26 de ago. de 2020

321) LIVRO QUE RECOMENDO

 

Não é necessário ser cientista, bioquímico, infectologista ou ter formação em áreas da biomedicina para entender como uma epidemia pode ser cruel para com a humanidade.

Qual é a diferença entre bactéria e vírus?

O que é um antígeno?

O que é um patógeno?

Como funciona o nosso sistema imunológico?

Como uma doença transmissível se torna uma pandemia?

Isso e muito mais encontramos no livro de John M. Barry, A Grande Gripe, que analisa a fundo a injustamente chamada “Gripe Espanhola” que, na verdade, começou nos Estados Unidos e matou entre 1918 e 1919 mais de 50 milhões de pessoas mundo afora. No critério de mortes por milhão de terráqueos, o número, hoje, equivaleria a cerca de 400 milhões de vidas perdidas.

Esse livro foi publicado pela primeira vez em 2004, portanto 16 anos antes da pandemia que ora enfrentamos. Há no livro um pouco de tudo, desde programas de enfrentamento equivocados até negacionismo, avanços científicos, arrogância política, erros de análises, rápido desenvolvimento de vacinas, de soros, e tentativas infrutíferas de uso de medicamentos alternativos como o quinino, base da nossa hoje debatidíssima cloroquina.

Tem mais de 500 páginas que valem cada minuto de leitura. Além de jogar luz sobre o tema científico de fundo, ilumina também essa nevoenta estrada política que bifurca a todo momento ora para o lado certo, ora par o lado errado. Com tão pouca visibilidade, a chance de errar o caminho é enorme.


Edson Pinto

Agosto, 2020

20 de ago. de 2020

320) CORTADORES DE JACAS

 

“Neste mundo de misérias
Quem impera
É quem é mais folgazão
É quem sabe cortar jaca
Nos requebros
De suprema, perfeição, perfeição”

(Chiquinha da Silva, maxixe

Corta-Jaca de 1895)


Há certas expressões populares que nunca deveriam cair em desuso.  “Corta-jaca” é uma delas. Claro que a vida longeva já tinha registrado em minha mente quem foi Chiquinha da Silva, quem foi Machado Careca, seu parceiro de composição, e o que fizeram para que o brasileiríssimo ritmo maxixe, do final do século XIX, desempenhasse importante papel na buliçosa cultura popular do país recém republicanizado.

Não era apenas mais um ritmo fruto da nossa abundante veia musical que o populacho aprendeu a gostar. Gostava também do cateretê, do batuque e do samba, este, como sabido, expressão máxima da nossa alma lírica. O “corta-jaca” tinha uma conotação desdenhosa que o povo prezava em sua ironia político/coletiva. Corta-jaca também significava o que hoje consagramos como “puxa-saco”.

Sabe-se pela apresentação da encantadora cantora mineira, Lysia Condé, que a multiartista Nair de Tefé, também primeira dama da República, em 1914, em festa de despedida de mandato de seu marido Hermes da Fonseca convidou Catulo da Paixão Cearense para executar o maxixe Corta-jaca na presença de autoridades políticas de nomeada nacional.

Óbvio que deu rebu de elevadíssima repercussão... A imprensa reverberou o discurso do Senador Rui Barbosa, desafeto de Hermes da Fonseca, em que desqualificou, de forma atroz, o evento. Mas fê-lo como critica ao despudor que via no ritmo maxixe: “mais baixa, mais chula e mais grosseira de todas as danças selvagens...”

Mas será que o motivo do protesto foi realmente esse, o inocente ritmo brasileiro que é acompanhado de criativos passos de pés juntos imitando o facão com o qual se corta a fruta da jaqueira? Acho que não... Lendo-se a primeira estrofe da letra que vai na introdução deste texto encontra-se a resposta. A questão é política: com tanta miséria só os folgazões, os gaiatos, quem sabem cortar jaca, isto é, sabem puxar-sacos, é que se dão bem. Não era evidentemente o caso do grande Rui, mas sim o contexto político.

Como se sabe, nada mudou de lá para cá neste comportamento social, chamemos corta-jacas ou puxa-sacos as atitudes continuam sendo as mesmas. E não se corta-jaca por convicção moral, despretensiosamente... Corta-se jacas, ou puxa-se sacos para se sair bem. Na política, infelizmente é o que mais se vê...

Edson Pinto

Agosto’2020

Para se ver a apresentação de Lysia Condé, clique neste link: https://www.youtube.com/watch?v=4wfrA54BMZg


15 de ago. de 2020

319) O MODERNO É O QUE SE APRESENTA NO MOMENTO...

 

De uns tempos a esta data - mas só em frequência eventual, felizmente - sou tentado a autoquestionamentos quando leio clássicos da literatura. Fico me perguntando o que poderia ser diferente no comportamento dos personagens ou mesmo no desenrolar da história se tivessem, na época, os recursos tecnológicos de que dispomos hoje:

Tivesse a mocinha apaixonada um smartphone à sua disposição, ao invés de uma carta amorosa levada sorrateiramente por uma criada de confiança, ao amado, poderia ser substituída por uma mensagem de WhatsApp e mesmo assim mantida a carga de emoção da história original?

Se o herói, no lugar de empreender aquela emocionante jornada por mares bravios e ter enfrentado sendas perigosas durante meses, pudesse pegar um moderno jato e aterrizar em poucas horas no seu destino, teria também o mesmo efeito narrativo que a história antiga nos oferece?

Se cenas de guerras com enormes exércitos se defrontando em campos de batalhas, arremessando lanças, flechas, combatentes a cavalo empunhando espadas reluzentes, fossem substituídas por batalhas de caças supersônicos, drones teleguiados e misseis transcontinentais, seriam mesmo assim tão ou mais emocionantes?

Grande bobagem...

Nunca encontro vestígios de que os personagens ou as narrativas demonstrassem desejo de ter aparatos mais modernos. E por quê? Simplesmente porque o ser humano está tão envolvido com a sua realidade objetiva que, em geral, não especula emocionalmente com um futuro improvável e/ou inimaginável.

Toda a narrativa se conforma com o moderno daquele momento. A emoção é inerente ao verossímil e este à realidade objetiva. A mocinha está condicionada ao recurso da carta escrita, da aventura de entrega, da espera pela resposta. A modernidade para ela está nisso e só nisso.

A emoção reside, portanto, nos fatos tais quais eles verdadeiramente são. A mesma história quando trazida às condições atuais pode não ter o mesmo sentido. O importante é entender que o leitor precisa adentrar-se ao espírito da história, assimilar as reais condições da narrativa e se comportar como se lá estivesse.

É assim que se lê com prazer...

Edson Pinto

Agosto’ 2020

8 de ago. de 2020

318) O QUE SÃO 100.000?

Primário, mas elucidativo:

Cada vez que um determinado número é acrescido de mais 9 vezes o seu próprio valor, coloca-se um zero à sua direita. Equivale à multiplicação do número original por 10. É o famoso sistema decimal (base 10).

Assim, o número 1 que abre a sequência indicada no título deste texto foi multiplicado por 10 sucessiva e acumuladamente 5 vezes. 1 virou 10; depois 100; em seguida 1.000; adiante 10.000 e finalmente - mas ainda não esgotado - chegou-se a 100.000.

O que essa enorme cifra, mesmo para padrões cósmicos e humanos significa? Podemos percebê-la através de 10 exemplos que nos são familiares. Assim, mantemos a fidelidade à base 10. Há também um pouco de humor para aliviar a crueza do objetivo crítico deste texto:

1)      O Brasil tem 5570 municípios. 94% deles, isto é, 5246, têm populações inferiores a 100.000 habitantes. Cidades menores são, em geral, melhores para se viver, não? Ninguém gostaria, portanto, que elas desaparecessem, imagino...

 2)      A 324ª cidade brasileira em tamanho (primeira da lista acima dos 94%), Mairiporã, desde o seu primórdio como povoado de Juqueri, há 4 séculos, vem acumulando gente até chegar aos 100.179 de hoje, segundo o IBGE. A propósito, Mairiporã faz limite com o município de Atibaia, local daquele famoso sítio. Também, local de esconderijo daquele não menos famoso secretário parlamentar. Quem não sabe?

3)      NO dia 8/7/2014 pouco mais de 50.000 pessoas, este escriba incluído, lotaram o Mineirão no amargo 7 X 1. Dois estádios iguais seriam necessários para se atingir o total de pouco mais de 100.000 pessoas. Mas sem outro vexame, é claro...

4)      Se colocarmos a cada 400 metros (mais ou menos dois quarteirões de extensão) 1 pessoa fazendo uma fila indiana, 100.000 delas seriam necessárias para dar uma volta completa na superfície do nosso planeta Terra. Não precisamos, na prática, fazer isso. Basta dividir 40.000 quilômetros que a Terra tem de diâmetro por 100.000. O resultado são meros 400 metros de distância entre uma e outra pessoa.

 5)      Dois quilos de arroz são compostos por 100.000 grãos. Como feijão é maior, seriam necessários 30 quilos dele para se ter 100.000 unidades dessa leguminosa rica em ferro. Confira se ainda estiver de quarentena! Tempo você tem...

 6)      O maior conflito bélico que o Brasil já participou como protagonista foi a Guerra do Paraguai no século XIX. Durou 6 anos e ceifou 50 mil vidas brasileiras. Precisaríamos de 2 guerras iguais para se atingir o número de 100.000. Não considere, contudo, a necessidade de uma nova guerra com o país vizinho só para resgatar o Ronaldinho Gaúcho. Em algum momento, creiam, ele dará um drible mágico na justiça paraguaia...

 7)      Em agosto de 1945 a bomba atômica de Hiroshima, a mais cruel das armas que o “gênio humano” concebeu, matou no primeiro momento cerca de 100.000 pessoas. Junto com Nagasaki foi argumento decisivo para a rendição tardia do império do Japão na Segunda Guerra Mundial. Hoje, vinga-se do Ocidente impondo-nos peixe cru que deve ser levado à boca com o hashi, aquele par de pauzinhos inoperável...

 8)      100.000 anos atrás, o Homo sapiens (nossa espécie) ainda estava dando seus primeiros passos na África Oriental. A revolução cognitiva ainda não tinha acontecido. O caminho que a humanidade tomou não tem volta. Guardemos, portanto, a memória de nossa antepassada primordial, a Chipanzé Australopiteca que nos deu origem. Não adianta voltar às origens. O Corona vírus também sobe em árvores.

 9)      Se alguém resolver poupar R$10,00 por dia para comprar um carro médio brasileiro, serão necessários 27 anos de disciplina e sacrifício. Este cálculo não leva em conta a perda inflacionária que é certa, mas leva em conta a remuneração que historicamente tende a zero. Melhor tentar a sorte no consórcio...

 10)   Se você sobreviveu no Brasil entre março até o presente momento, 5 meses apenas, saiba que 100.000 também é o número de mortos, neste curto espaço de tempo, devido a nossa incompetência em enfrentar, em pleno século XXI, a pandemia da Covid-19.

 Blague à parte, e levando tudo à sério, agora vem o pior:

O número de mortos pela Covid-19 não para de crescer aqui na Pátria Amada. Só quem viver saberá do real tamanho de nossa desventura. Afinal, todos nós morrermos um dia, não? É triste, mas fica a pergunta:

Onde e por que erramos de novo? Já antecipo parte da resposta dizendo que o sistema decimal não tem nada a ver com isso...

 Edson Pinto

Agosto’ 2020