27 de jan. de 2012

190) NASA OU NADA DISSO...

Em 2006, com a nobre intenção de comemorar o centenário do primeiro vôo do 14 Bis de Santos Dumont, o erário público desembolsou 10 milhões de dólares para que o tenente-coronel Marcos Pontes da Força Aérea Brasileira pegasse uma carona na nave espacial russa Soyuz que em cooperação com a NASA opera a estação espacial, ISS. Ficou dez dias no espaço em companhia de astronautas de outros países. Entremeado por abundantes tchauzinhos siderais e sorrisos cósmicos cumpriu umas oito tarefas de pequena expressão científica entre elas o plantio de um pezinho de feijão tal qual fazem as crianças ainda na pré-escola.

Ao final de março próximo serão passados seis anos desde que autoridades constituídas se ufanaram com o evento mesmo com resultado zero para o País. Para Marcos Pontes, porém, tudo se mostrou diferente. Foi imediatamente reformado mantendo os soldos, é óbvio, e desandou a dar palestras motivacionais, dar entrevistas e tornar-se figurinha manjada em programas televisivos. É forçoso reconhecer que a figura tem simpatia e habilidade para esta nova missão. Não a espacial, é claro, mas a mental que tem o poder de levar as pessoas crédulas ao consumo. Aposto que até a sua empresa estaria disposta a pagar R$ 15 mil para ouvi-lo desenvolver o tema “Sua empresa é sua espaçonave” ou “Sou membro da tripulação e a importância do trabalho em equipe”. Pagaria ainda, você, R$50,00 por um travesseiro NASA do astronauta Marcos Pontes. Comovente!

Mas a Soyuz levou Marcos Pontes mais alto ainda, pelo menos no que diz respeito aos seus objetivos pessoais. Não é que minha esposa motivada pela esperta propaganda do travesseiro NASA com a chancela do primeiro astronauta brasileiro se viu convencida de que aquele pedaço de espuma sintética com sua foto em macacão espacial deveria ser realmente fruto de uma daquelas oito experiências que ele fez no espaço? Pimba! Mais um travesseiro indeformável, hipoalergênico de maciez irresistível acaba de ser vendido. E - que todos saibam - lá prá casa.

Por essa mania de quem já se escaldou muitas vezes, fico com medo até mesmo de água fria. Por isso, decidi ler atentamente a embalagem do produto. O astronáutico sorriso de Marcos Pontes encimando um fardamento adequado para as jornadas cósmicas com direito a símbolo da NASA e bandeirinha do Brasil no braço ocupa mais da metade do grande folheto. Em letras garrafais sugere que o “viscoelástico” provém da pesquisa espacial indo diretamente para o nosso dia a dia. Era tudo o que qualquer ser humano moderno gostaria de desfrutar! Só no rodapé e em letras que, de tão pequenas é quase impossível ler, está a grande verdade: NASA que como todos nós sabemos significa “National Aeronautics and Space Administration” para este produto revolucionário significa “Nobre e Autêntico Suporte Anatômico”. Portanto, não é a NASA que pensávamos e sim a NASA que a esperteza inata tupiniquim achou por bem adaptar para que fossemos todos enganados.

Neste mundo, e mais especificamente neste País, em que enganar passou a ser um de nossos traços culturais mais importantes, até que o astronauta brasileiro não inovou extraordinariamente. Votamos no político que mais nos engana com falsas promessas; compramos a gasolina que nos é oferecida pelo menor preço, porém de duvidosa qualidade; atravessamos o semáforo vermelho para chegar mais rápido; falamos que o trânsito estava péssimo para justificar nosso atraso quando na verdade, por preguiça ou mau planejamento, perdemos o horário; dizemos que amamos para camuflar o ódio que toma conta de nossas almas e, hipocritamente, falamos em solidariedade enquanto fechamos os olhos às injustiças que nos rodeiam. Por que, então, só Marcos Pontes haveria de ser ético e sincero?

O travesseiro já entrou em uso aqui em casa e, pelo menos, até agora, não se mostrou nem tão ruim nem nada de extraordinário. Diria, é um travesseiro trivial que dispensaria pesquisas espaciais para nos fazer dormir bem. A única coisa que nos suscita como dúvida é se o astronauta consegue colocar a cabeça no seu próprio travesseiro da NASA e dormir com a consciência tranqüila.

Será isso, ou nada disso?

Edson Pinto
Janeiro’ 2012

14 de jan. de 2012

189) UM ESPECTRO RONDA A EUROPA...


... E não é exatamente o fantasma do comunismo a que se referiam Karl Marx e Friedrich Engels no famoso Manifesto do Partido Comunista de 1848. As razões da volta do fantasma, no entanto, são muito assemelhadas: Recidiva de crise econômica a mostrar que as imperfeições do sistema capitalista nunca foram completamente superadas e, ao que parece, continuarão incólumes por todo o tempo que pudermos vislumbrar à frente. Pessimismo? Não, necessariamente. Apenas realidade...

Não há, no presente, disposição do proletariado politizado para liquidar a burguesia nem promover, pela via revolucionária, a histórica luta de classes. Há, de fato, uma insatisfação que paira sobre o velho continente clamando por reformas. A armadilha da euromoeda passou do sonho ao pesadelo e as nações que ansiaram embarcar no imenso transatlântico da prosperidade acabaram de descobrir que o seu codinome é Titanic. Têm solução? Claro que sim! A humanidade sempre encontrou uma forma de superar crises e retomar o inevitável continuum do progresso. Não é o fim da História, nem o fim das esperanças. Muitos sairão feridos, outros naufragarão nas profundezas abissais, mas ao final um novo ciclo virtuoso de progresso tende a emergir.

Quem não ficaria perplexo com um país como a Espanha com índice de desemprego de 23% de sua força de trabalho, ou com uma dívida pública líquida superior a 100% do PIB como na Itália ou mesmo uma variação negativa de mais de 2% na economia portuguesa? E a França que acaba de perder seu status de triple A? A insensata nau européia topou com o inesperado iceberg e faz água. Pânico geral... Mas, nunca devemos nos esquecer que a globalização exerce suas forças tanto para o mal como para o bem. “Oh, mercados de todo a Terra, salvai os recém-empobrecidos irmãos da vetusta Europa!” Brasileiros, russos, indianos e chineses (o BRIC), invadirão Paris, Roma, Londres, Lisboa, Madri e tutti quanti para consumir até não mais poder. Salvaremos suas anacrônicas economias para o bem geral e progresso do mundo...

O comunismo teve morte encefálica em novembro de 1989 quando veio abaixo o muro de Berlim. Fidel está prá lá de Bagdá, Kim Jong-il nem emplacou 2012 e tudo indica que uma nova experiência socialista foi agora para as calendas gregas. O capitalismo continua, apesar de tudo, sendo o melhor dos sistemas econômicos. Continuará o primado da propriedade privada e o lucro seguirá ditando a conduta dos homens. Passada a crise, novas forças propulsoras tenderão a se organizar para a felicidade geral e até que a próxima crise advenha.

Só há uma preocupação quanto ao diagnóstico do real problema e que difere muito das observadas nas crises capitalistas anteriores: Nunca se atingiu tamanho e sofisticado nível de consumo e bem-estar como agora no mundo. Já somos sete bilhões de consumidores reais e potenciais. Milhões de terráqueos a cada ano, legitimamente, aspiram e passam a demandar o mesmo padrão de consumo que as classes abastadas vêm desde a Revolução Industrial se servindo do mundo. A pergunta que não pode calar é se este já tão dilapidado planeta terá condições de continuar sendo a mesma mãe de cujos seios se servirão, de forma generosa e equânime, todos os seus filhos? Mas isso é tema para especulações posteriores.

Que tenham todos um feliz 2012!


Edson Pinto
Janeiro’ 2012