25 de ago. de 2009

94) O FUSQUINHA DO ITAMAR



Dizem que quando envelhecemos nossa memória de curto prazo fica bem fraquinha. Podemos esquecer com facilidade eventos que nos ocorreram há pouquíssimo tempo. Por outro lado, dizem também, que as memórias antigas continuam intactas e até mesmo mais avivadas. Não me interessa a razão disso acontecer dessa forma, mesmo porque se eu obtiver, agora, uma resposta cientificamente plausível, certamente, logo, logo, eu a esquecerei. Satisfaço-me com a ideia antiga de que isso é coisa de quem já passou dos 50 e isso me basta...

Há, contudo, uma vantagem em lembrarmos facilmente das coisas passadas, pois às vezes nos divertimos muito com elas. Os jovens, coitadinhos, ainda não podem se dar a esse prazer. Memórias antigas implicam em que sejamos, obviamente, antigos também e eles, os jovens, ainda estão no começo da caminhada com tudo novinho nas cabeças. Uma comparação pertinente seria a do vinho jovem recém-produzido com a do vinho envelhecido por longos anos em tonéis de carvalho. Neste caso, o conjunto dos aromas da bebida de Baco que os enólogos chamam de “bouquet”, evolui bastante, tornando-o mais encorpado, forte. Qual é o mais saboroso, hein?

Hoje, por exemplo, meu relicário de memórias recuperou aquela passagem histórica em que o presidente Itamar Franco, substituto do impedido e ainda hoje super arrogante Fernando Collor, lá nos primeiros anos da década de 90, resolveu ressuscitar o Fusca.

Para quem não sem lembra, o fusca, fusquinha, besouro ou qualquer outro de seus múltiplos apelidos carinhosos, era aquela gracinha de máquina econômica e simples que Hitler mandou produzir para ser o carro popular do III Reich. Nós brasileiros amávamos também o fusquinha, aqui produzido por mais de 3 décadas sempre com inovações insignificantes e cosméticas. Quase todos nós que já passamos dos 50 tivemos ou gostaríamos de ter um. Quando jovens, o sonho era ter uma daquelas máquinas projetadas lá nos anos 30, sob encomenda de Hitler, repito, por ninguém menos do que o lendário Ferdinand Porsche. Se dotado de tala-larga, melhor ainda. Transportava famílias, propiciava o surgimento de paixões, gastava pouco combustível e além de tudo era refrigerado a ar. O único defeito era o entupimento do carburador, mas, todo mundo sabia muito bem como limpá-lo a custo quase zero.

Pois bem, Itamar com aquele indefectível topete era a materialização do saudosismo. A República do Pão de Queijo que ele erigiu com o apoio de uma coalizão partidária, exceto é claro, o PT, à época já tendo perdido a primeira tentativa de Lula à presidência, contrapunha-se à tendência modernizante e liberal de Collor. Por isso, Itamar, mineiramente, já tinha rompido politicamente com Collor bem antes que o impeachment se materializasse. Itamar era, e ainda deve sê-lo, um puro nacionalista, saudosista, tal qual o seu topete. Penso até que o adjetivo “topetudo” que caracteriza as pessoas de comportamento atrevido tem muito a ver com o Itamar.

Ao lado do Governador Fleury no início dos anos 90 – e lá se vão quase 20 anos – Itamar reinaugura a linha de montagem do Fusca. Concretizava assim o seu atrevimento saudosista e ao mesmo tempo dava mostras da pureza de sua alma de brasileiro nacionalista. O novo fusca foi produzido por não mais do que 3 anos e aí se rendeu, definitivamente, para a implacável modernidade. Esta, pode até ser dificultada pelos topetudos do momento, mas, a longo prazo, sempre prevalece.

Nada me diverte mais do que encontrar nos seres humanos comportamentos que revelam certa incoerência, pelo menos aparente. Ou seja: se somos, por mérito, rotulados como saudosistas, românticos, conservadores ou por quaisquer outros predicados que nos liguem aos tempos idos, isso deveria ser aplicado em tudo o que fazemos e somos. Atitudes dúbias têm, evidentemente, o poder de suscitar desconfianças...

No caso de Itamar Franco, essa discordância se fez materializar quando – modernamente – no carnaval de 1994, no sambódromo do Rio, apresentou-se efusivo e bem avançadinho ao lado de Lilian Ramos. A moça, sem nada por baixo dos panos, lhe fez esquecer o comportamento de “tradicional família mineira” em que se enquadrava na sua Juiz de Fora de outrora e quando, "dar uma sambadinha", significava tão somente mexer os pés ao ritmo de uma marchinha carnavalesca bem comportada. O Brasil inteiro descobriu ali que Itamar não era assim tão saudosista, ou, quem sabe - em matéria de libidinagem - o velho e o novo são, foram e sempre serão a mesma coisa.

Digam o que quiserem do topetudo Itamar, mas, salvo profundo erro de avaliação, pelo menos nessas questões de despudoradas mutretas que abundam em nosso Senado ele ficaria do lado bom, pois, sendo o saudosista inveterado que é, por certo, estaria alinhado com Rui Barbosa, senador emérito que em 1914 proferiu sua grande lição de homem público de caráter ilibado:

"De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto".

Edson Pinto
Agosto’2009

19 de ago. de 2009

93) A CIGARRA E A FORMIGA

É encontrada nos EUA e no Canadá uma espécie de cigarra muito peculiar quanto à sua estratégia de sobrevivência. A cigarra Magicicada septendecim, também conhecida com cigarra periódica, embora parecida com suas primas de outras espécies tem como curiosidade o fato de ser a de mais longo tempo de vida. Permanece 17 anos sob a terra alimentando-se de raízes de árvores e somente aí vai à superfície para botar seus ovos e, em poucas semanas, morrer. Assim, o ciclo de perpetuação de sua espécie prossegue...

Cientistas descobriram a razão pela qual a Magicicada septendecim regulou-se para viver 17 anos. Dezessete, como se sabe, é um número primo, e os números primos só são divisíveis por 1 ou por ele mesmo. O fato relevante é que o predador natural dessa cigarra apresenta um ciclo vital de 2 a 3 anos. Bingo! A Magicicada sabe que o número 17 não é divisível nem por 2, nem por 3. Assim, na pior das hipóteses a sua linhagem familiar só deparará com um predador a cada 34 ou 51 anos. Sua esperteza matemática garante uma vida mais longa a toda a família.

Como nos é dado concluir, se estratégias de continuidade são encontradas em espécies tão simples como no caso dessa cigarra, imaginem se também não fariam parte do rol de estratégias dos humanos... Exceto por razões patológicas a levar alguém a desistir de viver, o que se nota, como regra geral, é que quanto mais pudermos evitar nossos predadores, tanto melhor. Isso explica coisas banais como, por exemplo, o fato de que nenhuma seleção de futebol de bom senso querer enfrentar a seleção canarinha do Brasil logo na primeira fase de um torneio. As chances de prosseguir na competição reduzem-se, consideravelmente.

Em política não é muito diferente, embora a ambição e a falta de bom-senso de alguns políticos muitas vezes os levem a achar que podem se sair vitoriosos em enfrentamentos sabidamente desfavoráveis. O bom político, contudo, ao perceber o cheiro da derrota, cai fora da disputa ou compõe-se com outras forças na tentativa de superação de suas deficiências.

Lula, tal qual uma Magicicada septendecim, sabe muito bem que seus predadores famintos estarão presentes em 2010, diminuindo-lhe sobremaneira a possibilidade de sobrevivência mais longa. O que fazer? Mais 4 anos sob a terra, tranquilinho e saboreando as raízes que os bons tempos lhe propiciaram e só mais adiante pensar em retornar à disputa. Enquanto isso, Dilma Rousseff e seus acólitos são enviados à superfície para serem devorados em seu lugar.

Para que um terceiro mandato contínuo se posso ter quatro em 2 blocos de dois cada? Assim pensa a nossa cigarra de Garanhuns. E que se lasquem os puros do PT, e os oportunistas (bem feito!) de partidos da coalizão, especialmente os do insaciável PMDB.

O único problema que a cigarra Lula septendecim da Silva pode não estar vendo, é a lição legada por Esopo e por La Fontaine em suas instrutivas fábulas. Quando o inverno chegar talvez ele tenha que pedir ajuda às formiginhas que souberam poupar durante o verão.

Confira abaixo a fábula da cigarra e da formiga na versão clássica de Bocage.


Edson Pinto
Agosto’2009


A Cigarra e a Formiga
(Bocage)

Tendo a cigarra, em cantigas,
Folgado todo o verão,
Achou-se em penúria extrema,
Na tormentosa estação.

Não lhe restando migalha
Que trincasse, a tagarela
Foi valer-se da formiga,
Que morava perto dela.

Amiga – diz a cigarra
Prometo, à fé de animal,
Pagar-vos, antes de agosto,
Os juros e o principal.

A formiga nunca empresta,
Nunca dá; por isso, junta.
No verão, em que lidavas?
À pedinte, ela pergunta.

Responde a outra: Eu cantava
Noite e dia, a toda a hora.
Oh! Bravo! – torna a formiga
Cantavas? Pois dança agora!

12 de ago. de 2009

92) OH TEMPORA! OH MORES!

__ Excelência, permita-me um aparte?

__ Pois não, nobre senador, as suas intervenções sempre engrandecem o já elevado nível do debate travado nesta egrégia casa de leis.

__ Muitíssimo grato senador, eu pedi a palavra apenas para dizer que Vossa Excelência não passa de um cangaceiro de merda.

__ Nobre colega, muito me lisonjeia ouvir de sua própria voz tão augusta referência à minha pessoa, razão pela qual retribuo o elogio dizendo que o senhor é a prova viva de que as meretrizes do velho bordel de quinta categoria deixaram crias espúrias neste mundo.

Debates desse naipe estão se tornando uma rotina na nossa câmara alta, a casa que reúne senadores em igual número de todos os estados brasileiros para preservar – pelo menos era o que se imaginava – o famoso pacto federativo.

Nesta mesma casa discursaram no passado grandes patriotas, oradores da fina flor da intelectualidade brasileira, lideres verdadeiros que enchiam de orgulho a alma nacional. Embora sejamos um país jovem, com uma república mais jovem ainda, só proclamada em 1889, tivemos Rui Barbosa, Afonso Arinos, Santiago Dantas, Gustavo Capanema, Teotônio Vilela, Tancredo Neves e Ulisses Guimarães, entre outros, que honraram a Instituição e enriqueceram a vida pública do país.

Agora – valha-nos Deus – temos Wellington Salgado, MG, aquele cabeludo desengonçado tanto física como mentalmente. Temos, ainda, Almeida Lima, SE, se não total, certamente, um quase-idiota. Temos o despudorado Fernando Collor, AL, saído pelos atos desonestos praticados enquanto presidente da República, mas voltando com cara de que nada lhe acontecera no passado e – pasmem - mais arrogante do que nunca. Não nos esqueçamos da destrambelhada Ideli Salvatti, SC, do infiel Renan Calheiros, AL, do nefelibata, embora boa alma e frustrado cantor, Eduardo Suplicy, SP e tantos outros que, metaforicamente, substituíram a cúpula circular de concreto projetada pelo grande Oscar Niemeyer pela famosa lona desmontável que encobre espetáculos de acrobacia, domadores e palhaços que divertem públicos de todas as idades.

Claro que há exceções: Jarbas Vasconcelos, PE, Pedro Simon, RS, Cristovam Buarque, DF e alguns poucos outros que por mais que queiram não conseguem se livrar da mediocridade contaminante do Senado Federal da presente legislatura.

A constância das crises na nossa câmara alta da República, ora com Jáder Barbalho, ora Renan Calheiros e três vezes com Sarney, só para citar casos mais recentes, mostram que as maçãs podres infetam as boas e nunca o contrário. O Senado, bem como o Congresso como um todo, continuam sendo piores do que o país que deveriam representar.

Além de medíocre e inútil, o nosso Senado custa quase 3 bilhões de reais por ano de nossos impostos, quase tudo para pagar mais de 10.000 funcionários que fingem trabalhar, ou são simplesmente fantasmas e mamam nas tetas prodigas do erário público. Enquanto isso, o povão se mata no sol a sol de cada dia para pagar impostos e custear gastos que seriam da responsabilidade do governo como escola, segurança e saúde.

O debate está, pois, novamente no ar: Será que justifica mantermos uma Instituição tão onerosa que mais atrapalha do que ajuda? Será que a Câmara dos Deputados – Instituição igualmente custosa – não poderia absorver as funções constitucionais atribuídas ao Senado simplificando assim a vida política nacional?

Dez entre dez brasileiros de bom-senso dirão que sim. O único obstáculo para que isso se torne realidade é o fato de que são exatamente os interessados na manutenção do “status quo” que precisariam tomar tal iniciativa.

Eu, infelizmente, não acredito que terei tempo de ver isso acontecer...


Edson Pinto
Agosto’2009

7 de ago. de 2009

91) SE A JUVENTUDE SOUBESSE...



Michael, 40 anos, reclinou-se feliz enquanto, de seu automóvel estacionado ali em frente à escola, via seu casal de filhos pré-adolescentes aproximarem para serem levados, com a alegria de sempre, para casa. Garotos lindos, saudáveis e felizes como ele sempre imaginara. Mais alguns poucos segundos e ambos já o estariam beijando como de hábito acontecia ao menos 2 vezes por semana. Michael era o protótipo do que se convencionou chamar de pai presente, figura cada vez mais rara neste mundo de competição desmesurada.

Aqueles poucos segundos até o beijo dos filhos foram suficientes para que Michael rememorasse o instante mágico em que assimilou a mais importante de todas as lições de sua ainda jovem vida: Estava com 28 anos, recém-casado, cheio de planos para a carreira profissional e sentado na sala de espera do vôo que o levaria à sua primeira viagem internacional de negócios. Não se continha em si mesmo só de pensar que dentro de alguns anos aquilo passaria a ser rotina. Decidira entregar-se de corpo e alma ao trabalho e já se vislumbrava nos cargos mais elevados da empresa. Alto salário, projeção social e poder...

Afortunadamente, ao seu lado, pensativo, encontrava-se também o homem que de forma espontânea iria presentear-lhe com a mais sábia de todas as lições que aprendera até então. Dr. Roberto, 80 anos, cabelos totalmente grisalhos, mãos e rosto de peles flácidas pela ação do tempo, não só percebera a ansiedade de Michael como se apresentara e puxara a conversa que mudaria a forma como Michael passaria a entender a vida:

“Ah, exclamou Dr. Roberto, se há 40 anos eu tivesse me dado conta de que além da minha carreira profissional devesse ter prestado mais atenção à minha família e aos meus amigos, eu teria feito tudo de uma forma bem diferente”.

“Preferi passar os finais de semana trabalhando naqueles projetos intermináveis, viajando loucamente para controlar as filiais, reuniões de negócios, eventos promocionais e coquetéis que nunca terminavam. Enquanto isso meus filhos e netos foram crescendo sem que eu percebesse. Foram para a escola com minha mulher, não raro sozinhos; aos estádios de futebol que tanto adoravam, iam com os pais dos amigos, pois eu nunca estava disponível. Não lhes acompanhei nas primeiras incursões às discotecas e até mesmo, quando se casaram, só me fazia presente nas cerimônias religiosas como se fosse um parente distante recém chegado para os eventos”.

“Reuniões familiares, jantares na intimidade de minha casa com amigos, festas juninas do bairro onde as crianças alvoroçavam-se ou mesmo os 80 anos de minha mãe quando a família toda se reuniu, confesso, não pude participar. Estava envolvido, ora com a inauguração de uma nova fábrica, ora com um seminário de tecnologia ou com um curso de aperfeiçoamento na matriz da empresa lá do outro lado do mundo”.

“Até o dia em que, por forças do planejamento estratégico da empresa, diga-se de passagem, que eu mesmo ajudei a elaborar, retribuíram com bons trocados, agradeceram-me pela carreira brilhante, deram-me um diploma emoldurado por fitilhos dourados durante um jantar de despedida e decretaram ali, para sempre e solenemente, o fim da minha jornada profissional. Voltei para casa onde já não estavam mais o filhos que haviam, desde há muito, casado e mudado. O meu próprio casamento derretera-se lenta, mas implacavelmente há tempos pela minha ausência eterna. Afinal, eu tinha me casado com a profissão e o meu lar era a empresa”

“Agora, mesmo que quisesse, não me é mais necessário nem possível levar os filhos, sequer os netos, à escola, nem ao estádio para assistir a uma partida de futebol, nem à discoteca. Eles já se fizeram independentes e bateram asas. Para dizer a verdade, passo boas horas dos meus infindáveis dias folheando antigos álbuns de fotografia para lembrar as faces de meus filhos e netos quando estavam na escola primária, depois quando adolescentes. Eu não estava na foto que fora tirada na porta da igreja quando o mais velho casou-se. Chegava de uma viagem de negócios e só adentrei a igreja quando todos já perfilavam para o início da solenidade. Verdadeiro vexame”.

“Vejo, hoje, os vizinhos recebendo amigos e parentes para um churrasco fraterno em que muito se ri. Rolam músicas, cerveja e cantorias desafinadas. Mas, tudo refletindo alegria sincera. Todos parecem deleitar-se com coisas simples que eu me privei de ter, também. Não é fácil construir uma rede de amizades depois de certa idade. As amizades são feitas ao longo de décadas e marinadas nos infortúnios e alegrias do dia-a-dia. Agora, passo o tempo lustrando meus bens materiais, mas eles não falam, não têm sentimentos, não compartilham minhas mágoas e frustrações. Sou definitivamente um homem só. Lá na empresa são, agora, apenas caras novas. Não conheço mais ninguém. Mesmo que os antigos ainda lá estivessem, seriam apenas colegas de empresa. E colegas não são necessariamente amigos. São relacionamentos lógicos, muitas vezes frios, voltados para o trabalho e que se desfazem quando fora daquele ambiente”.

“Meu jovem Michael, cada um de nós escolhe a vida que julga mais conveniente a ser seguida, tudo tendo em vista os propósitos que impomos a nós mesmos. Mas, se eu pudesse voltar no tempo faria tudo de forma bem diferente. Continuaria trabalhando, responsavelmente, é claro, mas jamais descuidaria de minha família, especialmente de minha mulher, de meus filhos e netos. Cultivaria mais amigos e daria mais valor às coisas simples da vida, mesmo que os cargos máximos da empresa fugissem do alcance de meus sonhos”.

Os filhos beijaram Michael e ele respirou fundo como se fosse para recobrar-se daquele arrebatamento intimo que confirmava a sensatez de sua decisão em ter acatado a experiência de vida do Dr. Roberto. Não ter repetido todos os seus erros para só mais tarde, e quando nada mais pudesse ser feito, descobrir que tivesse errado foi para Michael a maior de todas as lições que aprendera.


Edson Pinto
Agosto’09

2 de ago. de 2009

90) O PRIMEIRO TERREMOTO NUNCA SE ESQUECE


Meu filho caçula, Felipe, acaba de voltar de um ano de estudos no mais lindo de todos os países centro-americanos, que, não sem razão, ganhou de Cristovão Colombo quando de sua quarta viagem à América e em retribuição ao privilégio de tê-lo descoberto, o adequado e merecido nome de Costa Rica.

Para refrescar as nossas memórias tão fatigadas com os escândalos inesgotáveis da politicagem brasileira, lembro que esse magnífico país de climas tropical e subtropical ameno em altitudes, tais quais os nossos, desfruta de uma privilegiada posição geográfica acima do Panamá e abaixo da Nicarágua. Para aquele povo progressista e hospitaleiro, Deus ainda lhes deu 2 litorais, o do Mar do Caribe, a Leste, que dispensa comentários e outro a Oeste, do lado do Pacifico, que juntos com a exuberância de sua fauna e flora fizeram do Turismo o motor de sua economia, propiciando-lhes um IDH (índice de desenvolvimento humano) elevado: 0.847.

Emoldurado por esse cenário paradisíaco é que Felipe, 20 anos, garoto sério, aparentemente tímido, mas, de ferrenha vontade própria, fruto de sua desenvoltura e coragem impressionantes, lá se meteu por um ano inteiro. Estudando em Heredia freqüentava a capital San José - cerca de 20 minutos de ônibus - com grande freqüência e praticamente para tudo. Fazer umas compras, ir ao cinema, encontrar uma garota e para lá se dirigia Felipe acompanhado de amigos ou, se não disponíveis, mesmo sozinho.

Numa dessas idas a San José, sozinho, Felipe entra no Mercado Municipal da cidade já depois de bater pernas em excesso e, faminto, senta-se à mesa de uma de suas lanchonetes para o almoço que nunca lhe parecera tão desejado quanto apetitoso. Era tudo o que um estudante orgulhoso por não ficar pedindo frequentemente dinheiro ao pai estava disposto a gastar naquele dia de sol tropical.

Dado o primeiro gole na coca-cola e experimentado a primeira garfada do casado, prato típico da cultura costarriquense, que inclui, entre outros, carne, feijão e arroz, Felipe, de súbito, é apresentado à grande experiência que jamais irá esquecer:

Naquele dia 8 de janeiro de 2009, por volta das 14 horas e com o sol a pino, a terra treme na magnitude de 6,1 graus da escala Richter. A sensação foi a de ter caído dentro da lavadora de roupas ligada, é claro. Durou ¼ de minuto, tempo mais do suficiente para que todos os moradores locais, já suficientemente acostumados com esse incontrolável fenômeno da natureza, saíssem em disparada em busca de uma posição no meio das ruas, longe de prédios, de tetos e de outras coisas que pudessem desabar sobre suas cabeças.

Felipe, sem experiência nessa matéria e muito cioso da importância daquele prato farto de casado, decide que não seria uma inusitada sacudidela nervosinha que iria fazê-lo abandonar a refeição tão necessária e já devidamente paga. Na verdade, confessa, até pensou em sair como todos também do Mercado, porém levaria o prato e a garrafa de coca-cola. Afinal, o tremor já tinha passado e nada havia ainda desabado. Permaneceu, portanto, ali, sentado, entre espantado e confuso até que o último grão de feijão tivesse sido empurrado pelo último gole da coca-cola geladinha. Só aí saiu calmamente do recinto.

Mais tarde, já entre sirenes que cinematograficamente ecoavam por todos os lados no apoio aos feridos, resgate de corpos e outras mazelas próprias de um terremoto de grandes proporções é que ficou sabendo da razão pela qual as pessoas buscam sempre um lugar aberto para se proteger tão logo sobrevenha o primeiro sismo. Em geral, o terremoto traz o que chamam de "replicagem", isto é, dada a primeira onda, há, invariavelmente, uma segunda ou terceira ou mais que, com raras exceções, vêm em graus da escala Richter mais fortes ainda. A experiência mostra que o primeiro momento do terremoto, ironicamente falando, pode ser o mais seguro, e - como se fosse um alerta - deve-se procurar proteção.

Felipe não sabia disso, por isso ficou saboreando indiferente o seu arroz com feijão e livrou-se, como agora confessa, do “mico” de correr com prato e refrigerante nas mãos, pois disso – ao que parece e devido às circunstâncias – por nada neste mundo haveria de fazer concessões.

Por sorte, e graças ao bom Deus, a segunda onda do sismo veio, contrariando a lógica, bem fraquinha. O pior já tinha acontecido...

Edson Pinto
Agosto’2009