28 de nov. de 2008

60 ) SAGRAMATHA OU CHOMOLUNGMA

Por muito tempo, no passado, foi tomada como certeza a existência de uma estrela a qual se dava o nome de Hesperus, ou Estrela da Tarde. Tomava-se também, por povos de outra longitude, como certa, a existência de outra, Phosphorus, ou Estrela da Manhã. Com o passar do tempo, aquilo que pareciam ser dois astros distintos na verdade era um só, o planeta que hoje conhecemos como Vênus.

Quase que pela mesma lógica, o pico Everest, mais alta montanha do mundo na cordilheira do Himalaia, é considerado pelos nepaleses como Sagramatha (rosto do céu), mas para os tibetanos, que a vêem do norte, como Chomolungma (mãe do universo). Como as propriedades físicas são as mesmas, é perda de tempo discutir se são duas ou uma única montanha. É a mesma coisa e pronto...

Desde que o filósofo alemão Leibniz propugnou que objetos idênticos deveriam compartilhar as mesmas propriedades, fica difícil imaginar como a simultaneidade de visões díspares aplicadas a um mesmo tema poderia subsistir a um rigoroso teste de sua validação. Aplica-se à identificação de uma estrela, de uma montanha e até mesmo para a visão objetiva das variadas facetas do mundo em que vivemos.

Nessa linha de raciocínio, a crise mundial que toma a forma do grande leviatã bíblico, devorador imaginário dos navegadores de antigamente, não poderia, ao mesmo tempo, apresentar-se como um tsunami de proporções catastróficas para alguns e uma “marolinha” para outros como nos quis fantasiar o presidente Lula. Dissimula o presidente ou, como disse FHC, brinca de Polyana ao esconder dos brasileiros a dimensão real da crise.

E, por que tsunami e marolinha devem ser a mesma coisa como o são Hesperus e Phosphorus ou Sagramatha e Chomolungma?

É porque ambas as metáforas, tsunami e marolinha, compartilham de forma “sui generis” as mesmas propriedades. Então, devem obrigatoriamente ser a mesma coisa e nunca coisas diferentes. Com o entrelaçamento das atividades humanas, quer no comércio, na cultura, na política e em tantas outras facetas impostas pela globalização de tudo, não é possível imaginar que o mesmo fenômeno leve a conseqüências diferentes dependendo do alvo. Ao cabo da confirmação da crise isso será, infelizmente, um tsunami para todos ou, se formos felizes, uma “marolinha” também para todos, mas nunca uma coisa para uns e outra para outros.

Dá até para entender que o presidente Lula queira amenizar o sofrimento dos brasileiros usando a velha estratégia de comunicação gradual do problema na base do “o gatinho subiu no telhado”. O que não pode, pois isso nos faria mais mal do que bem, é ficarmos fazendo castelinho de areia na praia imaginando como única ameaça uma “marolinha” e aí sermos surpreendidos por um tenebroso tsunami.

No fundo, tanto faz que o nome do Everest seja Sagramatha ou Chomolungma, desde que seja o mesmo. O que nos deveria interessar é a manutenção da consciência de que nossos sentidos não sejam iludidos por distorcidas versões de falsos oráculos.

Edson Pinto
Novembro’08

24 de nov. de 2008

59) O TEMA DA VITÓRIA E ALGUMAS LIÇÕES BÁSICAS (nov'08)

 O resultado do exame de imunofenotipagem trouxe a conclusão: “O clone da célula anômala foi extirpado”. Isto pode não dizer nada para quem – graças ao bom Deus – desfruta de saúde e que por isso deve, ou pelo menos deveria, gozar com intensa alegria a plenitude do maior dos dons que aos humanos deram os céus: a vida.

Mas, para nós, a tradução pedestre dessa frase cientifica revelada no exame soa como o “Tema da Vitória”, aquele mesmo que embalava cada conquista do nosso Ayrton Senna, o inesquecível herói das pistas, e assim nos colocava embebidos de contentamento no ponto mais alto do pódio da existência terrena.

Há seis meses, fomos surpreendidos com diferente resultado do mesmo exame que, infelizmente, conjugado com outros de idêntico rigor científico, indicavam à Jane, minha esposa, estar acometida por um severo mal em seu organismo. Se não atacado de imediato e com os melhores recursos da farmacologia moderna, corria-se o risco de vê-la com a saúde agravada até limites e conseqüências que só o Supremo poderia determinar quais seriam e de que forma.

Vencemos! O resultado mencionado nas primeiras linhas deste texto tem o valor de um certificado de sua plena e boa saúde.

Talvez, não por acaso, a palmeira de nosso jardim floriu nesses últimos dias com inusitada exuberância como se fosse para saudar a vitória da Jane no que se apresentou para nós como um dos períodos mais tensos já enfrentados na vida a dois. Mesmo que apenas poucos amigos saibam disso, enfrentar uma doença é – quer queira ou não – um ato de valentia e superação que deve ser enfrentado com persistência dia-a-dia e com serenidade.

Sem que tenhamos a intenção de propor um modelo, pois cada caso é um caso, cada pessoa e suas circunstâncias determinam condutas e visões diferentes quanto ao desafio que tem pela frente, ousamos transformar nossa experiência em um guia com algumas lições básicas para aqueles que, como foi o nosso caso, vierem a enfrentar desafios assemelhados:

Primeira: Nunca se apavore com a dimensão que o problema a princípio pareça ter, nem subestime a sua própria capacidade de superá-lo. Há de se confiar em que os recursos da medicina atingiram alto grau de eficácia e, portanto, que vale muito a pena neles confiar. A esperança, necessariamente, pavimenta qualquer desejo forte para a vitória. O ser humano sem esperança assemelha-se a um barco sem o mar; a um pássaro sem asas; a uma atmosfera sem oxigênio. Esperança é, portanto, pré-requisito para o bom embate.

Segunda: Embora a realidade do sistema de saúde no país ainda deixe muito a desejar - por incrível que pareça – mostra que temos recursos e um arcabouço legal a garantir o acesso de todos os brasileiros aos melhores procedimentos médicos necessários para o sucesso de um tratamento. Além disso, o necessário e incontornável franco embate com a doença tem o dom de nos iluminar caminhos antes impensados e de nos levar a soluções a priori tomadas como impossíveis.

Terceira: Se o seu Plano de Saúde apresenta dificuldades para a cobertura de grandes procedimentos médicos, lembrem-se de que é na porta da Justiça que se deve bater. A urgência e os altíssimos custos de tratamentos modernos com muita certeza facilitam a obtenção de uma liminar em que o Juiz determina a quem de responsabilidade o imediato cumprimento de suas obrigações. Se ficar quieto nada acontece. Agir com base legal supera as inúmeras barreiras que a burocracia – em geral – demonstra no trato dos direitos da cidadania.

Quarta: Você se surpreenderá como os amigos verdadeiros serão solidários e farão por você mais do que poderia vagamente imaginar. Muito além de apoio material, surgirão, como que por encanto, a maior das manifestações de amizade que se pode conceber: A solidariedade. Cada amigo, em função de sua disponibilidade e sensibilidades, o apoiará ora com visitas, ora com telefonemas e mesmo orações. É como se essas forças superiores nos mostrassem o poder da fé que não se explica pelos meios clássicos da razão, mas que existe como força metafísica. Outros, contudo, passarão bem ao largo como se ainda estivessem na Idade Média e que a Peste Negra que assolou meio mundo fosse o mal de que você padece. Quer momento mais interessante para separar o joio do trigo?

Quinta: Passada a tempestade e agora já em mar calmo é hora de refazer o estilo de navegação que vinha adotando em sua vida. Menos estresse; mais foco nas coisas essenciais; menos importância para as coisas miúdas que fazem do dia-a-dia um torvelinho sem fim; mais valor às amizades verdadeiras; mais amor a Deus e à natureza por Ele personificada; mais alegria com cada dia, cada noite e com cada pessoa que nos rodeia...

E se um dia, por essas coisas incompreensíveis do destino, Ele te colocar à prova, lembre-se de que a palmeira de sua vida pode voltar a florir como floresce, agora, a do nosso jardim...


Edson Pinto
24/11/08

20 de nov. de 2008

58) PERESTROIKA DIVINAL (nov'08)

A coisa estava ficando cada vez mais complicada e até Deus que não gosta de se intrometer na maneira como usamos o livre-arbítrio - presente que nos deu no crítico momento em que titio e titia comeram o fruto proibido no Paraíso - julgou ser a hora de tomar alguma providência.

__ Sabe Pedro, você como secretário geral para os assuntos de desavenças terrestres dê uma olhadinha com mais cuidado naquele território que tanto beneficiamos com benesses naturais e veja o que pode ser feito...

__ O Senhor fala do Brasil?

__ Meu caro secretário, asseverou o Supremo, intriga-me a displicência da sua pergunta e por isso respondo com outra. __ Acaso poderia ser outro país?

__ Desculpe-me Senhor, é prá já, e saiu agitando mais do que o normal a sua longa veste imaculadamente branca. Enquanto mudava apressadamente de nuvem, Pedro deixou escapar em alto e bom som certo lamento. __ Cansei! Agora só me resta aplicar o “job rotation” naquela turma! Vou implantar meu projeto Perestroika em 5 pontos! Dito e feito:
  • O Delegado Protógenes passa a comandar a seleção brasileira que vinha de mal a pior nas mãos de Dunga.
  • Dunga assume a FUNAI onde a gestão da política indigenista caminhava para fazer com que toda a população voltasse a usar tanga se não quisesse ser humilhada com o facão da índia Tuíra.
  • Marcos Valério é deslocado para o Ministério da Justiça em substituição ao ex-comunista Tarso Genro que estava prestes a viajar para o Vaticano com o seu pleito de canonização de toda a turma da PALMARES, da COLINA e dos antigos militantes da Política Operária (POLOP) onde inclusive floresceu Dilma Vana Rousseff Linhares, a atual mãe do PAC.
  • Lula deixa a Presidência da República e assume a gestão das obras do metrô de São Paulo onde os buracos não paravam de desabar, e
  • Daniel Dantas é escalado para o lugar de Silveirinha na novela “A Favorita” em decorrência da dubiedade de ações deste, ora a favor de Flora ora a favor de Donatela.
Antes de repousar na tranqüilidade de sua nuvem, Pedro ainda se conecta telepaticamente com o Supremo e Lhe dá informações gerenciais sobre o programa recém-implantado, prometendo "feedback" em momento apropriado.

__ Senhor, já são passados 30 dias desde que Lhe comuniquei o programa de “job rotation”, a minha Perestroika, implantado no Brasil. Por isso venho humildemente reportar o fracasso de minha tarefa.

__ Claro que sei de tudo meu bom Pedro. Afinal, minha onisciência está perfeitamente calibrada com os acontecimentos da Terra e alhures. De qualquer forma, apreciaria ouvir de sua própria voz o que aconteceu. Fique a vontade!

__ Senhor:
  • Protógenes na seleção desandou-se a grampear conversas dos adversários com o intuito de prever suas táticas e deu tudo errado. Como não resistia a um holofote, deu bom dia a cavalo e não fez outra coisa senão deixar o Brasil, pela primeira vez na história, fora de uma Copa do Mundo.
  • Dunga, na FUNAI, quis aplicar a sua conhecida “simpatia” e acabou como uma peneira de tanto que foi espetado pelo facão da índia Tuíra.
  • Marcos Valério, na pasta da Justiça, resolveu cobrar “pedágio” de todos os terroristas prestes a serem canonizados e agora agraciados com polpudas aposentadorias. Ao insistir na comissão de 80%, acabou sendo obrigado pelos extorquidos a viver com Delúbio em sua fazenda goiana.
  • Lula, nas obras do metrô, foi infeliz ao discursar efusivamente para um buraco nas proximidades do Rio Pinheiros. Mal acabara de pronunciar a sua frase mágica “Nunca antes na história deste p...” toneladas de terra se encarregaram de lançá-lo de uma vez por todas para os anais da História.
  • Daniel Dantas, com o poder econômico que tem, subornou João Emanuel Carneiro, o autor da novela, e conseguiu desmentir tudo o que vinha sendo mostrado pela Venus Prateada. Flora, não era a fria assassina. Ela estava apenas sonhando. Foi Donatela, de fato, quem matou toda aquela gente, inclusive Silveirinha, isto é, o próprio Daniel Dantas.
__ É o que sempre digo meu caro Pedro. Não há, ainda, como mudar essa situação. Foi assim antes mesmo de Pedro Álvares Cabral se aportar por lá. É assim agora e assim será "ad eternum"...

__ Mas, Senhor, se não tem jeito, por que então ficarmos com essas vãs tentativas?

__ Aí é que reside a verdade meu dileto Pedro! __ Lembra-se que quando te chamei para essa missão referi-me ao Brasil como aquele país em que colocamos benesses mil? Justo, como sou - e você bem sabe disso - ao te pedir tal ação, isso foi com o intuito de sacudir um pouco a poeira brasileira e nunca para melhorar nada, pois não há como abrir mão do meu divino senso de justiça para com todo o povo da Terra.

__ A felicidade média há de ser mantida e, infelizmente amado Pedro, a Natureza do Brasil continua exuberante.

Edson Pinto
Novembro’2008

17 de nov. de 2008

57) COMO SE FORMAM OS GRANDES ORADORES (nov'08)


O presidente Lula entrará em breve na metade final de seu segundo e último mandato constitucional como chefe supremo do Executivo brasileiro. 
Viu, nesses últimos 6 anos, passar figuras importantes no cenário político mundial e falou com tal desenvoltura com todas que – queiram os críticos ou não – fica difícil contestar a láurea que acaba de receber como o líder ibero-americano de maior prestígio em 2008. Assim nos mostra a séria pesquisa feita pela ONG chilena Latinobarómetro recentemente repercutida na imprensa mundial. 
Deixou para trás o Rei Juan Carlos I da Espanha, bem como o seu primeiro ministro José Luis Rodriguez Zapatero e de resto todos os outros que os respectivos destinos os fizeram “hablar español” ou falar português. 
Mal o Bush, com quem mantém quase fraternal relacionamento, tenha começado a limpar as gavetas do salão oval, Lula já entrava em contato com Barack Obama para oferecer-lhe, como sempre fez com Bush, conselhos político/econômicos, todos com o propósito de mostrar ao jovem presidente americano que o título recém conquistado por ele, Lula, não fora por mero acaso. 
Embora o senso comum dê conta de que o nosso presidente não é lá muito chegado a uma leitura, nem a elucubrações filosófico-intelectuais, pois, como ninguém, confia em sua inata capacidade de convencer pessoas com um discurso objetivo, simples e de tom profético que não raro leva multidões ao delírio, não se pode, enfim, dizer que ele chegou a essa magnífica performance sem qualquer treinamento. Ledo engano! 
Já perceberam a facilidade com que Lula pode falar com gente simples, com crianças e até mesmo com seres de espécies menos privilegiadas pelo Criador? E, o mais importante do estilo de nosso presidente é que ele tem o discurso certo e adequado para cada público. Com reis se porta nobremente, com a plebe fala de cachaça e de futebol, aos sindicalistas chama “companheiros” e quando desenvolve intimidade pode se dirigira ao interlocutor como, por exemplo: “Ô Bush”! 
O que ninguém sabia – mas eu faço questão de revelar aqui - é como o nosso presidente tem treinado para encantar as multidões. Quando você acionar a seta que inicia a apresentação do vídeo abaixo, não se incomode em não entender o que ele estará falando. Nem precisa... Afinal, ele está usando a linguagem adequada para entusiasmar o público do momento.
Apenas traduzo a primeira frase do discurso: "Nunca antes na história deste país". O resto você deduz...

Novembro’08
Edson Pinto

14 de nov. de 2008

56) O ESPECIALISTA (nov'08)

A borboleta tropical Heliconius melpomene põe seus ovos somente nas folhas do maracujazeiro. Suas larvas, ao eclodirem, têm como único alimento para o seu processo de desenvolvimento, vida e futura reprodução a folha sobre a qual nasceram. A Ecologia, ciência que se dedica ao estudo das inter-relações dos seres vivos e do meio ambiente, faz profunda análise do conceito de hábitat e neste, especificamente, sobre o que chama de nicho e especialização:

O mesmo artifício que propicia o surgimento cômodo da bela borboleta traz em si uma armadilha das mais sinistras: desaparecendo o maracujazeiro em um determinado ecossistema ela desaparece também, pois ao, teimosamente, se tornar especialista, apresenta dificuldades incontornáveis para se adaptar às constantes mudanças do seu hábitat. Não se entende com outras folhas que não sejam as da planta em que se especializou.

A lição que esta faceta da natureza nos propicia é que nós, os humanos, temos, talvez por comodismo ou outros fatores mais específicos, uma tendência pela especialização aos moldes da Heliconius melpomene. A grande vantagem para a sociedade é que temos sempre alguém muito entendido em alguma coisa, mais do que poderíamos esperar de quem se ocupasse de diversos temas simultaneamente. O problema é que desaparecendo ou raleando o objeto da especialização temos indivíduos amargurados, desolados e – se for muito tarde para uma mudança – condenados a sofrimento sem fim.

Julião passou a vida se especializando em carburadores de automóvel. Regulava de ouvido, como os virtuoses regentes afinam suas orquestras. Ninguém conseguia superá-lo naquele mister. Seu negócio prosperou enquanto os adulterados combustíveis da vida maltratavam os coletores de admissão, os elementos filtrantes ou as rebimbocas das parafusetas. Tão a sério levava aquela especialização que nunca leu nada nem falava nada, nem se divertia ou vibrava com assuntos outros que não girassem em torno de seu mundo carburadorizante.

Acabaram-se os carburadores e Julião sentiu-se como uma Heliconius melpomene sem o seu maracujazeiro vital. Não conseguia ver graça em nada. Sua sensibilidade para as coisas espirituais apagara-se por falta de uso e estimulo. Nem o entrosamento social tão necessário para o gozo saudável da vida que lhe restava ainda longa parecia alcançável. A especialização de Julião mostrava a sua face oculta no momento e na condição mais imprópria possível.

E veja que não falo de uma opção profissional, apenas. Falo de uma opção inadequada de vida ao esquecermos que existem tantas outras coisas a serem exploradas, profissionalmente ou não; que são capazes de oferecer alternativas para uma ocupação produtiva e feliz, principalmente, quando aquilo que pensávamos ser o “perpetuum móbile” de nossas vidas, de repente, se ver privado de sua folha de maracujazeiro.

A vida vai nos dando paulatinamente estímulos para que desenvolvamos o gosto por algo. Pode ser o hobby da infância que já nos despertava para um determinado tipo de trabalho. Uma maior sensibilidade para as artes, o esporte, o envolvimento com tarefas sociais. Ler, escrever, pintar, fazer trabalhos manuais, pesquisar temas que dêem satisfação pessoal, enfim, milhares de ocupações que tornam a vida de qualquer pessoa mais leve e mais interessante.

É, portanto, um erro muito grave entregarmos total e exclusivamente a um único tema de interesse. É possível sim sermos especialista em algo por uma boa parte do tempo disponível, mas reservarmos uma parte, ainda que menor, mas considerável, para que outras ocupações, quer intelectuais quer físicas, nos sirvam de alternativa à folha do maracujazeiro de nossas vidas.

É triste ouvirmos de pessoas fisicamente saudáveis que estão perdidas, por que passaram a vida só fazendo isso ou aquilo e que agora, aposentadas, não conseguem ocupar-se de modo gratificante. Reflitamos, portanto, quanto à nossa opção pela cega especialização!

Edson Pinto
Nov'08

6 de nov. de 2008

55) ANARQUISTA, SIM SENHOR... (nov'08)

O juiz determinou 4 minutos de prorrogação. __ Isso é um absurdo, exclamou Justiniano, a figura mais metódica daquela família de gente com comportamento tão diverso, porém muito unida. Unida em torno do mesmo time de futebol, mas não em todas as outras coisas, especialmente na visão de ordem a ser seguida.

__ Veja, completou, ele: __ As interrupções durante o jogo, por faltas, atendimento de jogadores machucados e substituições totalizaram conforme minhas próprias anotações 3 minutos e 34 segundos. Este deveria ser o tempo da prorrogação e não os 4 minutos que ele deu. __ Não me conformo!

Justiniano era a essência do homem metódico: Tudo tinha que acontecer segundo regras muito estritas desenvolvidas pela sua mente alucinada com a excelência que cada um dos atos humanos devia ter: Entendia e exigia dos seus circunstantes que cada tarefa seguisse rigorosamente uma seqüência que de tão lógica roubavam-lhes a criatividade, esse necessário jogo de cintura que devemos desenvolver para nos safar dos imprevistos, das armadilhas da vida.

Ele era implacável! Levantava sempre no mesmo horário e minutos que o seu relógio de cabeceira marcava; tirava o pijama e o dobrava com absoluta perfeição até colocá-lo na gaveta; depois o banho, o café, a higiene pessoal criteriosa, penteava com esmero os cabelos e, do bigode, extirpava com precisão cirúrgica os fios que ousassem entrar em desalinho. Saia de casa na mesma hora, no mesmo minuto e cruzava a rua para tomar o ônibus contando sempre a mesma quantidade de passos. Nada podia sair diferente...

Casou-se, não vem ao caso, como, com Maria Lacerda. Ela, se não totalmente anarquista, ao menos se identificava como uma mulher libertária, feminista que considerava a ordem excessiva um sério empecilho ao desenvolvimento humano. Seu sonho era viver livremente em uma comunidade afastada do burburinho urbano onde não haveria as opressões da Igreja, do sistema educacional, dos dogmas religiosos, da exigência de boa forma física e da escravidão estética. Enfim, livre de tudo, especialmente de Justiniano, desejo esse que desenvolveu penosamente ao longo de tantos anos de casamento. O tempo passou rápido, os filhos chegaram, cresceram, casaram e deixaram a dupla contraditória sozinha, naquela infinda discussão sobre método e desordem.

Maria desarrumava, Justiniano arrumava. Justiniano pedia o almoço para as 12 e 35, Maria servi-o as 14 e quaisquer minutos. E a vida seguia assim por mais de 30 anos, sem solução. Fazer o que? Maria Lacerda já havia, finalmente, se conformado com a necessidade de mudar para garantir o mínimo de convivência com o metódico marido.

Após uma longa reflexão durante um providencial refúgio de três semanas na casa de sua mãe no interior, Maria volta com o nobre propósito de ser outra, isto é, se não igual, pois isso seria impossível para qualquer ser humano, pelo menos o mais próximo possível de Justiniano: Seria disciplinada nos horários e caprichosa nos trabalhos do lar. Era, pensava ela, tudo o que Justiniano sonhava para a sua mulher.

Entra em casa e não encontra Justiniano. Procura aqui, procura ali, até encontrar uma carta do companheiro de tantos anos recentemente colocada sob a porta de casa: Dizia a carta, na verdade, mais um bilhete:

“Querida: Depois de tantos anos submetidos ao rigor metódico de meu comportamento; depois de tantos sofrimentos desnecessários impostos a você e aos nossos queridos filhos; depois de tantas picuinhas a atormentar o nosso dia-a-dia, por um capricho pessoal, estúpido e infundado, quero lhe dizer que tomei uma decisão definitiva em minha vida: Estou, desde a semana passada, morando na Comunidade Hippie Shangri-La e dividindo com gente muito interessante um modo alternativo de vida. Adeus rotina diária; adeus TV; adeus horário rigoroso para as refeições; adeus abdominais para manter a minha barriguinha no lugar. Agora sou feliz! Assinado: Justiniano, anarquista, sim senhor”.

Maria nem teve tempo para refletir sobre aquela nova situação. Caiu de costas e quando acordou já estava de malas prontas para Shangri-La ao encontro de Justiniano e da vida que sempre sonhou.

Será que estão felizes?

Edson Pinto

Novembro’08


 

1 de nov. de 2008

54) ESTUPIDEZ E INOCÊNCIA (nov'08)


Você também não ficaria chocado?

Quão tênue se torna a vida quando os instrumentos do mal produzidos pelo próprio homem podem ser disponibilizados para atos de incúria!

As cenas do filmete abaixo contém em si mesmas - apesar do desfecho trágico - uma lição que mentes racionais e equilibradas poderão delas extrair: A inocente criatura que dispara o bólido da morte parece querer passar-nos a mensagem de que a humanidade, ao optar pelo caminho do ódio, acaba se autodestruindo e com isso destacando as imperfeições irreconciliáveis de nossa espécie.

Desde que Schopenhauer no início do século XIX, com a sua visão nitidamente atéia, decretou a morte de Deus e preconizou o mundo como sendo governado por forças irracionais onde se destacam a ambição e o sofrimento, somos - com freqüência - abalados em nossa necessária fé na transcendência. Mesmo Nietzche que comungava da idéia de eliminação da dimensão espiritual humana ainda procurou uma solução para o mal-estar provocado pelo morte de Deus.

E nós, como ficamos? Devemos nos enterrar no niilismo cômodo dos neutros inúteis ou arregaçarmos as mangas para uma contribuição, por mínima que seja, para a construção de uma nova era?

Refletindo sobre os sofrimentos do mundo, ficamos entre o conformismo e a esperança. Esta, só a transcendência pode nos explicar porque continua, ainda e apesar de tudo, viva na substância que nos amalgama a razão e a fé...

Clique na seta e veja a que ponto chega a estupidez humana.


Edson Pinto
Nov'08

53) O POMBO-PAPO-DE-VENTO, AS GALINHAS E AS UVAS

O pombo-papo-de-vento, de peito inflado como um balão de festas, cheio de soberba e vaidade toma assento no ponto mais alto do aviário. A princípio, as galinhas não se deram pelo intruso, até porque, ali, naquele mesmo poleiro, outrora, muitas outras aves, incluindo pavões majestosos, fizeram pousadas curtas, médias e longas.

Ninguém se importou com ele até o momento em que quis mostrar não ser um pombo qualquer, mas sim, um legítimo, cosmético e ornamental “papo-de-vento”, o mais nobre da Ordem...

Desdenhou a vara suja, repouso perpétuo das galinhas, cuspiu o milho que lhes fartava, redecorou a própria gaiola, sem portas, e pediu uvas. Só uvas maduras, brilhantes, dúlcidas; quanto mais, melhor...

“Se você deixar de existir não ficarei chateado”, disse ele ao tratador que lhes jogava o sagrado milho do dia-a-dia. “Cansei”, expressava com tédio, a todo o momento, para deixar bem claro os tipos especiais de hábitos que queria cultivar.

“Que falta de criatividade botar sempre os mesmos ovos branquinhos e elípticos”. Já não lhe bastava ter em conta apenas os ovos que remanesciam em estoque nas entranhas das galinhas. Queria coisas novas que não fossem só eles e queria, sobretudo, mais cacarejos, custasse o que custasse.

O tempo fluiu rápido e com ele tudo o mais.

__ Vou partir! Não me agradam as uvas... Estão verdes!


Edson Pinto
Nov'08