24 de abr. de 2014

262) AMOR RESPONSÁVEL

“Aparentemente, nada é mais difícil de suportar, para o homem comum, do que o sentimento de não se identificar com o grupo” (Erich Fromm).

  No meu texto recente, “260) Parteiros do Próprio Nascimento”, terminei falando da necessidade que o ser humano tem de se relacionar com outros. Podemos – em princípio – ver nisso uma aparente contradição, pois o homem, após enorme esforço para descobrir o propósito de sua vida e assim superar o seu sentimento de alienação ao mundo, vê-se diante da necessidade – não raro – de se submeter ao jugo das normas e valores de um grupo ou de outrem para tão somente ser aceito. E a sua autodefinição? Suas singularidades? Suas habilidades e sua particular maneira de ver a vida que em suma o torna um individuo?

Mas, se considerarmos que é preciso abandonar o estado de solidão que a vida individualizada nos impõe para podermos ser aceitos, existe então um caminho seguro para que isso aconteça: Este caminho é o amor! Para o autor da frase que abre este texto, Erich Fromm, amar é uma capacidade inata que, no entanto, requer permanente exercício prático para que as relações interpessoais sejam produtivas. Vale tanto para o relacionamento com os grupos distintos com os quais nos deparamos durante a vida como com a relação entre pessoas. Amar no sentido pessoal implica na compreensão de alguns fundamentos:

O primeiro e o mais genérico de todos seria o respeito mútuo pelas duas partes sobre as respectivas características individuais. O amor verdadeiro não abre mão da autonomia individual de cada um, pelo contrário, as respeita. Tentar fazer das duas personalidades que busca entre si o amor, uma só, é no mínimo um grande erro. Impossível encontrar o verdadeiro amor quando uma das partes tenta fazer com que a outra se encaixe perfeitamente ao seu próprio molde.

A única e real forma de amar é quando se respeita as diferenças de opiniões, de crenças, de comportamentos e até mesmo das escolhas individuais do outro. Como diz Erich Fromm: “amor é a união com alguém ou alguma coisa exterior a si sob a condição de se manter a separação e a integridade do individuo”. Muitas pessoas imaginam-se amando quando na verdade nada mais fazem do que submeterem-se ao conformismo de uma nova conduta que contraria o seu próprio “eu” tão arduamente conquistado quando do autoentendimento da vida. Muitos dizem abertamente: “eu te amo”, sem saber que o que efetivamente estão expressando é algo como “você me pertence”; “eu me vejo em você”, ou expressam sentimentos do gênero.

Esse cego e distorcido desejo por uma existência única na qual dois seres hão de se tornar uma só personalidade implica em que as particularidades de um se sobreponha às do outro. Algo assemelhado a como se olhar no espelho e se ver na imagem do outro, ou vice versa. Outro grande engano é comumente cometido por aqueles que investem na modelagem de uma maneira especial de ser com a qual acreditam serem mais facilmente aceitos, desejados e amados. O importante para ser feliz é a manutenção firme daquilo que cada um já se convenceu previamente como sendo a maneira mais correta de interpretar o mundo e a vida. Não que mudanças de pensamentos não possam ser feitas, mas que sejam mudanças autênticas e não apenas para satisfação do intento de ser amado.

Há ainda fundamentos adicionais que alicerçam o relacionamento e o tornam duradouro: Há de se ter cuidado, pois quem ama cuida e não abandona o objeto do amor. Amar é proteger como é também ter responsabilidade para com o outro. Quem, na adolescência, nunca teve a leitura, quase obrigatória, de Antoine de Sant-Exupéry em que ele nos ensinou aquela verdade tão simples de que nos tornamos eternamente responsáveis por aquilo que cativamos? Quantas pessoas brincam com os sentimentos alheios. Provocam-nos, aguçam-nos e depois os desprezam como se nada tivesse acontecido. E por que não procurar conhecer o mais profundamente possível o forma de ser, de pensar, de agir, os desejos, sonhos e as necessidades do outro? Sem isso, amar pode ser uma aventura no escuro sujeita ao fracasso.

Por fim, um alerta àqueles que só consideram ser objeto do amor dos outros e desprezam a necessidade de retribuir sendo também amorosos: Cuidado com o egoísmo! Amor não é uma relação comercial em que se procura obter lucro dando-se pouco e ganhando-se muito. A felicidade verdadeira depende, primeiro, do sentido que se dá a própria vida e, segundo,     da capacidade que se tem de relacionar-se com equilíbrio exigindo respeito à própria individualidade, mas respeitando reciprocamente a individualidade do outro. Com equilíbrio, compreensão, cuidado, responsabilidade e respeito o amor faz da vida uma transição feliz.

Edson Pinto

Abril’ 2014

17 de abr. de 2014

261) DOLCE FAR NIENTE

O programa Fantástico da Rede Globo, em semana recente, mostrou uma reportagem muito interessante sobre os danos à saúde causados pelo excessivo tempo em que as pessoas ficam sentadas. Recomendava que, além da prática regular de exercícios físicos, passemos a adotar o hábito de ficar de pé por mais tempo. O exemplo, comprovado com números do consumo de calorias, foi dado na própria reportagem: Pessoas que assistiam à mesma palestra de renomado médico canadense foram testadas para validação da teoria. Algumas ficaram sentadas por todo o tempo da palestra; outras revezavam, a cada 10 minutos, entre sentadas e de pé e até mesmo algumas ficaram durante todo o tempo somente de pé. Os números são fantásticos, tal qual pretende ser o programa dominical: Quem revezou entre sentado e de pé a cada 10 minutos consumiu mais calorias do quem ficou somente sentado. E quem ficou todo o tempo, de pé, consumiu ainda mais do que os outros dois. Conclusão: Quem fica de pé, ou em pé, como queira, vive de maneira mais saudável, e – que maravilha! – pode ter sua vida alongada por até dois anos.

Fiquei refletindo sobre esse não tão novo achado da medicina: Ora, se ficar de pé, e por extensão, movimentar e andar é bom e saudável, por que as pessoas reclamam da superlotação dos ônibus públicos, do metrô e dos trens urbanos? Por que os usuários do SUS se aborrecem de ficar horas e horas em filas aguardando o momento para pegar uma simples senha de atendimento semanas mais tarde? Por que nos aeroportos brasileiros nos queixamos das longas filas do “check-in”, de filas maiores ainda para pegar a mala ao final da viagem ou das longas filas a que nos submetemos nos bancos para uma simples operação financeira? E as filas nas lotéricas para uma habilitação ao prêmio acumulado da Sena? Se for saudável ficar de pé e as pessoas se conscientizarem disto, até imagino como seria uma viagem convencional no metrô: Assentos disponíveis em abundância e pessoas se acotovelando para conquistar uns centímetros quadrados para permanecerem de pé enquanto o bólido sacoleja da esquerda para a direita e de trás para frente centrifugando as nossas calorias excedentes...

Parece que estou brincando com coisa séria. Um pouco sim – confesso –, mas o que chama a atenção em nossa sociedade cada vez mais cômoda é que as pessoas, principalmente nas grandes cidades, tendem a abandonar os hábitos saudáveis da prática de exercícios físicos pela demanda inesgotável de conforto. Come-se muito, arredondam-se as silhuetas e depois não veem a hora de se estatelarem em um reconfortante banco do trem do metrô ou do ônibus urbano, ou no sofá em frente à televisão. Curioso ainda é que cada vez mais, nós os brasileiros, estamos frequentando academias de ginástica para fazer exatamente aquilo que poderíamos – de graça – fazer ao longo do nosso cotidiano: Ninguém gosta de enfrentar os degraus da escada do escritório e por isso usa-se o elevador às vezes para vencer tão somente um ou dois andares. Para ir à padaria que fica na rua de trás, pega-se o carro e enfrenta-se todos os inconvenientes da falta de estacionamentos. São inúmeros os exemplos de pequenos esforços físicos que poderíamos fazer no dia a dia para surtir o mesmo efeito que nos vendem as academias. E por que não os aproveitamos? Vejo duas importantes razões:

A primeira, é que, infelizmente, falando da realidade brasileira, as pessoas tomaram, e com justificada razão, medo de caminhar livremente pelas ruas de nossas grandes cidades. A criminalidade que age livremente nas vias públicas, normalmente mal policiadas; as suas condições precárias, mal iluminadas; poluição sonora e o ar permanentemente infestado pelo monóxido de carbono liberado por ônibus, caminhões e carros com motores mal regulados. Calçadas que se assemelham às trilhas preferidas pelos ralis automobilísticos com buracos e surpresas mil, entre outros inconvenientes. Tudo isso junto, obviamente, desestimula o uso da via pública para a caminhada. Na mesma reportagem, mostrou-se que cidades importantes no mundo têm investido na ampliação de pistas exclusivas para pedestres e na ampliação das ciclovias.

A segunda razão, é que somos, por natureza, um povo cômodo, exigente quanto ao que os outros nos tem que prestar de serviço, mas ao mesmo tempo muito relapso com o que devemos dar de nós mesmos aos outros. A funcionária da repartição que reclama do fato de ter que ficar em pé no metrô é a mesma que do lado de dentro do balcão não se importa com a fila de usuários que esperam pelo atendimento em seu trabalho. Somos dúbios: Queixamos do fast-food excessivamente calórico, mas nos recusamos a levantar um pouco mais cedo para uma caminhada. Lamentamos pela dificuldade de se conseguir rapidamente uma consulta no médico do convênio onde certamente – após vários e custosos exames laboratoriais – ouviremos do médico que o colesterol elevado que ora apresentamos poderia ser controlado com atividade física. É a mesma incoerência que leva as pessoas a reclamarem de que as ruas da cidade estão sujas, mas que continuam jogando a bituca de seus cigarros pela janela de seus carros quando poderiam depositá-las no recipiente apropriado. Como veem a situação não é lá tão simples assim. Se for do egoístico interesse pessoal, tudo bem, o sacrifício de um esforço físico adicional é até admissível. Porém, se isso soar como uma obrigação, ninguém está disposto a mudar o procedimento ou abrir mão do conforto.

 Há dois meses compreendi perfeitamente isto quando – em viagem a Belo Horizonte – tive a oportunidade de assistir a um jogo no novo Mineirão agora no padrão FIFA. Depois de centenas de milhões gastos o estádio ficou uma maravilha. Tive um grande orgulho de voltar lá, pois, de 1965, quando foi inaugurado, até 1973, quando deixei BH, fui assíduo frequentador daquela praça esportiva. E olha que costumava percorrer, com meus amigos, a pé e com alegria, os cerca de cinco quilômetros que separam o bairro em que morávamos do Mineirão. Mas agora me vi acomodado em confortáveis assentos até que o jogo começasse. Foi aí que me dei conta da sabedoria popular coletiva, pois durante todo o jogo, exceto pelos 15 minutos do intervalo, as pessoas permaneceram de pé. Questionei então a mim mesmo: Para que todas essas cadeiras caríssimas, anatômicas e multicoloridas se o povo que ama o futebol e a vida sabe que de pé diverte-se mais, vive-se melhor e ainda se habilita a ganhar uma extensãozinha de dois anos na permanência neste vale de lágrimas?

Edson Pinto

Abril’ 2014 

10 de abr. de 2014

260) PARTEIROS DO PRÓPRIO NASCIMENTO

Enquanto pensava no texto que escreveria nesta semana para publicar no meu blog, sentado aqui no aconchego do meu espaço domestico preferido, pego a velha espátula de cabo de madrepérola e lâmina prateada, presente de um amigo que me acompanha há anos, para abrir algumas correspondências que acabaram de chegar.

Olhando para esse instrumento prosaico e de singela utilidade concluo ter sido produzido por mãos habilidosas de algum artesão em tempos pretéritos e que eu não tive o prazer de conhecer, senão pela sua arte que sempre admiro quando dele me sirvo. Por certo, não foi produzido em série, de forma industrial, com o propósito de inundar o mundo com outros exemplares de igual formato. É notório o toque da engenhosidade de alguém que planejou fazê-lo para que servisse a um propósito especifico, ou seja, o de abrir, com elegância e às vezes até mesmo com emoção uma correspondência de um amigo ou de um ente querido e distante. Divago até mesmo sobre o destino dos abridores de carta num futuro não tão distante quando a totalidade das cartas se tornarem eletrônicas. Mas isso é outra reflexão...

O cabo do abridor de cartas é adequado para ser bem manipulado e com segurança. A sua lâmina que é fina, mas não cortante a ponto de causar acidentes, tem uma ponta bem torneada e de espessura perfeita para ser introduzida na base da dobradura da lingueta do envelope e, a partir dali, fazer um corte uniforme e sem causar dano ao seu conteúdo. Simples, prático, bonito e genial! 

Nesse momento me veio à mente o grande filósofo Jean-Paul Sartre, francês, século XX, pois ele usou alegoria semelhante para expor o seu pensamento sobre a existência humana em exata oposição à lógica natural das coisas. Em outras palavras: quando algo chega a ser feito há de se considerar que isso segue a um propósito que ele chamou de essência. Portanto, a essência, ou o propósito, de qualquer coisa que se cria há de preceder à sua existência. Nada mais compreensível! Se o artesão não tivesse dado propósito ou imaginado a essência daquele abridor de cartas, como então, depois de criado, atenderia à perfeição à necessidade que temos de abrir envelopes?

Sarte e muitos outros filósofos que o antecederam refletiram sobre a essência, ou o propósito, de nossas vidas. Se a espécie humana sobre a Terra for simples fruto de um acidente, portanto não decorrente de uma criação proposital de Deus então a nossa existência inverte a lógica do artesão que concebeu o abridor de cartas a partir de um propósito especifico. Existimos antes de ter um propósito. Dói pensar nisso, é claro, mas talvez isto não seja lá algo tão ruim. Sarte não só afirmou isso, mas criou uma abordagem bem estruturada a que se deu o nome de Existencialismo. A nossa existência como seres humanos é incerta, eventual, contingente.  A decorrência disso é que cabe a cada um de nós promover o próprio nascimento.  Isso se dá ao criarmos um propósito de vida pessoal. Cheira a ateísmo, mas tem muito a ver com liberdade...

Pelo livre-arbítrio, temos a liberdade, como tem um escultor ao moldar a sua própria obra, de também moldarmos a nossa própria vida e fazermos dela o que imaginamos ser o melhor. É precisamente isso que nos faz diferentes de todas as demais espécies e coisas que conhecemos no mundo. Um galo ou uma raposa, mesmo simbolizando times de futebol, são apenas um galo e uma raposa. O primeiro tem a sina de dominar o seu terreiro e a segunda o instinto de apoderar-se de algum exemplar gordinho do harém do primeiro; uma montanha não passa de uma montanha e um Ipê amarelo não passa de uma bela e encantadora árvore, mas nada mais do que isso. Nós como seres humanos dotados de razão e do livre-arbítrio podemos ser o que quisermos, obviamente que respeitadas as limitações que nos são inerentes por natureza. Podemos voar inventando aeronaves, mas não fazendo nascer asas em nós mesmos. 

Devemos ser responsáveis pelo que decidimos fazer de nossas vidas e pelo que isso haverá de impactar a nós mesmos e aos outros. É, portanto, nossa e só nossa a prerrogativa de dar sentido à própria existência. Podemos optar por um caminho que nos dê muita satisfação e alegria, mas também podemos tomar outros caminhos que, ao contrário, tragam angústia, dissabores e conflitos. Embora o ser humano não nasça com um propósito predeterminado, nada nos impede de desenvolver um modo autêntico de vida exclusiva, uma personalidade, um eu único. Quando atingimos a consciência de que podemos ser nós mesmos é quando nos damos conta de que existe sim um amor à vida. Assim, podemos começar a ser felizes...

Falei na frase anterior em “começar a ser felizes”, pois falta-nos ainda algo de fundamental importância: A vida não pode ser plena só com a existência individual, isolada, mesmo quando encontramos o seu verdadeiro sentido. Um ser humano tem necessidade de criar laços de relacionamento com outros. O conflito entre o eu exclusivo e o eu de outros seres igualmente distintos só pode ser conciliado quando se consegue libertar da solidão e atingir a capacidade humana de amar. Mas não somente esse amor que conhecemos vulgarmente e que é ditado pela emoção e que necessita de um objeto para ser amado. Há mais do que isso...

Sobre esse amor, há ainda muito a se falar! É o que prometo para um próximo texto...

Edson Pinto

Abril’2014

3 de abr. de 2014

259) SUAVITER IN MODO, FORTITER IN RES

Quem nunca ouviu a expressão título deste texto em suas múltiplas versões, como: suavidade nos modos, firmeza no trato das coisas; modos gentis, espírito firme; endurecer sem, contudo perder a ternura; gentileza gera gentileza, entre outras?

Se em matéria de relacionamento humano existem muitas outras receitas úteis que mereceriam ser observadas, esta simbolizada na expressão aqui mencionada, pelo menos sob a minha restrita experiência de vida, é a que considero como sendo - se não a mais - certamente uma das mais importantes. Por isso, contando com a “gentileza” de meus amigos permito-me submetê-la a uma pequena análise. Começo, então por decompô-la em suas duas partes fundamentais:

Primeiro: Suaviter in modo, ou seja, “suavidade no modo, na maneira” relaciona-se diretamente com a forma pela qual podemos nos expressar e agir, especialmente quando travamos um diálogo ou damos uma ordem quer a um empregado, a um filho ou a quaisquer outras pessoas com as quais a vida social nos obriga interagir. Há pessoas que são extremamente educadas e com isso granjeiam muita simpatia mesmo quando os temas que transmitem careçam da consistência ou mesmo faltam ou omitam a verdade em sua extensão plena. 

Há, por outro lado, pessoas que são ríspidas, coléricas e que atingem as raias da brusquidão e da grosseria quando interagem.  Dão ordens ou tentam impor sem a menor e necessária atenção ao que se convencionou chamar de “boas maneiras”. Esses tipos, ao contrário dos primeiros, apresentam um potencial enorme para despertar na outra parte o ódio, a má vontade, o desrespeito e, no extremo, o revide, mesmo quando o conteúdo de suas falas é verdadeiro e consistente.

Segundo: Fortiter in res, ou seja, “firmeza nas coisas” relaciona-se à consistência e aos propósitos nobres daquilo que se comunica, ou da ordem que se dá. Não só a firmeza da ordem ou do argumento que se quer transmitir, mas a segurança e determinação para que tal ordem - se for o caso - aconteça, ou tal ideia - também se for o caso - seja assimilada com proveito. Isso há de se revestir da perseverança e tenacidade adequadas. Sem firmeza no que se transmite corre-se o risco de se colher o fruto da indolência ou da dificuldade de compreensão da outra parte. Nestes casos, a gentileza empregada não foi o suficiente para fazer com que as coisas acontecessem.

Bem, todos nós sabemos diferenciar uma pessoa gentil de uma pessoa grosseira. Também sabemos identificar uma intervenção proveitosa, inteligível, exequível e firme de outra que resulta em nada. Fácil entender que o ideal seria unir gentileza com firmeza de espírito para que tudo ocorresse da maneira mais adequada. De que vale ser gentil se não se é firme no propósito. Isto redundará em nada. Também, de que vale ser rude e grosseiro para se tentar conseguir algo se tal pode não ocorrer, ou se ocorrer, isso se dará só por conta da fraqueza, da timidez ou da covardia da outra parte?

Aquele que, de maneira grosseira, trata o garçom que lhe serve no restaurante só porque este não entendeu uma de suas arrogantes ordens pode até lograr ter a sua taça de vinho servida com o capricho e mesuras que seu espírito fútil exige, mas com toda certeza angariará antipatia e menosprezo não só do humilhado servidor como até mesmo de outras pessoas que assistam a cena. Pode não ser nada naquele momento para o arrogante, mas na extensão de sua vida aquele falta de gentileza que caracteriza o seu comportamento padrão encontrará em algum momento e em outras circunstâncias a devida desaprovação e suas consequencias.

O homem verdadeiramente sábio é aquele que é capaz de unir as duas coisas: a gentileza no trato com seu semelhante e a firmeza de espírito para saber se comunicar e disso conseguir obter o seu intento. Se tivermos por força de determinado cargo de autoridade ou de uma posição social mais elevada devemos ter em mente que se emitirmos ordens com gentileza elas, com grande probabilidade, serão atendidas a tempo, com qualidade e de força reciprocamente gentil. Quando, ao contrário, se essas ordens forem somente revestidas de firmeza, mas desprovidas de gentileza, o que devemos esperar é a má vontade e o desleixo.

Se nos confrontamos com a situação em que pedir um favor é uma necessidade ou mesmo quando pleiteamos, por direito, uma atenção ou o cumprimento de uma obrigação de outrem, devemos lembrar que a gentileza e a firmeza do propósito são os elementos fundamentais para o sucesso. Não é porque se está na posição de ser servido que a gentileza pode ser dispensada. Somos pela natureza humana todos iguais. O que nos diferem esporadicamente são os papeis que assumimos nesta vida transitória e curta. O respeito ao semelhante resgata a necessária consciência que devemos ter sobre a origem e o fim comuns que temos na vida.

Infelizmente, o que temos visto é que existe muito descasamento entre os dois pontos que analisei. Boa parte das pessoas é formada por pessoas gentis no trato mais não são firmes nas coisas, nos propósitos, no espírito. Outra boa parte é formada por pessoas que são firmes, duras e resolutas, mas negligencia os bons modos da gentileza. O desafio e, portanto, o que seria sábio de se fazer é exatamente conseguir a união desses dois aspectos do relacionamento humano em prol do sucesso das relações interpessoais. Nem sempre é fácil, devido às circunstâncias, mas seria pura sabedoria se soubéssemos exercitar e praticar a gentileza no trato associado à firmeza nos nossos propósitos, ou:

Suaviter in modo, fortiter in res...

Edson Pinto

Abril’2014