22 de out. de 2012

219) AVENIDAS VAZIAS DO BRASIL

Convenhamos! O poder da Globo para fazer nossas cabeças é algo tão forte que já faz por merecer dos bons cientistas sociais análises antropológicas de cunho cultural profundas. É de se tirar o chapéu para a capacidade da emissora em pautar nossas vidas, de nos reter em casa quando quiser, de deixar restaurantes, teatros e cinemas às moscas, de parar o trânsito caótico das nossas megalópoles e ainda de nos convencer de que o “mundo”, literalmente falando, acompanhava extasiado o fenômeno da novela brasileira.

Há de se reconhecer que poucas pessoas teriam argumentos fundados para desqualificar a novela “Avenida Brasil” que teve o seu apoteótico capitulo de encerramento neste último final de semana. Como outras grandes produções da emissora, a citar Irmãos Coragem, Selva de Pedra, Pecado Capital, Roque Santeiro, O Bem Amado, Vale Tudo e Passione, esta também mexeu com a família brasileira. Mas, não precisava - admitamos - do estado de quase comoção nacional no qual a Globo, inteligentemente, nos fez enredar.

Primeiro, lançando mãos do seu fenomenal expertise em gerar emoções e utilizando-se do seu alto grau de penetração nos lares do País criou, na semana que antecedeu ao final da novela, um clima de expectativa e suspense. Em seguida, induziu-nos, como fazem as pesquisas eleitorais marotas e como ela mesma já faz com o tal do Big Brother Brasil, à situação de elevado interesse por um tema corriqueiro. Isso se faz com entrevistas com meia dúzia de fanáticos pelo assunto, divulgando-as como se fossem uma amostra altamente representativa da população. Cria-se, desse modo, os fenômenos popularmente chamados de “Maria-vai-com-as-outras” e “efeito manada”. Tudo assim feito, e com o elevado padrão global, a sexta-feira, 19 de outubro, à noite, foi de ruas e avenidas vazias, pois a nação, em peso, ficou a roer unhas em frente à telinha para ver o grande desfecho do folhetim.

Diziam serem cinco os desfechos possíveis para a novela. Como ficção, tudo bem, mesmo que muitos deles desafiassem a lógica com a qual os telespectadores atentos vinham considerando consentâneas com o principio da verossimilhança e expectativas de ordem moral. Vale dizer: Quem peca - para exemplo à sociedade - deve ser punido; quem fez o bem deve vencer. De certo modo, isso até aconteceu, mas, eu faria um final diferente. Já que o autor tinha várias alternativas para o encerramento da novela, eu me atrevo a conceber outra que combinasse a lógica da trama como os propósitos econômicos maiores da emissora. Vejam como seria:

DESFECHO DO NÚCLEO PRINCIPAL

Jorginho faz, neste último capitulo, a sua única coisa útil durante toda a novela: Ao preparar a entrega do resgate exigido por Santiago, compra duas malas Primicia, Sierra, preta, com rodinhas iguaiszinhas (merchandising, $$$). Numa, como de fato fez, coloca os R$20 milhões. Noutra, coloca vários produtos comprados às pressas nos Supermercados Carrefour (novo merchandising, $$$). No momento da entrega da mala, o jovem deliquente, Lúcio, é forçado pela mãe, Janaína, a trocar a mala dos seqüestradores da mesma forma que fizera com a mala de Nina onde Carminha havia colocado droga para incriminá-la.

Santiago e Carminha logram fuga usando o jatinho Legacy 650 da Embraer (outro merchandising, $$$), enquanto a família de Tufão, incluindo o detetive Zenon que passou a novela inteira sem desvendar um único mistério, fica a observar o avião tomar altura. Dentro do avião, Carminha e Santiago em gargalhadas febris abrem a mala para ver a dinheirama que lhes proporcionará uma vida paradisíaca. E o que encontram? Um saco de arroz Tio João, parboilizado, 5 quilos, sobre o qual a câmera dá um zoom (novo merchandising, $$$). Reviram, nervosamente, a mala e encontram, igualmente exibidos pelas câmeras na forma de zoom, Margarina Qualy, cremosa da Sadia, Café do Ponto, “a paixão por café”, Leite Parmalat, Longa Vida, Suco de Uva Maguary, concentrado, e vários produtos que tornam o dia a dia da dona de casa mais fácil e saboroso (merchandising, merchandising, merchandising, $$$)

Desesperados com a armadilha em que caem, Carminha vale-se de uma garrafa de azeite da marca Gallo, extra virgem, baixa acidez, em promoção no Carrefour, dois por R$18,00 (novo merchandising, $$$) e nocauteia o piloto do jatinho. Da terra, Tufão e família presenciam o mergulho mortal do jatinho seguido de enorme explosão. Pronto! Os malfeitores pagam assim tudo o que de ruim fizeram.

DESFECHO DO NÚCLEO DO DIVINO

Adauto fora companheiro de futebol de Tufão. Este já aposentado há muito. Como poderia, então, estar Adauto ainda em forma para aquela partida final do campeonato? Na minha versão, Adauto havia se tornado o presidente do Divino Esporte Clube. O adversário que arruinara a sua vida no passado quando soprou-lhe o segredo, motivo de seu grande trauma, agora é o técnico do time adversário. Marcado o pênalti, Diógenes interfere e relembra Neném Prancha, o filósofo do futebol que todo apreciador de futebol conhece e diz: “Pênalti é tão importante que deve ser cobrado pelo presidente do clube”.

Tudo assim posto, Adauto desce das arquibancadas, entra em campo, faz cara de homem inteligente e sob suspense geral bate o pênalti. A galera grita: Gol, gol, gol! Adauto corre até o técnico adversário, seu algoz do passado, enfia a mão no bolso e tira uma legitima e revolucionária chupeta Avent, bpa, transparente da marca Philips levando-a a boca. Close na chupeta (merchandising final, $$$). Enquanto seu rosto empalidece, a palavra FIM surge lentamente na tela...

Edson Pinto
Outubro’ 2012

14 de out. de 2012

218) O VOTO DO PERNILONGO


Lá vem o segundo turno para vários municípios onde os prefeitos não foram eleitos por maioria absoluta neste último sete de outubro. Como é sabido, isso se aplica quando a cidade tem mais de 200 mil eleitores e o vencedor do primeiro turno não consegue obter 50% + 1 dos votos válidos. Por essa razão, muitas cidades, especialmente capitais de estados por serem as maiores, voltarão obrigatoriamente às urnas. Independente, contudo, da situação de cada município, há, no meu sentir, lições que podemos extrair do pleito eleitoral:

Aqui no meu discreto enclave da área metropolitana da capital paulista, Santana de Parnaíba, que nem na regra de segundo turno se enquadra, fomos surpreendidos com o fato de o candidato até então menos cotado, em flagrante contrariedade às pesquisas, acabar empunhando o cetro de alcaide-mor da municipalidade. O prefeito atual, figura simpática, homem sério, bom gestor, ainda jovem e escolado nas artimanhas da política tinha atributos mais do que sólidos para somar aos seus quatro anos de vereador e mais doze de prefeito do município, mais quatro outros. A enquete da publicação Folha Paulistana de 5/10/12, dois dias antes da eleição, mostrava sua vitória esmagadora com 72% dos votos contra 25% do segundo colocado.

Mas aí apareceu um pernilongo na história. Na verdade, milhares, milhões... Exatamente, aqueles que ficam na espreita até a tardinha começar a se fazer e então pulam para dentro de nossas casas para fazer do nosso sangue o vinho da sua festa. O prefeito disse que não. Até relevou publicamente uma das metas do opositor quando este estampou como promessa de campanha o “combate ao pernilongo”.

Coitado do pernilongo! Seria justo atribuir a esse minúsculo díptero que já nos é tão familiar a proeza de ser protagonista na mais nobre das faculdades do sistema democrático que é o voto? Não! Assim diziam muitos, inclusive o prefeito. Há, sim, temas maiúsculos a serem sopesados, como o do trânsito cada vez mais caótico, o elevado valor do IPTU (dizem o mais alto do Brasil), o da segurança pública, súplice permanente de melhorias, a verticalização exagerada das construções, mas, o pernilongo? Isso não!...

Fechadas, isto é, desconectadas as urnas eletrônicas, foi necessário pouco mais do que uma hora para termos a revelação de que o 72% virara 47% e, o antes 25%, virara 52%. Uns juram que as pesquisas e enquetes amplamente divulgadas eram enganosas, vale dizer, feitas apenas para induzir o voto daqueles que mesmo indecisos não gostam do sabor da derrota. Outros dizem que é o conjunto dos fatos que se impôs no momento crucial em que os cidadãos assentam suas mentes para determinar o destino do seu voto, na véspera ou mesmo no dia do pleito. Outros ainda atribuem à sede de mudança que ora se apodera de mentes e corações do eleitorado cada vez mais crítico. Haveria um clamor latente de mudança ávido para explodir como as flores primaverais do pós-equinócio do hemisfério sul, mesmo que seja mudar apenas por mudar?

O Supremo acaba de carimbar de impróprias as estripulias da cúpula do PT e de gente de diversos outros partidos que se lambuzaram nas tetas generosas da mãe pátria, tudo com base num estranho projeto de perpetuação de poder. O auspicioso desenrolar do julgamento do mensalão estaria re-injetando ânimo na cidadania já desesperançada quanto ao rumo da política, de tal modo que a encorajou a fazer mudanças? Mudança de nomes, mudança de partidos políticos, mudança de projetos de governo, de práticas comunitárias ou de qualquer outra espécie uma vez que ficar sempre no mesmo é se conformar com o imobilismo...

Acho que tudo isso é possível, inclusive e principalmente o despertar das consciências de que a política, embora nos pareça ser uma atividade humana abominável, é-nos muitíssimo importante para o ideal de uma vida social equilibrada e digna. A ministra Carmem Lúcia do STF não conclamou os jovens a não desistirem da política porque a alternativa a ela seria a guerra? Então? Deve ser isso o que anda acontecendo Brasil afora, embora em uma magnitude ainda pequena, porém crescente. Já temos a lei da ficha limpa para barrar os carimbados pela Justiça. Já temos um caso exemplar de condenação de malfeitores como nunca antes acontecido no País, demonstrando que as instituições da Republica podem funcionar, sim senhor...

Aqui, contudo, tenho suspeitas de que mais do que o quadro geral que esbocei acima algo tacanho possa ter influenciado o voto do munícipe. Aceitem minha tese, ou não, propugno que os pernilongos da redondeza fizeram a diferença. Afinal, mais do que qualquer outro meio de comunicação de massa, eles desempenharam um papel fundamental na escolha do novo prefeito. Somente eles e não mais ninguém poderia fazer com eficiência o que todo candidato sonha: transmitir de forma audível e diretamente no ouvido de cada eleitor uma mensagem política útil. Os nossos pernilongos foram e continuam sendo invencíveis nesse mister...

Edson Pinto
Outubro’ 2012

4 de out. de 2012

217) EXCELÊNCIA


Por nada neste mundo dona Florinda abriria mão de sua soneca vespertina. Era sagrado: Após o almoço, acomodava-se em seu quarto e só se dava por satisfeita lá pelas quatro quando o aroma de café recém-coado vinha da cozinha. Aos oitenta e pico vivia tranquila, boa saúde, filhos e netos criados. Seu Amoroso já tinha partido há algum tempo, mas deixou-lhe a vida bem estruturada. Morava perto de filhos e netos, mas sempre sozinha, pois não abria mão de continuar dando as cartas no que considerava ser o seu território inexpugnável, a casa em que morava.

Sozinha, em termos, pois tinha a presença de Joselina, a empregada de confiança. Era Joselina quem fazia o almoço, arrumava a casa e paparicava dona Florinda a não mais poder. Entendiam-se perfeitamente. E na falta de interlocutores outros, era entre si que trocavam pontos de vista sobre o cotidiano, sobre as picuinhas da política, o tempo seco, o tempo chuvoso, o nível do rio que não parava de subir ou baixar, a vida... A sesta de dona Florinda era, no entanto, como um rito sagrado a ser respeitado acima de quaisquer outros compromissos.

Mas, aí apareceu o julgamento do Mensalão. Dona Florinda, sempre antenada nas coisas do mundo, não demorou a perceber que a sesta sagrada lhe roubava aquele grandioso prazer de assistir o melhor programa que já vira na TV. Nem os três volumes de “Os Miseráveis”, de Victor Hugo, que já tinha a leitura por finalizar não lhe traziam tantas emoções. Para surpresa, numa rara decisão que contraria a arraigada mania dos seres provectos de não mudar seus hábitos, ela decide sacrificar, nas terças, quartas e quintas, a sua soneca vespertina. Não tem preço assistir a um entrevero entre Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski, assentiu dona Florinda.

E, lá pelas 14 horas, já está em frente à TV, impaciente, porém feliz, aguardando o inicio de mais uma sessão do Supremo. Com a mente ágil que tem, não só se apega ao mérito dos debates como ainda observa, condoída, o balé do relator para mitigar a sua permanente lombalgia. Coitado! Como um homem desses, com tal incômodo físico, tão dedicado ao ofício, e tendo produzido um relatório tão bem fundado e demolidor contra a camarilha dos 38, não pode, às vezes se exasperar com os flácidos contra-argumentos do revisor? Desabafa com Joselina.

Joselina, por sua vez, sempre às espreitas, também cismou de acompanhar o Mensalão. E não é que se aguçou, igualmente, em tirar o máximo de proveito do montão de novidades que se lhe apresentavam. Não foram necessárias mais do que cinco sessões do Supremo para que Joselina substituísse o familiar “dona Florinda” por algo ainda mais politicamente correto: “Vossa Excelência”, para se dirigir à estimada patroa.

Um dia desses, para discordar da forma como dona Florinda a repreendera por não lograr a correta preparação de uma substanciosa salada para o almoço, a que, pejorativamente, a patroa chamara de “Saladão”, usou um solene “data venia”. Quando dona Florinda (coisa de velho, é claro) voltou a insistir na queixa, Joselina saiu-se com o defensivo argumento de que dona Florinda, estava incorrendo em um evidente “bis in idem”.

Por fim, instada a falar menos e a fazer mais, numa clássica advertência de que quem mandava na casa era dona Florinda, Joselina recorreu ao seu sagrado “direito ao contraditório e da ampla defesa” e insinuou que estava sendo vitima de perseguição política. Tentou, no limite, argumentar que o “Saladão” nunca existira e que o problema do almoço mal preparado não passava de verduras “não contabilizadas”, isto é, não agregadas a ela.

Foi lá pela vigésima sessão do Supremo quando Joselina apareceu com uma capinha preta sobre os ombros é que dona Florinda percebeu que as coisas não andavam bem. Joselina estava mais para Ricardo Lewandowski, para Dias Toffoli e para Márcio Thomaz Bastos, enquanto ela, Florinda, continuava se condoendo com a cervical de Joaquim Barbosa. Decidiu, então, desligar a TV, retornar às antigas sestas diárias e se informar sobre o julgamento somente nos jornais noturnos quando Joselina já tivesse se recolhido.

Afinal, não há quem agüenta um desfecho tão longo para uma punição tão clara, tão necessária e mais do que previsível, mesmo que joselinas achem que o Direito pode ser entortado fazendo-se do mal o bem...

Edson Pinto

Outubro’ 2012