22 de abr. de 2009

76) TODO-O-MUNDO E NINGUÉM



Nem adianta insistir! Não consigo explicar, nem faz sentido tentar entender a real motivação de tudo ter acontecido da forma que, com o maior prazer, mais adiante, relatarei aos meus diletos amigos. Neste momento, confesso, com a pureza de minha alma, o sincero desejo de tão somente narrar, da forma mais fiel possível, o desfecho desse fato marcante:

Pois bem! Saibam, para começo de nosso entendimento, que das páginas envelhecidas de um livro do acervo da biblioteca do Congresso Nacional, em Brasília, descolam-se do capítulo dedicado à peça teatral “Auto da Lusitânia”, do famoso escritor português Gil Vicente, dois personagens enigmáticas de nomes “Todo-o-Mundo” e “Ninguém”.

Ao se verem, de súbito, em um ambiente que não mantinha um mínimo de relação com aquele prevalecente na virada dos séculos XV para o XVI, quando foram criados, mesmo assim decidem adentrar àquela nova vida e, desprendidos, caminham pelos repletos corredores da casa em direção ao plenário. Lá chegam ao exato momento em que o seu presidente, José Ribamar Ferreira de Araújo Costa, mais conhecido como José Sarney, ex-presidente do país, abre a sessão livre para o debate entre nobres tribunos.

Conforme padrões da excelsa casa legislativa, tudo é rigorosamente registrado, tal qual num depoimento policial, imagino, com o propósito de que temas importantes tenham suas implementações asseguradas, ou, simplesmente, para serem perpetuados nos anais da Instituição. Todo-o-Mundo, já devidamente adaptado ao novo ambiente do século XXI toma a palavra e dá início ao debate:

__ Pensem o que quiserem, mas o que mais auguro é ver o Congresso Nacional, este Senado em particular, trabalhando com desvelo e de forma austera pelo progresso do Brasil. Em imediato aparte, Ninguém, declara que concorda com a posição de Sua Excelência, proclamando querer trabalhar de modo rigoroso e honesto.

__ Escrevam aí, dita o presidente Sarney para os estenógrafos da mesa: Todo-o-Mundo quer o Congresso trabalhando com desvelo e de forma austera pelo progresso do Brasil e Ninguém quer trabalhar de modo rigoroso e honesto.

__ De novo Excelências, retoma Todo-o-Mundo, quero um aparato estatal enxuto e eficiente para fazer com que as coisas funcionem bem e ao menor custo. Novo e entusiasta aparte de Ninguém para dizer que, em linha com os pensamentos do eminente colega Senador, o que mais quer é, espontaneamente, abrir mão de seus privilégios.

__ Estenógrafos, por favor, ordena o presidente Sarney, registrem que Todo-o-Mundo quer um Estado mais enxuto e eficiente e Ninguém quer, espontaneamente, abrir mão dos seus privilégios.

__ O que mais gostaria de ver neste país, exclama efusivo Todo-o-Mundo, é a punição dos corruptos e o fim do assalto ao erário. Ninguém, com a afinidade de mais de cinco séculos com seu companheiro de palco, aparteia-o com entusiasmo para publicamente dizer - até mesmo como prova de sua pureza moral - que abre mão de seu sigilo bancário.

Já ligeiramente incomodado, Sarney ordena aos estenógrafos anotarem que Todo-o-Mundo quer a punição dos corruptos e o fim do assalto ao erário e Ninguém quer abrir mão de seu sigilo bancário.

__ Senhores, retoma Todo-o-Mundo já em arrebatado êxtase oratório, esta casa precisa se moralizar aumentando a produtividade de sua ação legislativa, reduzindo os indecentes privilégios de funcionários e parlamentares, como a farra das cotas de passagens aéreas, tudo contribuindo para que o Congresso brasileiro seja o mais caro do mundo. Ninguém, sobrepondo-lhe os argumentos, mesmo sem o protocolar pedido de aparte, diz que é chegada a hora de se tomar a iniciativa para tal.

Com os fios do bigode já eriçados de incômodo, o presidente José Ribamar Ferreira de Araújo Costa solta seu derradeiro “marimbondo de fogo”: __ Finalizem aí, senhores estenógrafos! “Todo-o-Mundo quer moralizar e ao mesmo tempo tornar o Senado mais eficiente e Ninguém quer tomar a iniciativa para tal.”

Deveras agastado, o presidente Sarney dá conta ao tribuno do esgotamento de seu tempo no debate.

__ Desculpe-me Senhor presidente, arrefece Todo-o-Mundo já retomado de seu estilo renascentista de tom um tanto galego-português para dizer como últimas palavras que tal ocorrera por estar perdido no tempo. E Ninguém, solidário ao velho colega, pede ao presidente que, assim como ele, nem se importe com isso.

A presidência, em solene prosódia, agradece ao tribuno pelo desenrolar do debate e, ato contínuo, dirige-se aos estenógrafos com a magna ordem para que finalizem as anotações com o seguinte registro:

“Todo-o-Mundo perdeu o seu tempo e Ninguém nem se importa com isso”...

Edson Pinto
Abril’09

15 de abr. de 2009

75) ACERTO DE CONTAS...


Doutor, eu nasci aqui neste sertão brabo onde é o sol quem manda. Só não manda chuva... Chamo-me assim porque meu pai era Nilson e minha mãe Josefa. Daí, juntaram, o “Jo” de Josefa com o “ilson” de Nilson e deu Joílson. Sou Joílson, sim senhor. Nunca tive vergonha de dizer meu nome, o lugar onde nasci e as encrencas por causa de mulheres que me levaram a devolver pro inferno um monte de cabras safados. E olha que, na época que aqui morava, não consegui mandar todos; ainda ficaram alguns por estas bandas.

Depois de minhas aventuras nesta terra, passei a vida no Sul, fugindo, menos da seca, que nunca me fez medo, mas, mais por prevenção às vinganças pelos dez capetas que tinha reenviado ao remetente. No Sul me respeitaram tanto que ao invés de ser tentado a acabar com mais cabras tinhosos botei oficialmente 12 filhos no mundo. Até por uma questão de aritmética fiquei com a consciência tranqüila devido ao saldo positivo de 2. Era coisa de alma, de religião. Fiz promessa pra Santo Antônio de manter esse saldo. Nem mais nem menos, doutor. Como a idade já não me permitia ter mais filhos, também não podia matar mais ninguém. O saldo de 2 tinha que ser mantido. Sentia-me assim perdoado e livre do inferno, não por medo do ardor de seu fogo, pois nada podia ser mais quente do que o meu sertão. Apenas, me arrepiava, confesso, só de pensar em rever aqueles que eu já tinha mandado pra lá.

E por que voltei pro sertão, pra esse canto de mundo, pro sol inclemente dessa terra seca? Não foi por ter perdido a noção de medo dos meus inimigos. Já faz tanto tempo que despachei aqueles cabras que ninguém já se importava mais com isso. Mesmo assim, me previno, pois capeta deixa cria. Acho até que chegaram à conclusão de que eu tava certo. Não me importunavam mais. Também, não voltei por ter enricado e vindo, agora, mostrar que venci em terra alheia sem nunca ter freqüentado escolas e aprendido a ler livros e a escrever cartas.

Enfrentei, sim, a escola da vida e com ela aprendi que ler livros e escrever cartas é coisa de granfino, das elites. Sei fazer contas como ninguém. Ah! Isso eu sei e disso muito me orgulho. Sou rigoroso com os números, aprendi sozinho. Nunca me faltou trabalho e nunca recusei de pegar no batente. Fui e sou pau pra toda obra. Minha única irresponsabilidade, se assim posso dizer, é essa fraqueza quando o assunto é mulher. Ta no sangue. Fazer o quê?

Falei pros meus filhos que eu não estudei porque a vida me foi dura, mas eles - querendo ou não - tinham que estudar. Nunca quis ser granfino, já falei! Só queria trabalhar e juntar um pouco de dinheiro para bem criá-los e também pra encher a minha Tereza de perfumes e essas coisas que mulher adora mais do que ao seu próprio homem.

Foi só felicidade, doutor. Cada filho que chegava a gente dava um jeito, comprava uma beliche nova, fazia um puxadinho na casa e reforçava a dispensa. Fome, nunca passamos. Escola, todos tiveram. Quando começaram a entrar as noras e os genros aí a minha casa começou a parecer mais com a quermesse da igreja do que um lugar de sossego. Não gostava muito não, mas segurei a barra, pois isso dava muita alegria a Tereza. Ela, junto com aquele povão todo era só felicidade. E felicidade ninguém tem o direito de roubar dos outros. É coisa que brota dentro de cada um. Tereza merecia. Eu, de meu lado, tinha lá meus pecadilhos, mas sempre fui bom pra trabalhar e pra fazer contas.

Voltei aqui pro sertão, seu delegado, porque não foi fácil suportar Ifigênia, a vizinha, entrando em minha casa com os três filhos dela para dizer que finalmente resolvera revelar a verdade: Euclides, seu marido, sem saber, nunca pudera ter filhos. Desse modo, aquele trio era de minha autoria. Ingrata! Passei anos pulando a cerca com a certeza de que Ifigênia se cuidava direitinho, feliz com o “chamego sem igual”, como ela dizia, só encontrado neste filho da dona Josefa e do sô Nilson. A casa caiu, seu delegado. Tereza, filhos, noras, genros e o inocente do Euclides desabaram sobre mim como um viaduto mal construído.

Não fui morar debaixo de um deles, não. Fui primeiro falar com Santo Antônio. Era questão de honra e de fé que a minha promessa continuasse valendo. Não sou cabra de quebrar promessa, muito menos de fugir da luta. Errei sim, admito. Aí, doutor, vi que ainda tinha jeito de continuar evitando o caminho do inferno. Só dependia de mim e de mais ninguém.

Foi quando então, doutor delegado, tomei essa decisão. Voltei pro meu sertão, sozinho, é claro. Aqui me reinstalei. Repassei tudo o que tinha me acontecido na vida e, como o senhor agora sabe, dei cabo de mais três daqueles velhos inimigos que ainda perambulavam neste fim de mundo. Pode não ser muito certo, se o senhor considera só um dos lados da questão. Mas, coloque-se no meu lugar e leve em conta a promessa que tenho com Santo Antônio de manter, nem mais nem menos, o saldo positivo de 2. Esses três novos filhos trazidos por Ifigênia me obrigaram a despachar mais três lá pro inferno e assim fazer o meu devido acerto de contas.

Não sei se Tereza me acatará de volta, nem mesmo se o senhor me deixará escapar dessa cadeia imunda. À parte o conforto de ter mantido, por ora, o compromisso espontaneamente assumido com Santo Antônio, confesso o desassossego que me provoca só de pensar na possibilidade real do surgimento de outras crias. Assim como Ifigênia que adorava meu chamego, uma dezena de outras também falavam o mesmo. E olha que sou bom de conta...

Edson Pinto
Abril’09

7 de abr. de 2009

74) MENINOS EU VI!

“Um velho Timbira coberto de glória,
Guardou a memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi!
E à noite, nas tabas, se alguém duvidava
Do que ele contava,
Dizia prudente: “Meninos, eu vi!””



 
Na obra-prima de Gonçalves Dias, o poema indianista I-Juca Pirama (aquele que deve morrer), o nobre e valente índio tupi ao cair prisioneiro da tribo timbira renuncia ao seu ímpeto de lutar até a morte para, pedindo clemência, solto, poder cuidar de seu velho pai, cego e doente.

Para sua surpresa, o pai ao recebê-lo de volta considera aquela atitude do filho um ato de covardia e indignado determina que ele retorne aos timbiras, sozinho, para lutar com coragem e valentia. E ele o faz com tamanha bravura que ao ser novamente aprisionado, os timbiras resolvem sacrificá-lo. Isto só não acontece porque o chefe timbira reconhece sua coragem compensando-lhe com a liberdade. A resposta fora dada e o pai recupera, enfim, o orgulho que tinha do filho tupi.

Essa história de bravura do índio tupi passa a ser contada com respeito pelo velho chefe timbira, à noite nas tabas de sua tribo. Quando algum jovem índio timbira duvidava daquela narrativa, ele sempre dizia: “Meninos eu vi”.

Meninos, eu também vi!... Vi, não um bravo índio tupi, sozinho, enfrentando toda uma tribo timbira, mas vi o Lulinha de uma bolsa de 600 reais do zoológico de São Paulo ir à luta e, sem nenhum tráfico de influência ou escuso interesse neoliberal, faturar 10 milhões da Telemar, meio estatal, para que a sua Gamecorp produzisse filminho de celular. Estes eu não vi, assim como também não vi o seu papai mandá-lo devolver regalo tão vil.

E vi também o Marcos Valério, em conluio com o amigo Delúbio, levantar milhões para os fundos do mensalão, os dólares da famosa cueca, as reservas do José Dirceu, bonachão, Genoíno, cabra macho, Roberto Jeferson, falastrão e de tantos outros políticos, desses, eu nem falo não. Até mesmo o PT de milhões encheu a mão. Mas, juro, meninos, punição pra cambada, ainda não vi.

Não queria, mas vi. Vi os cartões corporativos tão fartamente distribuídos comprar tapiocas, pagar farras de ministra, sacar dinheiro vivo para fins que não se registra e tantas outras maçarocas. Justificam daqui, justificam dali, promessas de punições, novos controles e a coisa mais se complica. Passam-se os anos, e sabe o que agora eu juro que vi? Os gastos, então exorbitantes, crescem com mais frenesi. Juro, juro mil vezes, que isto eu também vi...

Operações espetaculosas da Polícia Federal com o beneplácito da nova ABIN, ex-CNI, grampeando telefones que nem folhas de papel; e tem o Protógenes, nefelibata ou psicopata, voando livre qual bem-te-vi; Cesare Battisti inocentado pelo ministro nada tenro, esse tal de Tarso Genro. Juro mesmo que eu vi. Vi muito mais, muito mais do que o que narrei aqui. Precisaria mil páginas para contar tudo o que vi e outras tantas para as respostas necessárias e valentes seguindo o molde das trazidas pelo nobre e bravo índio tupi.

Edson Pinto
Abril’2009

1 de abr. de 2009

73) BOAS NOVAS!


Depois dessa sucessão sem precedentes de escândalos políticos no país - e veja que não me refiro exclusivamente aos detectados com mais estardalhaço na era Lula, pois tal já vem acontecendo desde há muito - agora nos chegam essas boas notícias que, sinceramente, enchem-me de incontida alegria:

Leio aqui na primeira página do meu jornal diário que a Polícia Federal agiu com total competência, zelo extremado e correta discrição para apurar todas as falcatruas de gente muito próxima ou mesmo de dentro do poder. Não se deixou influenciar pela coloração partidária dos envolvidos, nem feriu os princípios constitucionais de respeito à liberdade, efetuando somente escutas telefônicas autorizadas de forma legal. Esse feito permitiu ao Ministério Público, corretamente, identificar os desmandos administrativos e indicar à Justiça, sem deixar qualquer possibilidade de questionamentos, os verdadeiros responsáveis pela gigantesca malversação que se praticava contra o erário. Melhor ainda, essa gente sem escrúpulos já está vendo o sol nascer quadrado e com isso se acostumando, pois terão que vê-lo desta forma por décadas.

E mais na primeira página, porém em coluna da direita: Embora ainda não concretizado, contudo já devidamente encaminhado, os poderes da República se deram conta de que precisavam administrar suas atividades como se fossem empresas, respeitando seus clientes (contribuintes) e imaginando-se num mercado competitivo onde reduzir custos é condição “sine qua non”. Tanto o Senado como a Câmara dos Deputados tiraram das respectivas folhas de pagamento milhares de nomes de “funcionários fantasmas” e com isso conseguiram cortes da ordem de 50% de seus custos. Diferentemente do ocorrido no passado, as recomendações de empresas de consultorias contratadas para diagnóstico e proposta de reestruturação administrativa dos órgãos públicos estão sendo acatadas “in totum”. Já se vislumbra até uma redução da carga tributária, sabidamente uma das maiores do mundo, como conseqüência da redução do custo do governo. Há de sobrar recursos para investimentos em infra-estrutura e em áreas importantes como saúde, educação, habitação e segurança. Deus seja louvado! Não me contive.

A agradável surpresa não se limitou ao que acima descrevi. Outra coluna bem ao pé da página menciona que, com a reforma política já aprovada, conseguiremos eliminar definitivamente a possibilidade de que maus políticos se perpetuem no poder. Doravante, somente pessoas de ilibada conduta e com comprovada vocação para a boa política poderão se candidatar a cargos eletivos. Imaginei-me já ouvindo discursos dos novos grandes líderes, todos ao estilo do probo Rui Barbosa ou de Cícero, o magistral tribuno do Senado romano: “Oh tempora, oh mores!”

No rodapé da página uma última nota que me deixou, de fato, cheio de orgulho de ser brasileiro, foi a informação de que o Bolsa Família havia sido transformado, com muito sucesso, no honrado programa chamado de Bolsa Trabalho. Este, dando não mais esmolas, mas pagando salários dignos para que os desassistidos se sentissem pessoas dignas e úteis à sociedade e assim pudessem auferir renda decente como recompensa a trabalhos que ajudam no crescimento do país.

Como a alma “deverasmente” ensaboada, quarada, lavada, torcida, enxaguada, alvejada, secada, passada e engomada, como diria o nosso saudoso Odorico Paraguaçu, virei a página.

Na página seguinte e em letras garrafais a expressão:

1º DE ABRIL, SEU TROUXA!


Edson Pinto
1º/abril/2009