Seguiu-se à Filosofia Antiga, aquela que começa na Grécia de Sócrates e
vai até o fim do Império Romano em 476 d.C., outra filosofia que, aninhada na
obscura Idade Média ganhou adjetivação compatível com o período em que
floresceu, ou seja, Filosofia Medieval. Esta palavra, “medieval”, como sabemos,
acabou, por razões óbvias, denotando o que se rotula genericamente como atraso.
À filosofia praticada na época não é possível evitar que se lhe atribua o mesmo
deslustre. A intelectualidade do período ocupava-se essencialmente em promover
a conciliação do pensamento clássico herdado dos séculos anteriores com as
crenças religiosas predominantes na Idade Média. Perdeu-se, portanto, muito
tempo para se explicar o inexplicável e a humanidade caminhou a passos lerdos. A
razão não tinha vez e as liberdades que lhes são da essência se viram
embotadas, enfraquecidas, acovardadas.
Superada essa fase, adveio o Renascimento e uma nova filosofia que se
denominou “moderna”. O renascimento filosófico gestou no século XVIII o
Iluminismo, o século das luzes, quando o homem passou a enfatizar o poder da
razão sobre a emoção para explicar e reformar o mundo. Destacam-se filósofos
importantes como Baruch Spinosa, John Locke, Diderot e Voltaire, entre outros.
Influenciou mundo afora os movimentos libertários das colônias de nações
europeias, como o americano nas pessoas de Thomas Jefferson e Benjamim
Franklin. Até mesmo a nossa Inconfidência Mineira se banhou nas luzes do
Iluminismo. Todos os seus ideais como o fim do colonialismo e do absolutismo, a
instauração da República, as liberdades econômica, religiosa, de pensamento e de
expressão nasceram na intelectualidade européia do século XVIII.
A grande lição que nos ficou do Iluminismo pode ser sintetizada na
frase que dá título a esta crônica: “Ouse Saber”, em latim, “Sapere Aude!” que
pode ser considerado o lema do Iluminismo. Immanuel Kant resumiu de forma
magnífica o que isso passou a significar para a humanidade: “O Iluminismo
representa a saída dos seres humanos da tutela que estes se impuseram.
Tutelados são aqueles que se encontram incapazes de fazer uso da própria razão
independentemente da direção de outrem. É-se culpado da própria tutela quando
esta resulta não de uma deficiência do entendimento, mas da falta de resolução
e coragem para se fazer uso do entendimento independentemente da direção de
outrem”
O que, então, significa “ousar saber” no mundo de hoje? Não difere
muito do que os iluministas nos legaram porque o ato de pensar livremente, incluindo
a de expressar o quê disso resulta, tem um caráter universal e atemporal, isto
é, atinge a todos e independe de época. Não há dúvidas de que ousar ou atrever-se
a saber, que é o mesmo que atrever-se a pensar, pois quem não pensa não adquire
sabedoria, requer engajamento social. Vivemos momentos de liberdade nominal,
mas de pouca liberdade real quando consideramos que os fardos da vida social pesam
para os menos aquinhoados mais do que a capacidade que têm de suportá-los.
Vejam o Estado Republicano, pretensamente democrático, que nos sufoca dia a
dia! Nas condições em que atualmente se
apresenta, o Estado assumiu tamanha magnitude e assenhoreou-se de tal modo da vida
do cidadão que ele se vê forçado a privar-se da liberdade de pensamento e
expressão, de ser sábio, se é que quer continuar desfrutando de sua pseudo-cidadania.
O cidadão humilde que depende de uma Bolsa Família para sobreviver; o
eleitor que se vê obrigado a vender o seu voto para conquistar um benefício de
seu candidato, se eleito; o doente na fila de um hospital público abarrotado
que depende da boa vontade de um funcionário para pelo menos conseguir uma maca
onde jogar o seu corpo enfermo; o empresário que precisa cumprir mil obrigações
burocráticas para não ver seu negócio detonado pela voracidade do Leviatã; o
cidadão que é triturado pelas engrenagens da burocracia quando quer fazer uma
mera transação imobiliária, obter um documento ou mesmo para requerer um
direito teria liberdade suficiente para ousar saber, pensar e atuar? Essas
formas de poder exercidas sobre os cidadãos pelo estado totalitário tolhem boa
parte da suas liberdades e os impedem de saber, pensar e atuar criticamente. O
cidadão devedor e dependente se autorrestringe e se acovarda, o que perpetua o
domínio dos detentores do poder. O Iluminismo nestes casos não passa de uma
bela filosofia que teoricamente nos ilumina a mente, mas não nos garante
sucesso se, conforme disse Kant, nos faltar resolução e coragem para o
entendimento independente da tutela alheia.
As condicionantes do livre saber, pensar e expressar não param no
parágrafo anterior. Quantas vezes já nos ocorreram de ficarmos alheios a uma
injustiça ou aceitarmos passivamente o prosperar de um malfeito? O cidadão, e
não é só aqui em nossa terra, mas em qualquer lugar do mundo, se omite por
comodismo, por covardia ou mesmo por ignorância quando se depara com algo
errado. A recente série de reportagens que Ernesto Paglia da Rede Globo
apresenta no programa Fantástico sob o título de “Vai Fazer o Quê? demonstra
como uma grande quantidade de pessoas se mostra indiferente como a situação
desagradável que se lhes apresenta e prefere não se envolver. Falta de
entendimento, de sabedoria? Falta de solidariedade? Falta de coragem? Pode ser
tudo isso, mas principalmente demonstra a falta de iluminação das suas mentes por
certo condicionadas ao exercício do papel de meros coadjuvantes dessa
trajetória maravilhosa e enigmática que é a vida.
E quanto ao meio-ambiente? Todos sabem, ou pelo menos teriam condições
de saber, que o homem anda destruindo o planeta e tratando-o muito mal. Parecem
desconhecer que a Terra é única e que os seus recursos naturais são esgotáveis.
O que deixaremos para as gerações futuras? Ou imaginam que o mundo ao já se
encontrar próximo do fim nada justificaria certos sacrifícios no presente para
mantê-lo em bom estado no futuro. Espécies animais e vegetais são dizimadas em
velocidade estonteante causando desequilíbrio ecológico. Sabe o que faz o
cidadão que não tem a mente iluminada, nem mesmo pelo débil lume de uma
prosaica lamparina? Descarta o lixo que poderia facilmente ser reciclado no
primeiro terreno baldio que encontra; lança a bituca de seu cigarro pela janela
de seu apartamento, pela janela de seu carro ou mesmo no meio da rua sem a
menor consideração para com o próximo e para com o meio-ambiente. Se somos
seres pensantes e se sabemos que somos parte do problema porque, então, via
iluminação, não optemos por ser parte da solução?
De minha parte, tenho tentado ser independente naquilo que penso e
expresso. Prova disso são os 250 textos que completo com a crônica de hoje e
que me dão uma enorme alegria e real sensação de liberdade por tê-las escrito
sem constrangimento e condicionantes. Sinto-me tão livre para pensar e escrever
que - deste texto em diante - tomei a liberdade de me eximir da obrigação quase
semanal a mim auto-imposta de produzi-los como tem acontecido nos últimos anos.
Não me cobrem mais o texto da semana, mas sim um novo texto, pois continuarei a
escrever, mas só e quando julgar que vale a pena. Já ando pela metade dos meus
sessenta e às vezes tenho feito planos de vagamundear tanto no real como na
imaginação. Pensar, sim, continuarei e
sempre, pois se a mente não é iluminada não há como não iluminar também os
caminhos que trilhamos. Eu não pretendo andar no escuro...
Edson Pinto
Setembro’2013