26 de mar. de 2009

72) IN MEDIO VIRTUS


Adeílson, vindo de um rincão qualquer do país chegou à cidade litorânea com o firme propósito de vencer na vida. Homem de poucos estudos, no entanto esforçado e atento observador das oportunidades que surgiam ao seu redor, decide que ficaria rico vendendo cerveja na praia.

Com os poucos recursos que tinha, comprou a sua primeira caixa de cerveja e no primeiro final de semana de seu plano vendeu todas com bom lucro. No final de semana seguinte comprou 2 caixas e também obteve o mesmo êxito. Semanas sucessivas até que Adeílson já estava vendendo 50 caixas de cerveja por final de semana e as reservas financeiras aumentando. Já morava “melhorzinho” e o filho freqüentava a escola, sonho que Adeílson não pôde dar a si mesmo, mas, orgulhosamente, transferira para aquele que era sangue de seu sangue.

Numa determinada semana Adeilsinho diz: __ Pai, estudei a previsão do tempo e vi que nos próximos finais de semanas choverá muito e em conseqüência a praia ficará vazia. Adeílson que tinha absoluto respeito pelo progresso escolar do filho aceita a sua orientação e encomenda somente 2 caixas de cervejas para aquele final de semana. Dito e feito. Choveu torrencialmente e as vendas foram um fracasso. Adeílson volta com 1 caixa cheia para a casa. O filho tinha razão, e o pior, o mesmo aconteceria nas próximas semanas.

O distribuidor local da cerveja, um homem com longa passagem pelos bancos escolares e com a cabeça cheia de teorias mercadologias e empresariais, afoitamente conclui que a crise econômica mundial tinha chegado forte ao seu negócio, pois os vendedores de cerveja na praia estavam reduzindo drasticamente as compras. Cancela todos os seus pedidos já colocados com o fabricante e projeta trabalhar com um estoque bem menor dali pra frente. Além disso, demite vários empregados, corta o cafezinho, suspende as horas-extras e vende alguns caminhões entre outras medidas que o seu PAC (Plano de Acompanhamento da Crise) lhe impôs.

__ Agora pai, diz Adeilsinho, as previsões do tempo indicam seguidos finais de semana com muito calor. As praias ficarão lotadas. Adeílson vê a grande oportunidade para retomar o próspero negócio e vai ao distribuidor para comprar logo umas 200 caixas de cervejas. Outros vendedores também vislumbram as boas perspectivas e acorrem com o mesmo objetivo. Conclusão: O distribuidor não tinha estoque para atendê-los. Ficaram, todos, sem o necessário suprimento para as vendas, e assim a cadeia comercial da cerveja, naquela localidade, perdeu o momento de fazer um bom dinheiro. Isso tudo, sem contar, que os turistas passaram a considerar não mais voltar àquela praia em que nem a sagrada loirinha gelada conseguiam comprar.

História simplesinha, mas que contém uma profunda lição sobre como funciona a economia e em conseqüência o que torna uma nação mais ou menos próspera e, portanto, mais ou menos feliz. Converta essa história do Adeílson para todos e quaisquer outros setores da economia e verá que tudo gira em torno da expectativa mantida sobre como será o futuro e das decisões que se tomam tendo em vista como melhor enfrentá-lo.

A Indústria automobilística brasileira que vinha de sucessivos recordes de crescimento se assusta com o tamanho da crise mundial e, em dezembro último, decide que seria necessário trabalhar com estoques menores. Mas, ao invés de ir reduzindo paulatinamente os níveis de produção e tomando, com mais freqüência e acurada atenção, o pulso da economia, logo opta por férias coletivas ampliadas, demissões, suspensão de encomendas a fornecedores e faz com que a produção caia em cerca de 40%. Estava instalado o pânico no mercado.

Passa janeiro, fevereiro e entramos março. Medidas tomadas pelo governo como a redução do IPI, a superação dos temores iniciais logo levam consumidores para as concessionárias em busca do desejado carro novo. Sabe o que está acontecendo agora? Faltam carros nos estoques das distribuidoras para diversos modelos e, de novo, formam-se filas para aguardar o recebimento do carro. Daqui a pouco, e se perdurar essa insensatez, podemos esperar por ágio e outras espertezas típicas de ambientes econômicos desorganizados.

Prudência é a palavra de ordem. Vale para tudo na vida, inclusive para as decisões de natureza econômica. “In medio virtus”, como Aristóteles, em Ética a Nicomâno, ensinou a seu filho, devemos sempre recordar que a virtude está no meio termo, na temperança, no equilíbrio e nunca nos extremos.

O dia em que os fundamentos da economia se mostrarem confiáveis, as autoridades reguladoras forem responsáveis, o empresariado privado e público e todos os demais agentes econômicos passarem a agir com a devida cautela, evitando os sobressaltos e as decisões extremas, as coisas poderão caminhar melhores e assim viveremos com mais calma e menos estresse.

Ou será que essas precipitações que desorganizam a vida do cidadão interessam a alguém?


Edson Pinto
Março’ 2009

16 de mar. de 2009

71) CÓPULA EXCOMUNGADA

Primeiro, Greespan com a sua prosódia indefectível
Pôs sobre a mesa o mais cru de todos os temores:
A exuberância irracional das mentes de amadores
A mostrar quimeras na forma de realidade possível.

Depois, o Lehman Brothers deu-nos avisos sinistros:
Quando espertos e incautos se unem em correntes,
Haverá sempre Madoffs, patetas e frouxos ministros,
A fazer do mundo festim orgíaco de inconseqüentes.

A América e o G7, de soberba e de inatacável pujança,
Vê sua gente sem emprego, sem teto, já mendigando.
Faltava resposta a essa débâcle de ordem tão leviana,

Até que ao cabo de mea-culpa, teorias e até pajelança
Wall Street, no bico do corvo, tudo o mais explicando,
Anuncia o responsável como a tal da Cópula Gaussiana:


Edson Pinto
Março’09

12 de mar. de 2009

70) REALIDADE OU PESADELO

Como as empresas vinham demitindo seus empregados aos milhares, milhões, estes correram aos bancos e - por absoluta necessidade - sacaram suas poupanças e zeraram suas contas correntes. Poupadores que tinham dinheiro aplicado, ao vislumbrar mais encrencas pela frente, se apressaram a sacar seus investimentos e dar-lhes destinos outros que, inocentes, imaginavam mais seguros. Por isso, os bancos ficaram sem lastro e assim começaram a aumentar as tarifas, suspender os financiamentos, provocar, marotamente, o trancamento das portas giratórias para clientes com cara de que iriam sacar, demitir e – como num dominó – cerrarem, um após outro, as suas portas.

Os supermercados e o varejo em geral deixaram de dar crédito, pois a inadimplência atingira níveis insuportáveis. Os desempregados, novamente aos milhões, deixaram de comer em restaurantes, de ir a cinemas, comprar roupas e calçados e até mesmo deixaram de adquirir o básico para a sua alimentação. Dessa forma, os restaurantes fecharam; também os cinemas, os açougues, as padarias. Vídeo locadoras, discotecas, salões de belezas e outras atividades não essenciais, essas, nem se fala...

A Indústria, o setor mineral extrativista, a Pesca e segmentos vários da economia desandaram a suspender investimento e, “demitir”, passou a ser a principal regra do jogo. E o pior, nenhum patrão tinha recursos financeiros para honrar as indenizações. As empresas aéreas, por pouco tempo, ficaram ainda transportando somente os deputados, os ministros e aquela gente graúda de Brasília, pois lá - diferentemente do resto do mundo - a crise ainda não havia se instalado inteiramente. Não que a arrecadação astronômica de impostos não tivesse caído. Caíra, sim, e de forma absurda. Porém, o governo seguia emitindo moeda e o fez abundantemente para que, pelo menos no Planalto Central, o clima de festa se mantivesse incólume.

Mas, quando os agricultores pararam de produzir por falta de financiamento e principalmente por falta de consumidores, aí o caldo entornou de vez. Ninguém tinha dinheiro para pagar a conta de luz, nem a da água, nem o condomínio do apartamento, nem a escola dos filhos, nem a passagem de ônibus, nem os alimentos dos supermercados, nada. Também, nem precisa, pois as empresas de eletricidade faliram, as de saneamento básico deixaram de tratar a água, as escolas fecharam, os ônibus pararam de circular por falta de combustível e os supermercados cerraram suas portas porque não tinham mais recursos para repor estoques e, o pouco que tinham, vinha sendo saqueado por hordas de famintos.

Foi quando Brasília se deu conta de que alguma coisa poderia estar indo para o lado errado. Mas, aí a crise chegou lá, também. Dona Marisa perde a criadagem e ela mesma começa a limpar (claro que mais ou menos, pois tinha perdido a prática) as vidraças do Alvorada. Deputados não conseguiam mais embarcar em aviões de carreira, custeado pelo erário, pois as empresas aéreas já tinham recolhido suas aeronaves. Embora fossem muitos os políticos e funcionários públicos que zanzavam de Brasília para o Brasil, não o era em quantidade suficiente para sustentar todas as empresas. O sistema aéreo, tal qual o transporte público terrestre, fluvial, marítimo e lacustre tinha falido.

Lula, então, grita para Dilma que o PAC já deveria ter resolvido todos os problemas da economia brasileira. Esta, “lisinha” pelo último botox aplicado, esclarece ao presidente que já de há muito o PAC tinha interrompido todas as obras. Faltou dinheiro, e o pior, as obras tinham perdido totalmente a razão de ser. Não tinha mais demanda para as ferrovias, nem carros para circular nas novas estradas, nem consumidores para a energia elétrica a ser produzida pelas usinas, nem motores suficientes para o etanol e o petróleo a serem colocados no mercado.

__ Mas, e o povo, o que está fazendo? Gritou, irritadiço, o presidente. __ Quem não morreu de fome, presidente, pontuou Dilma, está agora comendo a grama do próprio jardim, se tem a sorte de ter alguma. As pessoas estão consumindo as árvores de nossas florestas e de nossas ruas. Voltaram, os que puderam é claro, para a zona rural e tentam tirar da terra o possível para comer. __ Nossa vibrante economia, presidente, escafedeu-se! O PIB virou um "pibinho" e quer saber de uma coisa, gritou exasperada a mãe do PAC: __ Fui! E saiu apressada sem nem mesmo se lembrar de retocar a maquiagem, pois, convenhamos, isso também já não fazia mais sentido. 2010 tinha sido riscado de seu calendário.

Lula salta da cama, não só por ter-se despertado daquele tenebroso pesadelo, mas pelo fato de que um vento gelado (coisa rara em Brasília) entrava pela janela quebrada e sem manutenção, por falta de verba, despertando-lhe os mecanismos mais primitivos de defesa. Pura adrenalina...

Vaidoso como sempre, exclama para os bobs de dona Marisa, pois esta se encontrava totalmente entregue aos cuidados de Orfeu, o seu discurso mântrico por excelência: __ “Nunca na história deste país um presidente sofreu tanto em um só pesadelo, mas acordou feliz por saber que as coisas estão realmente ruins, mas que podem piorar ainda muito mais. Isto - concluiu em êxtase - me dá tempo de voltar para Garanhuns, são e salvo”.

__ Levanta Marisa! Arruma a tralha que aquele pau-de-arara que me trouxe para o Sudeste, em 1952, vai voltar para Garanhuns e não podemos perdê-lo.

Edson Pinto
Março’2009

2 de mar. de 2009

69) MISTÉRIOS DA MENTE

Não sei se, com exceção dos mistérios insondáveis do Universo, existe algo mais incompreensível do que a mente humana. Tão complexa e tão atrevida em querer governar o mundo, não consegue – como sobejamente provado - bem dirigir nem ao próprio corpo que a abriga, nem a si mesma.

Vivemos a ilusão eterna de que em algum momento nossas mentes se harmonizarão como o fazem os metais, as cordas, as madeiras, a percussão e os teclados de uma magnífica orquestra sinfônica. Mais do que uma ilusão, um sonho, uma quimera, um devaneio... Não deve ser por outra razão que nossos lobos rugosos se dobram e se desdobram em infinitos vai-vens para ocultar truques, artimanhas e matreirices que nos personalizam o comportamento. Por mais previsível que uma mente possa se mostrar, maior é o potencial de nos surpreender em algum e inesperado momento.

Até hoje, ninguém conseguiu bem entender o que se passou nas mentes dos Nardonis naquela fatídica noite em que a pequena Isabella foi lançada do prédio onde moravam. Quais processos comandaram mentes parricidas como as da angelical Suzane von Richthofen e a do bem comportado Gil Rugai? Não nos esqueçamos que até Nero matou Agripina, sua mãe. Paranóia? Seja lá o que for e o que a Psiquiatria possa nos trazer de explicações, jamais nos sentiremos confortáveis com os mistérios da mente humana. Só nos resta ficar ciscando aqui e ali a busca de alguma lógica que ao menos nos dê uma pista do porque as coisas são como são.

Nesse dias, fomos surpreendidos com a história burlesca, não fosse de fato trágica, da garota Paula Oliveira, 26 anos, protagonista de uma verdadeira ópera-bufa tupiniquim. Alegou ter sido atacada por “skin-heads”, na Suíça, onde mora, e que em conseqüência perdera os gêmeos que guardava no ventre. E para arrepio desta nossa sofrida nação que já alimenta desde os tempos de colônia, certo complexo de inferioridade, apresentou-se com o corpo cheio de rabiscos e inscrições que partiriam o coração de qualquer ser humano minimamente sensível. Preconceito? Xenofobia? Manifestações precipitadas de autoridades que buscam mais os votos da saloiada do que a busca serena da verdade passaram a dominar nossas mentes já confusas.

Logo que o assunto veio a publico, pensei: Isso está me cheirando muito estranho para as conclusões tão brevemente colhidas. Um tio da menina logo aparece na TV e solta o que para mim constitui-se no gonzo, ou seja, a dobradiça a sustentar e ao redor da qual gira o raciocínio que desenvolvi para o caso: O parente, tio, se me lembro bem, lamenta que a sobrinha, uma “executiva tão bem sucedida no exterior”, tivesse sofrido tão bárbara agressão. O lamento é correto e condoeria a qualquer um de nós. Chama-me, contudo, a atenção é a qualificação de “executiva bem sucedida” que pré-rotula para a garota algo que ela certamente teria dificuldade em confirmar na vida real.

Uma menina de 26 anos, tendo se bacharelado há poucos anos, nem OAB possuía, solteira, talvez por opção pessoal e não por imposição da empresa em que trabalha fora enviada para uma formação profissional em outra unidade no exterior. Admirável, é claro, a disposição dessa garota para viver alhures a procura de um ideal. Mas, convenhamos, há uma grande distância entre viver em um país de clima frio, pouco sol, outra língua, outra cultura, sem os pais e parentes por perto, sem amigos e dizer que isto significa ser “bem-sucedida”. No fundo, no fundo, a menina Paula sofria de solidão; devia questionar a si mesma sobre a validade da aventura que vinha experimentando; sentindo saudades de sua boa terra; amargurando conflitos internos apenas para que o titio e todos os que a viam do lado de cá, a tivessem na conta de uma “executiva bem-sucedida”, um gênio do Direito Marítimo brilhando na terra de cultura tão elevada.

Mera vaidade! A felicidade não está no brilho do cargo que alguém exerce, mas no prazer que se sente em viver bem a própria vida.

O folclórico jogador Viola, ainda marcando gols e se divertindo por aí, desistiu de uma carreira que poderia ser brilhante na Espanha porque – na sinceridade que lhe é marca registrada – disse não conseguir viver num país onde não se comia feijão. O que entendia por felicidade era muito mais simples (comer feijão) do que ser bem sucedido na carreira em outro país. Voltou feliz! Será que precisamos ser simplórios para sermos felizes, ou podemos racionalmente, inteligentemente e soberanamente procurarmos a felicidade ao nosso modo e não ao modo que os outros julgam como adequado?

Sempre fui muito crítico com a atitude de pais que querem fazer dos filhos astros nisso e naquilo talvez mais por vaidade pessoal do que pelo orgulho sincero de verem os filhos bem-sucedidos. Quantos jovens ao frustrarem as megalomaníacas expectativas dos pais não deformam seus comportamentos e passam a se sentir como inúteis fracassados? A vida é uma luta permanente e quem dela participa pode tanto ganhar como perder. Perder na vida, tal qual nos esportes, não deveria ser encarado como fracasso, mas sim como experiência adquirida. A bela canção de Gilberto Gil “Aquele Abraço” passa-nos a lição de que a vida é de cada um e não dos outros: “Meu caminho pelo mundo/Eu mesmo traço/A Bahia já me deu/Régua e compasso/Quem sabe de mim sou eu/Aquele Abraço!

A nossa confusa Paula de Oliveira certamente sairá dessa. Não sei com quantas cicatrizes nem em quanto tempo. Lições aprendeu e lições terá passado para seus alambicados parentes que andam confundindo carreira bem-sucedida com vida bem-sucedida. Mais importante do que dizer que a bacharel em Direito Paula Oliveira tem um cargo importante, numa empresa grande e num país de primeiro mundo é saber se a menina está feliz.

E – se não sabem – seria bom que soubessem que a felicidade pode estar em coisas tão simples como no feijão do artilheiro Viola.


Edson Pinto
Março’ 2009