21 de jun. de 2013

242) A PANELA DE PRESSÃO

Dona Edwiges descobriu pela forma mais inadequada possível que a panela de pressão que ela comprara pela primeira vez e tão logo a vida lhe houvera melhorado, devia respeitar certas regras de uso. Coitadinha, tinha ascendido dos estratos mais baixos da sofrida sociedade brasileira para uma camada acima onde já se podia ter um pequeno aparelho de TV, uma geladeira branquinha encimada por um pinguim emblemático, um sofá das Casas Bahia, um fogão de quatro bocas e até utensílios muito úteis como uma incrível panela de pressão para acelerar o cozimento do bendito feijão de cada dia.

Só não compreendia o porquê daquele chiado permanente que tanto a irritava. Talvez, fruto dos traumas da vida dura dos tempos de roça, aquilo remetia sua mente aos irritantes grilos, aos horrendos morcegos, aos lúgubres uivos de lobos que rondavam sua miserável casinha, sem energia elétrica, no meio de um mato qualquer deste País que sempre foi muito injusto com os pobres e generoso, até em demasia, com os ricos e principalmente com os donos momentâneos do poder.

Isso, obviamente, são lucubrações filosóficas inferidas por este escriba, mas que talvez não se passassem da mesma forma na cabeça daquela senhora precocemente envelhecida pela faina diária, enquanto seu marido e filhos buscavam, desde que chegaram à cidade grande, o sustento no duro trabalho da construção civil. O problema dela era o chiado da panela de pressão...

Enquanto o feijão cozinhava ficava ela como que estarrecida admirando aquele processo, para ela, moderno, mas que a incomodava com as lembranças ruins que trazia. Por mais que meditava não conseguia entender que o chiado da panela decorria do escapamento, pela sua válvula, do excesso de vapor produzindo durante o aquecimento do alimento e que aquilo era necessário para que se evitasse o pior, ou seja, a sua explosão. Cismou de tapar os buraquinhos da válvula com uns palitos de fósforo; o chiado desapareceu por alguns instantes e o resultado posterior nem preciso falar: Bum!

O governo que aí está, na sua ânsia incontida de eternidade, construiu alianças políticas caras e acomodou no seu bojo e a expensas do erário, 39 ministérios; criou dezenas de milhares de novos cargos nas estatais e em repartições diversas; elaborou projetos utópicos cujos objetivos era a demonstração explicita e inconseqüente de uma exuberância infundada do País, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas; abriu-se com generosidade aos corruptos cada vez mais audazes; com a sua miopia estatizante descuidou da infraestrutura necessária para suportar o crescimento econômico; negligenciou a saúde pública, a educação, a segurança e tantas outras demandas essenciais que geram calor, aquecimento e vapor. Parece - não tenho dúvidas - viver o mesmo trauma de Dona Edwiges.

A nossa panela de pressão já vem de algum tempo sendo aquecida pelo fogo da insatisfação, não diria apenas da classe média, mas de todas as pessoas que conseguem desenvolver uma visão crítica sobre a baixa qualidade da política e dos governos que temos. Há no ar - e não é de hoje - uma sensação cada vez mais perceptível de que algo de errado acontece no País:

  • Por que pagamos quase 40% de todo o nosso PIB em impostos e só recebemos – quando recebemos – serviços públicos da pior qualidade?
  • Por que, mesmo pagando tantos impostos temos que pagar escolas particulares caríssimas para nossos filhos quando antigamente as escolas públicas eram tidas como padrão de excelência?
  • Por que pagamos planos de saúde para suprir a saúde pública que não funciona, pedágios para usar estradas “mais ou menos”, segurança no condomínio para se ter alguma tranqüilidade e tantos outros ônus que nos impõem?
  •  Para onde vai todo esse dinheiro?
O fogo vem esquentando, esquentando, esquentando e o governo, tal como a simples dona Edwiges, vem tentando bloquear, por métodos duvidosos, a válvula de escape de nossa panela de pressão. Ninguém tem a coragem de fazer, em primeiro lugar, uma reforma política que levem homens sérios para o Congresso e que leve para o governo gente que saiba como uma panela de pressão funciona e o que se deve deduzir do chiado que faz. A conseqüência é o que começamos a ver nestes dias:

Bum!

Edson Pinto

Junho’2013

13 de jun. de 2013

241) BIG BROTHER IS WATCHING YOU

O fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, marcou o inicio do mundo bipolar que testemunhamos até que se deu a queda do muro de Berlim em 1989 e o posterior desmantelamento oficial da União Soviética em 1991. Durante esses quase 50 anos, vivemos o período denominado de Guerra Fria, tendo de um lado os Estados Unidos da América que representavam a força do capitalismo com a qual se alinhavam as nações que praticavam a economia de mercado e do outro, liderado pela antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), o sistema econômico centralizado, planejado e operado pelo ente estatal e conhecido como comunismo.  

No comunismo, como se sabe, a propriedade coletiva, e não a privada como ocorre no capitalismo, era e continua sendo a viga mestra que sustenta o seu sistema econômico. Se, quanto e como a Revolução Russa e a consequente implantação do comunismo corresponderam fielmente ao que Karl Marx entendia como a etapa inevitável do pós-capitalismo é assunto para os historiadores e não para ser tratado nesta simples crônica.

O que me interessa por ora é falar da visão ingênua que os jovens do período pós-guerra mantinham com relação ao que ocorria no mundo. Para quem era adolescente no inicio dos anos 60, como no meu caso, soavam-nos muito misteriosas todas aquelas informações sobre o que poderia acontecer se o nosso país, também e um dia, se tornasse comunista. Conceitos e práticas econômico-sociais como propriedade coletiva; todos trabalhando para o estado; partilhamento equânime da riqueza; “de cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual segundo suas necessidades”, entre outros, mesmo sem internet e sem comunicações fáceis, suscitavam nas rodinhas de jovens ingênuos certos debates instigadores.

Outras informações que recebíamos e que também tinham o poder de nos atormentar: as famílias perderiam a guarda dos seus filhos; ainda jovens seríamos enviados para treinamento militar e para estabelecimentos de ensino estatal onde ficaríamos como internos até a conclusão dos estudos; não haveria gente muito rica nem muito pobre, porém o estado teria controle absoluto sobre tudo o que fizéssemos. O “Grande Irmão”, ou o “Big Brother” retratado no livro distópico de George Orwell, “1984”, passaria a ter controle absoluto sobre nossas vidas. Nada escaparia ao controle do Estado: O Grande Irmão zelaria todo o tempo por nós ou, tal qual dito na frase original de Orwell: “Big Brother is watching you...”

Bem, aparentemente conseguimos nos livrar do comunismo. Há mais de 20 anos, a União Soviética renunciou a ele e somente alguns gatos pingados como Cuba e Coréia do Norte ainda insistem em fazer funcionar o que já se demonstrou inconsistente na prática. Esses estados comunistas remanescentes estão apenas prolongando o sofrimento de seu povo até que em algum momento terão que seguir o caminho da atual Rússia e aderir ao capitalismo como sistema econômico. Este, se não o mais justo, certamente, o menos perverso...

Embora como sistema econômico já tenha ficado patente o fracasso do comunismo, outros aspectos da vida social que ligávamos a ele parecem ter sobrevivido e, mais do que isso, tomado corpo e importância maiores do que poderiam prever nossas ingênuas conjecturas de adolescentes. O Big Brother está, muito mais do que previa George Orwell, tomando conta de todos nós. Não me refiro às câmeras que estão nos bancos, na entrada dos prédios, nas ruas, nas escolas e até mesmo nos chatice de certos programas de TV. Muitas dessas câmeras contribuem para nossa segurança, é claro. Refiro-me, contudo, ao enorme controle que o Estado vem exercendo sobre os cidadãos que, ironicamente, se sentem felizes por não viver sob um regime comunista.

Quem poderia imaginar lá nos anos 60 que um dia viéssemos a ser amarrados por um Título Eleitoral, por um CPF, por uma cédula de Identidade, por uma Carteira Nacional de Habilitação, por uma carteirinha de vacinas e outros registros que centralizam informações sobre nossas vidas financeiras, nossas posses, nossa saúde e nosso relacionamento com o sistema bancário, com o comércio e até com os arrecadadores de impostos?

Se você está atrasado com o licenciamento do seu veículo, Big Brother, na forma de um coletor de impostos, está olhando para você e cobrando.  Se você deixa de colocar o cinto de segurança, dirige com apenas uma das mãos no volante, deixou de usar o assento especial para seu filho pequeno, correu um pouquinho mais, tomou uma taça de vinho e pegou o volante, trafegou com a placa errada por causa do rodízio, Big Brother, agora na forma de radares ou guardas de trânsito estão de olho em você.  Se você permite que sua empregada doméstica ultrapasse a jornada diária, trabalhe no domingo, atenda a porta de sua casa no horário de descanso, também Big Brother está de olho em você. Na verdade, são tantos os “ses” e os controles a que nos submetemos que viver neste país capitalista e de economia de mercado ficou tão ou mais difícil do que poderia ser, caso o sistema fosse o comunismo.

Para os empresários, a quantidade de controle que o Big Brother exerce sobre eles é tão grande e os direitos e benefícios que seus empregados conquistaram tão amplos, onerosos e às vezes até mesmo impraticáveis, que nos leva a pensar se no comunismo, com o estado sendo o dono de todos os meios de produção e empregador único, não seria ele menos controlador do que é agora? Com grande probabilidade, sim. Certamente, seria mais benevolente consigo mesmo do que o é impondo aos empregadores e aos cidadãos em geral obrigações e controles que a ele mesmo não se atreveria uma autoimposição.

Edson Pinto

Junho’2013

6 de jun. de 2013

240) TEIMOSIA OU SABEDORIA?


Minha mãe, graças ao bom Deus, chegou aos 84 com a vida tranquila e morando em uma das boas cidades do sul de Minas. Não é originária da região, mas ao que parece já a adotou como o seu paraíso terrestre. Ainda na metade dos seus 70, viúva e fervorosa amante da opção de morar perto de algum filho, porém em casa independente e sozinha, acatou o convite de Celma, uma de minhas irmãs que já morava no município, para também se transferir para lá. E não se arrependeu...

Lá tem quase tudo o que se realmente precisa e que normalmente se encontra em uma cidade grande, mas com a vantagem de se poder respirar muito mais sossego, usufruir de um custo de vida incrivelmente mais baixo do que o que temos na megalópole, comodidade de se ter tudo perto de casa; uma filha amora e prestativa; genro atencioso e alguns netos e bisnetos ao seu alcance. E mais: cheiro permanente de café no ar, “comadres” que trazem broa de fubá, apito de trem e pessoas com espírito genuinamente cordiais ao seu redor. 

Há uma Unidade do Exército na cidade que com razoável frequência apresenta aquele espetáculo que somente os mais velhos guardam na lembrança: pelotões, companhias, batalhões de militares marchando ao mesmo tempo em que entoam canções, hinos e gritos de guerra muito criativos. Da Escola de Sargento das Armas (ESA) saem e voltam para longas jornadas de treinamento os futuros sargentos da Infantaria, Cavalaria, Artilharia, Engenharia e Comunicações do Exército Nacional. O palco são as vias públicas principalmente aquelas que acompanham o rio e a antiga linha férrea.

Vê-se da sacada de seu apartamento a Igreja Matriz, o casario conservado e belo da cidade, os campos ao longe com cafezais a perder de vista, o Rio Verde com sua mata ciliar em volteios suaves entrando e saindo da área central do município. Vê-se ainda o pequeno estádio de futebol, Elias Arbex, e a Rua Edson Arantes do Nascimento que nele desemboca e na qual se encontra restaurada e originalmente mobiliada a casa onde nasceu e morou o menino Pelé, o nosso rei do futebol. Virou, por óbvio, um museu que vale a pena ser visitado.

A cidade é Três Corações, nome que pode tanto remeter às famosas três curvas em formato de corações que o Rio Verde faz dentro do perímetro urbano e que “velhas missões paladinos de Deus e da fé”, tal qual se encontra em versos no Hino oficial da cidade, teriam consagrado a Jesus, Maria e José. Mas pode também ser uma homenagem aos três boiadeiros goianos que, inseparáveis de suas três violas, não só fundaram o vilarejo original no século XVIII como ainda deixaram em lágrimas as suas amadas Jacira, Jussara e Moema. A poetisa tricordiana, Darcy Brasil arremata em seu poema que virou o hino da cidade:

“Nestas serras de doces colinas
Sob um céu sem igual, sempre azul
Foi crescendo a Princesa de Minas,
O recanto mais belo do sul.”

Bem, esse é o cenário em que dona Cida lê febrilmente de Tolstói a Flaubert, passando por Dostoiévski, Machado de Assis, Dante Alighieri e Cervantes. Mas há sempre tempo para os sermões de Vieira, tudo de José Saramago, Victor Hugo, Fernando Pessoa e Jorge Amado, entre outros. Não assiste às novelas da TV, mas não perde um Manhattan Connection do Lucas Mendes, o globo News do GNT, o Café Filosófico, o Correspondentes Internacionais e o Roda Viva todos da TV Cultura. Pula com freqüência para a Marília Gabriela no GNT e para o National Geographic. Bobeou, está na TV Senado e com grande alegria na TV Justiça onde adora ver os debates do Supremo Tribunal Federal. Descansa fazendo tricô, lendo a Folha de São Paulo e a revista Veja. Está, neste momento, quase sendo convencida pela família para aderir ao smartphone, mas aqui há resistências. Sei não...

Alimenta-se à moda antiga: “Acho que não foi o torresmo que me fez mal, não. Deve ter sido aquela leitoa assada que comi no sábado na casa de minha filha que me deu este mal-estar. Mas isso se resolve com uma boa dose de bicarbonato”. É defensora ardorosa de algumas teses médicas: “Olha meu filho, nem tudo o que o médico receita precisa ser seguido à risca. Como – me explica se for capaz – o médico que te examina por apenas 10 minutinhos pode prescrever um medicamento para você tomar a vida toda?” “Eu vou sim, ao médico, pois sei que é necessário, mas os remédios e os exames que me prescrevem e pedem, decido eu sobre como tomá-los e se devo fazê-los”.

“Quando estou bem, suspendo o remédio para não me intoxicar e não criar dependência. Se volto a ter um problema intestinal ou estomacal, como o destes dias, aí eu volto a tomar o remédio até que o mal-estar passe”. “Eu tenho condições e obrigação de conhecer o meu corpo melhor do que os médicos, pois eles só me vêm por 10 minutos, como disse, a cada três ou quatro meses e eu convivo com ele 24 horas por dia.” “Quem, portanto, entende mais de mim mesma?”

E aí vem a tese matadora que me leva ao questionamento que dá título a esta minha crônica, Teimosia ou Sabedoria:

“Você acha meu filho, se todos esses exames que nos pedem para fazer com cada vez maior freqüência nessas máquinas sofisticadas que emitem fortes radiações só para nos ver melhor por dentro, como a mamografia, a ultrassonografia, a tomografia e a ressonância magnética nuclear se fossem coisas que não fizessem mal, os operadores de tais equipamentos não permaneceriam na sala para nos acompanhar? “Eles simplesmente apertam os botões e saem em disparada carreira da sala”.

"Eu, hein...”

Edson Pinto
Junho’ 2013