27 de mai. de 2016

304) SEGMENTO MAL-ACOSTUMADO


Não faz meu gênero recorrer ao saudosismo para subsidiar pontos de vista pessoais. Sei que não é fácil, mas pratico um esforço consciente para adaptar-me aos novos tempos, às circunstâncias do momento e também à realidade.  A vida é como uma corrida de obstáculos que devem ser superados para se chegar bem ao final.

Muitos, como eu, são do tempo em que a escola pública, além de ser a principal opção para a formação educacional, era também a que apresentava a melhor qualidade de ensino. Adentrávamos a ela aos sete anos de idade e isso não significava atraso de vida. Boa parte da intelectualidade brasileira fez-se nesse padrão. Não me consta que Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, Castro Alves, José de Alencar e outros tantos de áreas variadas do conhecimento humano precisaram de Maternal, de Jardim de Infância e de outras facilidades para se tornarem os grandes intelectuais que foram em vida. Ao final do primeiro ano da escola, já se dava boa conta das letras e dos números. Hoje, – até pelas circunstâncias da vida moderna – nossos bebês já vão para as creches, para os ciclos infantis e para a pré-escola. Nada contra! Os tempos são outros. Os pais trabalham fora de casa e assim há de se ter alguém para cuidar dos rebentos. Se isso é bom ou não, confesso-me incompetente aqui para opinar de forma colaborativa.

O que guardo na mente é que saíamos de casa com nossas lancheiras (na minha terra chamava-se merendeiras) preparadas pela mãe. As escolas davam professores competentes e ambientes adequados para o ensino. A questão da alimentação, porém, era assumida pelos pais.  Havia certo consenso de que cada um fazia a sua parte: pagamos impostos que serviam para custear as escolas; os professores ensinavam; e os pais, além de acompanhar o desenvolvimento dos filhos, também os alimentavam. A eventual compra de nova lancheira era o ponto alto da temporada preparatória para o retorno às aulas. Ali, seria colocado o lanche preparado com carinho pela mamãe. Mesmo para os mais pobres havia sempre uma maneira de se garantir a alimentação básica na própria escola. Em ambientes de pobreza, isso sim era e ainda é uma obrigação do governo, pois não se obtém sucesso no ensino deixando crianças de barriga vazia.  

Passou o tempo e ficamos mais e mais dependentes do Leviatã. Um segmento considerável da população tomou gosto pelo populismo de governantes recentes.  Se não tem casa, há um organismo ao qual se recorrer, o MTST. O governo tem planos mirabolantes para construir casas e entregá-las a custos subsidiados. Não tem terra? Há o MST que vai dar uma gleba que você usará ou não. Pode até vendê-la, pois não há controle efetivo sobre isso. Quer estudar no exterior, legal! O governo vai colocar nossos jovens no programa Ciências sem Fronteiras. Vão passar uns tempos em um país do primeiro mundo e depois, voltam, ou não, para aplicar seus conhecimentos. Também não tem controle rígido sobre isso.

Quer fazer uma peça de teatro, um filme, uma turnê de shows, lançar um DVD? Isso não é problema. Tem a Lei Rouanet que dá um jeitinho ao jorrar milhões na sua produção através de mecanismos de renúncia na arrecadação do Imposto de Renda. Continua pobrezinho e não é bem chegado ao trabalho? Também não é problema. Que tal um Bolsa Família, um Minha Casa Minha Vida, um Minha Casa Melhor para comprar móveis e eletrodomésticos? Não conseguiu entrar na Faculdade Pública que somente em poucos países, como no Brasil, é de graça? Não se preocupe, pois o tal o PROUNI financiará, a juros subsidiados, os seus estudos, tanto faz se você realmente precisa dessa ajuda ou se você é rico, porém bem apadrinhado?

Embora pudesse listar bem mais benesses populistas que objetivam a conquista de votos nas eleições, ficarei com apenas mais uma: Quer uma escola grátis para a sua formação técnico/profissional?  O ente estadual abre suas portas sem quaisquer custos para uma ETEC. Legal? Agora você estuda de graça, tem certamente maior chance de adentrar ao mercado de trabalho, mas se recusa a ir às aulas porque a escola não dá a refeição na qualidade que você exige. Aí você se junta à meia dúzia de filhinhos de papai invade escolas, o poder legislativo e bate o pé: Sem comida, nada feito, não estudo! É claro que se a razão do movimento for a sabida malversação das verbas públicas (cancro da nossa atual realidade), tudo bem, o protesto não é só válido como até mesmo oportuno. Mas, – perdoem-me os amigos – o meu enfoque neste texto é sobre aspecto mais transcendente da mesma questão. Falo de ensinar a pescar ou dar o peixe, entende?

Vejam como a coisa funciona: O governo, para não perder esses votos faz mais essa e outras tantas concessões que se lhe pedirem. Para isso, aumenta os impostos. Aquele outro segmento da sociedade que sustenta o paraíso vai se enervando, enervando até que ocorre uma ruptura, mesmo porque, fazer cortesia com o chapéu dos outros é algo que um dia acaba. E isso não é o pior. Para mim, o que mais incomoda é o fato de estarmos construindo uma nação com um significativo segmento de pidões; uma nação de acomodados que acham que tudo tem que vir do governo. Nunca percebem que o governo não tem dinheiro próprio, não gera riqueza, e sim que o dinheiro que ele distribui, e geralmente distribui mal, vem dos impostos que tira em volume abusivamente crescente da sociedade.

Respeitada as devidas proporção e condicionalidade, é como se os pais criassem mal seus filhos não lhes dando desafios e sacrifícios ao oferecer-lhes, de graça e prontamente, tudo o que querem na vida. Filhos assim criados não gostam de trabalhar, odeiam receber “nãos” e sempre acham que deve existir alguém para atender-lhes os desejos. Só se constrói uma sociedade verdadeiramente justa quando os seus membros têm consciência de que é necessário dar o que têm de melhor, incluindo trabalho, criatividade, empenho e seriedade. Aos que, por razões justas e humanitárias, não são capazes de - temporária ou mesmo definitivamente - contribuírem, aí, sim, a sociedade, via seu governo e/ou ações não governamentais, há de criar os mecanismos necessários ao nobre ato da solidariedade. Essa ideia de ganhar tudo do governo é comunismo e, conforme amplamente provado, não funcionou, não funciona e jamais funcionará...

Edson Pinto                                                                                   

Maio’2016 

15 de fev. de 2016

303) SIMPLESMENTE, SÓ MAIS UM CARNAVAL





Pedro parecia exausto. Viera de um ano muito difícil. A família crescera, as contas saltaram para patamar mais elevado, a inflação corroia seu escasso salário e tudo o que via e ouvia de amigos tinha a ver com os temas, desemprego, falhas no atendimento da saúde pública, corrupção envolvendo governistas e estatais, e essas tantas outras mazelas que não só tornam mais difícil a vida presente do cidadão comum como parece roubar-lhe as esperanças de um dia viver em um país socialmente mais justo e economicamente mais progressista.

Pedro até mesmo se inteirava, pela TV e pelo que o povo comentava no boca a boca, sobre as descobertas de que figurões de terno e gravata assaltavam a Petrobrás, recebiam propinas e mandavam de forma ilícita dinheiro para o exterior, compravam e ocultam propriedades e coisas do gênero. E o pior: Sempre se declaravam inocentes ou que nada sabiam... Alguns iam presos, é verdade, mas ao que tudo indicava havia mais, muito mais de podridão a ser descoberta no País. O clima definitivamente não combinava com carnaval. Parecia-lhe, em que pesasse seus quase 50 anos de vida, nunca ter visto nada tão desanimador.

Com um pano de fundo desses, será que Pedro iria – como fazia há anos – entregar-se incondicionalmente aos comandos de Momo?

Ele era daqueles foliões que emendavam da sexta-feira à noite até o raiar da quarta-feira de cinzas, bebendo com os amigos, fantasiado, ora de mulher, ora de bebe chorão, ora de pierrô, ora de qualquer coisa que contribuísse para que desligasse, pelo tempo do carnaval, de sua verdadeira identidade de trabalhador honesto e responsável. Nunca deixou de pagar impostos, nunca roubara nada de material nem mesmo imaterial como os sonhos de sua esposa e filhos por uma vida melhor. Acreditava no amanhã. Era otimista, positivo, brincalhão...

Martinha, sua esposa há quase 20 anos, também gostava de acompanhá-lo naquela pausa anual. Se ele vestia de mulher, ela ia de homem. Ele de bebe chorão, ela de enfermeira. Ele de pierrô, obviamente, ela de colombina. Entendiam-se até no carnaval. Por isso, e apesar disso, não havia outra decisão a tomar, mesmo porque, dominava-lhes a certeza de que “não há mal que sempre dure”. Um dia esse estado desfavorável das coisas haveria de passar...

“Vamos pra rua minha nega!” - ordenou ele a despeito de tudo o que o afligia. E foram. E fizeram o carnaval de suas vidas. Cantaram as marchinhas de sempre, o “mamãe eu quero mamar”, “o Pierrô apaixonado”, a “cabeleira do Zezé” e tudo o que a espontaneidade do povo trazia a mente e jogava no ar.

 Há no carnaval, pensou ele, uma forma muito especial de dizer não ao que nos incomoda e dizer sim ao que gostamos. E podemos fazer isso de coração aberto, sem que nada nos impeça de ser sinceros.

 __ O carnaval, - falou Pedro para Martinha enquanto extasiado de tanta farra voltavam para casa na quarta-feira de cinzas - é como deveria ser sempre as nossas vidas: livres de preconceitos, livres para pensar e falar o que quiséssemos, sem compromissos, sem contas a pagar, sem doenças, sem, sem, sem...

Foi quando cruzaram por um derradeiro folião que, como eles, voltava também para casa. A figura, fantasiada de presidiário cantava, e Pedro e Martinha ainda tiveram fôlego para acompanhá-lo no refrão:

“Ai meu Deus / Me dei mal / Bateu a minha porta / O japonês da Federal...”

Afinal, carnaval é também esperança. Aquele refrão parecia adequado para fazer a ligação entre o fim da orgia de Momo e a retomada da realidade. Quem sabe – pensaram e questionaram em uníssono - no ano que vem eles tenham a alegria de encerrar a festa de Momo com o inocente pierrô apaixonado pela sua colombina de sempre?

Edson Pinto

Fevereiro’2016