduzirem no mundo real, sempre com o intuito de dar graça, leveza, surpresa, terror ou emoção na mensagem que quer passar.
Acaso, alguém imagina ser crível uma situação como a da personagem Morena, que mesmo sabendo de tudo, omite da própria mãe, Lucimar, o conhecimento que tem das maldades de Wanda e de Russo, só porque um carro preto passa eventualmente em frente a sua casa, mas prefere abrir-se com a, para ela desconhecida, Lívia Marini, só porque a acha importante?
E a idiotice, no seu grau mais elevado, da personagem Rachel naquela cena em que se apresenta de forma desafiadora, na garagem do hotel, frente à Lívia Marini e Wanda, duas assassinas confessas, para informar que, em tendo ouvido seus planos para matar a delegada Helô, iria denunciá-las à polícia? Francamente! Mesmo sendo ficção, a autora poderia encontrar um modo mais verossímil para eliminar mais essa intrusa do caminho das bandidaças e não criar aquela cena bizarra do elevador, sem câmera, sem gente por perto, mesmo na efervescência de um grande evento no hotel e permitir, sem reação da vitima, aquela seringada de araque. Tenha paciência!
Outra afronta à inteligência do telespectador é a facilidade de trânsito entre Rio de Janeiro, Istambul e a Capadócia. Vão e volta algumas vezes dentro do mesmo capitulo como se os quase 11 mil quilômetros que nos superam não passassem de um trechinho entre o viaduto do Chá e o da Santa Ifigênia. Algumas cenas sugeriram ser muito fácil sair do Brasil mesmo sem passaporte e sendo procurado pela Polícia: basta contratar um jatinho e ganhar os céus da liberdade. Não é tão difícil entrar ou sair do País, sabemos, mas seria mais palatável se Wanda, clandestinamente, fosse até um dos países vizinho e de lá zarpasse para onde quisesse, incluindo a Capadócia. Se o que a novela sugere for verdade, não sei por que os condenados do mensalão estão tão preocupados com os seus futuros...
Bem, se Glória Perez, no pleno exercício da liberdade artística, pode a cada capítulo de sua novela “viajar na maionese”, como se diz popularmente, eu também me sinto livre para fazer a minha própria incursão nessa brincadeira e por isso arrisco uma paródia sobre a primeira estrofe do famoso poema de Manuel Bandeira:
Vou-me embora pra Capadócia
Lá sou amigo de Mustafá
Lá posso falar em português
Com todos os nativos de lá
Vou-me embora pra Capadócia...
Edson Pinto
Março’2013