31 de mar. de 2013

231) VOU-ME EMBORA PRA CAPADÓCIA


Terminada a eletrizante novela “Avenida Brasil” de João Emanuel Carneiro, a Globo pôs no ar o estilo inconfundível de Glória Perez com seu voto preferencial, desde “Caminho das Índias”, por ambientes exóticos. Agora, temos a Turquia com a sua bela Istambul e a estonteante Capadócia de rochas balsáticas fragmentadas que nos presenteia com cavernas românticas e chaminés de fadas num cenário único e belo. Quem, portanto, não gostaria de estar na Capadócia?

A trama de fundo da novela é muito boa, pois a autora se escora em casos reais que não raro passam desapercebidos de todos nós. A abordagem dos temas tráfico de mulheres para fins de prostituição e tráfico de bebês para adoção serve de alerta não só aos cidadãos comuns que nem imaginam a existência de tais crimes, como, e muito mais especificamente, às autoridades responsáveis por assuntos tão escabrosos. Aos moldes de outras novelas que já assistimos na TV o trato que se dá a temas dessa natureza dão, de fato, um sentido prático à obra de arte fazendo-a extrapolar do meramente estético e recreativo.

Mas, convenhamos, novela é novela, realidade é realidade...

Questionada, até com certa frequência, sobre os lances inverossímeis e de difícil aceitação da sua trama, Glória Perez tem se defendido com o argumento irrefutável de que é necessário dar asas à imaginação. É verdade! Concordo! O ficcionista tem em sua essência o gene da criatividade. Imagina coisas quase impossíveis de se reproduzirem no mundo real, sempre com o intuito de dar graça, leveza, surpresa, terror ou emoção na mensagem que quer passar.

Acaso, alguém imagina ser crível uma situação como a da personagem Morena, que mesmo sabendo de tudo, omite da própria mãe, Lucimar, o conhecimento que tem das maldades de Wanda e de Russo, só porque um carro preto passa eventualmente em frente a sua casa, mas prefere abrir-se com a, para ela desconhecida, Lívia Marini, só porque a acha importante?

E a idiotice, no seu grau mais elevado, da personagem Rachel naquela cena em que se apresenta de forma desafiadora, na garagem do hotel, frente à Lívia Marini e Wanda, duas assassinas confessas, para informar que, em tendo ouvido seus planos para matar a delegada Helô, iria denunciá-las à polícia? Francamente!  Mesmo sendo ficção, a autora poderia encontrar um modo mais verossímil para eliminar mais essa intrusa do caminho das bandidaças e não criar aquela cena bizarra do elevador, sem câmera, sem gente por perto, mesmo na efervescência de um grande evento no hotel e permitir, sem reação da vitima, aquela seringada de araque. Tenha paciência!

Outra afronta à inteligência do telespectador é a facilidade de trânsito entre Rio de Janeiro, Istambul e a Capadócia. Vão e volta algumas vezes dentro do mesmo capitulo como se os quase 11 mil quilômetros que nos superam não passassem de um trechinho entre o viaduto do Chá e o da Santa Ifigênia. Algumas cenas sugeriram ser muito fácil sair do Brasil mesmo sem passaporte e sendo procurado pela Polícia: basta contratar um jatinho e ganhar os céus da liberdade. Não é tão difícil entrar ou sair do País, sabemos, mas seria mais palatável se Wanda, clandestinamente, fosse até um dos países vizinho e de lá zarpasse para onde quisesse, incluindo a Capadócia. Se o que a novela sugere for verdade, não sei por que os condenados do mensalão estão tão preocupados com os seus futuros...

Bem, se Glória Perez, no pleno exercício da liberdade artística, pode a cada capítulo de sua novela “viajar na maionese”, como se diz popularmente, eu também me sinto livre para fazer a minha própria incursão nessa brincadeira e por isso arrisco uma paródia sobre a primeira estrofe do famoso poema de Manuel Bandeira:

Vou-me embora pra Capadócia
Lá sou amigo de Mustafá
Lá posso falar em português
Com todos os nativos de lá
Vou-me embora pra Capadócia...

Edson Pinto
Março’2013 

23 de mar. de 2013

230) HUMILDADE APLICADA



Sabe aqueles momentos raros em que a partir de uma observação despretensiosa nos surge repentinamente a solução de um enigma que há muito nos atormentava?

A Igreja considera isso como sendo uma manifestação divina, espontânea e a denomina de “epifania”. As ciências também se ocupam desse mesmo fenômeno em que descobertas importantes são frutos do acaso e não de uma busca metodológica da solução e chamam-na de “serendipitia”, anglicismo cuja origem está no conto infantil de Horace Walpole, de 1754, “Os três príncipes de Serendipe”. No famoso conto, os três príncipes viviam a fazer descobertas inesperadas para problemas que sequer os atormentavam naqueles específicos instantes da descoberta. A propósito, Serendipe era o nome do antigo Ceilão, hoje Sri Lanka.

No campo ainda das ciências sociais, o fenômeno da serendipitia é estimulado como forma de criatividade. Uma pessoa criativa, creiam, está sempre extraindo das observações que faz de tudo e de todos ideias sobre como resolver problemas de que nem mesmo se ocupam. Existe uma expressão popular que se encaixa à perfeição nesse tema da serendipitia, ou da epifania, ou mesmo da criatividade. Quando se diz, “a ficha caiu”, isto quer dizer que uma percepção clara sobre alguma situação nebulosa se fez presente, trazendo-nos, como consequência, um esclarecimento ou uma solução para um determinado problema até então insolúvel.

E a minha ficha caiu exatamente no momento em que lia toda essa montanha de notícias e análises que nos chegam sobre o novo papa Francisco. Todo o mundo está admirado com a simplicidade austera que lhe suporta o nome. Pode ter vindo tanto de Francisco Xavier, co-fundador da Companhia de Jesus, no século XVI, como de Francisco de Assis, fundador da Ordem Mendicante dos Frades Menores, no século XIII. A expressão “simplicidade franciscana” vem exatamente da associação que se faz a esses dois santos nomes.

O novo papa recusou o uso do automóvel oficial e preferiu seguir de ônibus com todos os outros cardeais para se deslocar durante um evento no Vaticano. Foi até o hotel onde se hospedara ainda como cardeal e sozinho, humilde e humanamente, fechou a conta mesmo já tendo todo o aparato de sumo pontífice à sua disposição. Dizem que prepara ele mesmo suas próprias refeições e trata a todos, ricos ou pobres, chefes ou subalternos, de forma igual.

Há quase dez anos, meu seleto círculo de amigos se vê confrontado com um episódio enigmático que se passou na vida do querido Ataíde. Explico: Era seu aniversário e a esposa Vânia preparou-lhe um agradável encontro de amigos em sua casa com direito a um animado “parabéns a você”, sopro de dezenas de velinhas e o tradicional corte, pelo aniversariante, do bolo. A festa era só alegria...

O enigma surge quando Ataíde, ao cortar o primeiro pedaço do bolo e contrariando a tradição de ofertá-lo à esposa, obviamente, por méritos dela e acima de tudo pelo imenso amor que sabemos, há décadas, lhes unem de forma sólida, displicentemente entrega-o à sua empregada que naquele infeliz momento aparecera para adicionar alguns talheres na mesa.

Nem é preciso dizer que a perplexidade tomou conta de todos, não apenas naquele exato momento de absoluta discplicência e descontração do Ataíde, mas sempre e a cada encontro da turma nos dez anos posteriores. Certas passagens da vida, feliz ou infelizmente, dependendo de sua natureza, são como aquela mensagem da propaganda de que o primeiro sutiã nunca se esquece. Esta, com toda a certeza, o Ataíde não verá esquecida jamais.

O grande desafio que pairava ainda na cabeça de todos os seus amigos era conseguir entender porque aquilo acontecera e daquela forma. Afortunadamente, para ele, a Vânia, ao contrário de se aborrecer, não só faz disso uma pilhéria gostosa como aproveita o caso para sempre nos divertir quando os encontros começam a ficar um tanto mornos. É só lembrar do assunto e lá vem a patuscada de novo à tona. Ataíde já nem mais se avermelha com o recall da sua gafe histórica, pelo contrário, sabe como ninguém acrescentar-lhe alguns elementos novos que tornam o caso cada vez mais delicioso.

A solução definitiva do enigma, contudo, ninguém lograra ainda encontrar, mesmo porque, nunca se soube, ou ninguém nunca especulou, mesmo que de forma shakespeariana, se por detrás do gesto do bom mineiro Ataíde haveria mais coisas do que pudessem supor nossas vãs filosofias . Por outro lado, a manutenção da dúvida, de forma assim perene, até que enriquece o folclore de nossas amizades.

Mas, meus amigos, infelizmente, e da forma a que me refiro no início deste texto, lamento ter de lhes revelar que acabo de desvendar o enigma. Sei que, de agora em diante, ele perderá a graça e talvez ganhe apenas escassos recalls em nossos encontros. Corre até mesmo o risco de ser definitivamente esquecido:

Acabo de descobrir que Ataide é dotado da mesma simplicidade franciscana do novo papa e dos Franciscos que o antecederam. Se o papa faz a sua própria comida, anda de ônibus, paga ele mesmo a conta do hotel e beija os pobres, Ataíde, com o seu gesto magnânimo de priorizar a empregada na entrega do bolo de seu aniversário, demonstrou-se igualmente dotado da mesma franciscanidade das nobres figuras.

Assim, tirem por favor de suas cabeças maldosas todas as conjeturas lascivas que puderam conceber nestes últimos dez anos em que tripudiaram sobre o generoso Ataíde, pois saibam que ele, para orgulho de todos os seus amigos, é o mais puro dos franciscanos.

Edson Pinto
Março’ 2013   

17 de mar. de 2013

229) DE QUEM É O PAPA?

Quem tudo quer deve se acostumar a - de vez em quando - se sentir frustrado, pois, neste mundo de Deus, nem todas as coisas que almejamos são possíveis de se alcançar. Nós brasileiros, infelizmente, continuamos a fazer “beicinho” a cada momento em que nos negam aquilo que julgamos merecedores. Frustrada a expectativa, para muitos de nós, o que fica é sabor amargo muito parecido àquele proveniente da derrota do nosso time de futebol em partida decisiva.

Nesse recente episódio da escolha do novo papa, alimentávamos a ilusão de que ele poderia ser brasileiro, assim como acalentamos há tempos, e também sem sucesso, o sonho de ganharmos uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU, um prêmio Nobel de qualquer coisa e um Oscar de melhor filme estrangeiro.

Somos um povo otimista, o que é bom. Mas somos também um povo pouco realista, pois ao formularmos sonhos nos esquecemos de todas as deficiências de base que ainda nos impedem de sermos melhores: sistema educacional precário; pobreza elevada; corrupção endêmica, estado perdulário, políticos e políticas perversos e, como diz Macunaíma, de Mário de Andrade: “pouca saúde, muita saúva, os males do Brasil são”...

E não me venham dizer que já temos cinco Copas do Mundo e o carnaval com os mais cobiçados bumbuns, pois eu direi que talvez o nosso problema seja exatamente esse...

O cardeal jesuíta, argentino, Jorge Mario Bergoglio, em muito pouco tempo de exposição desde que se tornou papa, já nos surpreendeu pela sua humildade, sabedoria e simpatia. É tudo o que gostaríamos de ver em qualquer líder no comando de qualquer atividade humana. À frente da Igreja Católica, pela sua importância e nobres propósitos, a escolha de um homem com tamanhas virtudes chega-nos a ser uma benção. O papa não é um jogador de futebol que joga em tal ou qual time ou em tal ou qual seleção. É, sim, um pastor de todas e quaisquer almas deste mundo, tenha ele a nacionalidade que tiver.

É claro que se o conclave tivesse escolhido um brasileiro, o PT saberia como “nunca antes na história deste País” tirar vantagem política do fato. Seria capaz de atribuir tamanha glória aos avanços sociais dos dez anos de governo petista. Disso, felizmente, estamos livres...

Contudo, para a manutenção do orgulho nacional, há, ainda, uma esperança: basta encontrarmos alguma ligação do papa Francisco com o Brasil para passarmos a dizer de forma repetitiva que ele é nosso. O povão, certamente, acreditará... Não resisto a dar aqui algumas dicas: vejam se ele alguma vez já passou férias em Camboriú; se já assistiu algum jogo do flamengo ou coisinhas do gênero. Tudo isso servirá para a sustentação a tese de que o papa é brasileiro.

Por fim, maledicências de lado, pé no chão e coração aberto: Que o papa Francisco seja feliz na sua missão de contribuir para a melhoria do mundo, quer sejamos católicos ou evangélicos, argentinos, italianos, alemães ou brasileiros, torcedores do São Lourenço de Almagro, do Corinthians, do Flamengo ou do Atlético Mineiro. Não importa! O que importa é a mensagem de paz e de amor tão necessárias para o bem da humanidade que - ao que tudo nos deixa crer - o papa Francisco tem toda a capacidade de passar ao mundo.

Edson Pinto
Março’2013

12 de mar. de 2013

228) PRA TUDO TEM SOLUÇÃO...

Sempre me aborreço com aquele tipo de gente pessimista que vê empecilhos em tudo. Não consegue contornar um obstáculo nem encontrar uma alternativa para qualquer sorte de problema que surge.

___ Ah! Não vai dar; não posso; não quero...

___ Epa! Nem adianta tentar; não tenho tempo; não tenho paciência...

___ Ih! Isso deixará as coisas piores do que já estão...

E o incrível é que apenas um pessimista por perto já é suficiente para anular os eflúvios benéficos de uma dúzia ou mais de otimistas. O mais grave dessa história é que um pessimista não é – ao contrário de um realista – negativo somente em situações específicas. Não! Ele apresenta um padrão contínuo de ver apenas e sempre o lado ruim de todas as coisas.

Para Oscar Wilde o pessimista é aquela pessoa que mesmo podendo escolher entre dois males, opta sempre por ambos. Para o nosso saudoso Millôr Fernandes, sarcasticamente dizia ele, é preferível ser pessimista a ser otimista, pois o pessimista fica feliz tanto quando acerta quanto quando erra. Finalmente, para Winston Churchill o pessimista vê dificuldade em cada oportunidade; o otimista vê oportunidade em cada dificuldade.

Há sim, otimistas exacerbados que vivem em um mundo utópico, idealizado e inalcançável. Esse oposto não deixa de ser igualmente maléfico e deve ser evitado. Nunca nos esqueçamos, portanto, da velha expressão latina que nos ensina que a virtude deve estar no meio (in médio virtus), mas não esqueçamos também que os muito espertos, tanto para o bem como para o mal, podem se valer de otimismos extremos.

Dado um problema real, a princípio insolúvel, vejamos a habilidade que muitos poderiam ter para encontrar-lhe uma saída criativa. No exemplo, fica evidente a prova de que a vida imita a arte e não o contrário, pois, quando a realidade não dá respostas coerentes, dá-se à imaginação asas poderosas:

O Problema:

José Dirceu, condenado pelo mensalão e com passaporte retido no STF, pediu autorização para ir ao velório de Hugo Chávez. Como se depreende, eles eram muito “amigos”. Quem sabe, clandestinamente, até mesmo parentes próximos, primos, irmãos? Para quem adora uma clandestinidade tudo é possível. Além desses possíveis laços de consangüinidade entre José Dirceu e Hugo Chávez, a cúpula do petismo estava indo em peso para Caracas. Ahmadinejad, Cristina Kirchner, Rafael Correa, Raúl Castro e Evo Morales já estavam lá. Muammar Kadhafi, não. Este ficou no comitê de recepção do outro lado. Por que então não ir também José Dirceu? Ocorre, contudo, que Joaquim Barbosa sacramentou um peremptório NÂO.

A solução:

Para contornar esse rotundo e doído “não”, os otimistas e criativos do PT entrariam em contato com Lívia Marin para, tal qual fizera com Russo e Wanda, providenciar, de maneira marota, um jatinho confortável. Sem nenhum controle pelos responsáveis pelo espaço aéreo nacional e pelas imensas fronteiras deste país continente voaria lépido à Caracas ou a qualquer outro lugar que quisesse. Poderia, ainda, no mesmo voo, levar José Genoíno, João Paulo Cunha, Valdemar Costa Neto e Pedro Henry.

Viram meus amigos, como para tudo há sempre solução?

Salve Jorge!

Edson Pinto
Março’2013

2 de mar. de 2013

227) A RENÚNCIA DO PAPA

Nos dias que correm, o mundo, especialmente o católico, foi surpreendido com a renúncia do Papa Bento XVI. A surpresa se deve exatamente ao inusitado do fato, vez que, o último a fazê-lo tinha sido o Papa Gregório XII, em 1415; quase 600 anos passados.

Na época, início do século XV, o Novo Mundo, incluindo o Brasil, sequer havia sido descoberto; faltava quase um século para isso. A Reforma Protestante de Martinho Lutero com suas famosas 95 teses só ocorreria 102 anos mais tarde. O Rei Henrique VIII, da Inglaterra, que ao se separar de Catarina de Aragão para se casar com Ana Bolena e com isso deflagrar um grande mal-estar com o Papa Clemente VII, nem tinha nascido, assim como os demais personagens dessa página histórica. Esse imbróglio se deu 1533, portanto, 118 anos mais tarde.

Com tantos fatos importantes na vida da humanidade e especialmente na vida da Santa Sé, arrisco-me a dizer que nem mesmo para os eclesiásticos, a quem se pressupõe, nesta matéria, conhecimentos superiores aos nossos, os laicos, não havia motivos e exemplos vivificantes em suas mentes que lhes pudessem levar a aceitar - sem sobressalto - a renúncia do Papa.

Bem, inúmeras e fundadas análises sobre o episódio têm sido feitas e amplamente divulgadas mundo afora. E - à medida que nos aproximamos do conclave que escolherá o novo ocupante do trono de Pedro -, ainda ouviremos muito mais... Não tenho, portanto, nenhuma intenção, nem mesmo ciência, para produzir uma crônica que acrescentasse substância ao muito que já nos tem sido dito. O que me motiva a abordar o tema é a oportunidade de aproveitá-lo como exemplo a vários outros atos de nossa vida secular:

Se você, meu amigo, faz parte da corrente dos que esposam a tese da intrínseca humanidade da figura do Sumo Pontífice, ao contrário de outros que lhe atribuem características divinas, então estamos do mesmo lado. Por isso, afinados com as mesmas conjeturas... Em primeiro lugar, o Papa é um ser humano como qualquer um de nós. Nunca ouve outro que, por atributos divinos, tivesse sido dotado de condições especiais como, por exemplo, saúde inabalável, juventude permanente, onisciência e vida eterna.

Não! Todos os 265 papas que antecederam a Bento XVI ficaram doentes em algum momento de suas vidas, sentiram dores, sofreram pressões, se decepcionaram, envelheceram e até já morreram. É assim a vida, e assim sempre será. O próprio Papa Bento XVI, no Consistório de 11 de fevereiro último quando anunciou a sua renúncia, pleno em sua humildade e humanidade, disse: “cheguei à certeza de que, pela idade avançada, já não tenho forças para exercer adequadamente o ministério petrino...”

Que bela lição de vida essa! Deveria ser estudada, aprendida e praticada por muitos líderes de carne e osso que andam por aí. Quão dificil tem sido para muitos detentores do poder entenderem que a condição de líder requer, além do desejo e da aclamação dos liderados, muito desprendimento, altruismo, abnegação, amor à causa comum superior à causa pessoal, humildade, decoro, honestidade e ética? Aferram-se ao poder e dele não se admitem nunca libertos. Mais do que isso: entendem-no como parte inerente às suas próprias existências. Ao contrário de Bento XVI, e numa irônica inversão de valores, até imaginam-se detentores de condições divinas.

Eles estão em todas as atividades humanas. Tanto faz serem líderes políticos em seus vários matizes (de democratas a absolutistas), gestores de coisas comuns, chefes de relações familiares, ou o que for. Façamos as nossas próprias listas e encontraremos inúmeros nomes de pseudos estadistas, políticos oportunistas, maus presidentes, chefes, líderes disso e daquilo que são amantes incondicionais do poder. Não largam o osso. E se ainda não os tem, não se avexam em ter-lhe a posse. Preferem a morte à perda do cargo.

Por que será? Entendem-se ungidos celestialmente para a vitalicidade dos cargos de liderança que ocupam? Imaginam-se melhores e mais preparados que os outros? Não admitem para si nenhum papel que não seja o do topo da pirâmide ainda que felicidade verdadeira possa estar na sua base? Ou é porque acreditam que os cargos que ocupam lhes viabilizam conquistas pessoais imensas, mesmo que não seja de forma honesta?

Respostas a essas e outras perguntas da mesma natureza são sempre bem-vindas. Se vieram, creiam, serão para o bem da humanidade... Mas como essa hipótese é implausível, o melhor a fazer é continuarmos a dar valor aos homens que, depois de examinarem repetidamente as suas consciências, como nos falou Bento XVI, tenham a dignidade de praticar o nobre ato da renúncia. Pois, se Deus quisesse, para além Dele próprio, algo infinitamente duradouro, ter-nos-ia, primeiro, feitos eternos. Se não nos fez eternos, por que o seriam nossos comezinhos momentos de grandeza propiciados pela liderança?

Edson Pinto
Março’ 2013