20 de fev. de 2009

68) O ELO ROMPIDO

Como a vida havia passado rápida e produtiva para Salete! Mal deixara a adolescência e já realizava o sonho de formar com Luiz, seu amor juvenil, uma família cheia de filhos e de alegria. Tiveram quatro. A família tornou-se próspera, casaram-se os filhos, vieram os netos e aquela sensação de dever cumprido parecia marcar o norte da jornada de seu porvir.

A boa situação financeira e familiar lhe permitia, com plena justiça, afrouxar, agora, os laços que ainda a prendiam às lutas do passado, deixando-a voar como pássaro livre sobre o trigal maduro de sua vida. Merecia!

Mas, recônditas inquietações fustigavam-lhe a alma. E não era um fato recente. Alimentava, pacientemente, por décadas, o desejo - totalmente sem lógica do ponto de vista de seu espírito prático de mulher guerreira – porém plenamente justificável por razões anímicas de sua nobreza espiritual, de desvendar seu passado: doía-lhe o rompimento, ainda menina, do elo familiar, esse encadeamento necessário que responde ao ser humano as mais inquietantes de suas questões existenciais: De onde vim, quem sou e para onde vou?

Não havia como esquecer aquele momento em que, ainda menina - tinha lá seus nove anos, vira o pai abandonar a mãe na cidade grande, sem quaisquer outros parentes por perto, e sumir no mundo para nunca mais voltar. Teria o pai formado outra família? Teria irmãos, irmãs ou mesmo parentes com os quais se identificar? O mesmo sangue correndo em outras veias? Quem sabe pessoas a quem pudesse abraçar e chamar de meus?

Mesmo na necessidade de ser criada por uma outra família, quando ganhou outra mãe, Dona Sila, nunca deixou de assistir a mãe verdadeira que lutava arduamente pela sobrevivência. Também, nunca se esquecera daquela fotografia esmaecida pelo tempo e que registrava o seu batizado no município de Capela, em Alagoas, lá no longínquo Nordeste deste nosso país de dimensões tão colossais. Aquele retrato funcionava como um ponto de partida a ser, em algum momento de sua vida, explorado para conseguir o restabelecimento de sua gênese. Isto tinha que acontecer...

__ O senhor conhece uma usina de açúcar com o nome de Capricho no município de Capela? Perguntou Salete ao recepcionista do hotel em que se hospedara na cidade de Maceió e para onde se dirigira com o propósito de recompor um elo que faltava na corrente de sua vida. __ Ah, exclamou o homem enquanto coçava a cabeça, esforçando-se para se lembrar de mais detalhes. __ Olha Dona, tenho um amigo que tem contato com gente de lá. Se a senhora quiser, consigo o telefone dele. Começava ali a busca de Salete pelas suas raízes: O telefonema para a pessoa indicada resultara na identificação adequada de pessoas e do local para onde deveria se dirigir no dia seguinte.

Antes de chegar a Capela, o táxi pára no vilarejo de Pitimiju. E, como quase por encanto, surgi-lhe, tal qual na fotografia que mantinha guardada há tanto tempo, aquela igreja onde fora batizada. Remonta em sua memória, agora sobre o cenário real, a pose que Augusto e Cícera, seus pais, fizeram para ostentá-la, como um troféu, ainda bebê, naquele retrato que havia se constituído no mais importante documento de sua vida.

Foi só adentrar ao pequeno vilarejo e lá, de casa em casa, ia sendo levada pelos irmãos recém-identificados para conhecer um novo membro de sua família. Irmãos emocionados, sobrinhos, primos, gente das mais diferentes compleições físicas, gordos, magros, altos, baixos, que choravam, abraçavam e trocavam as caricias fraternais que a vida, caprichosamente e por tanto tempo, havia lhe negado. Todos os novos parentes, especialmente os irmãos e irmãs sabiam - por terem ouvido do próprio pai - já falecido, da existência da irmã Salete que ficara em São Paulo desde os longínquos anos 50.

Se algum sentimento de revolta houvesse para com o pai que nunca mais dera notícias, pelo menos lhe confortava o fato de que ele nunca a esquecera; jamais omitira sua existência e até mesmo alimentara nos outros filhos a possibilidade de um dia se encontrarem. Ele mesmo não conseguira realizar o acalentado encontro. Morrera devendo isso a si mesmo e aos filhos de seu segundo casamento. Salete, contudo, estava agora cumprindo por conta própria esse mister.

A jornada havia sido compensadora. A simplicidade e pureza de seus familiares de sangue tornaram a alma de Salete mais leve do que ela mesma poderia ter imaginado antes de ter empreendido aquela nostálgica e necessária viagem ao seu passado e à sua dimensão desconhecida. Faltava apenas conhecer uma irmã que, como ficara então sabendo, morava em Osasco já há muitos anos e em local não tão distante da casa de Salete. Décadas de proximidade física sem nunca terem se aproximado uma da outra.

Na volta a São Paulo vai à busca da última irmã que ainda lhe restava conhecer. __ Trabalha num restaurante aqui nas redondezas, informou uma de suas novas fontes. E lá foi ela em busca do contato.

__ O senhor poderia me chamar Diana que trabalha aqui em seu restaurante? __ Claro que sim, um momento! __ Diana, uma senhora está aqui a sua procura, gritou o homem em direção à cozinha. E então, uma simples senhora com um pano protegendo os cabelos se apresenta com olhar de espanto e pergunta: __ Quem é a senhora? Salete, igualmente surpresa, olha a irmã em detalhes e diz: __ Veja, somos fisicamente igualzinha, portanto... Nem precisou concluir. __ Você é minha irmã Salete de quem papai tanto falava! Abraçaram-se por longo tempo e limparam mutuamente as lágrimas roladas em abundância. Diana, com a simplicidade de mulher sofrida pela dura faina da vida, vira as costas e diz: __ Salete, agora tenho que voltar ao trabalho e dirigiu-se cabisbaixa para a cozinha do restaurante.

Agora o elo tinha se reatado. Salete se coloca à disposição dos irmãos para contatos futuros. Mas o tempo passa, passa, passa e o silêncio permanece perturbador como antes. As suas almas haviam se reencontrado e se identificaram plenamente, mas a vida diferente de cada um prevaleceu determinando o mesmo distanciamento de décadas de isolamento.

Para Salete estava recomposto o elo que tornava a sua vida um tanto fluida, um tanto desconexa. Mas havia a nova família, seu marido Luiz, seus filhos e netos. Esta, sim, era a verdadeira corrente para a qual a sua vida valia ser continuada. Um elo recuperado, a alma aliviada e a vida seguindo o caminho de sempre...

Edson Pinto
Fevereiro’ 2009

12 de fev. de 2009

67) O JOGO DO CONTENTE (fev'09)


Quanto ao fato de que a crise econômica mundial já tenha chegado ao Brasil, penso, ninguém de bom senso a esta altura do campeonato tem qualquer dúvida. Ou estou enganado? Não é, lamentavelmente, a marolinha que o presidente Lula quis nos fazer imaginar que fosse. Ela é dura mesmo, muito se assemelhando ao tsunami que ninguém gostaria de enfrentar.

Já começamos a ter fatos concretos que nos demonstram com absoluta clareza que a crise circula desenvolta entre nós: A Balança Comercial apresentou déficit mensal pela primeira vez em 8 anos; A Indústria nunca demitiu tanto quanto em dezembro e continua a fazê-lo em janeiro e fevereiro. Finalmente, o índice de inadimplência no comércio não pára de crescer. Isso, só para citar algumas das conseqüências mais visíveis de como a crise já se instalou forte em nosso próprio quintal.

A escritora americana Eleanor Porter inaugurou em 1913 uma série de publicações em torno da figura de Pollyanna, uma menina encantadora que teria encontrado ao longo de sua vida um modo de se obter a felicidade em tudo o que lhe ocorria, mesmo quando o fato se lhe apresentava desagradável. Aplicava Pollyanna o chamado “jogo do contente” aprendido com seu pai antes de ir viver na casa de sua sisuda e rigorosa tia Polly.

O jogo do contente consiste em um recurso psicológico para se encontrar algo que torne a pessoa feliz em qualquer situação em que ela se encontre. Exemplos da própria Pollyanna: Ela se julgava feliz por não se chamar Pollyannnnna (com esse montão de n’s). Se isso fosse a realidade, argumentava ela para si mesma, teria muito trabalho e chateação para escrever e divulgar o próprio nome. Por isso, ficava feliz por ter o nome grafado com apenas 2 n’s. Punida pela tia por uma pequena falta que cometera, Pollyanna deveria jantar somente pão e leite na companhia da empregada Nancy na cozinha da casa e não com todos na sala de jantar. Pollyanna vê intensa felicidade naquela punição, pois adorava pão e leite e além do mais se dava muito bem com a empregada Nancy. O jogo do contente consiste, como aqui demonstrado, em iludir os próprios sentimentos para considerar-se feliz. Teste você mesmo em seu dia-a-dia e depois conclua se funciona ou não...

Feita essa digressão filosófico-juvenil, permito-me avançar um pouco naquilo que há de bom e no que, também, há de mau em assumirmos permanentemente uma postura exageradamente otimista e feliz como o praticado no “jogo do contente” de nossa Pollyanna: Parece-me válido que procuremos sempre ver se existe de fato um lado bom a se contrapor à face rude da realidade que nos desagrada. Temos, contudo, de considerar, se ao fazermos do jogo do contente uma panacéia para todos os nossos incômodos, não caímos no extremo do conformismo fácil, abandonando a necessária visão critica e matando o estímulo para a atuação tão necessária à nossa dignidade.

Proponho, com efeito, encontrarmos um meio-termo ao ceticismo radical daqueles que, de um lado, nunca se contentam com nada e de outro, com aqueles que candidamente praticam como Pollyanna o jogo do contente.

Nesta crise, por exemplo, há o lado ruim em que pessoas perdem seus empregos, empresas fecham suas instalações deixando de comprar, de pagar impostos e de investir. Planos pessoais de lazer e de estudos são adiados por falta de dinheiro para custeá-los e tantas outras coisas que deixamos de lado quando a fonte de nossas receitas seca ou ameaçar secar. Esta é a realidade nua e crua.

Pollyanna com o seu jogo do contente certamente verá nisso um lado bom. Poderemos aproveitar para refletir se não estamos vivendo de forma extravagante e desnecessária. Quantos gastos poderíamos abandonar? Quantas de nossas atitudes implicam em gastança apenas para mostrarmos o quão poderosos somos e assim impressionar o amigo, o vizinho ou a comunidade? Não há, pois como discordar de Pollyanna nesse caso. Ela está certa!

O que não podemos, é nos deixar acomodar felizes com a nova e dura realidade sem nos darmos conta de que precisamos também odiar a crise e tentar debelá-la com toda a força e empenho. Não fazê-lo, implica em aceitarmos um país mais pobre, gente simples tendo suas precárias condições de vida tornando-se ainda piores, aumento da criminalidade e aprofundamento do abismal fosso que divide o país entre uns poucos muito ricos e a sua maioria cada vez mais miserável.

Ao governo cabe criar condições que permitam aos agentes econômicos a livre atuação para a retomada do desenvolvimento. Deveria, também, o governo, deixar de alardear, como tem sido a prática, de que tudo anda bem quando, na verdade, o que se pode sentir é exatamente o contrário.

Ao considerarmos que, apesar de toda a crise que está morando conosco, mesmo assim o presidente Lula consegue, conforme última pesquisa CNT/Sensus, o seu mais alto índice de aprovação (84% de cidadãos felizes), só nos restar perguntar:

O jogo do contente praticado pelo governo Lula não só tem sido eficiente como, mais do que isso, tem sido assimilado pela maioria esmagadora de nossa gente?

e ainda:

Até que ponto o espírito de Pollyanna penetrou em nossas almas?

Edson Pinto
Fevereiro, 2009

5 de fev. de 2009

66) RADICAIS NUNCA RECUAM

Há muito não tenho visto na TV a deputada pelo Rio Grande do Sul, Luciana Genro, aquela jovem potencialmente bonita (desde que reformasse o penteado), de caráter e comportamento tão radicais que muito apropriadamente, e com a perfeição de uma luva, tão bem caiu nas mãos e hostes da não menos espalhafatosa, sistemática e desabusada ex-senadora Heloísa Helena. Como esta perdeu as últimas eleições, penso que a sua turminha de radicais, incluindo a trotskista Luciana Genro, é claro, encontra-se presentemente em leve ostracismo. Isto, contudo, não significa que nunca mais voltaremos a ouvir falar dela. Radicais ferozes com esses nunca desaparecem por completo. No máximo, fazem um recuo estratégico para recarregarem suas baterias e depois voltam com a carga completa. Anotem e aguardem...

Não é sem razão o fato de ter eu pinçado a figura da Luciana Genro para as considerações que farei do episódio que nessas últimas semanas tem tomado conta de boa parte do noticiário da imprensa brasileira e internacional. O nosso ministro da Justiça, numa decisão altamente polêmica, concedeu ao assassino italiano, Cesare Battisti, o status de refugiado político, negando, com efeito, o pedido do governo democrático da Itália para que a controvertida figura fosse extraditada e, lá em seu país, cumprisse a pena de prisão perpétua a que fora condenado pelo assassínio de quatro de seus concidadãos nos anos 70.

Mas, o que a deputada do PSOL tem a ver com essa questão? Política e juridicamente, nada. Para efeito, contudo, dessa minha análise tem, sim, tudo a ver. Explico melhor: Sempre me questionei o porquê daquela garota ser tão radical como nos parecia ao vê-la na TV. Imaginava eu - com a pureza de quem sempre se preocupou com o comportamento dos filhos - como o papai daquela “usina de rancores” ficaria triste por ver a filhinha ter crescido assim tão ranheta. Seria desamor? Sentimento de culpa por eventual ausência paterna durante a sua criação? Excesso de liberdade que a levou ao convívio com más companhias? Sei lá mais o que...

Só agora, finalmente, me dou conta de que a pobre da garota não poderia ter saído muito diferente do seu papai Tarso Genro, este, exatamente o ministro que concedeu ao arrepio das melhores e mais bem fundadas análises sobre o caso a concessão do status de refugiado político ao assassino Cesare Battisti. Se não bastasse vermos o que esse nosso ministro tem feito ao longo de sua gestão no Ministério de Lula, tente fazer uma pesquisa sobre o seu passado marxista, de homem turrão e radical birrento. A filhinha não poderia ser muito diferente, óbvio.

O que poderia ser diferente - e aí teríamos evitado o pior - seria o endosso dado pelo presidente Lula ao mais radical de seus ministros, esse Tarso Genro, da (sic) Justiça. Infelizmente, como todos já sabemos, o nosso presidente tem sido acometido de pirose retrosternal com conseqüente eructação ácida, a popular azia, quando lê as verdades que a imprensa publica, ao mesmo tempo em que demonstra ojeriza explicita a qualquer aprofundamento intelectual necessário ao adequado discernimento entre o bom e o mau para o país.

Errou Tarso Genro. Errou Lula. E para dar o tom completo da lambança, errou também o PT dando aos dois trapalhões a idiota cobertura para o sustento de tão infeliz decisão. Diga-se de passagem, uma decisão que só nos traz dissabores, denigre nossa imagem de país sério, compactua-se com a criminalidade, despreza o julgamento soberano e democrático da Corte italiana sem contar outros tantos prejuízos que nos causarão no âmbito da política externa brasileira. Por outro lado, lamentavelmente, nada nos dá de bom por concedermos essa generosidade para um terrorista que errou e pecou ao matar pessoas inocentes em seu país. E tudo acontece, exclusivamente, devido ao radicalismo de um ministro que – como está agora provado - não representa em nada o perfil de nós brasileiros.

Felizmente, temos certeza de que as autoridades italianas e seu povo devem saber distinguir o fato de que o comportamento de nossos dirigentes, neste caso Tarso Genro e Lula, não representa o real sentimento da nossa gente. Mesmo porque, historicamente, temos dado provas de que formamos uma nação solidária e boa. Já acolhemos aqui dezenas de milhões de italianos que fizeram do Brasil a sua nova pátria e aqui vivem e se incorporaram tão bem na nossa cultura.

Também, para a Itália, mandamos 25.334 dos nossos mais corajosos e destemidos jovens militares para, entre 1944 e 1945, ajudar no extermínio do Nazismo, libertando cidades italianas e aprisionando dezenas de milhares de soldados alemães como ocorreu nas batalhas de Camaiore, Monte Prano, Castelnuovo, Montese e Monte Castelo, onde saímos galhardamente vencedores. E, ainda lá enterramos, no cemitério de Pistóia, 443 de nossos jovens que perderam a vida nos campos gélidos da Itália para dar ao povo irmão a liberdade que merecia.

E mais, nossos jovens jogadores de futebol têm contribuído ao longo dos últimos anos para a manutenção do elevado nível desse esporte naquele país com o qual sempre tivemos laços fraternais. Penso não serem mais necessárias outras demonstrações concretas de nossa boa índole, concorda?

O episódio Cesari Battisti é um desastre não do Brasil, mas de alguns poucos brasileiros como os que citei acima. Se esses senhores tivessem ao menos a humildade de voltar atrás na descabida decisão que tomaram, ainda poderíamos passar a impressão de que temos alma. Erraram, mas reconheceriam o erro reformando a decisão para o bem de todos. Mas, não podemos nos esquecer que os radicais tendem a nunca voltar atrás. Um radical da estirpe de Tarso Genro quando encontra um superior excessivamente “senhor absoluto de si mesmo”, como o presidente Lula, jamais daria o braço a torcer.

Só nos resta o equilíbrio da nossa Suprema Corte para recolocar o tema no seu devido e mais do que necessário lugar. Esperemos que isto aconteça o mais cedo possível. Só não podemos esperar que a nossa jovem Luciana Genro venha a mudar, também, o seu comportamento radical, pois, infelizmente, isso é genético e a Ciência ainda não consegue alterar os pirracentos cromossomos que ela herdou de seu papai-cabeça-dura.


Edson Pinto
Fevereiro'09