17 de dez. de 2010

149) TEMPO DE COLHER

Há um tempo certo para semear, plantar, outro para cuidar e, finalmente, um tempo para colher. O ciclo da vida é maravilhoso, pois repete com absoluta precisão essa mágica sequência. Assim ocorre com as flores, com os animais, com as plantas em geral, e com cada um e nós, pois somos também criaturas dotadas desse dom supremo, mas transitório, que é vida. Ela nunca é eterna, mas se renova. Tudo nasce, cresce, morre e depois recomeça numa espiral infinita.
O final do ano é muito propício para ser associado à parte conclusiva do ciclo que corresponde à colheita. Por quê? Penso que ele nos traz aquela sensação de estarmos fazendo um balanço sobre tudo o que o ano a terminar nos propiciou. Em geral, enceram-se - para alegria das crianças e dos valorosos estudantes - as atividades escolares; trabalhadores programam suas férias após um ano inteiro de labuta; terminam os campeonatos de futebol e as temporadas de vários esportes que enchem de alegria e dão lazer às pessoas de todas as idades; as empresas fecham seus números de produção, de suas vendas e apuram os resultados dos negócios para saberem quanto ganharam ou quanto perderam.
No País, a cada quatro anos, renovamos a lista dos líderes políticos a quem entregaremos, no início do próximo, o destino da Nação e o das nossas vidas. O Papa fala “Urbi et Orbi” para dar a tradicional mensagem revigoradora para um mundo melhor à nossa frente.
__ E o mundo, ficou melhor ou pior?
__ Terminamos o ano, como sempre, com dezenas de catástrofes, guerras aqui e acolá, crise econômica ainda persistente; “amalucados“ querendo construir suas próprias bombas atômicas, mas também tivemos coisas boas: progressos nas relações entre povos; as desigualdades sociais seguem lenta, mas firmemente, sendo reduzidas; os esportes confirmam seu poder de unir povos e mexer com emoções.
__ De que forma vimos o ano neste momento em que ele se aproxima do momento de se renovado?
__ Depende da atitude que em nosso foro íntimo mantemos em relação às coisas que acontecem ao nosso redor, nossas circunstâncias, e principalmente com aquelas a turbar inquietas dentro de nós mesmos.
Um pai explicava ao filho jovem que temos dentro de nós dois espíritos: um que é mal, rancoroso, pérfido, negativista, insensível, tenebroso. O outro que é exatamente o contrário: é do bem, pois é alegre, companheiro, positivo, sensível e maravilhoso. O filho então pergunta ao pai:
__ Qual dos dois então prevalece em nós, meu pai? Este respondeu objetivamente:
__ Aquele que você decidir alimentar, meu filho!
Agora que estamos no tempo certo para colher, vamos cuidar mais do bom espírito que habita nossas almas! Nunca nos esqueçamos de que, com a renovação que é a constante da vida, é sempre possível optarmos para, no ano seguinte, quando do início de um novo ciclo, optemos por semear coisas boas como o nosso espírito do bem deseja.
Que tenham todos os meus amigos um Feliz Natal e um ano de 2011 pródigo em boas realizações.
Volto a publicar no meu blog só depois das festas e dos primeiros meses do ano novo. Estarei - como sei que vocês também - muito atarefado na semeadura do que vou colher ao final de 2011.

Edson Pinto
Dezembro’2010

9 de dez. de 2010

148) WIKILEAK - A CANDINHA DO CIBERESPAÇO

Julian Assange é de fato um cara muito ousado! Parte da mesma motivação de Candinha, aquela dos mexericos da famosa canção de Roberto Carlos, para especular e depois contar tudo o que sabe da vida alheia. No seu caso, contudo, não se trata da fofoca pequena dizendo que alguém é louco, esquisito, cabeludo, veste-se mal e ainda fala gírias. O jornalista e ciberativista australiano, Julian Assange, comanda o site que passou a ser a coqueluche do momento. O site WikiLeaks.ch que ele coordena está publicando de forma gradual seu estoque de cerca de 250.000 documentos secretos, todos vazados de organismos oficiais ou obtidos de fontes fidedignas. Pelo que já mostrou, promete continuar a desestabilizar relacionamentos diplomáticos, políticos, econômicos e de todas as ordens possíveis e imagináveis mundo afora.

Fiz nesta semana alguns acessos ao site e constatei aquilo que os jornais já vêm noticiando. Existem até revelações sobre o Brasil: Relatórios oriundos da Embaixada dos EUA em Brasília, classificados como confidenciais, foram vazados e agora publicados no site. Há informações secretas sobre nossa atuação (péssima, diga-se de passagem) na recusa ao acolhimento de ex-prisioneiros de Guantánamo e de dissidentes cubanos devido à proximidade do governo brasileiro com o regime ditatorial de Fidel; informações sensíveis sobre o plano de compra dos caças para equipar a Força Aérea Brasileira; análise sobre a falta de segurança no Rio de Janeiro e a indicação de oportunidades de negócios em função das Olimpíadas de 2016, entre outras. Muito mais promete ser disponibilizado no WikiLeaks. Isto, se os mandões do mundo não acharem um jeito de calar o site de Julian Assange. Barack Obama, Vladimir Putin, Silvio Berlusconi e Nicolas Sarkozy já se remexem incomodados com o que já foi revelado e, mais ainda, com o que - conforme promete a Candinha do ciberespaço - está para ser disponibilizado na rede.

Seria inocência imaginar que o mundo das relações políticas e econômicas fosse conduzido com a lisura que se espera dos vestais. Nos bastidores, a forma como as coisas são tratadas divergem em muito dos discursos e dos termos que são formulados abertamente. Ficou famosa a especulação do chancelar alemão Otto Von Bismarck (1815-1898) sobre a forma como são elaboradas as leis. Ele teria dito "Leis são como salsichas; é melhor não saber como são feitas". Na época de Bismarck, era sabido, ou poderia ser fruto de boatos, o fato de que as salsichas eram industrializadas em ambientes sujos e com ingredientes duvidosos. A comparação de Bismark continua, infelizmente, atual e vale tanto para a elaboração das leis, como dos acordos, dos negócios escusos e dos relacionamentos entre poderosos.

O que vale a pena ser comentado é que a verdade não está no que se vê e sim no que se esconde. A história da Filosofia começa exatamente com a preocupação do homem quanto à verdade. Aristóteles disse sobre o real significado da palavra verdade: “Negar aquilo que é, e afirmar aquilo que não é, é falso, enquanto afirmar o que é e negar o que não é, é verdade”.

Parece até que nossos líderes políticos, especialmente o maior de todos que em três semanas, e muito a contragosto, deixará a Esplanada, nunca se deu conta disso. Ou se deu, de propósito, andou fartamente negando o que era e afirmando o que não era.

Já que as instituições democráticas não foram suficientes para fazer com que prevalecesse a verdade, fiquemos pelo menos com a expectativa de que Julian Assange e o seu WikiLeaks nos revelem mais do que nos foi dado saber.

O big brother - com diz o paper wall do WikiLeaks que ilustra este texto - está vendo tudo!

Edson Pinto
Dezembro’2010

3 de dez. de 2010

147) LIVRE-ARBÍTRIO OU A ÚLTIMA CHANCE


“__ O senhor crê - disse Cândido - que os homens sempre tenham se massacrado, com fazem hoje? Que sempre tenham sido mentirosos, velhacos, pérfidos, ingratos, bandidos, fracos, levianos, invejosos, gulosos, beberrões, avarentos, ambiciosos, sanguinários, caluniadores, debochados, fanáticos, hipócritas e tolos?

__ O senhor crê - replicou Martinho - que os falcões sempre tenham comido os pombos ao encontrá-los?

__ Sim, decerto - disse Cândido.

__ Pois então! - disse Martinho - Se os falcões sempre tiveram o mesmo caráter, por que o senhor quer que os homens tenham mudado o deles?”

Este diálogo encontra-se em uma passagem do livro Cândido, de Voltaire, quando dois personagens filosofam sobre caráter e moral. O curioso é que desde sempre o ser humano guarda em sua índole - uns mais que outros - essa imperfeição sem nem mesmo, com o passar do tempo e com a evolução das sociedades, ter mostrado melhorias. Sendo realista, diria que, pela competitividade que se estabeleceu no mundo de hoje, isso até piorou.

Eu já estava ficando intrigado com a recuperação de caráter que Silvio de Abreu havia traçado para Chiara. Mas, ontem, ela voltou a ser o que sempre foi: uma figura abjeta, falsa e capaz da prática de gestos os mais horrendos. Totó, pobre coitado, que encarna o papel do crédulo, inocente e bondoso há de ter nova e forte decepção. Esperemos que seja a última.

O bandido sai da prisão onde deveria se re-socializar, mas delinqüe repetidamente. O político malversa, mente, é perdoado, mas volta de forma doentia às práticas malsãs. O egoísta finge arrependimento, promete melhorar a conduta, mas depois persiste nas mesma e deplorável conduta. Acreditar naquilo que contraria a natureza humana é uma temeridade. Se no âmbito das relações próximas já observamos tanta dissonância, imaginem quantas mais há quando nos transportamos à esfera das ações econômicas, sociais e políticas?

Vivemos, infelizmente, a era da dissimulação. Encobrem-se intenções, finge-se que não entende ou que não sabe e disfarça-se para atingir objetivos escusos. Aos incautos, qualquer vã e infundada justificativa é suficiente para continuarem candidamente acreditando nos falcões. O jogo político está eivado de espertezas. Vive-se de falsas aparências e de falsos propósitos.

O fim de cada ano é tradicionalmente um momento adequado para reflexões sobre a nossa vida, quer a do exíguo espaço do mundo particular de cada um, quer o das relações sociais a que nos encontramos submetidos. Esperança, portanto, é a palavra de ordem. Quem não conseguiu ver um ser humano melhor em 2010 deve continuar acreditando que o conseguirá no próximo ano. O importante é não deixarmos de acreditar na máxima de que “nem tudo está perdido”.

Se nos resta, ainda, alguma chance de que as coisas podem e devem ser melhores, isso depende única e exclusivamente de cada um de nós.

“__ Oh! – disse Cândido - Há muita diferença, temos o livre arbítrio...”


Edson Pinto
Dezembro’2010

26 de nov. de 2010

146) CURTÍSSIMA REFLEXÃO SOBRE A VIDA

Se você tivesse vida eterna e pudesse marcar uma simples gota d’água para rastrear-lhe o percurso, confirmaria o que a ciência já descobriu: Ela ficaria rápidos 10 dias na atmosfera na forma de nuvens até que precipitasse como chuva. Em seguida, por apenas mais 13 dias fluiria por córregos, rios ou outros fluxos continentais até que desaguasse no mar, nos oceanos. Lá, então, permaneceria por longos 36.000 anos, ou seja, 13.140.000 dias até que, pela evaporação, voltasse ao céu para, reencarnada, recomeçar todo o ciclo. Só para se ter uma ideia, uma gota da chuva de ontem que causou transtornos na cidade de São Paulo repousava nos oceanos desde que caiu pela última vez quando os hominídeos ainda começavam a registrar suas pinturas rústicas em cavernas, e sequer haviam chegado às Américas.

Costumo pensar nisso quando me dou a refletir sobre a desproporção da trajetória de nossa própria existência: Somos uma gota d’água flutuando acima de tudo e de todos por um átimo. Depois, empreendemos uma trajetória igualmente fugaz no curso da vida para finalmente repousarmos uma eternidade no oceano metafísico, de onde, como nos disse Shakespeare, nenhum viajante jamais voltou para nos dizer como é.

Qual parte do ciclo deveria ser a mais importante? A que dura apenas um breve instante ou a que, de tão longa, beira a infinitude? Quiséramos, todos, termos uma resposta sábia para essa dúvida, mas, é difícil, senão impossível. Por isso, de minha parte, sigo conjeturando: Seria a mais longa porque é nela que se encontra a essência, a síntese de tudo, o amor pleno e definitivo? Mas, por que não, também, a transitória se ela nos predispõe para o principal e se é exatamente quando nos damos consciência do que de fato nos compete nesse ciclo? Valeria à pena chover sobre os oceanos apenas para não termos que sentir as dores de rolar morros, seguir rio abaixo, enfrentar obstáculos, limpar chagas e romper barreiras até o destino final, esquecendo-nos de que em contrapartida colheremos o prazer de matar a sede e banhar a ninfa?

É o temor ao mistério do que nos reserva o pós-vida que pauta a nossa conduta nesta exígua existência terrena. O prazer não há de estar só no repouso oceânico longo, mas também no enfrentamento dos desafios do curso escasso. É compreensível que a maioria pense que a vida é uma mera transição para o destino final onde paira a paz serena. Mas, por que também não pensarmos na vida como uma espécie de férias-prêmio que as almas eternas às vezes fazem por merecer?

Você gozaria plenamente suas merecidas férias ou as passaria como se continuasse ainda no trabalho?

Edson Pinto
Novembro’2010

18 de nov. de 2010

145) QUESTÃO DE FÉ

Havia combinado com minha mulher dar um pulinho até o Santuário Nacional de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, ou simplesmente, Aparecida do Norte, que não visitávamos há vários anos. Dista a apenas e exatos 168 km de São Paulo, no vale do Paraíba paulista. Em condições normais de trânsito, é tarefa para menos de 2 horas de estrada com direito a um pitstop no Frango Assado, a meio caminho.

Coisas da fé para agradecer - in loco - algumas graças alcançadas e ao mesmo tempo renovar pedidos para outras. É sempre bom estarmos quites com os céus, pois o temor pelas consequencias de eventual inadimplência nesta matéria nos torna menos propensos a continuar pecando sem limites. Domingo, 14, véspera de mais um feriado desses tantos que já começam a nos dar a fama de povo pouco trabalhador, o Dia da Proclamação da República do Brasil. Nada mais justo, então, do que professar a fé em um dia e comemorar, no seguinte, a troca da monarquia vitalícia, de sangue azul, pela monarquia quadrienal, renovável por mais quatro. Pareceu-nos, deste modo, uma programação tão lógica quanto nobre.

Carro fora da garagem! Dia de pouco sol, um tanto carrancudo, mas de temperatura agradável. O plúmbeo das nuvens não chegava a tão intenso como são as cúmulos-nimbos portadoras de dilúvios e trovoadas, mas, sim, de um cinzento médio, baixas, típico das cúmulos-estratos que trazem precipitações em doses bem moderadas. Para quem deixou de ir à praia, ao contrário do que fazem milhões de paulistanos, até que aquilo funcionava como certa compensação psicológica. Vai chover! E neste caso, é melhor dar as caras em um santuário para professar fervorosamente a crença em Quem nos redime dos males da vida, do que em uma praia com a mundana babaquice de ficar maliciosamente classificando de zero a dez os bumbuns da temporada.

Ao avançarmos pela marginal do Tietê já começamos a ver diferenças: Quem vive nesta cidade há décadas, como eu, há de se lembrar da feiúra que era o trecho do Rio Tietê entre a Penha e o Cebolão, no início da Castello. O rio e a avenida marginal antigos, com suas barrancas irregulares, matagal descuidado, pistas estreitas, precárias e o pútrido odor que exalava de suas águas poluídas agora nos parecia bem melhor. Não se pode dizer ainda que, em dias muito quentes, não sintamos a fetidez emanada de suas águas turvas de esgoto não tratado que lhe é jogado nas veias, mas, o leito do rio, agora desassoreado; as suas margens regularizadas e cimentadas e as milhares de árvores recém-plantadas já começam a dar a ideia de uma nesga ciliar. As pistas da avenida marginal aumentadas, com novo asfalto; novas iluminação e sinalização predispõem-nos para um passeio prazeroso. Afinal, era domingo, “pé de cachimbo, o cachimbo é de barro, bate no jarro, o jarro é de ouro”...

Em pouco mais de uma hora já tínhamos vencido toda a Marginal do Tietê, entrado na Ayrton Senna, passado por Guarulhos, conectado com a Rodovia Presidente Dutra, passado por Arujá, Jacareí, São José dos Campos, Caçapava e chegamos à Taubaté. Deste ponto até Aparecida - iríamos ainda passar por Pindamonhangaba e Roseira - seriam mais 42 quilômetros e finalmente a Basílica de Nossa Senhora Aparecida. Mas, de repente, um congestionamento monstruoso. Um “anda-pouco-para-muito” se estabeleceu pelas próximas 4 horas. Apenas 20 dos 42 quilômetros finais haviam sido percorridos. Parecia-nos que todos os brasileiros - e olha que somos milhões - decidiram visitar no mesmo dia a virgem em seu santuário. A tarde já ia longe quando decidimos, no primeiro retorno possível, abortar a viagem.

De volta à casa, vejo na Internet e depois me confirma o noticiário da TV: “Foram 11 horas de congestionamento no caminho de Aparecida. Policiais que trabalham há mais de 20 anos na Dutra dizem nunca ter visto um movimento como este; 42 quilômetros de lentidão. Balanço preliminar do Santuário Nacional aponta 235.000 visitantes na cidade, neste domingo, 14 de novembro de 2010. A cidade lotou e os visitantes só conseguiam parar seus carros na estrada a quilômetros do Santuário”

Agora, sentado diante o meu computador e com a frustração de ter perdido o dia entre automóveis, caminhões e ônibus às dezenas de milhares, fico a me questionar:

__ Será que Nossa Senhora Aparecida nos perdoará por não termos nos esforçado o suficiente para chegar até a sua casa? Faltou-nos fé?

__ Será que há pecadores em excesso e estrada de menos, ou será que deveríamos pecar e pedir menos, de tal modo a reduzirmos as visitas ao seu santuário?

__ Será que as agruras do congestionamento já não fazem parte da penitência pelos erros que vimos cometendo?

Tudo é possível, inclusive a ideia que acaba de me ocorrer: Que tal se Nossa Senhora, considerando nossa dificuldade de locomoção e incompetência em planejar visitas em momentos mais adequados, passasse a nos permitir contatos com Ela pela Internet? Assim, diretamente de nossas casas, de onde, como tudo indica, em breve já não conseguiremos mais sair, possamos rogar-Lhe perdão pelas ofensas e pedir-Lhe que interceda em favor de nossas misérias, especialmente para iluminar as mentes dos planejadores públicos da área de transporte. Quem sabe se, assim, o trem-bala a ser construído entre São Paulo e o Rio de Janeiro, de fato, considere uma estação na cidade de Aparecida.

Edson Pinto
Novembro’2010

12 de nov. de 2010

144) JABUTICABEIRA ALUGADA

Não faz muito tempo, a vida dos jovens era bem mais simples do que hoje, mas, nem por isso, menos interessante:

Num final de semana, o programa da turma do bairro podia se resumir a uma pelada de futebol em campinhos improvisados nos terrenos baldios da vizinhança; uma hora dançante ou bailinho no porão da casa de um amigo quando da vitrola ouvia-se Nat King Cole, Ray Conniff, Paul Mauriat, Beatles ou mesmo Roberto Carlos. Mas, podia ser, também, como lá na minha Minas, a simples cotização para o prosaico aluguel de um pé de jabuticabas em Sabará.

Pode parecer estranho, mas é isso mesmo! Aluguel de um pé de jabuticabas para consumi-lo livremente até o último de seus frutos. Quem, tendo vivido a sua juventude na Belo Horizonte dos anos 60, por aí, não há de ter experimentado esse prosaico deleite? Juntavam-se amigos e amigas para a divisão do custo de aluguel por um dia inteiro de uma jabuticabeira em sítios da próxima cidade de Sabará, bem ali no entorno da metrópole que na época já crescia além da medida.

Por razões que só a natureza pode explicar o solo e as condições climáticas de Sabará propiciam o florescimento da Myrciária cauliflora, nome científico de uma das mais brasileiras de todas as árvores frutíferas, a jabuticabeira. Seu fruto de casca pretinha como o ébano, polpa branca adocicada como o mel e que nos propicia aquele estalo metafísico quando premida entre a língua e o céu da boca, é o que se enquadraria - desculpe-me a hipérbole - no rol das extravagâncias do Criador. Fizera-a quando a inspiração Lhe abundava a suprema criatividade. Puro enlevo, marcador nostálgico dos áureos tempos pretéritos.

Essa aparente prima da clássica uva só lhe tem em comum a forma esférica e a consistência de certo modo assemelhada. Mas, é só isso, pois a jabuticaba brota diretamente no tronco da árvore com a dispensar de modo altivo a intermediação de galhos, cachos e folhas. Ela é tão senhora de si que a natureza apenas lhe deu o suporte do tronco de uma Myrciária para vir ao mundo encantar e nos deliciar. De uma jabuticabeira pode-se dize tudo, menos que ela não seja o desejo de todos em ter-lhe um exemplar plantado no fundo de nossos quintais. Chegará o dia em que uma medalha da Ordem Nacional do Mérito, no grau de grã-cruz, ser-lhe-á destinada para galardoar-lhe com absoluto e incontestável mérito os relevantes serviços prestados à nação brasileira.

É claro que apenas se empanturrar de jabuticabas não era o único propósito daqueles programas dominicais. A algazarra, as discussões genéricas com seus argumentos pueris e descompromissados, os flertes desprovidos de malícias e todo o universo de sociabilidade que ali se estabelecia, faziam-nos mais maduros enquanto a jabuticabeira ia se tornando desnuda. Não é exagero dizer que, sob a copa de uma jabuticabeira, podíamos ver melhor o mundo que se desenhava para um porvir ainda longínquo. As amizades se faziam mais fortes quando identidades se estabeleciam ou se provavam débeis a ponto de marcar divergentes posições filosóficas e políticas entre aquela plêiade juvenil. Namoros nasciam; amizades se consolidavam ou se rompiam; planos, promessas e previsões eram feitas. As jabuticabas se esgotavam, mas a vida ali debatida e redefinida continuava a dar os seus frutos.

Hoje, quando reflito sobre como as pessoas divergem em seus modos de pensar e agir; como se posicionam à esquerda ou à direita; como são muito alegres ou muito tristes; como são otimistas ou pessimistas; como adoram viver ou como odeiam estar neste mundo, fico sempre com a lembrança daquelas jabuticabeiras. Tivéssemos, todos, tido a oportunidade de ser sociabilizados sob jabuticabeiras haveríamos, com toda a certeza deste mundo, de termos, sim e ainda, divergências de posturas, mas desprovidas do ódio que despreza, discrimina, afasta pessoas, cria inimizades, mata e nos faz morrer.


Edson Pinto
Novembro’2010

2 de nov. de 2010

143) QUEM VOTA É O BOLSO, SEU ESTÚPIDO!


Ficou famosa a frase de James Carville, assessor de Bill Clinton, quando questionado sobre o mote da campanha Democrata para aquelas eleições do início dos anos 90: “É a economia, estúpido!” Tinha tanta razão, que Clinton elegeu-se e reelegeu-se com base na expectativa dos americanos de recuperação da sua economia, à época, fortemente abalada pelo elevado gasto militar e pelo desequilíbrio fiscal da era Bush, o pai. No Brasil de hoje, algo muito semelhante ocorreu só que para garantir a manutenção do governo petista no poder e não para substituí-lo como no caso de Clinton em relação à Bush. O povão que sabe muito bem o que é ter o bolso vazio desde há muito, respondeu com a essência do mesmo mote e pôs Dilma Rousseff à frente dos destinos da pátria amada.

Não me atreveria dizer que Lula processou conscientemente esse fato histórico tão importante, mas, certamente, intuiu-o e, mesmo sem lançar mão do mesmo slogan, soube tirar proveito da boa fase da economia brasileira e assim fazer a sua sucessão na presidência da republica. Não foi só isso: Há de se dar o devido valor à excepcional fase “Forest Gump” do mais famoso filho de Garanhuns. Tiremos o chapéu para a estrela guia de Lula! Ela o tem colocado no lugar certo, sempre e caprichosamente, na hora certa. Perdeu eleições quando as circunstâncias econômicas recomendavam não se envolver com elas e ganhou quando o céu tornou-se de brigadeiro, azulzinho para o Brasil, mesmo que carrancudo para outros países.

Não tenho igualmente a intenção de colocar aqui e agora em confronto as características de Dilma Rousseff com as de José Serra. Isso já foi feito sobejamente durante a campanha eleitoral. Ele, Serra, dizia: Fui deputado, ministro, prefeito, governador e o escambau. Ela, Dilma, nunca havia se submetido ao teste das urnas. Nasceu e foi criada em Minas; fez peripécias revolucionárias no Rio e em São Paulo; casou-se 2 vezes e lá no Rio Grande do Sul deu início a sua carreira pública como burocrata sem nunca ter disputado uma eleiçãozinha sequer. Mas, mesmo assim, venceu o governador Serra, escolado e tarimbado nas batalhas políticas. Dizem uns, que Serra é fraco nos debates. Outros, que é teimoso e, devido à soberba que lhe parece própria, não soube ou não quis tirar proveito do legado da era FHC, como dos inquestionáveis avanços propiciados pela privatização do sistema Telebrás; da EMBRAER e da Vale do Rio Doce, só para citar alguns exemplos de privatizações muito bem sucedidas. Também, não conseguiu explorar politicamente os escândalos da era Lula. Nem tampouco foi agressivo e enfático o suficiente, sequer, diria, minimamente contundente.

Do outro lado, Dilma também não tem lá toda essa eloqüência que a fizesse muito superior ao Serra nos debates. Ela tropeça no encadeamento de seu discurso. Começa a falar uma coisa e logo vai para outra, tenta retomar e se perde um pouco. Coisas do noviciado em matéria de palanque. Tampouco, tinha uma história política atraente para ser contada. Foi secretária disso, secretária daquilo, ministra, vovó pela primeira vez e um PAC meio enjambrado para servir-lhe de atributos a contrapor-se à propalada competência do governador José Serra. Até mesmo o seu passado burguês, filha de homem abastado, razão mais do que suficiente para opô-la ideologicamente ao discurso populista do petismo, não lhe provocou perdas de votos perante Serra, este de origem humilde, filho de imigrante pobre e que estudou em escola pública. Convenhamos, a história de Serra nesse particular correspondia melhor ao perfil operário de Lula e à ideologia esquerdista do PT do que a de Dilma. Não colou a repetição, à exaustão, da jornada de pobre moço de Serra.

No início da campanha, quando Dilma não passava de um poste a ser ungido por Lula, os números favoráveis à Dilma eram, de fato, de dar dó. Acreditava-se que Lula do alto de seus 80 e tantos pontos de boa avaliação no máximo conseguiria transferir uns 20% de votos para Dilma e nada mais do que isso. Colocados os dados de ambos naquele supercomputador chinês, o mais rápido do mundo, Tianhe-1, com 2.507 trilhões de operações de pontos flutuantes por segundo, podendo atingir 4,7 petaflops no mesmo tempo, a resposta seria: Serra é o melhor e será o nosso presidente!

__ Mas, então, por que mesmo com a oportunidade propiciado por Marina Silva para que José Serra tivesse outra chance no segundo turno isso não deu certo?

Lula já atingira a estratosfera nas asneiras que vinha falando em palanques mil por esse Brasil afora. Da tal de Erenice Guerra não paramos de ouvir sobre as espertezas de seus filhinhos acobertadas por ela, Erenice, e quem sabe, até mesmo pela “tia Dilma” que então buscava votos para o Palácio do Planalto. Toda a corja do mensalão foi ressuscitada para mostrar as impurezas inquestionáveis do modo petista de ser. E nada! Serra não conseguiu tirar os 6 pontos de Dilma que, colocados na sua própria caixinha, lhe daria para matar pelo menos os 12 pontos de diferença que as urnas revelaram neste último dia 31.

“É o bolso que vota, seu estúpido!” Exatamente desta forma veio nos dizer a razão. Novidade? Claro que não! Clinton sabia disso e ganhou de George Bush, mas muito mais gente sabia disso também e desde há muito mais tempo. Fui, por isso, buscar em meus livros antigos a base dessa afirmativa. E não é que encontrei:

Abraham Maslow, psicólogo americano que viveu no século XX, legou-nos o seu famoso estudo da “hierarquia das necessidades” no qual demonstra, de forma cabal, que o ser humano prioriza suas necessidades partindo das fisiológicas, depois, e sempre que a anterior esteja satisfeita, as necessidades de segurança, sociais, estima e finalmente auto-realização. Isso significa que, enquanto alguém não satisfaz suas necessidades por alimentação, abrigo, sono e água, por exemplo, (necessidades básicas, no pé da pirâmide), não almeja coisas como proteção para a saúde, sociabilização, estima e prestígio. Quanto mais larga a base da pirâmide mais necessidades primárias prevalecem sobre o todo.

Está aí meus amigos a matéria prima da Economia: A geração de riqueza a partir de recursos escassos e a sua distribuição para a melhoria de vida da sociedade como um todo. Quando a economia vai mal, a base da pirâmide se alarga. Ao contrário, quando vai bem, ela se estreita e a satisfação das necessidades de ordens superiores passa a ser almejada. Pela teoria de Maslow, o ser humano não está nem aí para a moralidade quando ele sequer tem o que comer. É nesse contexto que a Economia atua de forma tão importante. O bolso vazio simboliza a prevalência das necessidades básicas a serem atendidas. Quando começam a sobrar alguns trocados nesses mesmos bolsos aí o até então “ser inferior” começa a se sentir liberto da ignomínia que caracteriza a miséria. Enquanto não se sente seguro de que tempos bicudos ficaram definitivamente para trás, tenderá a priorizar a manutenção de seus bolsos com algum lastro, por menor que seja.

É, portanto, isso o que vem ocorrendo desde que a economia brasileira começou a ser colocada nos eixos por Itamar Franco. Se a famosa fábula de La Fontaine pudesse ser reescrita, diria que foi Itamar que se dispôs a colocar o guizo no pescoço do gato da inflação. Teve coragem e bom senso para dar-lhe um basta e estabilizar outros fundamentos que passaram a dar sustentação a uma economia saudável. Fernando Henrique Cardoso lançou o Plano Real e Lula, com a estrela guia que só ele tem, sacou que era por aí o caminho a ser seguido para a busca do sucesso. Manteve todos os pilares da economia e contou com a sorte.

O mundo, com raras exceções, foi para o buraco no rastro das trapalhadas da bolha imobiliária da economia americana e o Brasil começou a colher a safra de bons frutos plantados alguns anos antes por Itamar e FHC. Na hora certa e no lugar certo, Lula lança a até então desconhecida Dilma Rousseff como candidata a sua sucessão e, com a artimanha que lhe é inata, relaciona-a ao mar de rosas econômico que seu governo encontrou e soube preservar. O povo – sabia muito bem Clinton como Lula - não quer outra coisa senão cuidar de seu próprio bolso. Mesmo Serra prometendo fazer tudo igualzinho e ainda um pouco melhor, por que o povo iria arriscar na sua escolha? Com uma mão no bolso protegendo os seus poucos mais bem-vindos tostões usou a outra para digitar o “13” na urna eletrônica. Elegeu Dilma...

Democraticamente, devemos aceitar que a maioria de nossa população ainda se encontra na base da pirâmide de Maslow e que suas necessidades básicas começam a ser atendidas. A ser feito, até mesmo por aqueles que se opõem ao lulismo, é contribuir para que a economia continue sólida por um tempo suficientemente longo até quando a maioria de nosso povo venha a ter legitimas aspirações pelas necessidades mais nobres da vida. A partir daí, a ideologia marxista ultrapassada do PT se mostrará incapaz de satisfazer nossos anseios legítimos por maior qualidade de vida.

Que Dilma seja feliz e nos faça igualmente felizes!

Edson Pinto
Novembro’2010

29 de out. de 2010

142) O ASNO E A CARGA DE SAL


“Um asno carregado de sal atravessava um rio. Um passo em falso e ei-lo dentro da água. O sal então derreteu e o asno se levantou mais leve. Ficou todo feliz. Um pouco depois, estando carregado de esponjas, às margens do mesmo rio, pensou que se caísse de novo ficaria mais leve e caiu de propósito nas águas. O que aconteceu? As esponjas ficaram encharcadas e, impossibilitado de se erguer, o asno morreu afogado. Moral: Algumas pessoas são vítimas de suas próprias artimanhas.” (Fábula de Esopo, século VI a.C.) ________________________________________________________

No próximo domingo vamos às urnas para decidir sobre a qualidade de nossas vidas para os próximos 4 anos. “Decisão” pode ser considerada um ato pessoal, posto ser fruto do que pensamos e consideramos como sendo a melhor escolha face a uma dada questão. Decidimos inúmeras vezes ao longo do dia e mesmo ao longo de toda a vida, procurando, é claro, a obtenção do melhor resultado possível. Assim é na hora de escolher a roupa que vamos usar naquele dia; o que vamos comer; o momento certo de atravessarmos a rua sem sermos atropelados; a carreira profissional que queremos seguir; o cônjuge com o qual partilharemos nossas vidas e até mesmo os líderes que vão, dentro da organização política do país, cuidar de nossos interesses.

Acima da decisão pessoal que, como o termo propriamente indica, é particular, temos a decisão difusa representada pela vontade do coletivo, do povo, da sociedade. É o somatório das vontades individuais formando uma vontade única. Democraticamente, aceitamos que essa vontade agregada, ou seja, a decisão da maioria, prevaleça sobre as nossas vontades individuais. Simples assim, só nos compete, como indivíduos, cuidar de que as nossas próprias vontades e suas conseqüentes decisões em matéria política sejam as melhores possíveis e, ao mesmo tempo, esperar que as dos demais cidadãos sejam igualmente frutos de reflexões maduras e isentas de espertezas. No mundo ideal é isso o que deveria prevalecer para todos os atos da vida social.

O pensador iluminista Voltaire em “Cândido, o Otimista”, seu clássico romance filosófico, trata brilhantemente do tema da ingenuidade em contraposição à esperteza e os reflexos disso na sociedade de sua época, o século XVII. De forma sarcástica, Voltaire leva Cândido a questionar a convicção que tinha de que vivia o melhor dos mundos possíveis. Seu mestre, o filósofo Pangloss, insistia em colar em sua cabeça a máxima de que tudo era para o melhor no melhor dos mundos possíveis "Tout est pour le mieux dans le meilleur des mondes possibles". Mas não era. Os espertos seguindo seus próprios objetivos adoram iludir os Cândidos da vida e, por meio de espertezas, vão seguindo tão longe quanto conseguirem, a menos, é claro, que os puros se conscientizem de suas ingenuidades.

A Política é, desde há muito, terreno fértil onde germina com incrivel exuberância as sementes da artimanha e do embuste. Os políticos, em geral, mentem em profusão com o propósito único e oculto de tão somente alcancar ou manter o poder de que já dispõem. Em lá estando, e usufruindo das benesses que a prerrogativa lhes confere, esquecem as promessas e traem nossas vãs e cândidas esperanças. Mas a culpa disso não é só dos que enganam. Na maioria das vezes, a culpa pode e deve ser atribuída também a quem se deixa enganar ao acreditar que fazendo tal ou qual escolha com base em tal ou qual benefício prometido e desejado se dará muito bem.

O que falta é termos consciência de que se a política cuida do coletivo então nossas decisões hão de considerar isso como mais importante do que o beneficio pessoal possível, pois aquele, no longo prazo e estruturalmente, prevalece sobre este. A nação deve ser vista pela ótica da plenitude e não do benefício pontual. O uso de artimanhas pode até nos dar alguma vantangem momentânea, mas, como na fábula de Esopo, pode nos tornar vitimas delas mesmas.

No próximo domingo quando clicarmos o botão verde do CONFIRMA da urna eletrônica, certamente deveremos nos lembrar da importância do nosso voto para a escolha do que seja o melhor para o Brasil. Que cada um vote com independência em quem julga ser o melhor para conduzir os destinos da pátria. O importante, é que, acima de todas as artimanhas eleitoreiras injetadas em nossas cândidas cabeças, tenhamos discernimento para a prática do voto consciente.

Clique _ _, veja a foto e confirme pressionando a tecla verde...

Edson Pinto
Outubro’2010

21 de out. de 2010

141) O RESGATE DOS MINEIROS

Perceberam que Lula anda um tanto quanto sumidinho da mídia? Durante a campanha eleitoral do primeiro turno ele esteve verdadeiramente endiabrado. Bastava alguém colocar um tijolo à sua frente e ele subia, serelepe, para mais um discurso. Assacou tantas obviedades, mentiras, meias verdades e verdades distorcidas que deu no que deu. Muita gente séria e, principalmente os institutos de pesquisas, garantem que boa parte dos votos que Dilma perdeu na reta final do primeiro turno deveu-se ao périplo mambembe de Lula. Ele se achava acima de tudo e de todos. Verdadeiro “rei da cocada preta”, convicto, mais do que nunca, de que a sua alta popularidade levaria Dilma diretamente para o Palácio do Planalto já em 3 de outubro. Como ele sempre diz que é formado na escola da vida, agora - se for de fato um bom aluno - terá assimilado a mãe de todas as lições terrenas, a que nos mostra a humildade como sendo o melhor caminho para o sucesso.

Acontece, porém, meus amigos, que eu não acredito que Lula tenha desaparecido da mídia só porque Dilma Rousseff não levou a eleição no primeiro turno. Nana-nina-não! Raciocinem comigo! Na escola da vida ele até já se tornou doutor. Já havia perdido várias vezes em suas próprias campanhas. Não seria, portanto, razão suficiente para levá-lo a tomar chá de sumiço. Com a face amadeirada que tem, nada que um oleozinho de peroba não pudesse dar um jeito. Eu presumo e tenho quase certeza que a razão do sumiço de Lula deve-se a outra causa. É o que me faz especular a partir do próximo parágrafo.

O prólogo: O resgate dos mineiros chilenos passou a chamar a atenção do mundo. Foi uma ação de resgate das mais emocionantes de tantas quantas temos visto nesta época de comunicação tão farta e rápida. Sabe-se, agora, que mais de 1 bilhão de pessoas em dezenas de países assistiram, comovidas, ao salvamento de cada um daqueles 33 homens que ficaram por mais de 2 meses soterrados a 700 metros na mina do deserto de Atacama. Ao lado dos familiares e das equipes de resgate lá estava o presidente Sebastián Piñera que, a cada abraço em um mineiro saído da cápsula, a cada pronunciamento feito ou mesmo a cada grito “chi-chi-chi, le-le-le” via sua popularidade, mundo afora, subir que nem a Fênix 2, a cápsula do resgate. Lula - como bem sabemos - não tolera ver alguém ser mais amado do que ele. Naquelas circunstâncias, ao vivo e a cores, fora esse, para tristeza de Lula, o fato realmente inconteste. Ele que apoiara Ahmadinejad, Hugo Chaves, Fidel Castro, Rafael Correa, Evo Morales, Muamar Kadafi e diversos ditadores africanos como forma de se tornar mundialmente, universalmente e até mesmo “inter-galaxialmente” conhecido, não podia suportar o fato de 33 mineiros, afoitamente metidos naquele buraco de tatu, pudessem tornar Piñera mais popular do que ele.

Era preciso fazer algo: E nisso, Lula costuma ser muito bom. Planejou correr em paralelo aos acontecimentos do Chile para também pegar carona na atenção da mídia mundial. Precisava igualmente de um resgate a altura, e, por óbvio, tinha que ser o resgate de mineiros. Afinal, o mundo só estava interessado nisso. Já que Dilma curtia a enxaqueca do fracassado primeiro turno, agora era hora de surpreender. Lula, desta forma, vê semelhança entre o desabamento da mina chilena e o desabamento de projeto petista de primeiro turno. Começa a articular o resgate de Dilma e de outros coligados para o segundo turno. Ela, Dilma, sairia de uma cápsula bem mais bonita e confortável do que aquela usada em Copiapó, emergindo soberana, em 31 de outubro próximo, com óculos escuros e o sorriso sincero fabricado e imposto por seus marqueteiros. Na boca do túnel, Lula abraçaria Dilma enquanto sua imagem imperial iria aos quatro cantos do Universo para seu jubilo, vaidade e honra.

Predica e pratica: Era necessário, contudo, testar o resgate de Dilma antes que a mídia mundial fosse chamada para dar cobertura à façanha de Lula. Nada poderia sair errado, senão viria Serra novamente com aquele ditado “predica, mas não pratica”. Ou ele, através de sua alma gêmea, Dilma Rousseff, vencia o segundo turno ou ele nunca mais chegaria a lugar algum, exceto, é claro, à São Bernardo do Campo. José Dirceu, ainda na moita, cuidou da encomenda, dizem, superfaturada, da cápsula “Super Fênix 1000”. Teve que ser refeita algumas vezes, pois Dilma não parava de engordar. A última versão mais parecia um tonel arcado.

O desfecho: Agora vocês já devem estar perguntando o porquê desse projeto não ter dado certo, ainda... Explico: Baixada a cápsula sob olhares ansiosos da cúpula do PT, do ministério inteiro, dos filhos da Erenice Guerra e do próprio Lula, entre outros, a emoção transbordava em abundância. Infelizmente, pelo menos até agora, não deu certo. Especula-se sobre o porquê. Por motivos ainda não bem esclarecidos a cápsula “Super Fênix 1000” trouxe à superfície o primeiro mineiro e ele não era Dilma. Mandou subir o segundo mineiro e esse, também, não era Dilma. Antes que viesse outro mineiro, mesmo com possibilidade de ser a própria Dilma, Lula decidiu adiar o projeto.

O epílogo: Deprimido e desconsolado Lula teve que abraçar o primeiro mineiro a sair da cápsula, Aécio Neves. Em seguida abraçou o outro mineiro, Itamar Franco. Mesmo com chances de que o próximo a emergir pudesse ser a mineira Dilma Rousseff, isso já era demais para Lula. Pensou melhor e assim, ferido pela traição do povo, mandou lacrar a boca do poço. Foi aí que, junto com a cúpula petista, bolou a história da bolinha de papel na careca do Serra.

Edson Pinto
Outubro’2010

15 de out. de 2010

140) EMOÇÃO E STREET VIEW




Emoção é vocábulo que todos nós conhecemos muito bem. Pode ser definida como uma forte reação de nosso espírito às situações inesperadas. Tem o poder de suscitar-nos a raiva, a tristeza ou mesmo a alegria. Poetas ao longo dos tempos fazem da emoção a matéria prima de suas obras. Pode vir em graus variados, de mornas a intensas, mas são sempre emoções. Fernando Pessoa, do alto de sua maestria literária, considerava uma grande emoção como sendo essencialmente egoísta, pois, como disse, “absorve em si mesma todo o sangue do espírito”. É, portanto, nesse devaneio, nessa quimera, nessa fantasia que movemos a vida à procura do tudo ou à procura do nada. É com emoções intensas, mesmo que demasiadamente egoístas, que movemos as nossas vidas e até mesmo o mundo.

Por outro lado, “street view”, esse estrangeirismo, como muitos outros desse mundo moderno, chega de súbito em nossas vidas e, pelas vias da modernidade, traz em si o enorme potencial de provocar emoções. Não diretamente como as emoções vindas das penas dos poetas, mas por veredas transversas quando encontram lá no recôndito de nossas almas os registros do passado. Por isso, misturo nesta crônica esses dois vocábulos de feições aparentemente tão díspares, mas como muita coisa em comum.

Street view ou ”visão da rua” pode ser mais do que uma coletânea assustadoramente grande de fotografias urbanas, possibilitada pelo fantástico avanço das ciências da informática, das telecomunicações e da capacidade sem limites de armazenamento de dados, especialmente de imagens e que nos é disponibilizado, de graça, pelo Google nos computadores com acesso à Internet. À parte o justificável e ainda não suficientemente bem esclarecido direito de proteção da nossa privacidade (lado obscuro desta questão), ou as fantásticas aplicações para fins de negócios que o recurso nos propicia, como para o turismo, empreendimentos imobiliários, divulgação de empresas e outros fins, vejo nessa maravilha emoções egoístas intensas tal qual as que nos foram ditas por Fernando Pessoa.

Ao alcance de meus dedos no teclado do computador descobri recentemente que poderia reviver aquilo que só vasculhando as profundezas de meus registros de vida e mesmo assim somente de forma abstrata poderia conseguir. Tudo em nossas vidas ocorreu e continua ocorrendo em algum lugar físico. Foi assim no passado, é agora no presente e será sempre da mesma forma, também, no futuro. O resgate desses lugares em nossas mentes é que tem o poder de nos levar a recordar bons e maus momentos da história de cada um. As fotos que o Google vem fazendo a cada 10 metros, simultaneamente por 9 câmaras em ângulos diferentes e que possibilitam visão em 360 graus de qualidade extraordinária, tendem a tornar mais fácil e prazeroso esse exercício de busca às emoções.

Desde que descobri esse recurso tenho feito assim: Lembro de um lugar onde morei, trabalhei ou estive por alguma razão e aí vou ao Google para pesquisar. Busco o local exato, ou aproximado, na pesquisa de endereço e chego à visão do satélite fazendo a aproximação máxima possível. Depois, arrasto o ícone do street view (bonequinho amarelo no lado superior esquerdo do mapa) e o solto no endereço que escolhi. A partir daí é só ir recordando e as emoções vão brotando: “Nesta esquina, exatamente em frente a essa casa encontrava com freqüência a minha turma de amigos na adolescência”, ou “Na escada desta casa que ainda encontra-se inalterada conheci minha mulher” ou ainda, “aqui, nesta praça levava meus filhos para brincar” e assim por diante. São emoções atrás de emoções...

O debate sobre a quebra do direito à privacidade que o tema suscita há de se acirrar à medida que o mau uso do recurso comece a acontecer com mais assiduidade. Há países que não permitem o street view, como há pessoas que não concordam que sua imagem, colhida sem previa autorização, seja divulgada publicamente. O Google até usa um recurso de embaçar ligeiramente a face das pessoas fotografadas. O mesmo faz com as placas dos veículos ou outras imagens que possam ser “a priori” consideradas comprometedoras. Será isso suficiente para acalmar o ânimo dos que se sentem incomodados? George Orwell em “1984” já havia previsto um mundo sem privacidade ameaçado pelo controle do Big Brother. O street view, na essência, não só contribui para que isso seja verdade, mas, curiosamente, supera, no bom sentido, a sua crítica à medida que esse big brother informático pode até mesmo nos presentear com egoísticas emoções.

Fica, assim e aqui, a minha sugestão para que tentem explorar esse magnífico recurso para esse fim emotivamente egoísta e que certamente não foi o objetivo inicial de quem o criou e o disponibilizou para uso geral dos internautas. Ao fazermos isso, fica-nos a feliz constatação de que a tecnologia embora pareça afastar-nos das coisas simples da vida e de violar aspectos ligados às privacidades individuais, pode, sim, como é neste caso do street view, aproximar-nos cada vez mais da essência de nossas almas propiciando-nos momentos de pura emoção.


Edson Pinto
Outubro’2010

8 de out. de 2010

139) ALMOÇO EM FAMÍLIA

Certos hábitos e comportamentos se nos impõem de forma natural. Não requerem leis, regulamentos ou quaisquer outras formas coercitivas para que as entendamos como importantes e até mesmo como obrigatórias. Algumas parecem eternas, porque nem o tempo é capaz de eliminá-las. São verdadeiras e tradicionais instituições que se mantêm pelo sentido gregário que embutem. Pura mágica! Uma delas é o almoço em família.

Os hábitos modernos, especialmente daqueles que vivem nas grandes cidades, até podem levá-los a negligenciar esporadicamente essa instituição social e familiar tão cheia de significado. Não é mais possível trabalhar até certa hora, voltar à casa para o almoço e depois retornar para a segunda e final etapa do labor diário. Transferido o raciocínio para o jantar que ocorre ao final do dia, nem sempre, e pelas mesmas razões, tal tem sido possível, especialmente nesses tempos de hoje que passam tão atribulados e rápidos. É triste vermos as famílias tão dispersas, sem que consigam criar alguns momentos de confraternização intima, quando, despidas do estresse e das rusgas que nos impõe a roda da vida, possam reforçar os laços da união familiar.

O almoço em família, que, compreensivamente, já não pode mais ser feito ao longo da semana, pelo menos deveria ser consagrado para os domingos. Se não em todos, ao menos uma vez por mês. Ajustando essa instituição para o modo de vida atual e apenas para que fique mais fácil o entendimento de quantos só vivem do trabalho e de números, sugiro imaginarem o almoço familiar dominical como uma reunião de acionistas, uma assembléia geral do clube, um “happy hour” com os colegas do escritório quando ideias, informações, afetos e deliciosas banalidades são trocados. Muita gente não consegue se dar conta de quão fundamental é essa instituição. Comparo-a a argamassa que une e que dá consistência aos blocos formadores do edifício de nossa existência.

Meu avô que nos deixou quando já se aproximava dos 100 anos de vida, bem vividos, valorizou como ninguém a instituição do almoço em família. Fez dele - o almoço sagrado de cada domingo - e nos ensinou pelo exemplo, como sendo um dos meios mais importantes para nos manter unidos e mutuamente respeitosos. Tão tradicional era essa domingueira que ninguém precisava dizer antecipadamente que lá estaria. A casa funcionava em permanente estado de alegria. Íamos chegando, abraçando-nos, perguntando uns pelos outros, rindo alto, agitando as crianças, falando muito, acariciando-nos mutuamente até que fossemos, todos, se transferindo para a sala de almoço. Momento maior e consagrador de nossas vidas.

Sentado à cabeceira da mesa, meu avô comandava tudo com ordens precisas, gestos objetivos e olhar apaziguador. Nem era preciso dizer que o refrigerante devesse ir para as crianças e que os adultos tivessem acesso ao vinho ou à cerveja - esta só liberada aos domingos. As histórias familiares eram contadas e recontadas. A cada vez, mais delas nós nos riamos e com renovada disposição. Era uma delícia ouvir os tios dizerem, por exemplo, como meu pai conheceu minha mãe; como uma das tias se deu mal numa estripulia familiar e como o outro tio era namorador. Alguns iam às lágrimas quando vinham à tona comentários sobre a perda de um ente familiar ou amigos queridos; quando se reportava a uma séria dificuldade financeira, ocorrida em tempos bicudos e que teria imposto, no passado, pesado revés à família. E o período da guerra? De como meu pai, jovem, destemido, fora combater na Itália deixando saudades e temores em todos...

Entre lágrimas sentidas, risos felizes, vozerio atroante, gargalhadas fogosas e crianças já cansadas de tanto agito, o ágape familiar ia se desfazendo aos poucos. ”Temos que ir - dizia uma tia - as crianças ainda precisam estudar para as provas de amanhã”. Outro dizia, em seguida: “Vamos agora, temos que visitar um amigo que se encontra adoentado” ou “Ainda queremos pegar um cineminha com as crianças”. A tarde ia chegando ao fim e meu avô, feliz pela mágica de ter unido a todos nós, despedia-se de cada um ao tempo em que dava garantias de que na semana seguinte a discussão de tal ou qual assunto iria ter prosseguimento.

Hoje, meu avô, assim como meu pai, já não coordenam nem participam mais desses nossos almoços familiares terrenos. A família se reproduziu em quantidades mais modestas de cabeças, porém mais adequada às condições do mundo moderno e competitivo em que nos encontramos; espalhou-se por longínquos rincões desse imenso país e se desdobrou em novos núcleos familiares independentes.

De minha parte, tento reproduzir em meu pequeno núcleo familiar, quando comparado com a multidão que freqüentava a casa de meu avô, o seu exemplo. Cristaliza-se cada vez mais em meus hábitos a instituição do almoço dominical. Minha esposa, os 3 filhos, noras e por enquanto a única neta, já me dão o prazer de ao menos esse encontro semanal. É quando, sob a benção desse dia dedicado ao descanso, o domingo, tento desenvolver por meio dessa sólida e simples instituição, o almoço em família, como sendo a melhor maneira de nos transformarmos em um grupo coeso que além de afinidades familiares desenvolva em todos um verdadeiro espírito de união e fraternidade.

Meu avô deve estar contente com isso..

Edson Pinto
Outubro’2010

1 de out. de 2010

138) ELEIÇÃO DOS BICHOS




Acabo de concretizar um simples, mas para mim muito significativo plano de vida: Há anos, alimentava a ideia de catalogar e dispor de forma organizada todos os livros que consegui acumular ao longo do tempo. Não são muitos, contudo, quase todos, são bons. Fim de semana após fim de semana, fui recolhendo, folheando e registrando o que até o momento já totaliza 925 livros. Agora, mantenho-os no mesmo ambiente e sob o meu rigoroso controle. Pode ser pretensão, porém e orgulhosamente, chamo a isso de minha biblioteca pessoal, meu tesouro.

O livro que registrei sob o nº 523, prendeu-me especialmente a atenção. Encontrei em sua última página minha rubrica e data indicando o término de sua leitura em 12/6/1975. É isto mesmo! 35 anos são passados desde que me deliciei com o romance/fábula de George Orwell “A Revolução dos Bichos”. Escrito em 1944, mas só publicado no pós-guerra, trata-se da mais eloqüente crítica ao socialismo ao mesmo tempo em que traz a indefectível previsão do que de fato veio a ocorrer em anos mais recentes, ou seja, o fracasso dos sistemas político/econômicos de caráter socialista centralizador e totalitário. A queda do muro de Berlim simboliza de forma contundente o que George Orwell prognosticou. Reli-o, obviamente, e sem surpresa constato que o tema, especialmente aqui no Brasil, continua atual.

Sem me alongar em demasia, lembro que os bichos da Granja Solar, liderados por Major, um dos porcos mais articulados e que a partir da narrativa de um de seus sonhos conclama todos os animais da granja a assumirem por eles mesmos o destino de suas vidas. Os animais, cada qual com a sua personalidade, são conduzidos a uma revolução. Porcos (manipuladores), cavalos (rígidos), ovelhas (alienadas), burros (esforçados e teimosos) e galinhas (dispersas) passam a seguir cegamente o que os novos líderes ditavam. Os sete mandamentos legados por Major são divulgados oficialmente e deveriam ser seguidos por todos os bichos:

1) Qualquer coisa que ande sobre duas pernas é inimigo.
2) O que anda sobre quatro pernas, ou tenha asas, é amigo.
3) Nenhum animal usará roupa.
4) Nenhum animal dormirá em cama.
5) Nenhum animal beberá álcool.
6) Nenhum animal matará outro animal.
7) Todos os animais são iguais.

Lideranças suínas, os manipuladores, especialmente Napoleão o porco líder maior, não descem dos palanques com suas campanhas políticas permanentes. A bicharada trabalha como escrava na construção de um moinho de vento e vai, assim, gradativamente perdendo a memória dos tempos em que a granja era comandada pelo Sr. Jones, o antigo dono. Sansão, o burro, passa a acordar mais cedo para trabalhar nunca se cansando de dizer que “Napoleão tem sempre razão”. As ovelhas, em grande maioria, seguem dóceis e felizes com o pasto que lhes é garantido. As galinhas, dispersas como são, nunca se organizavam para nada.

Não demorou até que os porcos, os manipuladores, passassem a morar na casa que antes pertencia ao Sr. Jones, começassem a andar somente sobre as patas traseiras, dormissem nas camas dos ex-donos, vestissem roupas, tomassem uísque e mantivessem relacionamentos escusos com os homens. Como grande parte dos animais continuava sem saber ler, os mandamentos legados por Major foram sendo alterados sem que a bicharada percebesse. Os poucos que sabiam ler e percebiam a adulteração dos mandamentos - não se sabe por que cargas d’água - preferiram se omitir.

Quando a fome, a desesperança, a nova escravidão transformaram-se em caos, ainda foi tempo do corvo Moisés profetizar que, findo o sofrimento, haveriam de encontrar a “Montanha de Açúcar, Cande”, “o lugar eternamente feliz onde nós, pobres animais, descansaremos para sempre desta nossa vida de trabalho”.

Quando só restava um dos mandamentos da revolução, mesmo assim já adulterado “Todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais que outros”, ocorre de os bichos inferiores presenciarem, às espreitas, os porcos líderes em amistosa conversa com visitas humanas a declarar que os alicerces da revolução estavam corroídos e que em breve a granja voltaria a chamar-se Granja Solar. Era o fim. Conformados, enquanto afastavam-se da janela onde espreitavam a conversa voltaram, contudo, para acompanhar uma nova e acirrada discussão que se iniciara em função de uma jogada de carteado. E surpresos, olhavam para uns e olhavam para outros e não conseguiam mais distinguir quem era humano e quem era suíno...

No próximo domingo, 3 de outubro, vamos às urnas para escolher os nossos bichos lideres. Os porcos, manipuladores como lhes é da essência, estiverem nos últimos tempos a nos contar falsos sonhos messiânicos que tiveram. Conclamaram as ovelhas que são dóceis e em maioria a continuarem pastando plácidas e inofensivas. Os burros como sempre já se dispuseram a levantar mais cedo ainda e a trabalhar muito mais. As galinhas ciscarão como nunca e sairão, certamente, em desordenada disparada cada vez que os cães fiéis aos poderosos porcos manipuladores lhes quebrarem os sigilos e mesmo assim serão mandadas para detrás das grades transformadas de vitimas em culpadas. É a História se repetindo...

Restam-nos, ainda, esperanças! Que tal mirarmos bem em bichos menos cruéis para serem nossos lideres? Sugiro a coruja. Tem inteligência, é zelosa com seus filhotes e acima de tudo tem aqueles olhos grandes que tudo veem e ainda pode girar seu pescoço a 180 graus para que nada escape de seu controle. O que acham?

Votemos, contudo, no bicho que quisermos. Isso é da democracia. Mas, uma vez no comando, não devemos nos dispersar como as galinhas e muito menos sermos dóceis como as ovelhas. E quanto aos porcos? Por que não os escolhermos na versão pururuca?


Edson Pinto
Outubro de 2010

24 de set. de 2010

137) REENCONTRO



Sabe aquele aperto que nos toma o coração quando nos lembramos de alguém muito importante e que não temos ao nosso lado? A aflição intensa que sufoca a alma, acelera o fluxo do líquido vital que corre em nossas veias num verdadeiro tsunami de agonia e ansiedade a minar o alicerce estabilizador e sustentáculo de nossas vidas? Pode ser paixão. Provavelmente, angústia. Anualmente isso ocorre a mim...

Nasce lá no âmago e rigorosamente vai crescendo, crescendo, crescendo... No início, de forma suave, depois de maneira mais encorpada até que já madura detona-me o desejo incontrolável de reencontrá-la. E aí, amigo, não há força, por mais extraordinária que se possa imaginar, que seja capaz de deter o desejo de abraçá-la e de cobri-la de mil caricias puras e sinceras para externar-lhe o quanto me é essencial.

Passam dias, noites, semanas, meses até que o grande reencontro se materializa. Se a felicidade fosse mensurável a partir do pulsar de minhas veias, esse seria o pináculo de minha existência. E sabe por quê? No fundo, no fundo, ela é a figura perfeita que me traz o melhor de tudo. É luz, porque me fulgura no espírito e me ilumina o caminho; É paz, por que me traz harmonia, equilíbrio, sossego e mansidão; É beleza, por saciar, de forma elevada e serena, o que demanda os meus sentidos; E é amor! E por amor, nem preciso justificar...

Como se veste augusta! Dos pés à cabeça tudo nela brilha como os mais límpidos e puros cristais. Os seus lábios, olhos, cabelos e gestos, tudo, são flores de viço ímpar, de imaculada frescura que me conforta a alma. Seu perfume penetrante toma conta não só do que me rodeia, mas principalmente do que me faz substância. E sua áurea? “Áureas abelhas pequenas/Falenas, níveas falenas” (B. Lopes). Nunca se ama tanto quando ela se faz presente. Nunca nos dói tanto quando ela se faz ausente. Nunca se espera tanto quando o que mais conta é a ânsia do reencontro.

É no regaço de sua formosura que repouso minha cabeça cheia de sonhos e desventuras. Não há porque chorar se ela me envolve plena de amor. Não há porque explodir em risos e alegria se essa paixão durará não mais do que o tempo em que suas flores e perfume vierem a fenecer despindo-a como sina do inexorável fim de um ciclo. Só me resta devotar-lhe o mais intenso de meu amor e beijar-lhe tanto quanto me beija dizendo-lhe adeus, ou melhor, até o nosso próximo encontro anual, minha adorável e bem-vinda primavera...

Edson Pinto
Setembro 2010

17 de set. de 2010

136) LATRINA A CÉU ABERTO (da série Enganassione)


Anualmente, exceto em anos de Censo Geral, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) faz um levantamento já bastante conhecido como Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). É uma espécie de fotografia, por amostragem, da situação em que se encontra a população sob vários aspectos de sua vida. O que já era sabido e continua a chamar cada vez mais a nossa atenção é que cerca de 40% dos lares brasileiros ainda não conta com sistema de coleta e tratamento de esgoto. Dada essa enormidade numérica, isso me leva a concluir que o Brasil é uma verdadeira latrina a céu aberto.

Nós que nos encontramos nos nichos socialmente privilegiados deste País, mal podemos imaginar o que isso significa em profundidade. Verdadeiramente, significa, sim, quase tudo, máxime quando pensamos no nosso atraso social histórico e o que disso decorre. Ao contrário do que afirma o hipócrita discurso governamental que tenta passar ao povão a ideia de um Brasil Maravilha, já considerado pelo mundo como uma grande e poderosa nação, somos, na verdade, um país por ser feito, cheio de mazelas, injusto e se não bastasse, comprovadamente, uma latrina a céu aberto, como nos deixa ver o PNAD publicado na semana passada.

Vamos ver sob um ângulo mais abrangente o que “uma latrina a céu aberto” quer nos dizer: Se temos quase 200 milhões de habitantes, saibam todos que, em 40% dos nossos lares, grosseiramente 80 milhões de brasileiros, depositam seus dejetos em lugares inadequados, isto é, no fundo dos quintais, em regos que levam para mangues, córregos, riachos, rios, oceano ou mesmo ficam se decompondo ao relento. Não são apenas os dissabores do desconforto e das doenças que disso desandam, mas principalmente o fato de que o ser humano nesse estado de degradação deixa de ser gente e passa a assemelhar-se de forma mais apropriada a um animal. A vida fica mais curta, doenças o incapacita para o trabalho produtivo e principalmente sua saúde psíquica fica seriamente comprometida.

Mas, seres subumanos que sobrevivem nessa latrina a céu aberto também votam. Seria ótimo para eles se suas capacidades de discernimento, senso crítico, livre arbítrio, boa saúde física e mental, entre outros pré-requisitos ordinários, pudessem orientá-los para uma boa decisão no momento de clicarem seus votos nas urnas. Infelizmente, isso não é verdade. Só tem sido ótimo para os políticos espertalhões que usam essa enorme parcela desprotegida, e já humanamente comprometida, como massa de manobra. Uma “Bolsa-Alguma-Coisa” aqui, um espetáculo futebolístico mundial ali, uma olimpiadazinha básica acolá e lá vem o povo contente votando em que seu rei mandar.

Em Jacundá, no Pará, no Parque (que ironia!) Genibaú na periferia de Fortaleza, nas favelas de São Paulo, Rio de Janeiro ou onde mais quisermos mencionar lá estão as latrinas a céu aberto. E do seu lado, sempre nos meses de setembro que antecedem eleições, também lá estão nossos políticos beijando crianças (depois limpam a boca e cospem); abraçando mulheres desdentadas (depois desinfetam a roupa); apertando mãos descarnadas (depois lavam as próprias com gel desinfetante), tudo para conquistar os seus votos. Triste sina de um povo que não consegue escapar da armadilha da miséria e entrega, mesmo inconscientemente, sua dignidade em troca de pão e circo!

Alguém dirá, contemporizando esse absurdo: __ Mas, as Esquerda (aquelas que historicamente deveriam estar do lado do povo) vêm exatamente para resolver isso dando vez ao povo e assim fazendo-o o beneficiário primeiro do progresso. Ledo engano! Se um pouquinho de agrado já garante votos sem-fim, por que levar o povão ao estado em que adquiriria a consciência plena? Tem TV no barraco para ver o futebol e a novela; tem geladeira para fazer o picolé; tem cartão magnético que permite tirar uma graninha do programa Bolsa-Família. Pra que mais? Felicidade geral, presidente com popularidade nos píncaros mesmo em flagrante e direto afrontamento às instituições democracias, à Constituição, ao raciocínio lógico, aos princípios morais e à língua pátria.

Feliz do povo que primeiro consegue vencer a miséria crônica, morar decentemente, alimentar e estudar os filhos e acabar com suas próprias latrinas a céu aberto para depois acolher uma Copa do Mundo de Futebol e a Olimpíadas mostrando-se orgulhosamente para todos.

Aqui, como indica o PNAD, vamos fazer o contrário: primeiro montaremos espetáculos grandiosos, pirotécnicos para só depois vermos o que será feito com nossa latrina a céu aberto. Talvez, e seria bom que não desprezássemos a hipótese de que, por questões ecológicas, o mundo caminha para um retorno aos valores primitivos da Natureza. Nesse caso, estaríamos orgulhosamente avançados em relação à comunidade internacional ao demonstrarmos a liderança e a criatividade de nossas políticas públicas como o nosso fantástico e natural sistema de latrinas a céu aberto.

Eta povo feliz!

Edson Pinto
Setembro’2010

10 de set. de 2010

135) QUANDO SETEMBRO VIER















O mês de setembro não é só emblemático por nos trazer, no seu dia 23, aqui no hemisfério sul, a primavera, esse momento mágico da natureza em que o Sol atinge o equinócio e com ele flores, vida e juventude apossam-se de nossos corações e mentes. Quando queremos nos referir a tempos tristes falamos em outono, mas quando nos expressamos para o belo e jovem falamos em primavera, especialmente quando o recado é para a mulher amada. Artur Azevedo derramou sua paixão ao dizer: “Os meus trinta e nove outonos estão, como sempre, às ordens das tuas vinte e cinco primaveras." Quer coisa mais bonita?

No hemisfério norte, setembro não traz o início da primavera, mas o fechamento do verão. Para os boreais, tempo de alegria que fecha um ciclo antes que o outono se faça presente. “Come September” ou “Quando Setembro Vier”, mexe com a memória de quem tem pra lá de 60. Rock Hudson, Gina Lollobrigida, Sandra Dee, Bobby Darin e muitos outros jovens alegres marcaram com o famoso filme que dá o título a este texto não só a vida daquela romântica vila italiana como, ainda, fizeram daquele setembro um mês inesquecível. Para nós, no sul, pode ser visto também como um mês de alegria e de muita responsabilidade. Um mês em que tudo deve e pode acontecer.

E não é que setembro já chegou de novo?

Por enquanto um clima bastante seco aqui por essas bandas tupiniquins. Há um cheiro pestilento vindo do Planalto Central e das entranhas putrefatas da Receita Federal de Santo André. Este ano chove pouco, mas mesmo assim já dá para perceber os brotos das árvores ansiosos aguardando água vinda do céu para explodirem em flores. Os pássaros gorjeiam em algazarra a não mais poder. Ervas daninhas brotam abundantes por entre o céspede, enquanto na TV o programa eleitoral vai com tudo, inclusive com a sua própria tiririca, erva famosa pela dificuldade que encontramos em erradicá-la.

Aguardamos setembro para, com o Sol em equinócio, iluminar de forma profícua as nossas mentes ao mesmo tempo em que o seu efeito desinfetante se faça pleno no combate a cepas resistentes de germens que infectam a vida nacional. Setembro é o nosso pinho-sol. É o momento em que, com alegria, serenidade e de forma consciente trataremos de escolher aqueles a quem ungiremos como nossos líderes políticos logo nos primeiros dias de outubro. Tal qual a primavera, o setembro de nossas vidas, esses que antecedem a eleições, especialmente, apresentam-se como o equilíbrio do equinócio para o justo desabrochar de uma nova etapa. Se tivermos o cuidado de desviar nossos corações e mentes das falácias, das baboseiras, do achincalhe e das manobras dos espertalhões de sempre, podemos contribuir para um país melhor.

Não vamos imaginar que todo político é uma versão especial de um tiririca. Há gente séria também. Nem deveria ser um problema o fato de que palhaços, desonestos, despreparados, oportunistas e maus-caracteres façam da política o instrumento para atingirem seus objetivos pessoais. A vida é assim mesmo e deveríamos, todos, sabermos como bem conviver com essas esquisitices. O cenário político é uma amostra do cenário de nossa vida real. Somos, infelizmente, como povo, aquilo que o horário eleitoral nos mostra. O problema, contudo, é o fato de a maioria dos cidadãos, pessoas puras, se deixarem levar por tais extravagâncias e com isso colocar lá no Congresso ou no governo dos Estados, nas Assembléias Legislativas e mesmo no posto máximo do comando do País, a presidência, figuras que não levarão a sério a nobreza do cargo para os quais foram eleitos.

Tenho fé! Chegará o dia em que votaremos com seriedade e os tiriricas da vida serão apenas ervas daninhas a nos fazer rir pelo ridículo de seus atos, mas nunca pela nossa ingenuidade de fazê-los comandantes de nossas vidas.

Edson Pinto
Setembro’ 2010

3 de set. de 2010

134) VOU-ME EMBORA PRA JACUNDÁ

 “Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que quero
Na cama que escolherei.
Vou-me embora pra Pasárgada”

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Se Manuel Bandeira quis ir para Pasárgada porque aqui ele não era feliz, eu estou convencido de que em Jacundá minha existência será uma aventura igualmente jubilosa, afortunada, bendita e inconseqüente. Por isso, vou-me embora pra Jacundá. Se Dilma vencer - juro - jamais volto de lá...

O Brasil tomou conhecimento de Jacundá graças ao jatinho do Jornal Nacional que, a comando remoto de William Bonner e Fátima Bernardes, leva Ernesto Paglia para os mais estranhos rincões deste nosso País. Você que pensava que a nova superpotência na qual Lula transformou o Brasil já tinha superado todos os seus atrasos históricos, acaba de descobrir que em Jacundá tudo é ainda muito diferente:

96% da população não têm acesso ao sistema de esgoto; mais da metade das casas não recebe água encanada; a estrada que leva ao município é estreita e toda esburacada; as leis de trânsito são desconhecidas e menores de idade dirigem e pilotam motos sem nada a temer; violência, estupros, assassinatos e bandidagem fazem parte do cotidiano do jacundaense. Ah! A cidade tem cerca de 60 mil habitantes e o prefeito, como informa a justiça Eleitoral, é “indefinido”. Seja lá o que isso significa, deve ser motivo de grande orgulho e incomensurável júbilo para aquela boa gente.

Aloísio Mercadante, o irrevogável, tem dito na TV que sob a batuta do seu grande mestre Lula o Brasil cresceu vigorosamente enquanto São Paulo, sob o comando do PSDB de Serra, tem sido um grande fracasso. Fico pensando, como o Brasil pode crescer sem que São Paulo vá junto. Ou São Paulo não faz mais parte do Brasil ou o Brasil de Lula não ta nem aí para este insignificante Estado da federação que representa, isoladamente, mais de 1/3 do PIB e conquistou, por mérito e por razões que dispensam argumentos, o título de locomotiva da economia brasileira.

Só há uma explicação: Jacundá, assim como Pasárgada, tem tudo que ver uma com a outra. O povo de Jacundá é feliz e vota em que Lula mandar. “Em Pasárgada tem tudo/É outra civilização/Tem um processo seguro/De impedir a concepção” Em Jacundá ninguém fica triste, pois tudo o que aqui na nossa civilização julgamos importante, lá não faz a menor falta. Rede de esgoto pra que? Se o mestre já disse que o tênis é esporte “daselites”, o que já não terá dito para o jacundaense sobre água encanada, segurança, estrada asfaltada e segura, leis de trânsito e todas essas minúsculas bobagens pequeno-burguesas que tanto incomodam à nomenclatura esquerdista do poder:

Por isso, e por muitas outras razões, Jacundá é para mim até mais do que Pasárgada. Jacundá é um paraíso perdido bem no miolo do Pará. Se for pra lá, nunca mais hei de voltar...

“Tem alcalóide à vontade/Tem prostituas bonitas/Para a gente namorar”. Sim, isso tudo em Pasárgada, Bandeira já disse. Eu acredito, de verdade verdadeira, que posso encontrar isso também em Jacundá.

E porque eu quero ir prá Jacundá só se a Dilma vencer? Por que não vou de qualquer modo se “lá serei amigo do rei e terei a mulher que quero na cama que escolherei”?

Simples! A Jacundá real vive de esperanças e um pouco, também, da Bolsa Família. Se Dilma não vencer, Jacundá, certamente, não perderá a Bolsa Família que já faz parte do seu cotidiano, mas verá pelos olhos das instituições democráticas, da imprensa livre, outro País bem diferente do de lá. Vencendo Dilma, vence Lula, vence o PT, vence o fisiológico PMDB e mais do que isso, triunfará sobre a verdade, a ilusão. E povo feliz é povo que não vê. Se não vê, basta somente ouvir tudo o que o mestre disser. Por isso, vou pra lá.

“E quando eu estiver mais triste
Mais triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
Lá sou amigo do rei
Terei a mulher que quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada”, isto, é, pra Jacundá


Edson Pinto
Setembro de 2010

27 de ago. de 2010

133) PESQUISASSIONE (da série Enganassione)


Entre 1932 e 1968, portanto por longos 36 anos e como presidente do Conselho de Ministros, Antonio de Oliveira Salazar, na mais clássica forma de ditadura, mandou e desmandou em Portugal, terra com a qual nós brasileiros temos visceral afinidade.

Sabia como ninguém agradar ao populacho e, mais ainda, como operar, habilmente, o aparelhamento do Estado para se manter intocável por décadas. E olha! Não fosse a distração de tentar sentar-se em uma cadeira que havia sido retirada do local onde costumeiramente usava para ler o jornal e ter, acidentalmente, batido com a cabeça no chão e daí ter sofrido séria lesão cerebral, ainda teria ficado com as mãos no leme por muito mais anos.

“Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal?”- perguntou Fernando Pessoa, não necessariamente para Salazar, mas para todos, pois vale como reflexão genérica.

Conta uma anedota da época que, em um plebiscito comandado, evidentemente pelo Estado, para confirmar a permanência de Salazar no poder, apresentavam-se duas alternativas: ”SIM, Salazar fica”; ”NÃO, Salazar não sai”.

Qualquer semelhança com a nossa realidade é mera coincidência. A afinidade que há entre nossos povos não se estende a esse ponto, mesmo porque tudo o que tem sido feito por aqui tem aquela chancela do “Nunca antes na história deste País”. Nunca se esqueçam de que o Brasil nasceu em 1º de janeiro de 2003 na posse de Lula em seu primeiro mandato. Antes, pelo menos na propaganda oficial, o País nem existia... Lula é, portanto o nosso Pedro Álvares Cabral verdadeiro...

Os Institutos de pesquisa andam em polvorosa. Medem daqui, medem dali e os números favoráveis à Dilma não param de subir. Na Internet circulam análises as mais assustadoras sobre a metodologia das pesquisas. Ora apresentam que a seleção da amostra é viciada, pois concentram enquetes em regiões a priori nitidamente petista devido ao encanto dos programas sociais lá implantados. Ora sugerem que os institutos tendem a se alinhar mutuamente naquele argumento de que “ou acertamos todos ou erramos todos”. “E La nave va”, como nos sugere a face, também italianíssima, de nosso povo.

Muita gente tem dito nunca ter sido entrevistada e que sequer conhece alguém que tenha sido. Pode parecer de fato absurdo, mas este argumento, embora lógico, não é suficiente para explicar toda a complexidade do tema. A ciência matemática e seu braço estatístico se dão muito bem com amostras pequenas sem que isso desvie em muito o resultado quando comparado com a pesquisa de todo o universo de dados.

O segredo está no que os estatísticos muito prezam, ou seja, na representatividade da amostra. Se ela não for fidedigna, então os resultados serão falsos, tendenciosos e, como dizem, viciados. Manipular pesquisas com ações marotas do tipo: colocar partidários seguindo os pesquisadores para se apresentarem para a entrevista, ou ainda, pesquisadores tendenciosos que induzem à resposta desejada também têm lá uma grande dose de influência nos resultados.

Bem, uma vez manipulada a pesquisa poderíamos ainda pensar: “Isso não altera a qualidade do meu voto. Nas urnas o resultado será outro”. Verdade! Porém apenas para aquela pequena parcela dos cidadãos que são conscientes da importância de sua participação na vida política do País. Observam o quê está acontecendo, leem jornais, revistas, ouvem pessoas que trazem conteúdo em suas palavras, assistem a debates e principalmente têm suas antenas ligadas, não apenas na realidade momentânea do país, no canto da sereia, mas principalmente naquilo que está por vir, no futuro, na vida das próximas gerações, pois o País deve ser visto ao longo do tempo, como em um filme, e não apenas como uma foto do momento presente.

Totó, o nosso povo, anda, de novo, às voltas com a sua Chiara. Por mais que os fatos demonstrem o elevado grau de esperteza da “schifoza” ele insiste em continuar amando-a de forma incondicional. Puro, como é, certamente ainda não percebeu que ao ser pesquisado apresentam-lhe as duas alternativas salazarianas: “SIM, voto em Dilma”; “NÃO, não voto em Serra”.

Há, ainda, alguma água a correr até que as eleições de outubro cheguem. Pairam dúvidas nesta minha cabeça que não cessa de formular questões capciosas:

__ Totó continuará sendo enganado por Chiara?
__ Pesquisas que – não afirmo, mas admito considerar – contém vícios?
__ Totó, mesmo tendo uma idéia independente sobre o que seria melhor para o País, tenderá a votar naquele que a pesquisa indica como vencedor apenas para não perder o seu voto, mesmo perdendo a dignidade?

Tudo pode acontecer na vida. É só esperar e nunca esquecermos de que o destino pode retirar, furtivamente, a cadeira onde Totó costuma sentar-se para meditar. Quem sabe não bate a cabeça no chão, como aconteceu com Salazar, e assim, acidentalmente, coloque seus miolos em boa ordem?

Aguardemos! A série “Enganassione” continua....

Edson Pinto
Agosto’ 2010