31 de mai. de 2008

27) RESERVADO PARA IDOSOS


Já somos 15 milhões de brasileiros com mais de 60 anos. O IBGE estima que em mais 20 anos esse número cresça para 30 milhões. Viva, portanto, o progresso da medicina e as melhorias das condições de vida em geral de nossa população!

Já temos Política Nacional para os Idosos, Leis Federais, Estaduais e Municipais e até mesmo um Estatuto que, juntamente com uma miríade de regulamentos de órgãos vários dos diversos níveis de governo, organizam, de forma ampla e profunda, tudo aquilo que podemos imaginar como sendo bom para os velhinhos de nosso Brasil varonil... Isto, infelizmente - por si só - não garante que os idosos de hoje e do futuro contarão com os merecidos carinho e atenção da sociedade, tal qual aqueles, não tão numerosos que habitavam o país em meados do século passado, já recebiam da juventude educada por padrões familiares marcadamente cristãos.

É a lei novamente sendo instituída para mitigar a escassez cada vez maior dos princípios da boa educação e da necessária civilidade. Como sempre, leis podem organizar certos aspectos das relações sociais, mas podem, também, servir para que os espertinhos de sempre façam uso abusivo de suas bondades. E - como é da essência humana - se é lei, é obrigatório e, quando algo se torna obrigatório, não há como deixarmos de considerar que a liberdade, esse dom precioso que nos deu a natureza, esteja nos sendo furtivamente surrupiada. Mais adiante explicito melhor este meu ponto de vista com exemplos objetivos.

Estou me aproximando dos 60. Aguça-me, agora mais do que nunca e de forma renitente, o questionamento ético sobre como utilizar as prerrogativas da legislação devotada à turma da “melhor idade”. Diga-se de passagem, esse burlesco eufemismo que procura embaçar a nossa visão para a mais real e imutável de todas as certezas humanas: o inexorável fim do ciclo vital com a sua natural e saudável conseqüência que é a renovação.

O que me atordoa, é o fato de que a lei só pode criar parâmetros a partir de números médios, de tendências, de amostras e de outros indicadores, científicos ou não, que determinam condições gerais. Não pode, contudo, individualizar. Esse é o perigo, porque as pessoas apresentam condições de envelhecimento diferentes: Guy Glinski, 90 anos, bateu o recorde mundial de pára-quedismo, na Flórida, na modalidade de queda livre com um acompanhante. Nola Ochs, 95 anos, formou-se em 12 de maio último na Universidade Fort Hays. Anna Variani, 97 anos, renovou recentemente sua Carteira Nacional de Habilitação, em Bento Gonçalves, RS, para continuar dirigindo seu fusquinha quando de suas ações de assistência social na cidade. São inúmeros os exemplos de que a determinação legal da idade a partir da qual alguém se torna um idoso e merecedor de atenção especial é muito relativa.
Quem no Brasil, que tendo mais de 40 anos, não há de se lembrar de que as pessoas de idade, com dificuldades de locomoção, outras necessidades especiais ou mesmo uma mulher - apenas por cavalheirismo - eram brindadas por um jovem com a cessão de seu acento no ônibus cheio; uma delicadeza de alguém que, na fila do Banco, permitia-lhes passar na sua frente para um atendimento mais rápido; uma precedência na entrada ao elevador ou ao transporte público? Éramos educados para nos adiantar abrindo-lhes uma porta, por exemplo, e esperando que ela passasse com segurança. E não precisava de lei para que isso tudo acontecesse. __ Tudo isso acabou? Infelizmente, é o que nos dá por entender. Ou, o que seria ainda pior: a “legalização” das boas maneiras, tal qual se faz, hoje, no nosso país, já começa a produzir efeitos contrários. E isso sim, é muito ruim...

Estou na fila do Banco: Dois Caixas, apenas, para atender cerca de 40 clientes, incluindo os onipresentes “Office-Boys” que levam aquela montanha de contas e lá ficam um tempão que parece nunca ter fim. Entra um cidadão de bermuda, tênis da moda, cabelo pretinho, “glostorado” e passa na frente de todos. Alegação: idoso no uso do seu direito. O Caixa pede documento para verificar se, de fato, o cidadão se enquadra naquela categoria beneficiada? Que nada... Seria até admissível que aquele cidadão tivesse 60 ou mais anos. Porém, de tão saudável e despreocupado como se encontrava, pelo menos para o meu arcaico e démodé padrão cívico/moral, deveria – pensei conformado - abrir mão daquela bondade legal. Criamos, assim, uma categoria de pessoas que está acima de todas as demais, pelo menos por ora. O dito cidadão tinha, decerto, melhores condições físicas e muito mais tempo disponível do que muitos daqueles outros que, como uma manada resignada, caminhava em fila para o abatedouro.

Em outro Banco: Igualmente com fila longa, entra um senhorzinho miúdo. Esse sim, nitidamente passando dos 70. Passa na frente de todos e abre uma pasta cheia de papéis que devorariam bons 20 minutos do nosso já tão assoberbado caixa. Está criada agora a figura do “Office-Old”, se assim fica chique dizer a respeito da versão privilegiada do “Office-Boy”. Esperteza de alguém, ou não?

Fila do Caixa Automático: Uma mulher aproxima-se com sua vovó velhinha e entra na frente. A pobre senhora mal sabe o que está fazendo ali. A moça, esperta por certo, pegou a pobre vovozinha apenas para usurpar-lhe o direito que lhe concede o Estatuto do Idoso. A velhinha não tinha cartão, não sabia operar essa modernidade dos diabos e muito menos tinha fundos para retirar daquele máquina cuspidora do vil metal. Criamos a vovó de aluguel.

Nos supermercados: As vagas reservadas para idosos ocupam – por força da lei – as melhores posições no estacionamento. Haja Annas Variani e outros velhinhos motorizados para ocupá-las! Conclusão: Só gente jovem as utiliza, desmoralizando completamente a exigência legal, mesmo porque, se não o fizer, não haverá vaga onde estacionar o seu carro.

Vejam que estou falando de “Idosos” que a lei caracteriza como sendo as pessoas com mais de 60 anos. Não estou falando de outras categorias beneficiadas por leis específicas, como mulheres grávidas, pessoas com dificuldade de locomoção e assemelhados. Até mesmo a Ministra Marta Suplicy julgou-se beneficiária de uma lei qualquer que concede às “autoridades” a prerrogativa de não se submeterem ao controle de bagagens nos aeroportos do país...

Pelo andar da carruagem, com todas essas generosidades neo-socialistas, só nos resta implorar ao bondoso Deus que nos poupe da iminência de, em breve, não inventarem de que outras minorias passem, também, a gozar dos mesmos benefícios: Talvez sejamos obrigados a ceder nossos lugares nas filas para os índios, principalmente se estiverem munidos daqueles enormes facões de puro aço que segundo o PT faz parte de suas tradições tribais desde o descobrimento, em 1500. E vejam que Cabral encontrou nossos índios em pleno neolítico, a idade da pedra polida e que eles nem “tapa-sexo” usavam. Não me surpreenderia se vierem, ainda, a estender o sistema de quotas para negros nas vagas de estacionamentos e filas bancárias. Tudo é possível... E as “autoridades” ficariam de fora? Claro que não, passariam na frente de todos.

Posso até imaginar mais ou menos a seqüência de uma fila tipicamente brasileira em futuro próximo: 1º) As “Autoridades”, seja lá o que isto queira dizer; 2º) A destemida, arrogante e protegida pela FUNAI índia Tuíra Kayapó, por razões óbvias; 3º) Índios com facões; 4º) Índios sem facões; 5º) Negros, independente da real cor da pele, porém desde que se declarem negros; 6º) Idosos; 7º) Mulheres Barrigudas, mesmo que não seja gravidez por que isto será difícil de se identificar; 8º) Mulheres com criança no colo. Aqui, marmanjos poderão substituir as crianças desde que estejam usando chupeta; 9º) Pessoas com dificuldade de locomoção e, no final da fila: 10º) os que ainda esperam ser beneficiados por uma nova lei.

De exceção em exceção, nos tornamos um país complicado de se entender e de nele viver. Claro que não sou contra dar atendimentos prioritários a quem deles necessitem, mas a questão de fundo é saber o quanto os cidadãos estão fazendo uso correto dessas bondades legais. E o quanto nossos generosos legisladores ainda se disporão a criar mais e mais novos nichos de privilégios. Acaso nossa educação cívico/moral não tem sido suficiente para que as gentilezas surjam de forma espontânea e não pela força da lei? Se não, não seria o caso de reforçar nossos currículos escolares e usarmos a mídia onipresente em todos os lares para incutirmos princípios da boa civilidade? Lembram que tínhamos nas escolas uma matéria chamada Educação Moral e Cívica? Sabe? Acabou!

Enquanto eu me sentir em boas condições físicas - independente de quantos anos tiver - preferirei continuar agindo de modo a me fazer mais digno de uma vaga no céu, do que de uma vaga reservada no estacionamento do supermercado ou de uma posição mais privilegiada na fila do Banco.


Edson Pinto
postado em 31/05/08

26 de mai. de 2008

26) MEU PAI (maio'08)

Há uma história muito bonita na vida de meu pai que, resumidamente, gostaria de lhes contar: Se ela não serve como um exemplo a ser seguido, no mínimo, creiam, trata-se um caso diferente e curioso:

Ele fugiu de sua casa, uma família católica e trabalhadora, muitos irmãos, no interior de Minas, aos 16 anos de idade, no início dos anos 30 e caiu no mundo sem dar a menor satisfação, nem aos pais, nem aos irmãos, nem a amigos. A família ficou totalmente sem notícias dele até que, em 1944, quando o Brasil preparava-se para enviar soldados para a II Guerra, resolve investigar onde estaria o Roxael, o filho desgarrado.

Com a ajuda de autoridades da pequena cidade de Moeda, MG, descobrem que ele havia entrado para a carreira militar e servia à Força Aérea Brasileira, a FAB, naquele momento, no Campo dos Afonsos no Rio de Janeiro. Estaria - souberam os parentes - incluído no primeiro grupo de militares brasileiros prestes a ser enviado à Itália (1ª Esquadrilha de Ligação e Observação).

Corre-corre da família, até que o seu irmão mais velho, tio Tolico, vai ao Rio e o convence a voltar à sua cidade natal e, assim, reatar os laços familiares e também se despedir antes de ser enviado à Guerra. Foi o que aconteceu. Ficou dois dias em Moeda, tornou-se a atração da cidade, pois era o único militar da região com tão nobre tarefa, ou seja, a de servir ao país. E, além disso, apresentou-se trajando com orgulho a bela farda da FAB e as insígnias de sua gloriosa Corporação, o que dava àquele rebelde fugitivo a áurea própria dos vingadores.

Nessa curta visita a sua terra natal conhece de soslaio a minha mãe, Iracilda, 15 anos, a mais linda donzela da cidade e com 13 anos a menos do que ele. E, sem nem mesmo terem trocado uma palavra sequer, brota em seu coração uma paixão platônica que lhe dá animo para superar, como muito outros heróis brasileiros companheiro dele também superaram, as dificuldades encontradas nos gélidos e hostis campos da Itália.

Voltou da guerra, casou-se com a Iracilda e imediatamente deu baixa para se tornar um fazendeiro, diga-se de passagem, sem grande êxito, poucos anos depois. No início dos anos 50 muda-se para Belo Horizonte, monta seu próprio comércio e cria os filhos. Em final dos anos 60 consegue se reincorporar a FAB com imediata passagem para a reserva como Oficial.

Era um homem adorado pelos amigos, mas com uma característica totalmente fora de moda, mesmo naquela época: Tinha como discurso e gostava de agir com total desprezo às coisas materiais. Queria que os filhos estudassem, mas abominava toda manifestação que fazíamos de qualquer progresso material. Achou um absurdo quando comprei o primeiro carro. Televisão a cores em casa, só quando os filhos compraram, sem autorização dele, pois para ele era um luxo desnecessário. Quando um amigo pedia ajuda lá estava ele - não emprestando - mas dando o que tinha e o que não tinha. Jeito peculiar, raro, mas verdadeiro.

Nunca tinha ficado doente de forma séria, mas fumava sem limites. Acometido de um enfisema pulmonar, passou os três últimos meses de sua vida internado no Hospital da FAB, na Ilha do Governador, Rio de Janeiro, e lá, onde o acompanhei em rodízio com outros familiares, nunca me esquecerei do dia em que lhe dei uma bronca, pois, após o enfermeiro ter lhe aplicado oxigênio para propiciar uma melhor respiração, ele tira, escondido no fundo do armário, um cigarro para fumar. Para se defender de minha bronca ele falou: __Não se preocupe meu filho, já estou com 70 anos e nas minhas contas, desde que passei dos 60, estou na faixa do lucro.

Isto mostra o quanto ele - mesmo sendo um típico “cabeça dura” - foi valente e conseqüente com o seu modo de ser. Não teve medo do mundo que enfrentou sozinho quando fugiu de casa e ficou 12 anos desaparecido fazendo, ainda garoto, a própria vida. Depois, quase é enviado, anônimo, para a guerra. Em lá estando, manteve-se disposto a sacrificar a própria vida pelos ideais de democracia, e depois, quando a vida ainda poderia lhe dar mais compensações, ele achava que já tinha recebido mais anos do que merecia.

Era, de fato, um desprendido, um altruísta na expressão da palavra e no sentido estrito do termo: amava o próximo mais do que a si mesmo...

Edson Pinto
postado em 26/05/08

21 de mai. de 2008

25) ATP (maio'08)


Abelardo atravessou lentamente o corredor que ligava os quartos à sala de visitas de seu apartamento; no caminho, passou pela pequena sala de almoço da qual através de um passador de pratos emoldurado pela antiga cortininha xadrez, era possível ver o que acontecia na cozinha. Nenhuma novidade ao fazer aquele pequeno trajeto, senão o fato de que aquele era o primeiro dia de sua aposentadoria e não eram 6 da manhã como de costume, mas 8 horas de uma segunda-feira. Adélia estava lá, sentada, esperando, como fizera religiosamente nos últimos 40 anos, que Abelardo tomasse o seu café, lhe desse um beijo e saísse para o ramerrão de sempre.

O final de semana tinha sido agitado: uma recepção na casa de seu patrão; muitos companheiros de trabalho atenderam ao convite que sua, agora, ex-secretária distribuíra sob a sua orientação e até mesmo outros que haviam sido convidados diretamente pelo patrão, presidente da empresa, amigo de longa data e compadre. Recebera como mimo um belo relógio de ouro com pulseira escura de couro de crocodilo; ouvira discursos, todos, obviamente recheados de elogios pelos 40 anos dedicados com absoluta retidão à empresa e que foram fundamentais para que ela atingisse a prosperidade que era visível a todos.

Honório, o patrão, 20 anos mais novo do que Abelardo sucedera o pai falecido no comando dos negócios e Abelardo como um dos principais executivos da época soubera, como ninguém, conduzir o jovem de então para que a empresa não só continuasse existindo, como a principio temiam todos, mas que até mesmo prosperasse solidamente, como de fato ocorrera. Além da merecida aposentadoria que Abelardo aos 65 anos conquistara, Honório soubera reconhecer-lhe o valor como tutor, como um grande executivo e como compadres que também se tornaram quando nasceu o seu primeiro filho. Concedera-lhe um bom aporte financeiro de tal modo que Abelardo pudesse vislumbrar uma vida tranqüila na sua melhor idade. Se dependesse de Honório, Abelardo trabalharia o quanto tempo quisesse, mas era necessário entender que ele merecia, agora, descansar.

Cenário perfeito para quem passou anos e anos sendo o primeiro a chegar ao escritório, viajando nos finais de semana para não perder um só minuto no trabalho que fazia nas filiais da empresa espalhadas por todo o país e nunca se recusando ao desafio de uma nova função, uma representação externa, recepcionar e ciceronear uma visita importante ou mesmo tudo aquilo que aborrecia aos outros, mas que para ele nada mais significava do que uma obrigação que cumpria com o maior gosto. Amava o trabalho e por ele tudo fazia...

Os filhos cresceram e já estavam casados. Adélia já se mostrava lamuriante ao sentir os primeiros efeitos do chamado ninho vazio. Filhos independentes vivendo em outras cidades e os dois, só se encontrando no adiantar da noite quando os afazeres da empresa liberavam Abelardo para o difícil retorno ao seu lar.

Tinha sempre a mania de, ao virar a chave do seu apartamento no final do dia, calcular quantas horas havia perdido no trânsito: “Hoje foram duas horas pela manhã, depois gastei mais uma hora quando fui almoçar com aquele cliente do interior e agora mais duas horas para voltar para casa: 5 horas jogadas fora”. Multiplicava por 5 dias na semana, 4 semanas no mês e então concluía: mais de 4 dias inteiros por mês apenas acelerando, freando, pulando lombadas, ouvindo apitos de guardas de trânsito e algumas vezes uma multa, só porque, distraidamente, fora flagrado por um desses radares traiçoeiros que levam boa parte da nossa suada renda. “Se pelo menos tivéssemos um trânsito organizado, vá lá, só que aplicam multas, mas não dão a contrapartida”, pensava, enquanto afetuosamente beijava Adélia após mais um árduo dia de trabalho.

Mas aquele sofrimento estava por acabar. Afinal, sua aposentadoria finalmente chegara e tudo parecia ter sido adequadamente arranjado para que ele e Adélia entrassem numa nova etapa de suas vidas. Planejou viajar, visitar mais os filhos e brincar com os netos, visitar os parentes que não via há muito, ir mais ao cinema, teatros, ler os livros que acumulou ao longo do tempo, muitos deles sem ter sido jamais abertos, freqüentar mais restaurantes e – sonho, um tanto fruto de seu trauma diário – abandonar o automóvel no fundo da garagem e utilizá-lo somente em casos extremos.

Abelardo toma o café, beija Adélia e instintivamente se dirige para a porta do apartamento quando se dá conta de que não precisa mais ir para o trabalho. Adélia acompanha a tudo com um ar complacente. Claro, ele estava tão condicionado que era compreensível vê-lo assim confuso e hesitante. __ Por que você não lê o jornal aqui na sala? Depois saímos. Hoje, a propósito, preciso ir ao supermercado e você poderia me ajudar, disse-lhe Adélia com a naturalidade de quem já havia anteriormente pensado em como seria a nova vida de seu marido.

E lá se foi Abelardo empurrando o carrinho do supermercado. Ao voltar para casa tratou de trocar a água dos passarinhos e como o totó, o poodle de Adélia, tinha sujado a área de serviço, também providenciou a limpeza, seguindo a orientação da esposa para que não machucasse o bumbum de totó quando da higiene final.

Para que o almoço saísse no horário, Adélia pediu que Abelardo descascasse as batatas e se não fosse muito o incômodo – falou docemente – se ele poderia catar o feijão e picar alguns tomates para o molho que ela iria preparar. __ Depois do almoço, Abelardo, será que você poderia consertar a torneira do tanque?

Já no meio da primeira tarde de aposentado, Abelardo começa a se dar conta de que saíra da posição de executivo de uma próspera empresa onde dava ordens e era obedecido de pronto para a situação de ser, agora, um mero ajudante de serviços domésticos. Seria só no primeiro dia ou aquilo era apenas o prenúncio de uma nova situação a perdurar por um longo e imperscrutável tempo? Indagou a si mesmo e sentiu-se impotente para encontrar uma boa resposta.

__ Adélia, vou até a praça para encontrar meus velhos amigos que lá estão jogando conversa fora, exclamou convencido de que estava na hora de retomar a posição de mandante. O jogo estava apenas começando e sentiu que era a hora de dar as cartas. __ Tá bom, Abelardo, aproveita e traz pães fresquinhos, ok?

Sentiu, naquele momento, que algo de muito restritivo estava começando a conduzir a sua vida. Já saíra de casa com uma obrigação a ser cumprida: Era necessário lembrar de comprar pães, fresquinhos e chegar rápido para que fossem consumidos como tal. Usou – como era seu costume na empresa – o recurso do processo mnemônico para não esquecer da tarefa: ATP (aproveita e traz o pão).

Mal tinha se reaproximado dos velhos amigos e a lembrança do ATP já estava interferindo nos seus pensamentos. Não dava para ficar ali sem qualquer compromisso com o relógio. Se ela pediu pão é para se alimentar; necessidade básica, portanto; se tem que ser fresquinho tenho que me apresentar na padaria no momento certo em que o pão sai do forno, então isso é prioritário...

Voltou com os pães, sentou-se na sala e pegou o primeiro de seus livros que tanto planejava ler. __ Abelardo, você poderia ver se a máquina de lavar roupa já completou o ciclo? Se sim, não se importaria de dependurar a roupa para mim? __ Ah, depois leve o lixo até o subsolo do prédio, pois amanhã cedo farão a coleta.

Não precisava de um outro dia para Abelardo ter certeza de que a sua vida dali pra frente seria completamente outra. Trabalhara tanto tempo mandando fazer, analisando números, convocando reuniões para discutir relatórios, planejar, aprovar despesas, assinar contratos, investir, atender grandes clientes e agora, subitamente, encarregado de limpar o totó, consertar a torneira, descascar batatas e nunca se esquecer do ATP (aproveita e traz o pão) que certamente se repetiria nos dias seguintes.

Terça-feira, 8 da manhã, Abelardo não está chegando à cozinha para tomar o seu café. Entra na sala de Honório devidamente engravatado, com uma caixinha na mão e diz: Compadre, estou devolvendo o relógio que você me deu. Estou de volta! Minha vida só tem sentido aqui... Surpreso, Honório que já se preparava para a leitura de um grosso relatório, o que até então tinha sido tarefa exclusiva de Abelardo, vai logo dizendo: __ Valha-me Deus, Abelardo, você sempre será bem-vindo. Recomece com este relatório ATP que tenho certeza não conseguirei digerir. __ ATP, não Honório! Aproveita e Traz o Pão? __ Que isso, meu amigo e compadre, este é o relatório Análise dos Tempos de Produção da nossa fábrica.

Abelardo tirou o paletó, respirou fundo e já começou a pensar o que falar com Adélia quando chegasse à noite em casa: Que belo dia! O trânsito nunca esteve tão bom...

Edson Pinto
16/05/08
postado em 21/05/08

17 de mai. de 2008

24) UM ENSAIO SOBRE ÉTICA E MORAL NA SOCIEDADE BRASILEIRA (maio'08)

 

Está contida nesta pergunta e em suas possíveis respostas a questão crucial da Moral e da Ética, pois trata do julgamento do caráter de uma determinada pessoa e de como ela age ou deveria agir para não ultrapassar o código comportamental vigente na sociedade. Mais objetivamente, o que daria, então, contornos ético/morais ao comportamento do homem quer esteja na atividade privada, quer, talvez até mais intensamente, na atividade pública?

Segundo Augusto Comte, "A Moral consiste em fazer prevalecer os instintos simpáticos sobre os impulsos egoístas." Entende-se por instintos simpáticos aqueles que aproximam o indivíduo dos outros.

Para Piaget, toda Moral é um sistema de regras e a essência de toda a moralidade consiste no respeito que o indivíduo sente por tais regras.

Hemingway manifestou em Morte na Tarde, que: “Eu sei o que é moral apenas quando você se sente bem após fazê-lo e o que é imoral é quando você se sente mal, após”.

Talvez, aqui, esteja a resposta para a nosso dilema moral. Se o que se faz nos faz sentir bem após fazê-lo, o nosso ato teria sido moralmente bom. O contrário, não. Mas o problema parece ser exatamente porque as pessoas têm sentimentos diferentes sobre os mesmos comportamentos.

Diz um homem em posto de mando, normalmente em cargos públicos: Não vejo nenhum problema em dar bons empregos e bons salários para meus parentes. Eles são todos competentes e confio muito neles. Ou, não vejo nenhum problema em fazer benfeitorias naquela região onde tenho meus interesses pessoais, pois em acho que também mereço e, além do mais, devo muito ao meu povo local.

Tudo bonito, mas observem que o objetivo maior que seria o do bem público pode estar sendo relegado em detrimento de um objetivo pessoal. Não seria – para o maior eficácia da função pública – o emprego ser dado a uma outra pessoa com maior qualificação do que a do parente? Não seriam os escassos recursos públicos aplicados para maior retorno social em uma obra ou localidade ou instituição diferente daquela que o homem em poder de mando decidiu só para se beneficar pessoalmente ou ao seu ciclo restrito de relacionamento?

Parece óbvio, mas nunca custa falar: O brasileiro tem em geral o maior prazer e verdadeiro espírito de solidariedade ao participar, sem interesse financeiro pessoal, da direção do condomíno residencial do prédio em que mora, das atividades esportivas do clube em que seus filhos praticam esportes, das atividades da igreja de sua comunidade. Mas, quando investidos de um cargo público tudo é diferente...

Ressalvados os funcionários públicos que trabalham profissionalmente nos órgãos do governo, penso que a política deveriam ser algo como um sacerdócio, isto é, uma atividade nobre, honrosa que as pessoas bem dotadas de experiência, sabedoria, equilíbrio, bom senso e de moral ilibada deveriam – graciosamente – conceder ao seu país. É como se fosse uma retribuição e uma colaboração à sociedade pelo simples fato de ser um de seus membros.

Dito assim, serei claramente criticado por, limitar às pessoas de certa posse, o acesso ao cargos políticos, pois elas não precisariam de dinheiro para sobreviverem, enquanto outros, também capazes mas de parcos recursos, não teriam acesso aos cargos políticos. Seria uma aristocracia no sentido de que o governo é entregue à um número reduzido de privilegiados pelos suas condições de posse. Ou, poderíamos entender a aristocracia pelo seu sentido puro no qual há a formação de um grupo de pessoas que se distinguem pelo saber e pelas caracteristicas superiores aos demais?

O debate é inconcluso e tem muito a ver com a complexidade do tema. Enquanto isso, só nos resta aplicar em nossas próprias vidas os coonceito de moral e da ética. Quando estivermos todos habituados ao comportamento ético poderemos exigir o mesmo daqueles a quem elegemos democraticamente para nos representar nas instituições que comandam o país.

Edson Pinto

postado em 17/05/2008A Revista Veja de 19/03/08, edição 2.052, nos presenteou com uma excelente entrevista do embaixador, ex-ministro da Fazenda e polivalente servidor público de alto nível, Marcílio Marques Moreira.

Recentemente, Marcílio antecipou sua saída da presidência da Comissão de Ética do governo Lula quase que como conseqüência de um enorme desgaste republicano com a posição dúbia do ministro Carlos Lupi, por este acumular sua nobre função de ministro de Estado encarregado da pasta do Trabalho com a direção do PDT do qual ele é o presidente.

À parte esse episódio e outros que de forma bem clara são relatados durante a entrevista, o que chama a atenção é a – infelizmente, se é assim que podemos dizer - falta de ética reinante no mundo político brasileiro.

Não há boas intenções, mecanismos de controle, imprensa livre e opinião pública indignada que sejam capazes de dar aos homens que assumem cargos públicos a mínima e indispensável noção do que seja ético fazerem, ou não, enquanto investidos das responsabilidades dos cargos que assumem.

O nobre Embaixador nos recapitula os cinco princípios constitucionais que deveriam guiar a administração pública: Legalidade; Moralidade; Publicidade; Impessoalidade e Eficácia.

Pergunta mais do que objetiva: É possível ver esses princípios simultaneamente orientando o comportamento dos homens públicos no Brasil de hoje? Até uma criança já aprendeu que não.

E, o porquê disto estar acontecendo dessa maneira? As nossas Instituições democráticas são fracas e falhas? A falta de moralidade já contaminou a todos nós de tal forma que convivemos com ela sem qualquer problema? Ou, o que mais haveria de nos preocupar: o brasileiro tem uma frouxa ou quase inexistente noção sobre o que é ser e agir de conformidade com os preceitos morais e éticos?

No Brasil de hoje em que, o até recentemente o bem respeitado jornalista Pedro Bial, classifica como heróis os macacos uivantes do Big Brother - claro que de olho no faturamento das dezenas de milhões de ligações telefônicas que o povo não politizado e culturalmente apequenado lhes propicia - ou mesmo o tratamento de quase celebridade dado a cafetina capixaba que tem por “mérito” ser a pivô da queda do governador de Nova York porque o delatou, podemos esperar coisa melhor?

Salve-nos Deus, se esta for a principal razão de nossas desgraças...

Vamos nos deter um pouco sobre o conceito de moral como objeto de estudo da Ética, este campo de reflexões filosóficas que investiga a relações entre os seres humanos naquilo que concerne ao seu modo de pensar e de ser.

À parte o debate filosófico profundo sobre o que é ser moral e ético, vale simplificar para o propósito deste ensaio, saber que, o fato de o homem viver em sociedade e por conseqüência ser necessário bem conviver com os seus semelhantes, obriga-lhe a ter pronta resposta para a seguinte e fundamental questão: “Como devo agir perante os outros?”.

14 de mai. de 2008

23) ESCLARECIMENTOS SOBRE AQUISIÇÕES PHILIPS (maio'08)


Alguns de meus leitores neste blog, velha-guarda da Philips, como eu, me enviaram comentários sobre uma informação que está no Newsletter Expression PHILIPS LATAM, NR, 27, edição janeiro/fevereiro deste ano, sobre a matéria de capa “O Ano da Virada”, pág. 10, 2º parágrafo, onde é comentada a compra da empresa VMI de Lagoa Santa, M. Gerais: “Foi a primeira vez na história que uma empresa de atuação estritamente local foi adquirida pela companhia” (grifo meu).

Para elucidar esse assunto enviei ao colega da ativa, Ricardo Vicalvi, Corporate Communications - LatAm Philips o e-mail que reproduzo abaixo. Reproduzo, também, a resposta que me foi em seguida feita. Penso que o mal entendido está esclarecido e que em futura edição do Newsletter Expression haverá uma ratificação:
postado em 14/05/08
_________________________________________________________

From: Edson TERRA [mailto: eppinto@terra.com.br]
Sent: 2008 abr 29 17:27
To: Vicalvi, Ricardo; Corporativa, Comunicação
Subject: EXPRESSION - ED. 27 - JAN/FEV'08

Prezados Ricardo Vicalvi e Elaine Martins:

Olá amigos philipinos.

Estou lendo, somente agora, a excelente publicação da Philips Expression (edição nr. 27 janeiro/fevereiro'08) que nos atualiza bimestralmente com informações sobre a nossa querida empresa. Mesmo suplementado, é sempre um prazer acompanhar o andamento das coisas aí na Philips, sempre torcendo pelo seu sucesso.

Lendo a reportagem de capa "O ano da virada" vejo na página 10, 2º parágrafo da 1ª coluna, uma informação referente à compra da empresa VMI de Lagoa Santa, M. Gerais com o seguinte texto "Foi a primeira vez na história que uma empresa de atuação estritamente local foi adquirida pela companhia". Como sou do tempo em que a Philips comprou a Walita, a Inbelsa, a Telewatt e a Peterco, só para citar algumas das aquisições brasileiras locais, fiquei sem entender se a frase acima mencionada teria outro sentido.

Vocês poderiam comentar?

Um abraço

Edson Pinto

_______________________________________________________

From: Vicalvi, Ricardo
To: Edson TERRA
Sent: Monday, May 05, 2008 10:17 AM
Subject: RE: EXPRESSION - ED. 27 - JAN/FEV'08

Oi Edson, tudo bem?
Você tem razão. Na verdade, na publicação nos referimos à onda recente de aquisição da Philips, dentro do contexto do nosso planejamento anual Vision 2010. Se pensarmos num contexto histórico, outras empresas com essas características já foram adquiridas.

Um abraço,

Ricardo Vicalvi Corporate Communications - LatAm Philips (55 11) 2125-0223 / (55 11) 9165-4379
E-mail: ricardo.vicalvi@philips.com

12 de mai. de 2008

22) ISABELLA E O EGOÍSMO QUE MATA (maio'08)


Os meus amigos mais próximos sabem que tenho acentuado, cada vez mais, essa minha mania de escrever sobre tudo o que, de um lado me incomoda, e de outro me encanta. Parece contraditório, mas é fato que sinto ímpeto idêntico tanto para criticar arbitrariedades, carências morais, éticas e injustiças flagrantes, como também, para tecer loas aos gestos puros, simples e ricos dos bons exemplos que felizmente a vida, ainda, nos dá de sobejo.

Não poupo o teclado de meu computador nem para criticar nem para elogiar. Se ele pudesse escolher, talvez optasse para que eu só digitasse temas encantadores, porque para os outros eu os faço maltratando suas inocentes teclas. Os de “meio-termo”, contudo, não merecem ser de minha lavra, posto que se mostrem em conformidade ao que podemos considerar atitudes adequadas; o natural dos bons atos humanos.

Nos últimos dois meses a mídia nacional repercutiu com rara profundidade, o episódio da morte horrorosa da menina Isabella e de toda a crueldade que há por detrás de um fato tão triste. Será o casal, incluindo o pai biológico de Isabella, o real assassino? Ciúmes? Distúrbio bipolar de uma madrasta que não conseguiria harmonizar a variação brusca de seu humor instável levando-a a prática de ato tão extremo? Um pai desalmado e manipulado pelo gênio irascível de uma maníaca depressiva? Tantas são as especulações que não me atrevo a colocar mais maldade nesse caldeirão do diabo. Torço apenas para que a justiça seja feita de forma limpa, criteriosa e que as precipitações e o “justiceirismo” que emergem do fato sejam contidos para que a lei se aplique de forma ampla e correta.

O que me motiva a escrever somente agora sobre o tema, é a percepção que me assola de que talvez meu subconsciente tenha articulado de forma furtiva para que eu me afastasse do drama de Isabella. Isto - penso - porque minha netinha tem exatamente o mesmo nome dessa nova mártir de nosso imaginário coletivo. Isabella com dois “eles” como a minha neta gosta de frisar. Mas, sinceramente falando, é muito difícil esquivarmos de considerações pertinentes sobre o caminho que toma a humanidade, quer foquemos o fato em particular como esse, quer abstraiamos para a complexidade da vida de todos os seres que formam essa que é considerada a mais privilegiada de todas as espécies criadas por Deus: a raça humana.

Se na verdade somos a espécie privilegiada do Criador, que desarranjo cruel em algumas mentes levaria ao desatino do ato infame? Por que Deus Onisciente, Onipresente, Perfeito e Soberano permitiria que um ou mais de seus filhos fizesse o que fizeram? Se não foi o casal, foi alguém com igual crueldade e, portanto, também, filho do mesmo Deus. Será que estamos sendo justos ao buscar no Supremo a resposta para tal inquietude ou a resposta está aqui mesmo entre nós? Deus não nos fez perfeitos. Para alguns deu braços fortes, para outros lhes negou pernas, para outros concedeu corações magnânimos e até mentes doentias para outros. Mas, a todos, de forma indistinta, deu-nos o livre-arbítrio, essa prerrogativa exclusiva que temos para sopesar nossos atos, controlar nossos impulsos e respeitar o próximo.

No centro dessa geléia moral há um dos mais cruéis de todos os defeitos que podem assolar uma pessoa. Trata-se do egoísmo. Esse amor excessivo e descontrolado a si próprio e a subordinação dos interesses alheios à ditadura de seu ego infantilizado. Em se confirmando as suspeitas do envolvimento da madrasta de Isabella ficaria aqui a constatação, inequívoca, de que aquela criatura, psicologicamente despreparada, não conseguiu se libertar das atitudes egocêntricas típicas da infância para se harmonizar socialmente, senão de forma altruísta que implica no inverso do egoísmo, pelo menos no respeito aos outros. Para o egoísta tudo o que contraria a sua visão fantasiosa de que está no centro do mundo deve ser rechaçada. Até mesmo um anjo inocente, puro e alegre como a menina Isabella.

Você já pensou quantas vezes nos pegamos em atos egoístas? Tenho que ser atendido na frente daquele outro, por que sou mais importante. Não aceito fazer isto ou aquilo por que não nasci para servir e sim para ser servido. “Farinha pouca, meu pirão primeiro” e lá vamos nós, dia após dia exercendo essa maldita sina de nos considerarmos o centro das atenções. Em certa dosagem, convenhamos, um pouco de egoísmo pode até nos impulsionar para sermos melhores. Excessivamente, contudo, nos tornamos péssimos cônjuges, pais brutos, filhos caprichosos, empregados relapsos, patrões desumanos, governantes tiranos e até mesmo assassinos desalmados.

Poderíamos até imaginar que uma patologia tenha provocado combinações macabras na cabeça de quem matou Isabella. Medicamentos com efeitos tenebrosos gerando comportamentos exóticos, estresse da vida agitada da cidade malucamente gigantesca, pressões financeiras que atormentam o cidadão moderno na busca inesgotável por padrão de vida mais elevado, tudo, tudo é possível de ser considerado para justificar atos absurdos. A única coisa que não encontra justificativa é a persistência da manutenção exacerbada do egoísmo, porque se alguém é capaz de imaginar, em sã consciência, que está no centro do universo, jamais conseguirá compreender que somos todos meras ocorrências periféricas de um ente maior e infinitamente bondoso que é o amor, móbile perpétuo do caminho que nos leva a Deus.

Se nos serve de algum consolo, fiquemos com a certeza irrefutável de que a imagem de uma mãe chorando a perda de uma filha inocente, como está sendo no caso de Isabella, mais contribui para a necessária reflexão sobre os males do egoísmo, porque isto tem a ver com a transcendência da alma, do que o clamor pela necessária justiça dos homens, porque isto tem a ver só com a nossa aparentemente inesgotável tentativa de correção das fraquezas humanas.

Edson Pinto
12/05/08

9 de mai. de 2008

21) O TRISCAIDECÁFOBO




Tudo começou quando Ricardo Barros entrou na faixa dos 20 anos. No início era aquela mania de conferir duas ou mais vezes se a porta da casa estava de fato fechada. Fechava a porta, dava alguns passos para alcançar o portão e quase que instintivamente voltava, pegava a maçaneta vira-a com firmeza e sacudia a porta para certificar-se de que estava bem trancada.

Com o tempo, desenvolveu uma fobia por passar sob escadas. Depois vieram as manias de nunca deixar um chinelo virado, mesmo que estivesse na casa de um estranho. Ele levantava-se, colocava o chinelo na posição normal e ainda conferia se nas proximidades não existia outro igualmente virado. Se gato negro atravessasse seu caminho, virava-se e andava de costas bons passos. Nessa época e por isso, foi atropelado por uma bicicleta e tomou 13 pontos no braço esquerdo.

Chegou à fase de lavar obsessivamente as mãos. Lavava uma vez, depois outra e outra, porque imaginava que bactérias estavam ficando cada vez mais resistentes e teimosas; não largavam suas mãos. E nas mãos daqueles que não tinham os mesmos cuidados como ele? Nem vou lhes contar...

Já lá se iam uns 20 anos de tantas manias que no início pareciam até mesmo engraçadas, mas que, com o tempo, passaram a dominar inteiramente a sua vida. A que dominava no momento desta minha narrativa era a de somar todos os números que se apresentava aos seus olhos. Se a soma desse o número 13, meu Deus! Se o número era o próprio 13, aí, então, era um “Deus nos acuda”.

Fatos: não entrava no ônibus 4612; não passava em frente ao prédio com o número 85; se o relógio marcasse 06h16min, não levantava, esperava que passasse para 06h17min; abriu mão de uma viagem, com estadia inclusa tanto para ele como para a mulher, que ganhou no concurso do supermercado perto de sua casa, porque o vôo para Porto Seguro trazia o número 8212. A coisa não parava por aí...

O filho ia completar 13 anos e ele já considerava o garoto com 14. __ Mas papai eu vou fazer 13 anos, e ele respondia, __ Meu filho, para mim você tem crescido e amadurecido tanto que já estou pulando um aninho. Isto é bom para você, assim você fica com cara de mais responsável e posso aumentar a sua mesada. O filho concordou por motivos óbvios, é claro.

Só de pensar que um dia faria 49 anos já era um tormento na sua cabeça tão obsessiva. O problema era que ele estava com 41. Isso não o preocupava tanto, porque a soma dava 5, porém - tomado de súbito transtorno - logo se deu conta de que para 49 faltavam 8 anos. __ Meu Deus, isto é terrível, exclamou cheio de temor, __ Se somar 8 aos 5 da soma de meus anos atuais isso dará também 13. E dá-lhe sofrimento antecipado. Explodiu-se em desespero quando percebeu que nem adiantava fingir idade maior como fizera com o filho, porque todas as combinações possíveis levavam ao mesmo resultado. Por exemplo: 42 anos, daria 6 que somados aos 7 anos que faltavam para 49 e lá estava, implacavelmente, o 13. Calculem vocês mesmos as outras combinações... Seriam, portanto, 8 anos de sofrimento e depois, mais um, quando fizesse 49.

Ricardo Barros já tinha se conformado com aquela escravidão que atormentava não só a ele, mas de resto a toda a sua família e às pessoas que com as quais ele tinha relações, quer de amizades na vizinhança, quer no seu trabalho cada vez mais limitante devido à perseguição, como ele acreditava, do famigerado número 13. Nem o argumento de que Nossa Senhora de Fátima e D. João VI nasceram em um dia 13 de maio, era suficiente para aplacar o seu transtorno.

Tudo começou a ficar muitíssimo complicado na vida de Ricardo Barros, observem: 13 letras; estagnou sua carreira profissional; ficou desacreditado pelos amigos; Helena, sua esposa, e os três filhos já se penitenciavam com antecedência com as restrições colocadas por ele, sempre baseadas nas suas somas que invariavelmente levavam ao maldito número 13. Estava arruinado... E agora as dívidas, as chacotas, os sonhos tolhidos, a vida triste. Parecia tudo perdido.

Em dia próximo, sexta-feira do mês de julho, também seria 13. O filho iria completar 13 anos; Helena tinha convidado 7 casais amigos para a festa do menino, só que o marido de Tereza estava viajando e ela iria só; Marcelo Barros, também 13 letras, filho aniversariante, convidara os 16 colegas de classe e os 6 colegas do futebol. Tudo 13!

Não tinha jeito, pensou ele, aquele seria um dos piores dias de sua vida. Às 19h30min deixa o trabalho passa na casa lotérica, cabisbaixo e completamente arrasado vai para casa com o único propósito de deitar e esquecer todo aquele tormento.

Sexta-feira, o relógio marcava 07h15min. Ricardo Barros pula da cama em flagrante desafio à sua terrível obsessão, vai ao quarto de Marcelo e o abraça com efusivas felicitações pelos seus 13 anos. Beija a mulher e lhe dá 13 rápidos beijinhos com um carinho como nunca antes houvera ousado e ri tão alto que até os vizinhos se espantam com tamanha algazarra.

Abre o jornal e confere a Mega Sena: 1, 2, 3, 11, 20 e 21. Eram os números que ele tinha jogado dias antes. Tudo somado dava exatamente o número 13. Estava milionário... Libertara-se de todas as privações que a vida tão perversa tinha lhe imposto com toda aquela doentia mania de evitar o número 13, por nada e para nada.

A festa foi de uma alegria sem paralelo: portas abertas, arrancadas todas as suas maçanetas; chinelos de propósito todos virados; inventou de comprar 13 escadas e espalhá-las convenientemente encostadas nas paredes para que todos se obrigassem a passar sob elas; 13 gatinhos de porcelana, todos negros, foram dispostos sobre a mesa de doces; colocou plaquetas proibindo que mãos fossem lavadas e contratou um grupo de pagode com 5 negrões bem fortes, mas com 8 mulatas de fechar a paróquia em festa de São Judas Tadeu (13 letras). Afinal, estava liberto da triscaidecafobia, como é o nome que se dá à fobia pelo número 13, e, além do mais, lá no Banco estavam os R$32.211.220,00 que a Mega Sena lhe dera sozinho. Somou os números. Deu 13!

Assim, até eu...

Edson P. Pinto
01/04/08 (?)=13
postado em 09/05/08

6 de mai. de 2008

20) BREVE ENSAIO SOBRE A MENTIRA (maio'08)



O Ministro da Propaganda de Hitler, Joseph Goebbels, ficou famoso não só por ter, em 1º/5/45, se matado junto com a mulher Magda no desolado ambiente do Führerbunker, imediatamente após terem eliminado com cianureto todos os seus seis filhos enquanto estes dormiam o sono da pureza infantil; mas, por outro motivo, como comento mais abaixo.

Ao cometerem o desesperado ato, evitaram se entregar ao Exército Vermelho que já tinha dominado Berlim e transformado-a em um mar de chamas a queimar cadáveres. O mesmo ato covarde e pusilânime fora praticado, horas antes, pelo próprio Füher e por Eva Braun. Foi, certamente, o triste fim de uma das mais tresloucadas sanhas totalitárias que a humanidade havia visto.

Mesmo que essa triste história não esteja presente nas mentes dos jovens de hoje, que fosse, ao mínimo, para se condoerem das perdas de inocentes vidas, milhões de humanos que foram para a cova rasa do Holocausto, militares, civis, ou até mesmo o destino cruel daquelas seis cândidas crianças, há – infelizmente - um legado do monstro que ninguém esquece: Atribui-se a ele a máxima de que "uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade". É tudo o que qualquer tirania, seja aquela de Hitler a quem Goebells serviu, ou as de Stalin, Mussolini, Fidel Castro e Kim Jong Il tanto precisavam e continuam precisando para se manterem infinitamente no comando. Mas, nada dura para sempre...

Como instrumentos da propaganda enganosa, os tiranos tanto podem manipular as estatísticas, ocultar fatos, criar factóides, bem como segregar partes da história focando apenas naquilo que interessa e deixando, convenientemente, a impressão de que ela se aplica ao conjunto como um todo. A história de um povo não pode ser contada apenas da experiência e do foco de quem está no comando momentâneo do barco, extirpando, de propósito, o resto. É como se o fígado resolvesse contar a sua própria história esquecendo-se de que faz parte de um mesmo corpo. Truque dos tiranos...

Deus nos livre da tirania, dos tiranos reais e dos aprendizes, pois todos podem muito bem assimilar a lógica malsã dessa sombria frase e assim atazanarem nossas vidas. Não há antídotos quando a mente está despreparada; por isso, preparemos as nossas, exercitando-as a cada momento com o recurso da dúvida. Desconfiemos quando o absurdo é repetido de forma sistemática, pois Goebbels pode ter morrido, mas seus métodos continuam encontradiços com perigosos e fiéis seguidores...


Edson Pinto
SP 05/5/08

1 de mai. de 2008

19) SONHO COM LULA (maio'08)

Nunca me preocupei em estudar as ra-zões pelas quais sonhamos. Acho até mesmo que isto se deve ao fato de que não sou um sonhador assíduo no estrito e real sentido do termo. Claro que sei que Sigmund Freud elaborou profunda teoria sobre o inconsciente humano e suas manifestações através dos sonhos. O que me interessa é que, quando sonho, sempre encontro nos fatos recém ocorridos, mais notadamente os do dia anterior, as ligações que levaram meu subconsciente a se manifestar enquanto dormia o sono dos justos.

Em noite passada, por exemplo, tive um sonho um tanto curioso. Conclui, na manhã seguinte, que ele se relacionava às notícias tragicômicas do nosso amável padre Adelir de Carli, o padre voador do Paraná, que por uma atitude certamente não referendada pelo Deus Pai, resolveu desafiar as mais cristãs de todas as básicas regras de segurança e que, pelo que tudo indica, se deu mal. Continuamos, ainda, torcendo para que ele apareça com saúde, cabeça com os parafusos apertados e que cumpra a penitência a lhe ser imposta em decorrência do imprudente pecadilho.

Bem, mas não vem ao caso, exatamente, a história do padre Adelir. O que quero narrar é que no meu sonho a proeza de subir ao céu por meio de mil inocentes balões de festinha infantil era protagonizada pelo nosso presidente Lula. Logo o Lula, vejam só, que sempre manifestou medo de viajar de avião, agora, estava tomado da maior de todas as astúcias e decidira subir ao infinito sideral para mostrar que não havia cristão que o impedisse de chegar a qualquer lugar que quisesse; fosse o reconhecimento como o melhor presidente “nunca visto na história deste país”, fosse o terceiro mandato tão negado, mas tão acalentado por ele, fosse lá, até mesmo como ele dizia, somente para subir, subir, subir, até - se fosse o caso – para dialogar frente a frente com o Chefão lá de cima. A propósito, juro que no meu sonho ouvi Lula dizer: “Se Ele está eternamente lá no poder central, por que eu não posso ficar pelo menos mais quatro anos no comando daqui? Somos, ambos, perfeitos”, e piscou marotamente para o júbilo dos petistas que seguravam a corda dos balões.

__ Mas presidente Lula, ponderou o ministro Mantega, o senhor não deve levantar vôo com as condições atmosféricas tão desfavoráveis. Não seria melhor esperar momento mais adequado? __ Meu caro pinóquio genovês, você está me dizendo - respondeu com a irreverência de seus anos dourados de militante sindical - que o tempo não está a meu favor? Ledo engano. Para quem saiu de Garanhuns sem eira nem beira, não precisou enfrentar os bancos escolares, chega à presidência da república e ainda trata o Bush de “meu”, você acha, sinceramente, que uma nuvenzinha qualquer me vai por medo? Nem pensar... Lula dá um pulinho desavergonhado e se acomoda apertadamente na cadeirinha do fusquinha 63 que seu compadre Dario Morelli tinha preparado para a viagem.

__ Senhor presidente, brandiu o “simpático e sempre bem-humorado” assessor especial de Assuntos Internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia, o senhor não quis tomar lições para o uso do aparelho de GPS que está na sua sacola de viagem. Pode ser que venha a lhe fazer falta no caso de o senhor se ver perdido lá no infinito. __ Ah! Ah! Marquinhos, meu marxista gaúcho de estimação, exclamou Lula com enorme intimidade. Não precisarei jamais dessa maquininha. Nunca freqüentei Universidade, você sabe. Sou formado na escola da vida, e na escola da vida aprende-se que quem deve saber onde se está é você mesmo, não é? Além do mais, quem sabe, como eu bem sei, onde os votos se encontram, não vai lá saber a que altura e em que rumo está se dirigindo? Ah! Ah! Ah! e ordenou que soltassem as amarras para iniciar a subida.

__ Presidente, meu amor, não vai levar nem um lanchinho para o caso de uma emergência? __ Como assim minha Barbie oriundi, minha remoçada esposa Marisa Letícia? Quem criou o “Fome Zero” vai lá precisar de uma bolsa sanduíche? Lula estava realmente impossível... Opa! Opa! Opa! Já estou subindo. Agora só quero ouvir os aplausos, discursou emocionadamente Lula, sentindo apenas a falta de Dilma, a ex-militante do Comando de Libertação Nacional, COLINA e atual mãe do PAC e que nos últimos tempos colou-se a ele como o grude que prende a taquara na pipa.

Boa viagem presidente, exclamou o vice Alencar, sem não antes apregoar em alto e bom som que, por mais que Lula subisse, dificilmente atingiria a altura dos juros impostos pela turma do Meirelles. No fundo, no fundo, Alencar - com a história de sugerir o terceiro mandato para Lula - estava na raiz daquela convicção do presidente de que nada poderia detê-lo no seu oculto propósito de vôos cada vez mais altos.

Em menos de 10 minutos Lula já tinha superado a grossa camada de nuvens que cobria o céu - parece – de todo o mundo. Ora, ora, pensou Lula enquanto seus balõezinhos inflados com o gás do Evo aparentemente davam conta do recado, o mundo está na pior: vejam quantas nuvens, mas o Brasil de meu governo – “como nunca na história deste país”, reprisou eufórico – por meu mérito, pela minha competência, sabedoria, astúcia, carisma, beleza e sei lá mais o que, está a salvo. O nosso céu é de brigadeiro general Heleno, desabafou com a arrogância dos vencedores. Vai para a Raposa Serra do Sol, meu comandado, que eu vou subir, subir, subir, disse gargalhando de tanta alegria.

__ Espera aí... Não posso acreditar: um bando de urubus vindo na minha direção? E o que trazem escrito naquela faixa? O que? Será que não estou entendendo bem? MUSB: Movimento dos Urubus sem Balões? Seria isto mesmo, meu Deus? Não! Não!. Não posso deixar que aquele urubu com cara do Stedilli fure os meus balões. E aquele outro com cara do Delúbio? Não, meu Deus, mais outro com a cara do Renan, outro ali com cara de Severino, o Genoino, Dirceu, Valério... Não, não, Hugo Chaves, Fidel e agora o Bispo Fernando Lugo do Paraguai? Não vou suportar...

Pluft, pluft, pluft, e os balões foram estourando que nem bombinhas nas festas juninas de Garanhuns. __ Não sei usar o GPS, meu Deus! Nem um lanchinho eu trouxe para uma emergência. E meu terceiro mandato? Por que esse bando de urubus para os qual eu fui tão bondoso furou meus balões, isto é, meus planos? E o povo, será que vai me segurar lá em baixo? E eram tantos os plufts de balões estourando que até mesmo os tubarões que espreitavam das águas oleosas da Bacia de Santos junto aos factóides de Tupi e Carioca abriram suas bocarras para o céu.

O que aconteceu? Juro que não sei... Quando acordei, apenas fiquei com a impressão, pela primeira vez na história de meus sonhos, que havia algo para ser interpretado. Por isso, prometi a mim mesmo, tão logo possível dar uma passadinha na biblioteca mais próxima para ler Sigmund Freud. Não que tenha interesse em estudar o complexo de Édipo, o Id, o Ego, o Superego ou a Libido, mas para buscar luzes em uma de suas grandes obras científicas que tem o título “A Interpretação dos Sonhos”.

Edson Pinto
01/05/08