24 de set. de 2010

137) REENCONTRO



Sabe aquele aperto que nos toma o coração quando nos lembramos de alguém muito importante e que não temos ao nosso lado? A aflição intensa que sufoca a alma, acelera o fluxo do líquido vital que corre em nossas veias num verdadeiro tsunami de agonia e ansiedade a minar o alicerce estabilizador e sustentáculo de nossas vidas? Pode ser paixão. Provavelmente, angústia. Anualmente isso ocorre a mim...

Nasce lá no âmago e rigorosamente vai crescendo, crescendo, crescendo... No início, de forma suave, depois de maneira mais encorpada até que já madura detona-me o desejo incontrolável de reencontrá-la. E aí, amigo, não há força, por mais extraordinária que se possa imaginar, que seja capaz de deter o desejo de abraçá-la e de cobri-la de mil caricias puras e sinceras para externar-lhe o quanto me é essencial.

Passam dias, noites, semanas, meses até que o grande reencontro se materializa. Se a felicidade fosse mensurável a partir do pulsar de minhas veias, esse seria o pináculo de minha existência. E sabe por quê? No fundo, no fundo, ela é a figura perfeita que me traz o melhor de tudo. É luz, porque me fulgura no espírito e me ilumina o caminho; É paz, por que me traz harmonia, equilíbrio, sossego e mansidão; É beleza, por saciar, de forma elevada e serena, o que demanda os meus sentidos; E é amor! E por amor, nem preciso justificar...

Como se veste augusta! Dos pés à cabeça tudo nela brilha como os mais límpidos e puros cristais. Os seus lábios, olhos, cabelos e gestos, tudo, são flores de viço ímpar, de imaculada frescura que me conforta a alma. Seu perfume penetrante toma conta não só do que me rodeia, mas principalmente do que me faz substância. E sua áurea? “Áureas abelhas pequenas/Falenas, níveas falenas” (B. Lopes). Nunca se ama tanto quando ela se faz presente. Nunca nos dói tanto quando ela se faz ausente. Nunca se espera tanto quando o que mais conta é a ânsia do reencontro.

É no regaço de sua formosura que repouso minha cabeça cheia de sonhos e desventuras. Não há porque chorar se ela me envolve plena de amor. Não há porque explodir em risos e alegria se essa paixão durará não mais do que o tempo em que suas flores e perfume vierem a fenecer despindo-a como sina do inexorável fim de um ciclo. Só me resta devotar-lhe o mais intenso de meu amor e beijar-lhe tanto quanto me beija dizendo-lhe adeus, ou melhor, até o nosso próximo encontro anual, minha adorável e bem-vinda primavera...

Edson Pinto
Setembro 2010

17 de set. de 2010

136) LATRINA A CÉU ABERTO (da série Enganassione)


Anualmente, exceto em anos de Censo Geral, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) faz um levantamento já bastante conhecido como Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). É uma espécie de fotografia, por amostragem, da situação em que se encontra a população sob vários aspectos de sua vida. O que já era sabido e continua a chamar cada vez mais a nossa atenção é que cerca de 40% dos lares brasileiros ainda não conta com sistema de coleta e tratamento de esgoto. Dada essa enormidade numérica, isso me leva a concluir que o Brasil é uma verdadeira latrina a céu aberto.

Nós que nos encontramos nos nichos socialmente privilegiados deste País, mal podemos imaginar o que isso significa em profundidade. Verdadeiramente, significa, sim, quase tudo, máxime quando pensamos no nosso atraso social histórico e o que disso decorre. Ao contrário do que afirma o hipócrita discurso governamental que tenta passar ao povão a ideia de um Brasil Maravilha, já considerado pelo mundo como uma grande e poderosa nação, somos, na verdade, um país por ser feito, cheio de mazelas, injusto e se não bastasse, comprovadamente, uma latrina a céu aberto, como nos deixa ver o PNAD publicado na semana passada.

Vamos ver sob um ângulo mais abrangente o que “uma latrina a céu aberto” quer nos dizer: Se temos quase 200 milhões de habitantes, saibam todos que, em 40% dos nossos lares, grosseiramente 80 milhões de brasileiros, depositam seus dejetos em lugares inadequados, isto é, no fundo dos quintais, em regos que levam para mangues, córregos, riachos, rios, oceano ou mesmo ficam se decompondo ao relento. Não são apenas os dissabores do desconforto e das doenças que disso desandam, mas principalmente o fato de que o ser humano nesse estado de degradação deixa de ser gente e passa a assemelhar-se de forma mais apropriada a um animal. A vida fica mais curta, doenças o incapacita para o trabalho produtivo e principalmente sua saúde psíquica fica seriamente comprometida.

Mas, seres subumanos que sobrevivem nessa latrina a céu aberto também votam. Seria ótimo para eles se suas capacidades de discernimento, senso crítico, livre arbítrio, boa saúde física e mental, entre outros pré-requisitos ordinários, pudessem orientá-los para uma boa decisão no momento de clicarem seus votos nas urnas. Infelizmente, isso não é verdade. Só tem sido ótimo para os políticos espertalhões que usam essa enorme parcela desprotegida, e já humanamente comprometida, como massa de manobra. Uma “Bolsa-Alguma-Coisa” aqui, um espetáculo futebolístico mundial ali, uma olimpiadazinha básica acolá e lá vem o povo contente votando em que seu rei mandar.

Em Jacundá, no Pará, no Parque (que ironia!) Genibaú na periferia de Fortaleza, nas favelas de São Paulo, Rio de Janeiro ou onde mais quisermos mencionar lá estão as latrinas a céu aberto. E do seu lado, sempre nos meses de setembro que antecedem eleições, também lá estão nossos políticos beijando crianças (depois limpam a boca e cospem); abraçando mulheres desdentadas (depois desinfetam a roupa); apertando mãos descarnadas (depois lavam as próprias com gel desinfetante), tudo para conquistar os seus votos. Triste sina de um povo que não consegue escapar da armadilha da miséria e entrega, mesmo inconscientemente, sua dignidade em troca de pão e circo!

Alguém dirá, contemporizando esse absurdo: __ Mas, as Esquerda (aquelas que historicamente deveriam estar do lado do povo) vêm exatamente para resolver isso dando vez ao povo e assim fazendo-o o beneficiário primeiro do progresso. Ledo engano! Se um pouquinho de agrado já garante votos sem-fim, por que levar o povão ao estado em que adquiriria a consciência plena? Tem TV no barraco para ver o futebol e a novela; tem geladeira para fazer o picolé; tem cartão magnético que permite tirar uma graninha do programa Bolsa-Família. Pra que mais? Felicidade geral, presidente com popularidade nos píncaros mesmo em flagrante e direto afrontamento às instituições democracias, à Constituição, ao raciocínio lógico, aos princípios morais e à língua pátria.

Feliz do povo que primeiro consegue vencer a miséria crônica, morar decentemente, alimentar e estudar os filhos e acabar com suas próprias latrinas a céu aberto para depois acolher uma Copa do Mundo de Futebol e a Olimpíadas mostrando-se orgulhosamente para todos.

Aqui, como indica o PNAD, vamos fazer o contrário: primeiro montaremos espetáculos grandiosos, pirotécnicos para só depois vermos o que será feito com nossa latrina a céu aberto. Talvez, e seria bom que não desprezássemos a hipótese de que, por questões ecológicas, o mundo caminha para um retorno aos valores primitivos da Natureza. Nesse caso, estaríamos orgulhosamente avançados em relação à comunidade internacional ao demonstrarmos a liderança e a criatividade de nossas políticas públicas como o nosso fantástico e natural sistema de latrinas a céu aberto.

Eta povo feliz!

Edson Pinto
Setembro’2010

10 de set. de 2010

135) QUANDO SETEMBRO VIER















O mês de setembro não é só emblemático por nos trazer, no seu dia 23, aqui no hemisfério sul, a primavera, esse momento mágico da natureza em que o Sol atinge o equinócio e com ele flores, vida e juventude apossam-se de nossos corações e mentes. Quando queremos nos referir a tempos tristes falamos em outono, mas quando nos expressamos para o belo e jovem falamos em primavera, especialmente quando o recado é para a mulher amada. Artur Azevedo derramou sua paixão ao dizer: “Os meus trinta e nove outonos estão, como sempre, às ordens das tuas vinte e cinco primaveras." Quer coisa mais bonita?

No hemisfério norte, setembro não traz o início da primavera, mas o fechamento do verão. Para os boreais, tempo de alegria que fecha um ciclo antes que o outono se faça presente. “Come September” ou “Quando Setembro Vier”, mexe com a memória de quem tem pra lá de 60. Rock Hudson, Gina Lollobrigida, Sandra Dee, Bobby Darin e muitos outros jovens alegres marcaram com o famoso filme que dá o título a este texto não só a vida daquela romântica vila italiana como, ainda, fizeram daquele setembro um mês inesquecível. Para nós, no sul, pode ser visto também como um mês de alegria e de muita responsabilidade. Um mês em que tudo deve e pode acontecer.

E não é que setembro já chegou de novo?

Por enquanto um clima bastante seco aqui por essas bandas tupiniquins. Há um cheiro pestilento vindo do Planalto Central e das entranhas putrefatas da Receita Federal de Santo André. Este ano chove pouco, mas mesmo assim já dá para perceber os brotos das árvores ansiosos aguardando água vinda do céu para explodirem em flores. Os pássaros gorjeiam em algazarra a não mais poder. Ervas daninhas brotam abundantes por entre o céspede, enquanto na TV o programa eleitoral vai com tudo, inclusive com a sua própria tiririca, erva famosa pela dificuldade que encontramos em erradicá-la.

Aguardamos setembro para, com o Sol em equinócio, iluminar de forma profícua as nossas mentes ao mesmo tempo em que o seu efeito desinfetante se faça pleno no combate a cepas resistentes de germens que infectam a vida nacional. Setembro é o nosso pinho-sol. É o momento em que, com alegria, serenidade e de forma consciente trataremos de escolher aqueles a quem ungiremos como nossos líderes políticos logo nos primeiros dias de outubro. Tal qual a primavera, o setembro de nossas vidas, esses que antecedem a eleições, especialmente, apresentam-se como o equilíbrio do equinócio para o justo desabrochar de uma nova etapa. Se tivermos o cuidado de desviar nossos corações e mentes das falácias, das baboseiras, do achincalhe e das manobras dos espertalhões de sempre, podemos contribuir para um país melhor.

Não vamos imaginar que todo político é uma versão especial de um tiririca. Há gente séria também. Nem deveria ser um problema o fato de que palhaços, desonestos, despreparados, oportunistas e maus-caracteres façam da política o instrumento para atingirem seus objetivos pessoais. A vida é assim mesmo e deveríamos, todos, sabermos como bem conviver com essas esquisitices. O cenário político é uma amostra do cenário de nossa vida real. Somos, infelizmente, como povo, aquilo que o horário eleitoral nos mostra. O problema, contudo, é o fato de a maioria dos cidadãos, pessoas puras, se deixarem levar por tais extravagâncias e com isso colocar lá no Congresso ou no governo dos Estados, nas Assembléias Legislativas e mesmo no posto máximo do comando do País, a presidência, figuras que não levarão a sério a nobreza do cargo para os quais foram eleitos.

Tenho fé! Chegará o dia em que votaremos com seriedade e os tiriricas da vida serão apenas ervas daninhas a nos fazer rir pelo ridículo de seus atos, mas nunca pela nossa ingenuidade de fazê-los comandantes de nossas vidas.

Edson Pinto
Setembro’ 2010

3 de set. de 2010

134) VOU-ME EMBORA PRA JACUNDÁ

 “Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que quero
Na cama que escolherei.
Vou-me embora pra Pasárgada”

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Se Manuel Bandeira quis ir para Pasárgada porque aqui ele não era feliz, eu estou convencido de que em Jacundá minha existência será uma aventura igualmente jubilosa, afortunada, bendita e inconseqüente. Por isso, vou-me embora pra Jacundá. Se Dilma vencer - juro - jamais volto de lá...

O Brasil tomou conhecimento de Jacundá graças ao jatinho do Jornal Nacional que, a comando remoto de William Bonner e Fátima Bernardes, leva Ernesto Paglia para os mais estranhos rincões deste nosso País. Você que pensava que a nova superpotência na qual Lula transformou o Brasil já tinha superado todos os seus atrasos históricos, acaba de descobrir que em Jacundá tudo é ainda muito diferente:

96% da população não têm acesso ao sistema de esgoto; mais da metade das casas não recebe água encanada; a estrada que leva ao município é estreita e toda esburacada; as leis de trânsito são desconhecidas e menores de idade dirigem e pilotam motos sem nada a temer; violência, estupros, assassinatos e bandidagem fazem parte do cotidiano do jacundaense. Ah! A cidade tem cerca de 60 mil habitantes e o prefeito, como informa a justiça Eleitoral, é “indefinido”. Seja lá o que isso significa, deve ser motivo de grande orgulho e incomensurável júbilo para aquela boa gente.

Aloísio Mercadante, o irrevogável, tem dito na TV que sob a batuta do seu grande mestre Lula o Brasil cresceu vigorosamente enquanto São Paulo, sob o comando do PSDB de Serra, tem sido um grande fracasso. Fico pensando, como o Brasil pode crescer sem que São Paulo vá junto. Ou São Paulo não faz mais parte do Brasil ou o Brasil de Lula não ta nem aí para este insignificante Estado da federação que representa, isoladamente, mais de 1/3 do PIB e conquistou, por mérito e por razões que dispensam argumentos, o título de locomotiva da economia brasileira.

Só há uma explicação: Jacundá, assim como Pasárgada, tem tudo que ver uma com a outra. O povo de Jacundá é feliz e vota em que Lula mandar. “Em Pasárgada tem tudo/É outra civilização/Tem um processo seguro/De impedir a concepção” Em Jacundá ninguém fica triste, pois tudo o que aqui na nossa civilização julgamos importante, lá não faz a menor falta. Rede de esgoto pra que? Se o mestre já disse que o tênis é esporte “daselites”, o que já não terá dito para o jacundaense sobre água encanada, segurança, estrada asfaltada e segura, leis de trânsito e todas essas minúsculas bobagens pequeno-burguesas que tanto incomodam à nomenclatura esquerdista do poder:

Por isso, e por muitas outras razões, Jacundá é para mim até mais do que Pasárgada. Jacundá é um paraíso perdido bem no miolo do Pará. Se for pra lá, nunca mais hei de voltar...

“Tem alcalóide à vontade/Tem prostituas bonitas/Para a gente namorar”. Sim, isso tudo em Pasárgada, Bandeira já disse. Eu acredito, de verdade verdadeira, que posso encontrar isso também em Jacundá.

E porque eu quero ir prá Jacundá só se a Dilma vencer? Por que não vou de qualquer modo se “lá serei amigo do rei e terei a mulher que quero na cama que escolherei”?

Simples! A Jacundá real vive de esperanças e um pouco, também, da Bolsa Família. Se Dilma não vencer, Jacundá, certamente, não perderá a Bolsa Família que já faz parte do seu cotidiano, mas verá pelos olhos das instituições democráticas, da imprensa livre, outro País bem diferente do de lá. Vencendo Dilma, vence Lula, vence o PT, vence o fisiológico PMDB e mais do que isso, triunfará sobre a verdade, a ilusão. E povo feliz é povo que não vê. Se não vê, basta somente ouvir tudo o que o mestre disser. Por isso, vou pra lá.

“E quando eu estiver mais triste
Mais triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
Lá sou amigo do rei
Terei a mulher que quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada”, isto, é, pra Jacundá


Edson Pinto
Setembro de 2010