26 de abr. de 2008

18) PRESERVAÇÃO RESPONSÁVEL DA ESPÉCIE (abril'08) - Um estranho conto de amor

Alexandre era o paradigma do homem derrota-do nas questões sentimentais. Não foram poucas as vezes que o seu ímpeto de conquistador resultara - pelo menos aos olhos de quem o conhecia - como verdadeiros fiascos.

Aproximava-se dos cinqüenta, a mesma elegância, vaidade e charme de sempre, bem apessoado, mas solteiro, não por opção, mas por “incompetência”, como afirmavam seus amigos mais próximos ao lhe infligir tão cáustica pecha que ele, humilde e resignadamente, aceitava sem nunca contestar.

Quatro das tórridas paixões que a sua propalada incapacidade no trato das coisas do amor deixou escapar, acabaram por se tornar as mulheres verdadeiras e definitivas de quatro de seus melhores amigos. Quatro amigos, quatro ex-namoradas que criaram quatro filhos, um de cada casal: Dois varões fortes como Apolo, probos e inteligentes, e duas lindas moçoilas, ambas de cabelos longos como Afrodite.

O que parecia contraditório era o fato de que Alexandre nunca apagara aquela sua chama de grande conquistador, em que pese, por uma razão nunca muito bem compreendida, não o suficiente para manter suas conquistas sob seu domínio definitivo como fazem normalmente aqueles que se esposam de suas paixões. Passava a impressão de que era um desses tipos que ganha, mas nunca leva. Perdia todas... Para os amigos dos anos dourados, era uma festa quando ele aparecia com uma nova presa. “Opa”, diziam com indisfarçável tom da mais pura cobiça, “Para quem Alexandre entregará esta, agora?”.

Filosofava e apregoava aos quatro cantos que considerava a reprodução a mais nobre das ações do homem tendo em vista a sagrada missão de garantir a continuidade da espécie. Trazia, portanto, vivo e intacto em sua alma de conquistador esse que é considerado como um dos mais primitivos de todos os instintos dos seres vivos. Ele mesmo, embora símbolo do fracasso nessa matéria de formação de família, se julgava um bom tipo a ser continuado. Reproduzir, como missão, refletia a pureza absoluta de sua alma. Conquistar, como meio e como ele mesmo fazia com enorme habilidade, nada mais era do que o ato supremo de sua conduta, seguindo fielmente ao inato impulso. Nada mais cristalino...

Cada encontro social com aquela turma era revestido da mais contraditória de todas as sensações que um ser humano pode experimentar: A alegria de conversar com seus amigos e seus respectivos filhos contrastava com o seu desconforto quando uma ou mais de suas quatro ex-paixões participavam das rodadas de conversas, mesmo que de forma bem descontraída. Não era difícil entender a razão para tal: Ele apregoava a multiplicação da espécie, mas, infelizmente como acreditavam quase todos, não tivera filhos. Os amigos propositalmente já desviavam a conversa quando o tema se colocava nas discussões. Por que não poupar Alexandre de envolver-se com aquilo que parecia ser sua maior frustração?

O grupo era muito unido. Coisa difícil de ver nos tempos modernos em que cada um desenvolve o seu próprio mundo, esquecendo-se das amizades antigas. Os filhos de seus amigos já começavam a dar sinais de que a inexorável roda da vida estava para dar mais uma volta. Pais, mães - e Alexandre no início só de observador - começavam a entabular algumas conversas que poderiam levar os filhos a se unirem amorosamente. Seria a consagração de uma amizade que perdurava há tantos anos. Fazia todo o sentido. As idades eram compatíveis. As graciosidades dos jovens formariam dois belos casais e o mais importante, a união do grupo estaria renovada e fortalecida para pelo menos mais uma geração. Era, portanto, necessário estimular os jovens a se aproximarem, por que não?

Indisfarçável desconforto tomava conta de Alexandre cada vez que o tema voltava à tona. Começou a desenvolver uma nova teoria sobre o relacionamento humano e sobre aspectos intrincadas de sociabilidade, segundo a qual seria mais saudável se cada um daqueles jovens procurasse se relacionar com gente de outras paragens. Isto ampliaria suas limitadas experiências interpessoais, trazendo idéias e maneiras novas de tratar o cotidiano, de ampliação do raio de amizades e outros “lero-leros” um tanto filosóficos. Embora nunca contestado, não havia como evitar que seus amigos vissem naquela tentativa de dificultar a união dos seus filhos como uma incoerência por parte de Alexandre, pois era exatamente ele que tanto pregava a famosa “continuidade da espécie”.

Das idéias vagas às ações concretas, os pais começaram a se movimentar cada qual ao seu modo para que a tal aproximação amorosa dos filhos de fato acontecesse. Uma recepção aqui, com todos convidados. Depois, outro encontro ali, sempre cuidando para que os filhos mutuamente se interessassem. Pais cruzando recados, elogios, planejando coincidências “fortuitas” para que os objetivos fossem alcançados.

Alexandre já não se dava mais ao comportamento do mero observador de até então, e, atrapalhava o quanto seu conhecido poder de persuasão lhe permitia. Nos encontros sociais ele cuidava de puxar um dos jovens para uma conversa sempre que a contraparte previamente arranjada se colocava receptiva para aquele planejado intento. Chegou até mesmo a impedir que um dos pares prolongasse por muito tempo a conversa a sós que haviam entabulado no jardim da casa de um deles quando de uma das recepções arranjadas para o nobre fim.

De chato, logo Alexandre começou a ser tomado como inconveniente. O que estaria acontecendo? Por que Alexandre estaria agindo daquela forma? Suas idéias sobre integração com gente de fora tinham certo sentido, porém nada provava que a união entre jovens de famílias tão próximas também não pudesse dar certo. E acima de tudo, por que Alexandre se intrometeria tanto em assunto do âmbito de cada família? Ele era apenas o tio por afinidade, mas quem tinha que zelar pelo futuro dos filhos eram os próprios pais. Estava na hora de dar um basta naquela ingerência de Alexandre. A antiga amizade dava ao grupo o direito e a liberdade para uma conversa franca e sincera.

Havia, contudo, na cabeça daquelas quatro mulheres, mães dos quatro jovens, um desejo, evidentemente nunca compartilhado entre elas, de que se fazia necessário uma conversa pessoal com o sempre presente ex-namorado. Já havia passado tanto tempo desde aqueles momentos das conquistas e - como as coisas se acomodaram tão bem - os segredos que cada uma, isoladamente, guardava, só não estavam irremediavelmente enterrados por que Alexandre permanecia na vida de cada uma como a sombra do próprio corpo da qual nunca se consegue fugir.

O problema era que Alexandre tinha um segredo com cada uma delas. E elas, individualmente, imaginavam que tinham um segredo exclusivo com ele. De seu ponto de vista seria quase impossível desaparecer da vida daqueles quatro casais amigos e deixar que o destino cuidasse da união de seus filhos. O seu sentimento fora reprimido por tantos anos com o único objetivo de manter as coisas como sempre estiveram, mas agora, algo de muito sério poderia pôr abaixo todo o edifício moral que ele havia construído a tão duras penas: a manutenção das caras e antigas amizades, o respeito às ex-paixões e mais do que isto, o sentimento de amor aos filhos que nunca pudera revelar...

Os quatro jovens eram, na verdade, frutos do breve relacionamento que Alexandre tivera com cada uma daquelas quatro mulheres e que por intrincada artimanha do destino nunca fora descoberto pelos amigos e nem houvera entre elas a quebra dos respectivos segredos. Ele levava tão a sério o seu entendimento de preservação de espécie que gerar filhos era mais importante do que formar família, por isso nunca quisera casamento com todas as conseqüências próprias da paternidade e por isso, após a consumação plena da conquista, entregava cada uma delas a um de seus amigos. As coincidências que a vida o impôs, porém, fugiram ao seu controle. O tempo passou e ele não viu outra solução senão acompanhar de forma o mais próxima possível, o crescimento dos filhos que gerou, mas não criou.

Se o cruzamento de interesses amorosos entre seus filhos não tivesse ocorrido, muito provavelmente Alexandre não teria interferido e morreria com aquele segredo deixando a situação igual a como sempre estivera. Além do mais, por que provocar tão abalado desgosto àqueles que foram companheiros por tantos anos em que pese ter ficado a impressão de que eles haviam lhe roubado as mulheres que vieram a desposar?

Valeria a pena contar tudo e assim livrar os filhos do iminente incesto mesmo que quatro famílias fossem destruídas? Pesava-lhe tudo ao mesmo tempo: O desgosto aos amigos, a desonra das esposas que nunca revelaram o segredo, a surpresa dos filhos e a falta de coragem de ter, já, há muito tempo, se libertado de tão pesado fardo a esmagar dolorosamente a sua consciência.

Coragem tomada, o segredo é desvendado aos doze ao mesmo tempo. O que aconteceu então? Deixo a cada um imaginar quais foram os desdobramentos de tal revelação provocou na vida daquele grupo de amigos.

A única coisa que se sabe desse polígono amoroso é que Alexandre continua solteiro, conquistador ainda atuante e convencido de que todo o sacrifico é justificado pela nobre missão de preservação da espécie, mas, como disse: com responsabilidade...


Edson Pinto
SP 26/04/08

20 de abr. de 2008

17) MALTHUS REDIVIVO


Vez por outra, o fantasma do economista inglês que viveu entre os séculos 18 e 19, Thomas Robert Malthus, reapresenta-se ao mundo para lembrar-nos de que as suas teses sobre a fome ainda permanecem insepultas.

Malthus, a respeito de quem fora cunhada uma outra denominação da Economia como sendo a “ciência lúgubre”, defendeu a tese de que a humanidade caminhava para o caos, pois, enquanto a população crescia numa proporção geométrica, a produção de alimentos crescia na proporção aritmética. Traduzindo para o chão dos mortais: haveria em algum momento na vida da humanidade uma escassez crônica e efetiva de alimentos.

Dois séculos se passaram, algumas crises na produção de alimentos aconteceram, foram superadas e o caos malthusiano nunca se confirmou na extensão que ele vaticinou. Razões de ordem tecnológica contribuíram para que o apregoado cruzamento das curvas de população e da produção de alimentos não viesse a acontecer de forma estrutural e permanente. Hodiernamente, a população cresce menos devido aos modernos métodos anticoncepcionais, conscientização pela paternidade responsável e maior e melhor nível educacional que devolveu ao ser humano parte considerável do exercício de gestão da própria vida que havia lhe sido surrupiada pelos obscurantismos cultural e religioso do passado. Ao mesmo tempo, ocorre um aumento brutal da produtividade agropecuária, quer pela sua mecanização, pesquisas científicas em todos os seus segmentos e, mais recentemente, até pela manipulação genética dos alimentos.

Tudo, então, resolvido? Que nada! A imprensa mundial começa a repercutir as trombetas dos alarmistas que entoam o toque malthusiano da falta de alimentos. Aumentos fantásticos nos preços de commodities como o arroz, o trigo e o milho, apenas para ficar em alguns dos grãos mais conhecidos. A culpa é atribuída, com excessiva ênfase, ao fato de que a cultura de alimentos está dando lugar para culturas de matérias-primas para a produção dos biocombustíveis. Alimentar as máquinas parece ser mais importante do que alimentar os homens. E o que seria, ainda, mais grave: indícios de revoltas populares, da queda de governos e outras catástrofes decorrentes da escassez alimentar já são vislumbrados no horizonte negro que temos pela frente. Os preços disparam e a inflação matará, como sempre o fez, os pobres do mundo.

Que verdades há nisto? Quais equívocos estão sendo cometidos – se é que estão – na análise de tema tão escabroso? Não basta a ameaça do aquecimento global, a destruição da camada de ozônio, o declínio inexorável das reservas de petróleo e tantas outras mazelas a nos apoquentar diuturnamente e agora nos vêm com esse drama da falta de alimentos?

Novamente, puro alarmismo... Não faltarão alimentos e a humanidade não sucumbirá pela falta do "feijão-nosso-de-cada-dia". Malthus e suas teses podem voltar serenos para o túmulo da história e lá permanecerem ad-eternum, porque a mão invisível da economia que não se move a rogos e sim aos apelos capitalistas, colocará tudo nos seus devidos lugares.

O que vem ocorrendo é que uma massa enorme de humanos começa a emergir das profundezas da escala social para, também, comer melhor como bem o fazem aqueles que tiveram a fortuna de virem ao mundo sob as asas quentes das nações desenvolvidas. 400 milhões de chineses, 300 milhões de indianos, centenas de milhões de outros terráqueos começam a comer como não faziam há muito. Mau? Claro que não, ao contrário! Mudança de paradigmas? Isto sim!

Aqui está a reflexão que todos nós devemos fazer a todo instante: Uma parte considerável da humanidade mantém-se acapachada para que a outra desfile soberana com seus meios de produção, gozando das delícias de seus frutos.

Soberanamente, contudo, outros povos ao redor do mundo vêm optando pelo caminho do progresso, rejeitando os fracassados sistemas socialistas de produção controlada, criando riquezas, exportando seus excedentes, diversificando, privatizando e modernizando os meios de produção. Conclusão: mais gente comendo e por isso mais demanda por alimentos que num primeiro momento não encontra oferta em nível adequado. A mão invisível faz os preços aumentarem em busca do nível que equilibra oferta e procura. Tem sido assim, e assim será por todo o sempre...

Aqui entram os ajustes e a tal mudança de paradigma: Os países com potencial agrícola como é o caso do nosso Brasil, sempre tiveram que se render aos ditames das nações industrializadas que, aproveitando-se do gigantesco poder econômico que conquistaram ao longo dos tempos, ditam os preços das commodities no mercado internacional e ainda subsidiam generosamente seus agricultores sob o pretexto da pseudo-doutrina da segurança alimentar.

Quando temos bons excedentes de produtos agropecuários não conseguimos coloca-los nos países desenvolvidos por que os subsídios locais inviabilizam os negócios e assim nossas terras ficam ociosas, os preços internos baixam, os agricultores são mal remunerados e nossas metas de melhoria de vida são continuamente postergadas.

Mas a história não dá nó em si mesma. O que se mostrou bom para uns pode se repetir com os outros. A emergência de paises populosos e com potenciais adormecidos como Brasil, Rússia, China e Índia começa a desenhar um novo cenário neste começo de milênio. As regras do jogo estão sendo alteradas e os protagonistas do presente poderão ser coadjuvantes no futuro ou, no mínimo, terão que dividir o palco com outras estrelas.

Vejam que janela de oportunidades se abre para o Brasil: Temos um estoque enorme de terras disponíveis para a produção. Os países que renitentemente subsidiam suas agriculturas logo perceberão que as vantagens comparativas devem prevalecer em favor daqueles que produzem com maior competência e com custos menores, tal qual eles mesmos fazem em relação aos produtos industrializados. Daremos mais ocupação aos nossos recursos naturais e humanos e assim vamos viver melhor. Este raciocínio aplica-se não só ao Brasil, mas, também, aos países pobres da África e da América Latina que poderão se beneficiar de um novo modelo econômico mundial.

Esquecem os alarmistas de plantão que o mundo agrário malthusiano de permanente escassez de recursos, infligiu à humanidade todos os males próprios do autoritarismo e produziu os tiranos históricos que, juntamente com Malthus, insistem em atazanar a paz de nós os mortais.

Sem o jugo da necessidade premente, a tirania se dissolve como o gelo ao sol.

Edson Pinto
SP 20/4/08

16 de abr. de 2008

16) NOSSO DESPREZO PELA QUALIDADE (abril'08)

No dicionário Aurélio, para o termo “qualidade”, encontramos uma grande lista de definições e aplicações que vão das propriedades morais intrínsecas do ser humano como o dote, o dom e a virtude, todos de cunho filosófico, até como sinônimo de características geométricas e mecânicas do âmbito das ciências exatas. Há, contudo, uma definição mais genérica que é a que nos interessa nesta crítica:

Qualidade: “Propriedade, atributo ou condição das coisas ou das pessoas capaz de distingui-las das outras e de lhes determinar a natureza”.
Como pode ser deduzido, qualidade cabe em tudo o que fazemos, recebemos ou observamos. Na vida prática, a qualidade é quase como um modo de ser, isto é, uma postura marcante das coisas e das pessoas. Nitidamente, existem pessoas que primam pela qualidade de tudo o que fazem. Outras há, contudo, que, ou parecem desconhecer o significado deste termo, ou, o que é pior, deliberadamente agem sem a menor preocupação para com este atributo.

No mundo capitalista em que vivemos, a qualidade acaba por se incorporar em tudo e de uma forma muito importante. É considerada como diferencial que dá valor àquilo que queremos vender. Tanto faz se tratar dos produtos ou serviços que produzimos, como até mesmo da nossa própria imagem. Aqueles que querem conquistar a simpatia de uma outra pessoa primam pela ação com qualidade. Os produtos que comprarmos no comércio, além da qualidade intrínseca que precisam ter, procuram demonstrá-la nas embalagens e por outros recursos de convencimento. Tudo precisa ter, ou caminhar no sentido de se ter qualidade, caso contrário, perde-se a preferência para os concorrentes mais aprimorados.

Essa incontestável verdade parece-nos, infelizmente, não fazer muito sentido nos nossos serviços públicos. E, mais lamentável, ainda, é o fato de que nós os cidadãos, passivamente, fechamos os olhos para o conjunto de serviços totalmente desprovidos de qualidade que recebemos no dia-a-dia de nossos governos.

Por que será?

Se, naturalmente, somos exigentes com o açougueiro quanto à qualidade da carne que ele nos fornece. Igualmente exigentes e rigorosos com o atendimento do garçom que nos serve em um restaurante, com o motorista do táxi que nos leva para um compromisso ou com a empregada doméstica que não executa com qualidade uma determinada tarefa, por que não sê-lo, também, com os nossos governantes?

E, o que é mais incrível: pagamos relativamente mais impostos do que gastamos com todos os nossos fornecedores de produtos e serviços. Deveríamos, portanto, sermos relativamente mais rígidos com este grande tomador de nossa dura e suada renda, não acham?

Claro que estou falando em tese. Não podemos desconhecer que existem brasileiros que brigam e reclamam dos péssimos serviços que os governos lhes dão em troca dos mais de 40% de impostos que pagamos. No entanto – e esta é a grande verdade - a maioria aceita calada, tanto pelo que não recebe, como pelo que recebe com baixa qualidade.

Arrisco aqui uma explicação para isto: Temos a tendência a nos conformar enquanto cidadãos e contribuintes que o ente Estado é soberano e intocável. Ser cidadão significa pagar e não reclamar. E se reclamar, ser mal tratado ou sonoramente ignorado. As más experiências acumuladas nos levam a desistir de brigar por serviços governamentais melhores. O sistema político, embora democrático e com suas Instituições devidamente operantes, trás em si uma dificuldade muito grande para que o cidadão exerça, sozinho ou em grupo, o seu direito de retorno com qualidade. O Estado é monopolista em quase tudo. Não temos alternativa para buscar certos serviços e aí nos submetemos à sua arrogância. Quem nunca viu aquela famosa plaqueta que as Repartições Públicas afixam para intimidar o cidadão que queiram reclamar (eles, convenientemente, entenderão como ameaçar), alertando-nos para o crime de desacato. Tudo, tudo, respaldado por uma determinada lei lá mencionada.

Por outro lado, no mundo livre das relações capitalistas onde há concorrência e não somos obrigados a nos subjugar a arrogância de monopolistas, podemos brigar e de fato brigamos.

Para não ficar somente na seara dos conceitos, gostaria de mencionar três casos com os quais nos confrontamos no dia-a-dia na relação com o Estado. Se eu estiver errado em algum que me contestem, mas, posso afirmar que todos correspondem à minha experiência real e não imaginária. Garanto que você mesmo já deve ter pessoalmente vivenciado ou observado casos como estes:

CASO 1: O termômetro marca 38 graus quando, naquela tarde de verão, com uma bermuda bem decente e compatível com o meu estilo "cinquentão aposentado", tento entrar numa CIRETRAM para renovação de uma CNH. Impedido de entrar, pelo relaxado guarda, porque o delegado, autoridade daquela repartição pública, havia afixado uma plaqueta proibindo que as pessoas entrassem de bermuda. Volto nos dias posteriores até cumprimento de todo o ritual. Imagino: com tanto rigor, o serviço deve ser ótimo, com a maior qualidade. Não! Pessoas com dificuldade de locomoção não tinham rampa para acesso à escadaria daquele prédio de aparência medieval, tal era a pobreza do mobiliário e a falta de equipamentos, funcionários mal preparados não sabiam orientar os contribuintes, não tiravam cópias, mas exigiam que tal fosse obtido naquele prestador de serviços convenientemente instalados do lado do Órgão público e, o pior: Os 15 dias previstos para a reemissão do documento se transformaram em 40, porque um funcionário não conseguia digitar uma guia que fazia parte do processo e simplesmente arquivou toda a papelada sem a menor preocupação em entrar em contato com o contribuinte para outras providências. Reclamar com a energia que o caso exigia, nem pensar. Poderia ser preso por desacato à autoridade...

CASO 2: Ficamos todos felizes com o recapeamento daquela rua que usamos todos os dias e que há muito já estava implorando por um reparo. Aplicam o asfalto, mas criam uns buracos ao redor das tampas de bueiros porque nunca descobriram como resolver esse simples problema junto com a colocação do novo asfalto. Imaginamos que nos próximos dias farão o reparo. Que nada! Passam-se semanas, meses e dá-lhe rodas amassadas, pneus furados e suspensões desreguladas. E quanto à sinalização de solo? Quando fazem, primeiro, fazem com a mesma tinta que pintarão as faixas, aqueles borrões, pressupostamente para a melhor orientação da pintura das faixas. Aí entram as faixas, mal pintadas e sem o menor acabamento. E os borrões ficam lá até que a pista seja novamente recapeada. E quanto àquelas rebocadas de cal que fazem nas guias das ruas e espalham porcamente a tinta para todos os lados, mais na rua do que no lugar onde devia? O Órgão público que contratou a obra controla a qualidade do serviço feito pela empreiteira? Que nada, sabe-se lá por quê?

CASO 3: Você paga IPVA, licencia o carro, coloca pneus novos, segue todas as normas do código de trânsito e aí entra numa das estradas federais de grande movimento do país. Inesperadamente é engolido por uma cratera e lá se vão dois pneus e uma roda de alto valor. Feliz por não ter sofrido conseqüência maior você pergunta: A quem reclamar? Vale a pena brigar? Isto não me custará mais caro e me tomará mais tempo? Conclusão: Deixa pra lá e fica com o prejuízo...

Aí está uma análise quase desanimadora, pois ao contrário das atividades privadas que operam em regime de concorrência, os governos não se sentem ameaçados. Não se preocupam em perder o cliente. Não têm concorrência...

Penso que além da necessidade de maior participação política dos cidadãos para cobrar retorno com qualidade aos impostos que pagamos, honestidade daqueles que nos representam, está, também, na hora de reduzirmos o Estado, genericamente falando, ao mínimo necessário. Se em outros paises o Estado funciona melhor, por que, também, não conseguirmos o mesmo aqui?

O que puder ser privatizado e com regras de mercado que o seja. E para o que for da essência do Estado que lá fique, mas que não tenham o desprezo a este termo que o Estado insiste em desconhecer: Qualidade.

Clique aqui para assistir à crônica de Arnaldo Jabor de 25/03/08 que complementa, sob outro ângulo, porém compatível, com a minha crítica.


Edson Pinto


16/04/2008

7 de abr. de 2008

15) LIVRO DAS MEMÓRIAS PHILIPINAS (abril'08)

Em fevereiro último quando da implosão do prédio da Avenida Luiz Carlos Berrini, 1400, que, num passado não muito distante fora a sede da nossa empresa Philips, escrevi dois textos que estão no meu blog (vide em postagens anteriores os artigos: 8) 1400 Memórias I e 9) 1400 Memórias II) para manifestar a nostalgia que invadiu minha alma em função - não do lado material que o prédio representava - mas sim do simbolismo subjacente àquele fato.

A minha grande satisfação foi ter recebido de amigos ex-philipinos, como eu, inúmeros comentários em total consonância com a mensagem básica que procurei exprimir quanto a grande importância que a Philips teve em nossas vidas, especialmente a oportunidade que nos deu para criarmos e mantermos até hoje grandes e bons amigos.

Um desses amigos, Antonio Rego, fez-me a sugestão para que eu coordenasse a produção de um livro de memórias com fatos narrados por e pelo ponto de vista dos ex-philipinos, ou mesmo philipinos ainda na ativa, para deixarmos para a posteridade uma narrativa humana da trajetória brasileira dessa empresa que tanto amamos, a Philips.

Coincidentemente, nestes dias bem recentes, a Secretaria de Turismo da cidade de São Paulo, após coletar por alguns anos narrativas de moradores da capital em que revelaram detalhes da transformação que a metrópole experimentou entre as décadas de 50 e 70, publicou o livro São Paulo Minha Cidade. A idéia do nosso livro sobre a Philips tem, tal como o livro de São Paulo, um propósito igualmente nobre: Queremos mostrar o lado humano, pitoresco e as facetas do prisma que a rigidez do mundo dos negócios oculta pela conveniência de seus objetivos.

Tendo aceitado a sugestão do amigo Antonio Rego, estou - de forma independente - tomando a iniciativa de propor aos colegas suplementados que gostam de escrever que contribuam para produção de textos que formarão um livro escrito por muitas mãos e que estudaremos, mais adiante, como publicá-lo.

Veja as regras para participar desse projeto:

A) QUEM PODE ESCREVERTodos os ex-funcionários da Philips, quer sejam suplementados pela PSS ou não. Funcionários da ativa, mas que tenham uma boa história anterior ao ano 2000. Podem-se escrever quantos textos quiserem. Não há limite por pessoa.

B) TIPO DO TEXTOTotal liberdade para uma narrativa no estilo e oralidade de cada um. Não há nenhum pré-requisito para textos com muito aprimoramento literário. Escrevam da maneira que sabem. Haverá uma revisão gramatical sem alteração do conteúdo. Os textos poderão tratar de assuntos e situações engraçadas que o philipino presenciou ou deles diretamente participou enquanto funcionário da empresa. Poderão narrar episódios marcantes na vida das pessoas sempre em relação à atividade na Philips, ou outros temas que julgar interessante fazer parte de um livro de memórias.

C) COMPONENTES DO TEXTO
Para termos certa uniformização, pede-se que os textos tenham, no mínimo:
a) um título que antecipe a idéia do texto.
b) o posicionamento de uma época sem necessidade de precisão quanto à data em que o fato ocorreu
c) se possível, a identificação de nomes e funções das pessoas envolvidas na narrativa.
d) identificação da Unidade da Philips em que o fato ocorreu.

D) TAMANHO DO TEXTO
A idéia básica é que o texto não seja muito longo para permitir que mais pessoas possam ter suas narrativas, também, inseridas no livro. O texto mais curto, também, tem a vantagem de ser mais facilmente lido do que textos longos. Apenas sugerimos que não ultrapasse ao que corresponde a duas páginas. Pode, porém, vir com meia página, uma página ou mesmo uma quantidade superior a duas páginas, desde que - dependendo do interesse que o texto despertar – puder, ainda assim, ser considerado bom para publicação.

E) COMISSÃO JULGADORA
Em momento oportuno, organizaremos uma comissão com colegas suplementados que fará a leitura dos textos e selecionará aqueles que serão publicados. Se por uma questão de maior precisão, para se evitar uma injustiça ou quaisquer outras razões houver conveniência de ajuste do texto, a Comissão, por meu intermédio, interagirá com o autor.

F) COORDENAÇÃO DO LIVRO
Conforme dito acima, ficarei com a responsabilidade de coletar todos os textos enviados, submete-los a Comissão Julgadora e estudar as formas e condições para a publicação do livro. Não posso, ainda, estimar quando isto acontecerá, pois não conheço a receptividade e o grau de colaboração que receberei para o projeto. Todos os textos deverão ser enviados para mim, utilizando-se do e-mail: eppinto@terra.com.br

G) INDICAÇÃO DO PROGRESSO DO PROJETO
Este meu blog apresentará, de forma sistemática e permanente, informações sobre o andamento do projeto, tais como: quantidade de textos recebidos; origem dos textos por Unidade da Philips e outros. Habitue-se, portanto a entrar no blog para conferir o andamento do projeto.

H) EXEMPLO DE TEXTO PARA O LIVRO
Dentro das orientações que foram dadas acima, escrevi um texto em que narro um episódio real e no qual eu estive envolvido em minha Unidade no início dos anos 70. Vejam que identifico a época, as pessoas envolvidas e narro o acontecido. É tudo verdade e eventuais imprecisões quanto a números, por exemplo, são irrelevantes em vista do tema central que foi a revoada dos pedidos de vendas. Ao citar local, época e pessoas, certamente despertarei em muitos colegas que estavam naquela Unidade uma boa recordação. E assim marcamos um registro com um lado humano bem acentuado.


PEDIDOS AO VENTO (Exemplo de um texto)

Os anos 70 foram maravilhosos para o crescimento da Philips. Cheguei a São Paulo, vindo da Filial Belo Horizonte, em 1973 e fui trabalhar no Grupo Nacional de Vendas, GNV, dirigido pelo grande chefe, ainda bom amigo e um dos esteios morais da empresa, Garibaldo Muoio. Mas havia também o Luiz Carlos Melhado, o Flávio Angelini, O Everaldo Medeiros, Rames Talib, Carlos Cunha, Rebouças, Paulo Rubens, Zilma e muitos outros que por falta de espaço não conseguirei registrar os nomes. O escritório central da empresa ficava na Avenida Paulista, esquina com Rua Augusta. Belo prédio, todo dourado e com seus 20 e poucos amplos andares todos ocupados pela Philips.
Naquela época, a estrutura de vendas da empresa contava com quase 15 filiais nas principais capitais do país e uma dezena de escritórios localizados em cidades que prosperavam no ritmo do Brasil potência. Brasil: Ame-o ou deixe-o! Lembram-se?

A área comercial já tinha dado um grande passo no sentido da modernidade com a chegada dos grandes computadores com total centralização do processamento de dados. O Comercial já contava com o sistema RETOPS que dava a nossa empresa uma vanguarda que os concorrentes apenas invejavam e copiavam, mas não conseguiam superar. Estávamos puxando o trem da história, certamente.

O problema era que naquela época o computador já facilitava a coleta de dados, processava-os com razoável velocidade e dava muitas informações, notadamente naquelas listagens enormes de papel zebrado. Mas, a possibilidade de entrada remota de dados, ou seja, o tele-processamento, inexistia. Todos os pedidos tinham que ser enviados por malote para o GNV e lá conferidos, classificados e finalmente – o estado da arte – digitados naqueles antigos terminais burros da IBM por uma briosa equipe do PCP (processamento Central de Pedidos), chefiada pelo Eurípedes Torres, para que, então, as vendas fossem registradas, as Notas Fiscais emitidas e os milhares de revendedores espalhados por todo o país recebessem os famosos produtos da Philips.

O final de cada mês era uma verdadeira epopéia que envolvia todas as estruturas do GNV. O último dia do mês, não raro, tinha 48 e não as canônicas 24 horas. Eram tantos pedidos e tão importantes decisões a serem tomadas sobre a distribuição das escassas quotas que pouco nos importava ter de trabalhar no sábado ou mesmo no domingo para dar conta da imensa tarefa.

Num daqueles frenéticos final de mês, num final de semana, o PCP estava em polvorosa com a necessidade de se processar uma pilha de pedidos, cerca de 1000, ou mais, todos já conferidos, classificados e prontos para serem digitados pela Solange, pela Maria Alice, pela Vanda e por bem uma dezena de outras batalhadoras daquela fantástica equipe.

Alguém pega a montanha de pedidos e a coloca em uma mesa que estava muito próxima de uma das janelas que dava para a Rua Augusta. Estávamos no 15º andar, fazia calor e não tínhamos o conforto do ar-condicionado tão comum nos dias de hoje. Um prestativo membro da equipe, distraído, abre a janela com o intuito de prover a todos nós uma aragem, por mínima que fosse, para amenizar-nos o sofrimento daquele dia de verão.

Não se passaram muitos minutos até que uma rajada de vento, entrando pela janela do lado oposto, cinematograficamente, atirou pela janela cerca de metade daqueles preciosos pedidos.

Incrédulos, assistíamos pela janela os nossos preciosos pedidos de vendas flutuarem como folhas outonais para todos os lados que nossas vistas aterrorizadas alcançavam. Dezenas foram parar sobre as marquises do Conjunto Nacional, outros tantos preferiram descer a Rua Augusta de tão prestigiado passado. Parte foi para a Avenida Paulista ainda em obras para implantação da via rebaixada que o prefeito Coluassuono, mais tarde, veio a interromper, e, parte decidiu aterrissar na contra esquina onde a obra do Banco Safra iniciava as suas fundações.

Corre-corre geral. Parecia até uma gincana de estudantes. Sobe e desce elevador sob espanto do velho Stijn que, com peculiar galhardia, controlava a todos que entrassem no prédio.

Parte daqueles preciosos pedidos foi heroicamente recuperada e, obviamente, processado no mesmo dia. O resto – conta a lenda - virou concreto nas vigas que apóiam o belo edifício do Safra, serviu de ninho para os pombos do Conjunto Nacional, foi soterrada com as obras da Paulista ou – acreditem se quiser – ao cair na rua que já foi considerada um dos pontos mais chiques da cidade, teria sido sugada pela grade do radiador do carro de Roberto Carlos que naquele instante entravam na Rua Augusta a 120 por hora como diz a famosa, bela e saudosa canção daqueles bons tempos...

Edson P. Pinto
(Na época do fato era Gerente do ISA Philbras)

3 de abr. de 2008

14) COMO TRATAMOS NOSSOS HERÓIS (abril'08)

(pintura de Eduardo J. Victorello - P-47 da FAB ataca alemães em retirada)

O Jornal O Estado de São Paulo do dia 02/04/08, terça-feira, trouxe no seu caderno Cidades/Metrópole, página 4, na Seção de Falecimentos, na dimensão de 9,5 x 5 cm. (portanto, um formato pequeno) o seguinte anúncio pago:
 (O anúncio aqui está ampliado apenas para permitir melhor leitura)

Eu não poderia deixar passar em brancas nuvens este tema sem que a ele dedicasse algumas considerações:

Gostaria, em primeiro lugar, de me abstrair do fato de que sou filho de um ex-combatente que esteve, também, na Segunda Guerra Mundial, servindo no 1° ELO - Esquadrilha de Ligação e Observação Brasileira. Meu pai, na época, o jovem Sgt. Roxael Pinto, mecânico da aviação, um herói já falecido, certamente teve muito em comum com o Tenente Aviador Fernando Corrêa Rocha. Nem um nem outro, está mais neste mundo para nos contar sobre a campanha militar que tanto orgulho dá a nós brasileiros, embora – infelizmente – as novas gerações pouco recebem de informações a respeito.

O meu comentário quer apenas focar no disparate – diria eu, até mesmo na insensatez, que vem se apoderando com estonteante velocidade da total ausência de moralidade no trato das coisas públicas no nosso país.

Nessa mesma edição do “Estadão” vimos como manchete, na primeira página, o seguinte: “Lula livra centrais de fiscalização”, repercutindo o veto que o presidente aplicou ao artigo da lei que obrigava as centrais sindicais, recém reconhecidas, a se submeterem à fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU). Isto – pasmem amigos - significa que as centrais sindicais poderão gastar a bolada dos R$100 milhões por ano sem terem a menor obrigação quanto a prestação de suas contas ao órgão que tem, constitucionalmente, a tarefa de zelar pelo correto emprego do dinheiro do povo. Ou, quem sabe, o trabalhador que tem um dia de seu salário confiscado pela contribuição sindical, deixou de ser povo?

No anúncio da morte daquele herói que pôs a própria vida em perigo para que o mundo se livrasse do absurdo do nazismo e que em conseqüência propiciou-nos um mundo melhor no pós-guerra, tem lá - quase que como pedindo desculpas pelo gasto de publicação do anúncio fúnebre - a identificação do Cel. Int. Renato Yoshio Mori que se identifica como o “Ordenador de Despesas”, este termo que veio à tona no bojo desse mais recente escândalo dos cartões corporativos. Neste caso, uma demonstração cabal de total lisura e moralidade. No caso do veto do presidente, só vimos indícios de desprezo para com os princípios da moralidade que deveriam ser a viga mestra do exercício do cargo público.

Oh tempore! oh mores! Tal qual o grande Cícero ao discursar no Senado romano há mais de 2000 anos, espantamos todos nós pelos tempos em que vivemos e pelos costumes que adotamos.

Onde está a moralidade pública? Onde ficaram nossos valores morais? Nosso civismo? Nossa vergonha na cara? Onde se encontram sepultados – se é que a isto se dignaram – os nossos valores éticos? Até quando teremos que passivamente aceitar a prepotência do comandante de plantão a nos impingir valores furados, moralidade frouxa e escassez total e plena de ética?

“Passei 30 anos lutando por autonomia sindical” argumentou o presidente para justificar a sua insensatez. E completa com o mais irresponsável e deslavado de todos os sofismas, não poupando nem o envolvimento do Poderoso e Onipotente em assunto tão mundano: “Deus queira que tanto empresários quanto trabalhadores fiscalizem seus sindicatos” Um belo pontapé na instituição legal do órgão de controle em favor da pseudo-autonomia sindical, sabe-se lá com que interesse. Talvez apoio para o 3º mandato?

É curiosa a lógica do nosso presidente, se é que podemos considerar que ele siga alguma. Ele aplica a coisas semelhantes, lógicas inversas, dependendo, é claro, do objetivo a ser alcançado. Assim, neste caso ele disse que passou 30 anos lutando pela autonomia sindical e que por isso não iria aprovar a fiscalização das centrais. Mas, lembremo-nos, ele, também, passou 30 anos lutando pelo calote na dívida externa, pela quebra de contratos que julgava lesivo ao país, pela política de irresponsável crescimento acelerado a qualquer custo e, no entanto, para isso, mudou sua posição e – felizmente para todos nós – deu prosseguimento aos princípios de boa gestão que governos antecedentes deixaram plantados.

"Que criatura pela manhã tem quatro pés, ao meio-dia tem dois, e à tarde tem três?".

Aí está, claramente, um problema que temos de desvendar. É algo como o famoso enigma da esfinge: Ou me decifras ou te devoro! Sinto, estarmos todos sendo devorados pela caricata esfinge que reina a partir do Planalto central e que se sustenta no temporário, porém fugaz prestígio que o atual status da economia brasileira está propiciando ao seu governo.

Queremos todos, um Brasil economicamente forte. Tanto faz quem esteja por trás dessa estabilidade. País forte é quase que uma obrigação dos nossos líderes. É meta permanente a ser perseguida porque o país é potencialmente rico e cabe aos dirigentes torná-la realidade.

Mas, queremos, como povo, como gente civilizada e com seres humanos dignos que nossos governantes além de cuidar da economia, dêem exemplos que dignifiquem o povo brasileiro. Mostras de decência e de pureza vestal no trato da coisa pública. Pois, se isto não acontecer ao longo do tempo, talvez até nossos heróis, como o Tenente Aviador, Corrêa Rocha, que lutou bravamente nos céus da Itália, não venham nem mais a merecer uma Nota de Falecimento, pequena que seja, como a que menciono acima.

A propósito, Édipo apresentou a solução para o enigma, dizendo tratar-se do homem que, engatinha quando bebê, anda sobre dois pés na idade adulta, e usa um bengala quando idoso. Inconformada com a resposta de Édipo, a esfinge teria cometido o suicídio atirando-se de um precipício...

Edson Pinto
SP 02/04/08