29 de jul. de 2011

174) NOVO RICO

 Genival era adorado no bairro periférico onde morava com a família. Nascera lá. Nos tempos de boleiro - merecidamente, diga-se de passagem - era o ídolo do time. Cumprimentava e era cumprimentado por todos. Ali também se casou com Isaurinha e começaram a colecionar afilhados. Continuava uma pessoa simples, operário daqueles dedicado e assíduo freqüentador das atividades da paróquia. Impossível não gostar de Genival. Ele jamais brigou com vizinhos, ajudava a todos como podia e com isso angariou unânime simpatia.

Um dia Deus olhou pro Genival e disse: “É o cara!” Acertou na Mega-Sena. Depois do normal susto, homem prudente que era, tomou a decisão de não deixar ninguém saber que ele havia se tornado um homem rico. Iria mudar a sua vida e a de sua família o mínimo possível. Seria naquele lugar em que nascera e onde criava os filhos que ele permaneceria para o resto de sua vida. Não havia, contudo, como deixar de fazer alguns gastos essenciais, pensou. Assim consertou os dentes, começou a vestir-se melhor, deixou o emprego na fábrica e foi adquirindo alguns hábitos novos como levar a família para uma viagenzinha no final de semana, fez a festa dos quinze anos da filha, comprou o primeiro computador da casa, celulares e, proeza maior, comprou um carro popular novinho em folha.

Foi a partir desse momento que Genival começou a perceber certo estranhamento dos vizinhos e velhos amigos. De festejado, passou a ser objeto de ciumeira: “Veja como o Genival está metido, deve ter dado um golpe na fábrica em que trabalhava” ou “Veja como está esnobando o carro novo”, ou ainda: “Tá vendo, melhorou um pouquinho de vida e já está se achando o Rei da cocada preta”. Genival continuava homem simples, embora meditasse cada vez mais sobre decisões a tomar e que pudessem levar os seus “admiradores do passado” a rejeitá-lo pelo simples fato de estar agora melhor de vida.

A casa que pensava em reformar seria então o acinte máximo para aqueles que mais do que desconfiança já mostravam declaradamente o mais explicito dos ciúmes. Teve finalmente que mudar de bairro e, por mais que não quisesse, foi lentamente se desligando do mundo antigo de que tanto gostava e migrando para o novo mundo onde desconheciam o seu passado. Intimamente, deu-se a refletir sobre o clássico ditado popular: “dinheiro não traz felicidade”, mas tinha que tocar a vida...

Todos nós que já vivemos um bocado de anos neste Brasil tão mutável havemos de recordar que apesar de todas as desigualdades sociais e da eterna promessa de país do futuro, ainda éramos muito admirados pelos outros povos do mundo. Numa competição esportiva internacional, por exemplo, qualquer que fosse o esporte, os anfitriões sempre nos apoiavam, principalmente quando o adversário era um país de elevado poderio econômico. Funcionava mais ou menos como a solidariedade que se costuma prestar aos mais fracos. Falando do futebol, os suecos, mesmo sendo derrotados pelo Brasil em 1958, nos cobriram de carinhos. Os mexicanos nos adoraram em 1970 e 1986. No vôlei de praia, na Fórmula 1 e em outros esportes sempre tínhamos platéias favoráveis. Dava-nos a correta impressão de que o Brasil, e por extensão nós os brasileiros, éramos um povo amado por todos.

Bastou o País deixar de ser o patinho feio da economia mundial e começar a se mostrar com pinta de potência para que as coisas mudassem radicalmente de figura. Esta comprovação eu a tive em um único final de semana agora do mês de julho. O Brasil, no voleibol masculino, fazia na Polônia o final do torneio contra a Rússia. O suporte da torcida local era da Rússia, mesmo considerando o passivo político da antiga Cortina de Ferro. No futebol feminino, as briosas jogadoras do Brasil em sua partida contra os Estados Unidos, sentiram o peso da torcida alemã, em Dresden, apoiando as bem nutridas sobrinhas do Tio Sam. Vaiavam as nossas estrelas como se quem os tivesse massacrado na Segunda Guerra Mundial fossemos nós e não a maior Nação do mundo, a América. No futebol masculino foi até covardia, pois enfrentávamos o Paraguai, na Argentina, esta, nossa rival já tradicional. O suporte dos locais até nos levava a imaginar que o jogo estivesse acontecendo em Assunção, no Paraguai, e não em Córdoba, Argentina.

Quanta semelhança há entre a história de Genival e a do Brasil. Ambos são novos ricos e como tal, alvos de ciumeira. Infelizmente, poucas são as pessoas que aceitam serenamente o progresso de seu vizinho. Devemos, portanto, nos preparar para cada vez mais nos confrontarmos com manifestações de descontentamento com o nosso crescente sucesso já percebido além fronteira. O inconsciente coletivo funciona aos moldes do inconsciente pessoal. Admitir que alguém, ou algum país, está o deixando para trás pode incomodar e, no extremo, até atormentar ao ponto de se desejar o fracasso do bem sucedido como forma de deter-lhe o avanço.

Nós brasileiros, fruto da momentânea moeda forte que possuímos, ao promovermos afoitamente este festival de gastança nos exterior, somando-se a todas as notícias boas que não param de ser produzidas pela nossa economia, enquanto a Europa e a América estão na draga, já começamos a despertar certas “dores de cotovelos”. Estamos sendo vistos como novos ricos tentando, sem o devido “physique du role”, penetrar no baile dos rotos nobres.

No caso de Genival, ele teve a alternativa de mudar para outro bairro onde era desconhecido e onde pôde se reconstruir. No caso do Brasil, contudo, não há como mudar de planeta. Só nos resta ter a consciência de que teremos cada vez mais resistências dos donos do mundo até que um dia nos aceitem como uma grande nação. Definitivamente, não é nada fácil ser um novo rico...

Edson Pinto
Julho’ 2001

15 de jul. de 2011

173) SERÁ O BENEDITO?


Quem conhece um pouco da história política do Brasil já deve ter ouvido falar em Benedito Valadares. Político mineiro que governou o estado por mais tempo, 12 anos, de 1933 a 1945. A ele prestaram grandes homenagens, incluindo a de darem o seu nome à próspera cidade de Governador Valadares.

Inicialmente obscuro político da provinciana cidade de Pará de Minas, surpreendeu ao povo mineiro quando ainda pouco conhecido deputado federal, em primeiro mandato, foi nomeado por Getúlio Vargas, em 1933, para substituir Olegário Maciel recém-falecido governador do Estado. Primeiro, como Interventor, coisas da Era Vargas, em seguida como governador eleito pela Assembleia Legislativa.

Getúlio teria justificado a escolha do desconhecido Benedito Valadares com esta simplicidade pampeira: “Todos tinham candidatos, só eu não. Então escolhi este rapaz tranquilo e modesto que me procurou antes...” Foi a partir daí que o perplexo povo mineiro começou a se perguntar toda vez que algo inesperado acontecia ou ainda acontece: “Será o Benedito?”

O fato importante é que Benedito Valadares revelou-se um político matreiro, astuto e grande articulador que sobreviveu incólume até mesmo ao irrompido Estado Novo. Os Estados da Federação ganharam interventores, ele, porém, permaneceu governador. E de tão influente sobre Vargas, foi o responsável pela indicação de Adhemar de Barros para governar São Paulo. Catapultou ainda as carreiras políticas de Juscelino Kubitschek e de Tancredo Neves, ambos, presidentes mais adiante.

A sua esperteza rendeu-lhe a alcunha de “Raposa Política” a quem, mesmo sem comprovação, a ele atribui-se frases e feitos que incorporaram ao folclore político mineiro, como: “Estou rouco de tanto ouvir”. Dizia ter aprendido a ouvir, mais do que falar, quando ainda menino observava um leilão na praça de sua cidade. “Quem dá mais pelo passarinho?” perguntava o leiloeiro. Logo alguém dava um lance, em seguida outro e assim sucessivamente. Achou a brincadeira interessante e meteu-se a dar o seu lance sem ter um centavo no bolso, apenas para aparecer. Por essas coisas do destino, o leiloeiro arrematou: “Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três, o passarinho é seu meu filho!” Nunca mais falou mais do que ouviu...

Lula não aprendeu nada com Benedito Valadares, pois falou e ainda fala mais do que ouve. Neste episódio todo das obras da Copa do Mundo, para não falar também das Olimpíadas, foi Lula que ao estilo do Benedito menino, quis entrar na brincadeira do leilão para a Copa. Empenhou-se como nunca antes na história do País a prometer que o Brasil faria isso, faria aquilo para termos a melhor Copa do Mundo das tantas que já aconteceram mundo afora. Deu o lance e deixou a conta para a sua sucessora, Dilma Rousseff. Agora vêm os governos tanto o federal como os estaduais dizendo que não colocarão nenhum centavo na construção dos estádios, pois isso é coisa da iniciativa privada.

Aí fica a pergunta que não quer calar: Se os governos não tinham intenção de colocar dinheiro, por que Lula e seus acólitos governadores dos estados sedes acorreram vorazmente ao processo de escolha do país anfitrião? Será que foi só para aparecerem como o menino Benedito, lá na praça de sua cidade natal, quis aparecer no leilão do passarinho, imaginando que ficaria apenas com o brilho de ter dado um lance, mas sem a real pretensão de vencê-lo?

Existiu outro político não tão Raposa como Benedito Valadares, mas que usou bastante o recurso de criar factóides. Trata-se do ex-governador do Rio de Janeiro, César Maia, que se habituou a criar pseudo-fatos para se manter em evidência na mídia. Os fatos anunciados nunca aconteciam, mas a sua exposição pessoal era garantida. Lula sempre teve consciência disso, o que nunca quis considerar é que mais cedo ou mais tarde a verdade prevalece. Por ser imediatista e prático, o futuro normalmente não é incorporado em seu processo decisório.

Agora estamos todos com o abacaxi da Copa do Mundo para ser descascado. Não sei não, mas, ou nos surpreenderemos ainda com a nunca revelada capacidade criativa realizadora do gênio nacional, ou seremos forçados a continuar nos perguntando cada vez que uma nova encrenca do plano da Copa do Mundo nos aponta para o provável fracasso do projeto Lula. Se vier uma solução satisfatória só nos restará expressar:

Será o Benedito?

Edson Pinto
Julho’ 2011

9 de jul. de 2011

172) AVENTURAS DE AURELIANO - V (final)


Aureliano, o Bu, não se dava bem com a condição de baixinho. Reconhecia-se como tal, mas tinha lá os seus truques para tirar a má impressão dos visitantes do escritório em que trabalhava. Era vaidoso. Aparecia alguém pela primeira vez e Aureliano, por detrás de sua mesa, se punha na ponta dos pés e assim permanecia até que fosse percebido. Precisava ser respeitado e, como alguém - perguntava a si mesmo - de pouco mais de 1,50 m, poderia passar confiança? Não precisava disso, pois seus colegas o respeitavam de forma incondicional. Afinal, quem levaria ao laboratório aqueles frascos tão pessoais? Quem limparia os banheiros quando a faxineira não comparecia ao escritório? Ou quem correria aos bancos, aos correios, consertaria a máquina de escrever, dirigiria o carro do chefe e abriria e fecharia o escritório?

Mais o tempo passava, mais Aureliano se desdobrava para continuar servindo a todos. Já havia assimilado o episódio da sua candidatura a vereador quando, fora o dele mesmo, só tivera outro voto, nunca identificado. Alimentava a ilusão de que um dia a turma do escritório, o patrão, o gerente do banco, a moça do laboratório, a funcionária dos Correios, o amigo do boteco, Ubaldina e os filhos ainda iriam todos de uma só vez aplaudi-lo pela grandeza de sua missão tão nobre que era a de servir.

O patrão já sabia em quem confiar para a compra dos presentinhos a serem distribuídos naquele encontro de final de ano quando todos se confraternizariam depois do expediente:
__ Aureliano, você pega dinheiro no caixa e compra presentes de cerca de R$50,00 reais para cada um dos funcionários.
__ Cinquenta é muito Sr. Sérgio. A situação não está nada fácil. Vou me fixar em R$30,00. Era puro puxa-saquismo explicito ou verdadeiro amor à empresa, dependendo de que anglo se analisasse o fato. O patrão nadava em dinheiro, mas Aureliano condoia-se com a menor possibilidade de que ele estivesse gastando muito com os seus fiéis colaboradores. Às críticas dos funcionários pela indesejável ingerência de Bu no valor das lembrancinhas respondia com indisfarçável ar de responsabilidade: “Vocês só pensam em tirar da empresa e se esquecem de que se ela quebrar perdemos todos a oportunidade de estarmos juntos, como agora”.

Na hora da festa de final de ano e após um dia de tantos afazeres no escritório, Aureliano demonstra semblante triste. Em meio a brincadeiras, abraços, confraternizações sem fim, advêm-lhe uma dor de cabeça que foi se tornando cada vez mais forte. Seguiu-lhe certa sonolência, teve dificuldade para se expressar sobre o que sentia e dominou-lhe certa confusão mental. Antes mesmo de ser socorrido pelos colegas de escritório sentiu fraqueza na face, nos braços, pernas e finalmente desabou-se da altura de seus poucos mais de 1,50 m de altura. Deram-lhe um copo d’água, alguns comprimidos e o colocaram sentado para repousar na cadeira de couro legitimo da sala do presidente enquanto a festinha rolava.

Ninguém no escritório sabia que Aureliano estava tendo um AVC (acidente vascular cerebral), um derrame cerebral. Ninguém sabia, como muita gente hoje ainda não sabe, que um AVC pode ser totalmente revertido se a vitima for atendida no hospital em menos de três horas. Ninguém sabia, e poucos ainda sabem, que há um teste muito simples para se identificar um AVC: 1) peça a vitima para sorrir 2) peça a ela que diga uma frase simples, por exemplo: “hoje o dia está lindo” 3) peça que ela levante os dois braços. Se a vitima falhar na execução de apenas uma dessas tarefas deve-se procurar imediatamente uma clinica ou um hospital, pois ela sofreu um AVC.

Ao final da festa, passadas mais de três horas, é que levaram Aureliano ao hospital. O escritório tristemente foi então confrontado com o fato de que já não tinha mais o voluntarioso Aureliano, Bu, de burrinho de carga, e que tudo seria muito diferente daquele momento em diante.

No dia seguinte, lá estavam a turma do escritório, o patrão, o gerente do banco, a moça do laboratório, a funcionária dos Correios, o amigo do boteco, Ubaldina e os filhos. Antes de descer para o repouso eterno cobriram-no de lágrimas e aplausos, reconhecendo-lhe - como queria - que dentro daquela pequena figura de pouco mais de 1,50 m havia um gigante de bondade e de amor aos amigos que só queria servir. Era o reconhecimento que ele sempre quis.

Edson Pinto
Junho’ 2011

ET: Embora este texto seja um conto, portanto contendo alguma ficção, sobre uma base que é real (a existência do Aureliano) este episódio do AVC, principalmente o teste mencionado na parte final do texto, é verdadeiro. Deveria ser memorizado por todos. Afinal, um derrame cerebral, AVC, pode ser revertido se estivermos preparados para identificá-lo e conduzirmos a vitima imediatamente ao hospital.

2 de jul. de 2011

171) AVENTURAS DE AURELIANO - IV

Aureliano, o Bu, pouco mais de 1,50 de altura, não se conformava com o fato de que no Banco que freqüentava para os afazeres diversos do escritório e dos folgadões de lá, não era - como queixava algumas vezes - devidamente respeitado pelo gerente. “Deve ser uns três centímetros mais baixo do que eu, mas pensa que pode olhar todo mundo de cima para baixo”, exclamava em tom de mágoa cada vez que passava em frente à mesa do “metidinho” para então entrar na fila do caixa. “Um dia esse toquinho de gente ainda vai reconhecer o meu valor”, murmurava ressentido.

Nessa época, a casa que havia construído com o esforço de anos de economia e de finais de semana incontáveis em que literalmente pusera a mão na massa, encontrou uma oferta de compra. Estava ali a oportunidade de Aureliano dar um passo à frente. Andava dizendo aos quatro cantos, especialmente no escritório, que o patrimônio se constrói com anos afinco de luta. Mesmo que ao final do mês a sobra do minguado salário fosse suficiente apenas para a compra de um saco de cimento e de algumas dezenas de tijolos ele não hesitava. Construía mais uma parte de uma nova parede ou rebocava parte de outra já concluída. Era um verdadeiro João de Barro. Diga-se o que quiser sobre as maluquices de Bu, mas que ele era caprichoso, disso não se tinha dúvida. O serviço era sempre muito bem feito...

Como o dinheiro da venda da casa compraria um terreno maior em uma rua melhor no mesmo bairro. Haveria ainda dinheiro suficiente para comprar todo o material para a nova casa a ser construída por ele com a ajuda de Ubaldina, sua mulher, dos filhos e dos bons amigos que adoravam um mutirão de final de semana, desde é claro, que ao final rolasse umas cervejinhas e um churrasquinho de carne de segunda. Não tinha muito a pensar. A venda aconteceria em dinheiro vivo, afinal, o comprador, feirante em ascensão financeira tinha o hábito de guardar dinheiro vivo exatamente para um dia presentear o filho com uma casa pronta, pois o rapaz se preparava para o casório.

Aureliano não falava de outra coisa no escritório. “Vou vender a casa, morar uns tempos com a sogra enquanto construo a nova. Quando “minha mansão” estiver pronta, todos já se considerem convidados para um churrasco na laje. Ah, sim, a casa teria uma laje para eventos como esse. Mas, na sua cabeça passava um plano ainda mais importante: Ele pegaria todo o dinheiro, aquele montão de notas que o feirante haveria de lhe entregar e iria, advinha fazer o que? É isto mesmo! Se você pensou que iria depositá-lo diretamente com aquele metidinho, só para se fazer merecedor de atenções especiais, você acertou.

Dito e feito: Bu entra com sua pasta gigantesca toda recheada e, ao contrário de ir direto ao caixa, entra na sala do gerente. Não de forma arrogante, pois não sabia agir assim, mas com um ar de certa superioridade, ainda de pé para comprovar-se maior do que Juvenal, o "gerentinho", vai logo dizendo que tinha um grande depósito a fazer e que ele, fizesse a gentileza de chamar o caixa até ali. E não é que daquele momento em diante Aureliano passou a ser visto com outros olhos pelo gerente. Era tudo o que ele queria. Já quando entrava no Banco passava primeiro na sala do gerente para tomar um cafezinho e jogar umas conversas fora. Este começou a admirar Aureliano, figura simples, pensava, mas homem de dinheiro. Até me ajudou a cumprir a cota de depósitos captados do mês. “Mais um cafezinho Aureliano?” “Não Juvenal, deixa para amanhã, passou a esnobar”

No escritório Bu já não falava de outra coisa: “Se o Juvenal me ligar diga que não estou. Depois passo lá para um cafezinho”. Passou a apreciar a entrada triunfal no Banco acompanhado por um colega do escritório. Nesses momentos ele demonstrava sua familiaridade com Juvenal abusando de galhofas e dos cafezinhos servidos pelo próprio gerente. O terreno estava quase comprado e logo, logo, começaria a construção. Teria o prazer de ir sacando gradativamente sua poupança sempre com os rituais próprios de quem merece respeito.

Corria tudo bem, até o momento em que da televisão da casa da sogra, onde já se encontrava instalado com toda a família, ficou sem bem entender o que a ministra Zélia Cardoso de Mello quis dizer, em março de 1990, com a aquela “generosidade” de liberar até 50 mil cruzados novos das economias de cada cidadão, retendo para o bem do Brasil falido, o resto. Aureliano tinha milhões de cruzados novos e não assimilou de imediato as conseqüências que isso teria na sua vida. Descobriu-a da pior maneira possível, no dia seguinte, quando quis falar com Juvenal. Não foi atendido, não teve cafezinho e o pior, não tinha mais dinheiro para comprar o terreno e construir a sonhada nova casa.

Por muitos anos mais Aureliano, o Bu, ex-poderoso, continuou ouvindo os queixumes da sogra, de Ubaldina, dos filhos e o desprezo de Juvenal.

Edson Pinto

Junho’ 2011