19 de dez. de 2013

254) DE NOVO O NATAL

Se o Natal não existisse, e independente das razões pelas quais ele, de fato, existe, haveria de ser inventado, pois a humanidade dele não prescinde para pelo menos uma boa causa: Nunca vi outro momento ao longo do ciclo anual e repetitivo da vida que se mostrasse mais adequado para a celebração de sentimentos tão nobres quanto a amizade, a irmandade, a fraternidade.

Por que todo mundo quer se encontrar em algum momento no final do ano? Por que queremos estar à mesa com os nossos entes queridos mesmo que seja para uma confraternização que pode durar não mais do que uma única noite? Por que queremos dar um presente, por mais simples que seja, a alguém que muito consideramos? Por que queremos ser solidários com os mais necessitados, com uma criança órfã, com um ancião esquecido ou com uma família que vive na penúria? Por que queremos abraçar, beijar, sussurrar palavras de conforto ou mesmo declarar o nosso amor?

Tudo isso podia ser feito a qualquer momento, mas - convenhamos - fazê-lo nas proximidades do final dos anos parece ser o mais apropriado. É ou não? Em “Perfume de Mulher”, não exatamente no Natal, mas próximo dele, o filme estrelado por Al Pacino no papel do carrancudo tenente-coronel reformado Frank Slade, cego em um acidente na guerra, encontra o seu próprio momento para celebrar uma vida que ele julgava inútil e que, na cabeça dele, deveria ser levada a cabo. Ele foi buscar em coisas que lhe faziam sentido, como dançar um tango com a mulher que exalava um doce perfume, dirigir uma Ferrari, mesmo sendo cego, ter um encontro amoroso e ainda reencontrar a família com a qual nunca se deu bem, o seu momento de sentimentos nobres.

No final do ano, tudo isso nos aflora e é por isso que nos lembramos de muitas coisas, especialmente dos amigos. Mesmo e principalmente daqueles que nunca ou raramente respondem o seu e-mail; não têm tempo ou não conseguem se organizar o mínimo suficiente para responder um cartão eletrônico, já que o tradicional de papel enviado pelos correios já está em desuso; telefonar para um breve alô ou curtir o seu post no site da rede social. O espírito do Natal traz embutido em si este milagre: Ele é capaz de entender que as amizades são tão profundas que prescindem de atos simbólicos. Ela pode ser percebida mesmo que não estejamos na mesma sintonia, uma vez que a vida é para cada um de nós um desafio particular. Muito embora os mundos corram em paralelo, vez por outra eles se cruzam aqui e ali já que a essencialidade que caracteriza o trilho de cada um encontra correspondência com a dos amigos.Se nunca encontra, então não é amizade verdadeira...

Mensagem de Natal também precisa ser breve, principalmente neste mundo moderno de muita correria. Por isso, vai aqui nestas poucas linhas o meu fraterno abraço a todos os amigos guardados no meu coração: Desejo a todos não só encontros significativos com seus familiares e outros amigos neste final de ano, mas que tenham um novo ano intenso como intensa e rica deva a ser a nossa vida, esta passagem rápida, por este mundo material finito, com eventos transitórios, riquezas que se extinguem, raivas que se diluem, egoísmos que não perduram, alegrias que sucumbem, porque – penso assim – é na outra fase que sentimentos nobres como a amizade, a irmandade e a fraternidade mostram todo o sentido de serem eternos.

Feliz Natal e próspero 2014!


Edson Pinto 
Dezembro' 2013

13 de dez. de 2013

253) REFLEXÃO SOBRE O PAÍS DAS CAÇAMBAS

O novo prédio acaba de ser finalizado. Opa! Agora, todo aquele transtorno provocado pelo vai e vem de caminhões, montanhas de materiais de construção, fluxo de trabalhadores, guindastes e outras imposições que uma grande obra provoca está terminado. O trânsito fluirá célere e o que incomodava não nos incomodará mais. Certo? Errado! Agora que está tudo pronto começa um novo martírio: A rua é tomada por caçambas. É isto mesmo, caçambas, aqueles recipientes de aço, normalmente com o número do telefone do proprietário estampado em letras garrafais que são colocados nos lugares onde deveriam estacionar os veículos e que já se tornaram verdadeira instituição nacional. Por que isso acontece?

Bem, meus amigos! São essas caçambas que sugerem uma reflexão sobre como o ser humano, especialmente nós os brasileiros, conduzimos nossas vidas: O prédio foi planejado; os compradores visitaram os stands de vendas e tiveram acesso ao modelo decorado; a compra foi efetuada, às vezes com certo sacrifício financeiro, pois os juros de financiamento – como sabemos – são escorchantes neste país de economia nunca estabilizada e tudo parece ter chegado a um final feliz. Não! A felicidade completa parece que está em dar aquele toque pessoal e exclusivo na nova habitação, mesmo que signifique derrubar algumas paredes, trocar os azulejos da cozinha, o piso da sala, o desenho do gesso do corredor ou qualquer outra coisa que diga para quem o fez algo como: É assim que eu gosto e quero! E lá se vão toneladas de entulho de materiais recentemente instalados. Outras toneladas adentrarão ao prédio ou à casa para substituir as primeiras.

Há algo errado com essa liberdade das pessoas em quererem personalizar o próprio lar? Claro que não! A vida só é plena quando nos sentimos bem com as coisas que temos; com as pessoas que nos rodeiam; e, obviamente, também como o lugar que consideramos nosso teto. Mas, apesar disso, penso que deve existir algo de muito peculiar aqui na nossa terrinha. Minha experiência pessoal, incluindo a de ter vivido fora do país por algum tempo, não me registrou pelos lugares que freqüentei e vivi tanta sanha para reformar as habitações como vejo aqui no Brasil. Visitem qualquer país europeu e verifique se há tantas caçambas nas ruas como temos por estas bandas... Fica aqui o desafio!

Seria essa sanha de reformar o imóvel algo relacionado com a ascensão social de parte da nossa sociedade que, além de recursos financeiros agora disponíveis, também começa a ter gostos mais refinados? Será que em outros países as habitações já não são mais definitivas de tal modo que as reformas que se fazem são mais leves ou utilizam materiais que geram menos entulhos ou, por último, mas não menos importante, será que as demandas e preferências pessoais de sociedade mais evoluídas, como um todo, não são mais equânimes, parecidas, e por isso exigem menos reformas?

Se fossemos um país comunista, o que graças a Deus não somos, talvez as casas, sendo todas de propriedade social, fossem - por razões obvias - padronizadas e os gostos individuais já teriam sido, há muito, massacrados pelo estúpido principio da igualdade forçada. Sermos capitalistas nos dá essa liberdade, mas também deveria nos sinalizar para medidas que possam contribuir para a redução do desperdiço. Por que não planejar melhor? Será que as construtoras não poderiam adotar tecnologias que minimizassem os transtornos das eternas reformas? Será que individualmente não poderíamos ser menos “inovadores” neste sentido de mudar por mudar, reformar por reformar? Será que há certa dose de mimetismo a levar as pessoas a seguirem uma determinada moda? Tudo é possível, tudo é justificável, nada é em vão...

E por usar a expressão “em vão” fica aqui uma lição que podemos depreender dessa “filosofia de caçamba” tão peculiar ao nosso cotidiano. Quem sabe não passemos a distribuir caçambas metafóricas para remover o entulho da política brasileira; os azulejos envelhecidos da corrupção; o gesso podre do nepotismo; o piso rachado do gosto pelo eterno poder por parte dos mesmos mandatários de sempre? Esse, sim, seria o entulho maior que não nos aborreceria com tantas caçambas quantas fossem necessárias para removê-lo e depositá-lo no mais longínquo e profundo depósito de rejeitos que se possa conceber.

Edson Pinto

Novembro’2013 

4 de dez. de 2013

252) QUESTÃO DE COMPETÊNCIA

O jovem na casa dos 30 sai à procura de um novo trabalho. Inscreve-se para processos de seleção em várias ofertas de cargos compatíveis com o seu conhecimento e adequados aos seus planos de carreira profissional. Prepara o Curriculum Vitae, submete-se a entrevistas, dinâmicas de grupo, teste específicos, comprova com diplomas a sua formação educacional, submete-se a avaliações no idioma Inglês, Espanhol e em matérias técnicas. Comprova experiência anterior e atende a várias outras exigências feitas pelos futuros empregadores. É, se demonstrar potencial competência, admitido. Fica num período de experiência quando suas habilidades são analisadas com lupa até que prove ser exatamente o profissional que a empresa necessita para os propósitos de seu negócio. Competência e preparo são, neste caso, o nome do jogo. Agora, com sua efetivação ele pode ser útil à empresa e fazer, ali, se quiser, a sua carreira profissional até atingir posições de maior destaque e relevância. Começará com assistente sem responsabilidade pelos resultados do setor, mas, um dia, se tudo correr bem e ele ratificar os seus méritos, poderá ter sob sua batuta o orçamento de todo um departamento da empresa.

Outra situação: Jovem, como no exemplo do parágrafo anterior, ou mais jovem ainda, talvez sem qualquer preparo executivo ou boa formação educacional, ou mesmo já adiantado na idade, semi-analfabeto e sem qualquer experiência na direção de qualquer atividade, nem mesmo uma lojinha de R$1,99, resolve optar pelo caminho da política. Aproxima-se de um partido político, faz umas gracinhas midiáticas e/ou vale-se de seu prestígio em alguma área do entretenimento de massa e sai candidato a um cargo político. É eleito pela massa ignara e logo assume a possibilidade de comandar ou interferir na gestão de um orçamento público superior em milhares de vezes ao daquele sob responsabilidade do cidadão do parágrafo anterior. Assume o poder de legislar sobre temas que vão influenciar no desempenho da indústria, do comércio, das empresas em geral, dos cidadãos. Ou, no poder Executivo, assume o comando de um ministério, uma secretaria ou um órgão público com ação sobre verbas astronômicas. Não precisou fazer entrevistas prévias; não teve que fazer provas de Inglês, Português, Matemática ou mesmo de quaisquer outras matérias técnicas. Não precisou provar experiência anterior para gerenciar qualquer coisa que fosse...

Não soa absurda essa situação? Sim! Mas é exatamente assim que o processo dito democrático seleciona os homens que têm o poder de comandar, não um departamento ou uma empresa, mas sim toda uma cidade, um estado ou a federação. Nada contra o fato de ser legitimo o direito de todos os cidadãos aspirarem a um cargo político, mas tudo contra o fato de que não se exija deles nenhuma prova de competência e preparo adequado para a função de tão larga responsabilidade. E parece que a coisa nem sempre foi assim. Foi com o passar do tempo e com o emburramento da coletividade associado ao desprezo generalizado pelo mérito e pelas funções públicas que acabamos nos submetendo às regras políticas elaboradas exatamente pelas mesmas pessoas despreparadas que, democraticamente, colocamos no poder.
Sócrates, o grande filósofo grego, já propugnava o mérito como sendo critério “sine qua non” para a escolha dos dirigentes da sociedade. Aí se incluía a educação, a moral, a aptidão e o preparo para o exercício de determinado cargo. Muitas sociedades atuais incluem em seus processos eleitorais essa vertente da meritocracia como elemento garantidor de uma gestão política de bom nível. Infelizmente, não é o que ocorre na nossa sociedade brasileira. Os exemplos de “falta de preparo” abundam o nosso cotidiano e nos leva ao desânimo, ao desperdício de recursos públicos e à injustiça social. Quer exemplos?

Sabe aquelas estradas que mesmo tendo recursos financeiros disponíveis nunca saem? Aquele projeto de linha férrea que nunca consegue sair do papel? A transposição do São Francisco que vem desde o período do Império e que nunca se conclui? O Metrô que não se expande conforme o crescimento das cidades? O gasto público sempre mais elevado do que seria razoável imaginar? O sistema de saúde que perde recursos com equipamentos que não funcionam porque não há infraestrutura correta para operá-los? O parque eólico do Nordeste que já está montado, porém a energia não tem redes de transmissão para ser distribuída porque faltou planejamento? Ficaria aqui horas e horas listando exemplos de incompetência na gestão do nosso país que nos priva de uma vida melhor e ainda elevam aos píncaros o custo Brasil.

Não devemos esperar que um dia uma determinada reforma política crie esses mecanismos para assegurar maior competência no Estado. Há, sim, uma forma de que se encontra em nossas mãos para evitarmos o descalabro. É o voto consciente. Precisamos criar a mentalidade de que dar o voto a alguém é como chancelarmos a admissão de um empregado em nossa empresa, ou da empregada que cuidará da comida e das coisas de nossa casa, do técnico que dirigirá o nosso time de futebol ou mesmo do gerente do Banco que cuidará das nossas economias colocadas sob sua responsabilidade para guarda e aplicação. Quando tivermos isso em mente colocaremos no governo gente séria e competente, com experiência, domínio de técnicas administrativas, ou seja, bons gerentes para cuidar e bem aplicar os impostos que pagamos cada vez em volumes maiores.

Edson Pinto

Dezembro’2013

25 de nov. de 2013

251) ALÉM DO IMAGINÁRIO

Dei-me ao luxo de um refúgio sabático e fiquei pouco mais de dois meses sem publicar novos textos no meu blog. Fiquei preguiçoso? Não, pois dediquei parte expressiva desse tempo a realizar uma tarefa que tenho certeza muitos de meus amigos também gostariam de fazer. Alguns, quiçá, talvez até já a tenham feito - admito - mas arrisco-me a dizer que são poucos. As razões são as obvias de sempre: O corre-corre da vida moderna a privar-nos de tempo discricionário para o lazer, a, até recente, indisponibilidade de recursos técnicos viáveis para o mister e (por que não?), a falta de aptidão para se organizar as corriqueirices da vida.

Vou, neste texto de retomada do meu blog, falar-lhes do que se trata:

Primeiro, uma digressão técnico/cultural: Desde os seus primórdios, o homem vem se esforçando para criar registros daquilo que observa ao seu redor. As pinturas rupestres estão aí para nos provar esta assertiva. Consideremos a pintura que, de propósitos ligados aos registros históricos, acabou se tornando arte. Ela não só registrava os momentos que interessava serem recordados em tempos vindouros e legados às gerações futuras, como denotava e ainda denota a sensibilidade estética do artista na busca de uma interpretação às vezes até mesmo onírica de um objeto e/ou de um instante significativo. Pintura de boa qualidade, portanto, é arte. Mas ela tem lá suas limitações: É cara, de pequena produção e agrega pouco valor cientifico por não retratar com fidelidade o seu objeto.  Aí, em algum momento do século XIX aparece a fotografia. Diziam que não era arte como a pintura, pois simplesmente captava por processos químico/mecânicos a realidade que se observava sem, contudo lhes propiciar a criatividade exclusiva do artista. Verdade, mas a fotografia logo se impôs pelos seus outros atributos.

Bem, no mundo em que vivemos, o processo fotográfico “caiu como uma luva” para as demandas de registros de nossas memórias cada vez mais assoberbadas. O quanto a fotografia contribuiu para o progresso da humanidade, ou vice-versa, não vem ao caso. O fato é que pelo menos as três gerações que antecederam à nossa (refiro-me aos nossos pais, avós e bisavós), vieram se familiarizando de forma gradativa com a fotografia. As fotos, ao capturarem instantes vividos nos ajudam a lembrar o passado para nossa alegria, tristeza e emoção. Depender só da memória é pouco para quem gosta de pontuar momentos importantes para recordá-los mais adiante e também compartilhá-los com seus circunstantes. A indústria da fotografia erigiu grandes empresas e os processos continuaram evoluindo para o bem de todos. No inicio, as fotografias eram em preto e branco e fotografar era tarefa para iniciados e profissionais. Em seguida vieram as câmeras mais simples, filmes mais baratos e aí se popularizou o seu uso. A fotografia a cores, e mais recentemente a digitalização, a câmera acessível no telefone celular e todas as possibilidades que a internet vem nos oferecendo para divulgar de forma rápida e a baixo custo os registros fotográficos que fazemos cada vez mais abundante coroam o sucesso dessa evolução tecnológica.

Com tudo isso fervilhando em minha mente, dei-me conta de que todas aquelas fotos que tenho acumulado ao longo de anos encontravam-se esquecidas em álbuns que ninguém mais folheava, em fundos de gavetas de raro acesso, em portas-retratos que nem mais olhamos. Era como nos versos de Olavo Bilac “ouro nativo, que na ganga impura, a bruta mina entre os cascalhos vela...” Fotos preciosas como ouro que retratam momentos importantes da vida de minha família guardas para uso em futuro incerto ou talvez nunca, mesmo porque, principalmente as coloridas, perdem qualidade com o passar do tempo e que – pelo menos no meu caso – em breve não se prestariam a mais nada. Era, portanto, preciso fazer algo de imediato. A tecnologia existe e o tempo agora me é favorável. Pus mãos à obra:

Na primeira etapa arranjei caixas de papelão e preparei separadores com os anos em que as fotos haviam sido feitas. Para várias, me foi necessário consultar parentes sobre as possíveis datas e os eventos que retratavam. Trinta dias depois, já com tudo identificado e com quatro caixas recheadas, consegui reunir precisamente 8.121 fotos. Usando um recurso fantástico e gratuito do Google, o aplicativo “PICASA”, montei, por anos e eventos principais, 114 álbuns. Usei um scanner para digitalizar as fotos e aplicava – quando necessário, e foram várias vezes – o recurso eletrônico de recuperação de fotos esmaecidas. Centenas delas já bem descoloridas pelo tempo recuperaram quase que totalmente suas cores originais e foram salvas para a posteridade.

Agora, tenho uma história de vida que, além de poder ser contada com a imaginação do escritor amador que sou, ser ilustrada, para muitas situações particulares, com um registro fotográfico que traz a mim, aos parentes e aos amigos que partilharam comigo momentos importantes do passado uma recordação cheia de significado. Com tudo no computador, é possível enviar álbuns ou mesmo fotos individuais para pessoas que nem sequer se lembravam daqueles momentos e assim despertar emoções e estreitar laços de amizades. Consegui baixar no smartphone que uso todas essas fotos. Compartilhá-las via WhatsApp, Facebook e outros recursos tornou-se uma realidade inimaginável há tão pouco tempo.

Como as fotos antigas servem para nos lembrar não apenas do que fomos, mas necessariamente do que somos agora, nada melhor do que buscar nelas as situações que a nossa falível memória já começa a perder. Assim, toda vez que olhar para a foto de 1955 que ilustra este texto hei de me dar conta que bastava um corte de cabelo a “Príncipe Danilo”, uma canetinha simples e nenhum celular, ou notebook, ou tablet ou smartphone para ser, na época, uma criança feliz. Mas, comparando com os tempos atuais, ser feliz, obrigatoriamente, já nos exige tecnologia até mesmo para nos lembrar do passado inocente que, pelo menos, agora já se encontra registrado para a posteridade.

Edson Pinto

Novembro’2013

12 de set. de 2013

250) OUSE SABER!

Seguiu-se à Filosofia Antiga, aquela que começa na Grécia de Sócrates e vai até o fim do Império Romano em 476 d.C., outra filosofia que, aninhada na obscura Idade Média ganhou adjetivação compatível com o período em que floresceu, ou seja, Filosofia Medieval. Esta palavra, “medieval”, como sabemos, acabou, por razões óbvias, denotando o que se rotula genericamente como atraso. À filosofia praticada na época não é possível evitar que se lhe atribua o mesmo deslustre. A intelectualidade do período ocupava-se essencialmente em promover a conciliação do pensamento clássico herdado dos séculos anteriores com as crenças religiosas predominantes na Idade Média. Perdeu-se, portanto, muito tempo para se explicar o inexplicável e a humanidade caminhou a passos lerdos. A razão não tinha vez e as liberdades que lhes são da essência se viram embotadas, enfraquecidas, acovardadas.

Superada essa fase, adveio o Renascimento e uma nova filosofia que se denominou “moderna”. O renascimento filosófico gestou no século XVIII o Iluminismo, o século das luzes, quando o homem passou a enfatizar o poder da razão sobre a emoção para explicar e reformar o mundo. Destacam-se filósofos importantes como Baruch Spinosa, John Locke, Diderot e Voltaire, entre outros. Influenciou mundo afora os movimentos libertários das colônias de nações europeias, como o americano nas pessoas de Thomas Jefferson e Benjamim Franklin. Até mesmo a nossa Inconfidência Mineira se banhou nas luzes do Iluminismo. Todos os seus ideais como o fim do colonialismo e do absolutismo, a instauração da República, as liberdades econômica, religiosa, de pensamento e de expressão nasceram na intelectualidade européia do século XVIII.

A grande lição que nos ficou do Iluminismo pode ser sintetizada na frase que dá título a esta crônica: “Ouse Saber”, em latim, “Sapere Aude!” que pode ser considerado o lema do Iluminismo. Immanuel Kant resumiu de forma magnífica o que isso passou a significar para a humanidade: “O Iluminismo representa a saída dos seres humanos da tutela que estes se impuseram. Tutelados são aqueles que se encontram incapazes de fazer uso da própria razão independentemente da direção de outrem. É-se culpado da própria tutela quando esta resulta não de uma deficiência do entendimento, mas da falta de resolução e coragem para se fazer uso do entendimento independentemente da direção de outrem”

O que, então, significa “ousar saber” no mundo de hoje? Não difere muito do que os iluministas nos legaram porque o ato de pensar livremente, incluindo a de expressar o quê disso resulta, tem um caráter universal e atemporal, isto é, atinge a todos e independe de época. Não há dúvidas de que ousar ou atrever-se a saber, que é o mesmo que atrever-se a pensar, pois quem não pensa não adquire sabedoria, requer engajamento social. Vivemos momentos de liberdade nominal, mas de pouca liberdade real quando consideramos que os fardos da vida social pesam para os menos aquinhoados mais do que a capacidade que têm de suportá-los. Vejam o Estado Republicano, pretensamente democrático, que nos sufoca dia a dia!  Nas condições em que atualmente se apresenta, o Estado assumiu tamanha magnitude e assenhoreou-se de tal modo da vida do cidadão que ele se vê forçado a privar-se da liberdade de pensamento e expressão, de ser sábio, se é que quer continuar desfrutando de sua pseudo-cidadania.

O cidadão humilde que depende de uma Bolsa Família para sobreviver; o eleitor que se vê obrigado a vender o seu voto para conquistar um benefício de seu candidato, se eleito; o doente na fila de um hospital público abarrotado que depende da boa vontade de um funcionário para pelo menos conseguir uma maca onde jogar o seu corpo enfermo; o empresário que precisa cumprir mil obrigações burocráticas para não ver seu negócio detonado pela voracidade do Leviatã; o cidadão que é triturado pelas engrenagens da burocracia quando quer fazer uma mera transação imobiliária, obter um documento ou mesmo para requerer um direito teria liberdade suficiente para ousar saber, pensar e atuar? Essas formas de poder exercidas sobre os cidadãos pelo estado totalitário tolhem boa parte da suas liberdades e os impedem de saber, pensar e atuar criticamente. O cidadão devedor e dependente se autorrestringe e se acovarda, o que perpetua o domínio dos detentores do poder. O Iluminismo nestes casos não passa de uma bela filosofia que teoricamente nos ilumina a mente, mas não nos garante sucesso se, conforme disse Kant, nos faltar resolução e coragem para o entendimento independente da tutela alheia.

As condicionantes do livre saber, pensar e expressar não param no parágrafo anterior. Quantas vezes já nos ocorreram de ficarmos alheios a uma injustiça ou aceitarmos passivamente o prosperar de um malfeito? O cidadão, e não é só aqui em nossa terra, mas em qualquer lugar do mundo, se omite por comodismo, por covardia ou mesmo por ignorância quando se depara com algo errado. A recente série de reportagens que Ernesto Paglia da Rede Globo apresenta no programa Fantástico sob o título de “Vai Fazer o Quê? demonstra como uma grande quantidade de pessoas se mostra indiferente como a situação desagradável que se lhes apresenta e prefere não se envolver. Falta de entendimento, de sabedoria? Falta de solidariedade? Falta de coragem? Pode ser tudo isso, mas principalmente demonstra a falta de iluminação das suas mentes por certo condicionadas ao exercício do papel de meros coadjuvantes dessa trajetória maravilhosa e enigmática que é a vida.

E quanto ao meio-ambiente? Todos sabem, ou pelo menos teriam condições de saber, que o homem anda destruindo o planeta e tratando-o muito mal. Parecem desconhecer que a Terra é única e que os seus recursos naturais são esgotáveis. O que deixaremos para as gerações futuras? Ou imaginam que o mundo ao já se encontrar próximo do fim nada justificaria certos sacrifícios no presente para mantê-lo em bom estado no futuro. Espécies animais e vegetais são dizimadas em velocidade estonteante causando desequilíbrio ecológico. Sabe o que faz o cidadão que não tem a mente iluminada, nem mesmo pelo débil lume de uma prosaica lamparina? Descarta o lixo que poderia facilmente ser reciclado no primeiro terreno baldio que encontra; lança a bituca de seu cigarro pela janela de seu apartamento, pela janela de seu carro ou mesmo no meio da rua sem a menor consideração para com o próximo e para com o meio-ambiente. Se somos seres pensantes e se sabemos que somos parte do problema porque, então, via iluminação, não optemos por ser parte da solução?

De minha parte, tenho tentado ser independente naquilo que penso e expresso. Prova disso são os 250 textos que completo com a crônica de hoje e que me dão uma enorme alegria e real sensação de liberdade por tê-las escrito sem constrangimento e condicionantes. Sinto-me tão livre para pensar e escrever que - deste texto em diante - tomei a liberdade de me eximir da obrigação quase semanal a mim auto-imposta de produzi-los como tem acontecido nos últimos anos. Não me cobrem mais o texto da semana, mas sim um novo texto, pois continuarei a escrever, mas só e quando julgar que vale a pena. Já ando pela metade dos meus sessenta e às vezes tenho feito planos de vagamundear tanto no real como na imaginação.  Pensar, sim, continuarei e sempre, pois se a mente não é iluminada não há como não iluminar também os caminhos que trilhamos. Eu não pretendo andar no escuro...

Edson Pinto

Setembro’2013 

29 de ago. de 2013

249) BARCO FURADO

Passei quase uma semana inteira cuidando de um assunto prosaico: A tentativa de renovação de minha Carteira Nacional de Habilitação (CNH). Penso que muitos dos meus amigos já passaram por isso, senão várias, pelo menos umas duas vezes na vida. Sabem, portanto, da burocracia envolvida, principalmente se moram em cidade grande e desde quando o Código de Trânsito tornou-se mais rigoroso e implantou multas pelas nossas distrações, pressa, inocência e até mesmo barbeiragem. Aqui em São Paulo até que existe um tal de “Poupatempo” que funciona - pelo menos por ora - bem nessa nobre tarefa de produzir vários de todos esses papéis que a cidadania nos impõe, CNH inclusa.

Bem, primeiro tem-se que preencher um formulário e agendar pela Internet um horário no Poupatempo. Foi o que fiz; aguardei o dia e, no horário, lá estava eu feliz com meus documentos em mãos e um bom livro para, se fosse o caso de espera longa, aproveitar bem o tempo disponível, afinal o nome da repartição pública bem que nos sugere uma boa administração de nosso tempo cada vez mais escasso. Mal passei da triagem e a educada atendente com rápidas digitadas no computador me deu a desagradável notícia de que não poderia renovar a minha CNH, pois havia um bloqueio por excesso de pontos decorrentes de multas. Tinha agora de ir ao DETRAN que no meu município se desdobra em CIRETRAN. É a mesma coisa, só que encarregado dos assuntos de transito do município e com as suas peculiaridades de gestão que mais à frente bem haverão de entender...

___ Mas senhor Delegado - disse eu à “autoridade”, que estranhamente portava e deixava visível um revólver na cintura (instrumento de trabalho necessário?) - eu já havia apresentado no início do ano passado a minha defesa como pode ser visto aqui nesta carta registrada e encaminhada à sua CIRETRAM, por AR (Aviso de Reembolso), na qual eu demonstro que uma das multas não era minha, já tinha sido transferida, e que, ao tirá-la, meus pontos não excediam ao limite de 20 como determina a lei.

___ Sim, senhor Edson, nós recebemos a sua defesa. Ela está aqui, só que foi indeferida. O senhor devia ter vindo aqui até 30 dias após a entrega da defesa para saber do resultado. Como o senhor não veio, agora nada mais pode ser feito. Nem reexaminar a sua defesa podemos fazer.

___ Espera, senhor Delegado! Eu recebi uma Notificação pelos Correios me informando da abertura do processo para suspensão da minha habilitação; respondi por escrito, também pelos Correios, como já constatado, e esperava uma a resposta também por escrito, pelos Correios. Por que só pessoalmente conseguiria ver o resultado?

___ Nada feito, senhor Edson, essa é a regra. Devolva a CNH e deverá ficar 90 dias sem dirigir. Terá ainda que fazer um curso de reciclagem e – importante – não poderá ter nenhuma multa nesse período sob pena de nova penalidade ainda mais severa!

E sabem por que acumulei essas multas, meus amigos? Uma delas, por exemplo, foi quando entrei em uma avenida ampla no município de Osasco, sem perceber que logo no seu inicio havia (cheguei a conferir posteriormente) uma plaquinha camuflada por detrás de galhos de uma árvore que crescera em excesso indicando velocidade máxima de 60 km. Nenhuma outra indicação ao longo da longa avenida, mas radares também ocultados por galhos de árvores estrategicamente postados para o flagrante. Outra multa: em uma avenida que começa indicando 60 km, mas sem nenhuma razão técnica aparente, muda a certa altura para 50 km. Exemplo de outra multa, esta inclusive já anteriormente objeto de defesa, sem sucesso, por passar em rodovia sem uso de cinto de segurança. Não era verdade, e, mais do que isso: praticamente impossível um agente rodoviário poder perceber, com absoluta certeza, que um motorista não usa o cinto de segurança só por uma rápida olhadela para dentro de um carro que passa em velocidade e com vidro fumê na gradação legal. Você sabia que a palavra de um agente de trânsito, assim como funcionários públicos diversos, é revestida do que se chama de “fé pública” da qual se presume autenticidade e por isso não pode ser questionada sem elementos probatórios muito fortes?

Bem, pesquisando o assunto descobri que os recursos de motoristas são em tamanha monta que os órgãos encarregados não se dão ao trabalho de analisar detidamente todas as defesas. Metem logo um INDEFERIDO e tudo fica por isso mesmo... Há, sim, a alternativa do Judiciário para se tentar fazer com que nossos direitos sejam respeitados, incluindo o correto julgamento de defesas dos cidadãos motoristas.  No meu caso em especifico continuo convencido de que a “autoridade” foi no mínimo desatenciosa para com os meus fundados argumentos. Só que – e isso todos nós sabemos - que justiça toma tempo, é cara e pode demorar um tempo tão longo que não contribui positivamente com os interesses práticos de quem precisa se movimentar neste País cada vez mais complicado e difícil de viver. Há outra solução, porém essa devemos repudiar por questão de princípios. Todo mundo sabe qual é e como funcionam as coisas nesta “res publica”.  Neste barco em não entro, pois está furado...

Portanto, meus amigos, com um olho no peixe e outro no gato, ou melhor, um olho no processo, outro no revólver do Delegado, decidi que estarei nos próximos 90 dias restrito em minha movimentação. Minha esposa, cuja pericia de copiloto, já fora comentada no texto anterior, agora sai do banco do carona e passa para o banco do motorista.

A propósito, embora a principio pareça ser uma boa oportunidade para retribuir a sua eficiente copilotagem, penso ser melhor eu ficar calado e continuar a leitura daquele livro que levei para o Poupatempo e não consegui ainda lê-lo por inteiro. O título do livro é “Nobreza de Espírito – um ideal esquecido” de Rob Riemen, Editora Vozes, que me foi presenteado pelo amigo, professor Gilberto Canto. Recomendo!

Edson Pinto

Agosto’ 2013 

15 de ago. de 2013

248) DIREÇÃO AUTOMÁTICA (Self-driving car)

Gosto muito de me inteirar de todas essas maravilhosas tecnologias que prometem nos dar mais segurança e conforto.  Mal nos acostumamos com uma e lá vem outra que passa a desafiar a nossa capacidade de adaptação ao mesmo tempo em que torna obsoleto e antiquado o modo com o qual nos relacionávamos, até então, com o assunto. Caso nos recusemos a aceitá-las, submetemo-nos ao compulsório alheamento à modernidade. Se não quisermos entrar para o rol dos alienados ou mesmo dos jurássicos, o melhor a fazer é tentar entendê-las e até mesmo adotá-las.

Já pararam para pensar o que surgiu de novas tecnologias nos últimos 20 anos? Cito algumas: O computador pessoal, que de utilidade restrita, no início, passou a ser quase uma obrigatoriedade para tudo o que fazemos agora em nossas vidas. Afinal, é com ele que nos informamos, controlamos nossas tarefas, acessamos e operamos a conta bancária, consultamos mapas, agendamos compromissos, escrevemos mensagens, cartas e as enviamos para qualquer lugar do mundo instantaneamente; pedimos a pizza do final do dia; ouvimos música; assistimos filmes; colecionamos fotos e muito mais.

O telefone, aquele mostrengo pesadão que ficava num local especial da casa, virou celular, depois smartphone, ganhou imagem, cores, GPS, acesso à internet, jogos eletrônicos, máquina fotográfica, filmadora, agenda. Serve para chamar taxi, acessar a câmera de vídeo do escritório, ver mapas e até – acreditem ou não – telefonar...

Os automóveis ficaram mais seguros e confortáveis com sistemas automáticos de câmbio, freios ABS, sistema de navegação por satélite, injeção eletrônica e sensores diversos. Poderia aqui enumerar várias outras tecnologias na medicina, nos transportes, na engenharia e outras áreas, mas isto tomaria muito do tempo de que preciso para falar sobre uma em especifico que afeta o dia a dia de uma boa parte dos homens casados:

De uns dois anos a esta parte, temos ouvido falar, com cada vez maior freqüência, sobre estudos que várias empresas de informática, como o Google, universidades, montadoras de automóveis e outras entidades sérias vêm fazendo para o desenvolvimento do carro que dispensa motorista. A essa nova tecnologia tem-se dado o nome de ”Self-driving car” ou, em português, “Direção Automática”. Funcionaria mais ou menos assim: Você entra no seu automóvel e diz para ele que quer ir a tal ou qual destino. Pronto! Pegue o seu jornal, ou seu tablet, ou seu celular, ou entabule uma animada conversa com sua parceira ou parceiro de viagem e esqueça o desassossego do trânsito. O carro fará tudo sozinho, dispensando-o de trocar marchas, atentar-se aos sinais dos semáforos, frear, acelerar, virar o volante, prestar atenção aos demais carros na pista, cuidar de não atropelar pedestres e todas essas coisas que o motorista tem que fazer ainda hoje para se obter o mesmo propósito que é o de se deslocar de um local a outro com rapidez e segurança.

Confesso que acho bonita e muito engenhosa essa nova tecnologia de direção automática.  Não nos espantemos, portanto, se dentro de pouquíssimo tempo começarmos a ver os primeiros carros sem motoristas ao volante circulando por nossas vias públicas. Como aconteceu com outras tecnologias, talvez, um dia, essa eu tenha que assimilar também. Contudo, por ora, e nos estágios das informações que são disponibilizadas ao público, confesso não ver tanta vantagem. Se você meu amigo tiver uma situação parecida com a minha, certamente saberá me dar razão e assim nos alinharmos em pensamentos. Explico:

Quando estou dirigindo com a minha mulher ao lado, todas as funções automáticas do futuro e inovador sistema “self-driving car” já me são completamente supridas: Sou automaticamente dispensado de qualquer esforço intelectual para dirigir, pois ela me diz quando estou próximo demais do carro da frente; me alerta quando há pedestre querendo atravessar a via; me manda mudar de faixa quando constata que a faixa em que me encontro está mais lenta do que a outra; chama-me a atenção para os semáforos, para a sinalização vertical e de solo; me alerta severamente quando a velocidade parece excessiva; determina-me virar à direita ou à esquerda tão logo a esquina ou o cruzamento sejam atingidos; orienta-me para ligar ou desligar o ar-condicionado, o rádio, o farol, a seta, colocar o cd no player e todas e quaisquer outras tarefas que a nova tecnologia vier, suponho, a incorporar nos veículos modernos. Por essa razão não vejo – a principio – muita novidade no que vem por aí.

Como veem, não é pela introdução automática de novas funções de controle que a tecnologia irá suprir o que já têm, em geral, os homens casados com mulheres zelosas, pois ambas propiciam o mesmo nível de controle e segurança. A minha situação atual em particular até que me dispensaria – a priori – de ter um elevado gasto com a aquisição de um carro com o novo e provável sistema de direção automática, uma vez que todas as tecnologias, pelo menos nos seus momentos iniciais, tendem a custar bem caro.

Só há, contudo, uma possibilidade de eu começar a me interessar por ela e, dessa forma, considerar um dia poder adquiri-la: É saber se com a nova tecnologia “self-driving car”, ficarei livre de todas as repreensões que recebo, ao dirigir, do meu sistema automático atual...

Edson Pinto

Agosto’2013 

8 de ago. de 2013

247) A LÍNGUA DO PÊ

Sepe vopocêpê tepevepe inpinfanpancipiapa, vopocêpê vaipai lempembrarpar despestapa brinpincapadeipeirapa.

Se não lembrou, certamente perdeu uma das brincadeiras mais instigantes que a garotada de outros tempos utilizava para agitar os relacionamentos sociais ainda em formação. As meninas, pelo menos na minha época, eram as mais espertas e talvez mais caprichosas do que os meninos para debulharem essa quantidade de palavras aparentemente complexas. Com elas driblavam a curiosidade dos garotos enrolando-os numa trama quase inescapável. Perante outras garotas ainda não iniciadas na brincadeira, impunham-se pela admiração que o domínio do estranho idioma lhes impunha.

A origem da língua do “Pê” remonta à segunda guerra mundial: Dizem que os soldados aliados para se comunicarem sem que fossem interpretados pelos inimigos prisioneiros bolaram uma nova língua a partir da própria língua pátria, simplesmente acrescentando ou pospondo a cada silaba uma outra sempre composta da letra “p” e da final da silaba original a que se ligavam. Há, portanto, lugares em que se colocava a nova sílaba antes e outros depois da principal. Assim, a expressão que começa este texto quer dizer: “Se você teve infância, você vai se lembrar desta brincadeira”. É só tirar o “pe” que vem depois do “se”, o “po” que vem depois do “vo”, o “pê” que vem depois do “cê” e assim por diante. Experimente!

A Celma, minha irmã de 10 anos era batuta nessa linguagem. Dava nó em pingo d’água, ou melhor, “dapavapa nópó empem pinpingopo dapaapaguapa” Entendeu?

Chegou à janela de casa e gritou para uma coleguinha recém-chegada ao bairro:

___  Opo quepe vopocêpê tápá fapazenpendopo? 

A menina perplexa:

___ Não te entendo, o que você tá falando?

___ Vopocêpê nãopão conponhepecepe apa línpínguapa dopo Pêpê?

___ Hein?

___ Então precisa aprender para poder conversar com a gente, entendeu?

___ Você me ensina?

___ Claro, depois que eu assistir a televisão que está ligada aqui do meu lado, você está ouvindo o som?

___ Vocês tem televisão? Ninguém na rua tem!

Era final dos anos 50 e pouca gente tinha um televisor em casa. Era coisa rara e ainda privilégio de gente muito abonada, o que não era o nosso caso. Para a Celma, devia ser naturalmente um sonho que ela realizava de forma esperta e somente para impressionar a inocente amiguinha que acabara de chegar ao bairro.

Na verdade o que tínhamos era um rádio a válvula que ficava sobre um móvel da sala bem nas proximidades da janela onde o diálogo transcorria. Era a preciosidade da casa que requeria autorização especial dos pais para ser ligada. Naquele momento, eventualmente, ele estava e Celma viu então a oportunidade de duplamente se impor sobre a neófita. Já a impressionara com a língua do “Pê” e agora como a televisão imaginária, por que não?

___ Não, não posso deixar ninguém entrar. Meu pai é muito bravo e não deixa que ninguém mexa na televisão.

___ Mas eu não vou mexer – replicou a menina – só quero ver, e isso não estraga...

___ Pode não! Eu já disse. E além do mais, essa televisão tem um problema que você não consegue ainda entender. Quando está ligada sozinha, fala na língua da gente, mas quando tem mais gente por perto ela só fala na língua do “pê”.

Com uma mão tirou o som do rádio e disse adicionalmente para a nova coleguinha:

___ Levanta aí do muro na ponta dos seus pés para que a televisão pelo menos veja a sua cabeça.  Sim! Agora ouça o que ela vai falar:

Pondo a outra mão em frente à boca falou entre dentes:

___ Vopocêpê nãopão popodepe apainpindapa  mepe aspassispistirpir porporquepe vopocêpê nãopão conponhepecepe apa línpínguapa dopo pêpê. Enpentenpendeupeu?

___ Não entendi nada!

___ Então vai embora – disse Celma – porque a televisão disse que você não pode assisti-la porque ainda na fala a língua do pê. Entendeu, agora, sua burrinha?

Edson Pinto

Agosto’2013 

1 de ago. de 2013

246) COISAS DA VIDA...

No finalzinho dos anos 50, minha família havia se mudado para um bairro novo em Belo Horizonte. Era um conjunto de casas quase todas iguaiszinhas construídas pelo governo Juscelino Kubitschek que, cumprindo uma promessa política, facilitou um pouco a dura vida dos ex-pracinhas da Segunda Guerra Mundial. Meu pai era um deles.

Como a maioria dos nossos pais havia se casado no pós-guerra, aquela nova comunidade apresentava uma característica muito peculiar: As proles eram fartas e regulavam a mesma faixa etária. Não sabia se isso se devia ao espírito obviamente guerreiro daqueles homens que lutaram na Itália com a famosa Força Expedicionária Brasileira, FEB; se era a característica geral das famílias da época, todas grandes; talvez a versão tupiniquim do “Baby boom” americano, que levou à explosão populacional findo o grande conflito mundial, ou mesmo se ali concentravam os ex-combatentes brasileiros que tinham muitos filhos, pois os que se comportaram com mais cautela não precisavam de uma casa financiada em condições especiais pelo governo. Hoje, distante da época, me satisfaço com a ideia de que o fato deveu-se um pouco a cada uma das razões que enumerei.

No inicio, os pré-adolescentes formavam a maioria e é dessa turma que me interessa falar. Éramos muitos. As casas foram entregues só com uma cerca de postinhos brancos e arame liso separando uma das outras. Igualzinho se vê naqueles filmes americanos em que os quintais se encontram e vizinhos se controlam uns aos outros. Assim, passávamos de uma casa a outra sem a necessidade de respeito à convenção de que se deve entrar pela porta da frente. Inesperadamente algum amigo chegava à cozinha de casa e adentrava como se fosse a sua. As famílias foram naturalmente criando laços de amizades muito estreitos, e os filhos – numerosos como já disse – ditavam o ritmo das casas, dos eventos, enfim da vida. E não podia ser diferente.

Com o rápido e inexorável passar do tempo transmutamo-nos à adolescência e quando nos assustamos já éramos adultos cada um cuidando da sua vida aos moldes que as opções individuais nos tinham conduzido. Fomos estudando, namorando, casando e muitos mudando de bairro, de cidade ou mesmo, para nossa tristeza, alguns até mesmo de mundo. Hoje as lembranças são apenas referencias do que foi essa importante fase de nossas vidas. Vez por outra me lembro de algumas passagens pitorescas daqueles tempos. As mais singelas, parece-me, agora que são passados tantos anos, as que mais graça têm.  Vão aqui dois episódios daquele tempo de menino:

O Senhor Jair era um ex-combatente da Infantaria e agia como tal: Gostava de combater a pé, conquistar e manter o terreno. Era destemido. Houve uma época em que o sistema de fornecimento d’água do nosso conjunto residencial começou a falhar. Diziam que o reservatório construído na parte alta do bairro e que, por gravidade, alimentava as casas de toda a região, e não exclusivamente as nossas, não conseguia mais atender à crescente demanda de uma cidade que não parava de se agigantar. A empresa pública responsável pela distribuição vivia fazendo manobras para ora atender certas regiões, ora atender outras. O fato concreto era que vivíamos em constante escassez até o dia em que o senhor Jair, pai de um dos colegas, após tomar umas e outras, resolveu fazer algo parecido com o que fizera em Collechio-Fornovo, na Itália, quando a FEB logrou dominar a famosa 148ª Divisão Panzer e aprisionar, de uma só vez, cerca de 20 mil soldados alemães. Possuído pela canjebrina, como estava, encaixou algumas folhas de plantas por partes de seu corpo como se fosse uma camuflagem, ajeitou um capacete militar na cabeça, empunhou uma borduna e subiu a rua aos brados: Sigam-me os que forem brasileiros! Vamos tomar a caixa d’água! Sigam-me companheiros!

Já devem ter concluído que os verdadeiros companheiros de guerra, provavelmente por estarem sóbrios ou cuidando de seus afazeres, julgaram conveniente não se enfileirarem para aquela batalha e daquela inusitada forma, mas, para a garotada vadia, aquilo era uma festa. Colocamo-nos todos atrás do senhor Jair e seguindo o seu comando fomos até a caixa d’água. O funcionário que lá estava não teve alternativa senão imediatamente pegar uma grande chave inglesa e fazer a reversão do fluxo do líquido vital para as nossas casas. A propósito, daquela data em diante ela nunca mais nos faltou. O senhor Jair tinha a fama de ex-combatente louco, e o funcionário encarregado da caixa d’água, prudente que era, concluiu ser melhor não contrariá-lo.

Outra figura que habitava também aquele pedaço era o pai de outro colega igualmente tido como um ex-pracinha estressado. Tinha, o pai, o sugestivo apelido de “jacaré”. Penso que era porque se comportava sempre bem quietinho até que dava um bote de surpresa. Passava a semana, calminho, gentil, bem comportado, mas, normalmente no final da tarde dos sábados, alguém sempre gritava na rua: “Lá vem o jacaré!” E todos, crianças e adultos entravam rapidamente em suas casas. Jacaré tinha, como sempre fazia aos sábados, ido até ao centro da cidade para tomar a sua dose semanal de pinga, cerveja e sabe-se lá, mais o que. Descia do ônibus na esquina e, invariavelmente, achava que se encontrava de novo em um campo de batalha. Assim, sacava um “trinta oitão” e proferindo palavras de repúdio ao totalitarismo subia a rua dando eventuais tiros para o ar. Nunca causou ferimento ou danos a ninguém nem ao patrimônio alheio, mas que botava medo, ah, se botava... No dia seguinte descia gentil, respeitoso com se nada houvesse acontecido.

Coisas da vida...

Edson Pinto

Agosto’ 2013 

25 de jul. de 2013

245) O BIG-BANG ESTÁ PRÓXIMO

Se o meu querido leitor não é ferrenho “Criacionista”, isto é, adepto daquela teoria que explica a origem do Universo, da humanidade e de tudo o que nos cerca, como sendo obra exclusiva de Deus, certamente não deve ter rejeição à teoria alternativa, o “Evolucionismo”. Esta explica a criação do mundo e da vida a partir da sua evolução natural, tal qual proposto por Charles Darwin em seu famoso “A Origem das Espécies”, de 1859. Dentro desta teoria se encaixa perfeitamente, outra, para dar explicação sobre o ponto zero, aquele em que tudo teria efetivamente começado, o “big-bang”.

E de que esta se trata?

Há cerca de 14 bilhões de anos, a matéria encontrava-se desordenada, muitíssimo quente e extremamente densa. Deu-se então uma grande explosão (daí o nome big-bang) responsável pela origem e expansão (ainda em andamento) do Universo e pela formação de tudo o que há, incluindo o nosso planeta, nossos recursos naturais, nossas vidas.

Bem, se faz ou não algum sentido explicar a vida a partir dessa grande explosão, há pelo menos uma evidência a qual, conscientemente, não conseguimos contestar: Tudo que se esquenta em excesso e ao mesmo tempo se concentra em demasia tende a resultar em explosão. Outro dia falei de um prosaico utensílio de cozinha em minha crônica de nº 242 “A PANELA DE PRESSÃO” e lá comentei que, se não funcionar a sua válvula de escape, explodirá causando danos terríveis. A força térmica contida em seu interior cuidará disso...

Claro que a explosão de uma panela só faz estragos. Mas, a da massa super concentrada do pré-universo até que foi uma boa coisa, ou não? Foi a partir dela que tudo se criou e por isso estamos aqui. Esse fenômeno da explosão ocorre em várias situações de nossas vidas: Um ser psicologicamente acuado pode atingir o seu limite suportável de estresse e, repentinamente, explodir em fúria ou mesmo em reação benigna que em condições normais não conseguiria. Não faz muito tempo, um pai, na Flórida, ao ver o filho abocanhado por um crocodilo enquanto passeava nas proximidades de um lago, acumulou rapidamente força suficiente para explodir-lhe o ânimo e lutar corporalmente com o poderoso animal até que libertasse o filho. Não fosse por uma explosão de amor, Teseu não teria conseguido matar o Minotauro dentro do labirinto de Creta para ficar com Ariadne.

E no mundo real e atual o que mais está por explodir?

A paciência do povo brasileiro, por exemplo, não tenho dúvidas!  Dentro dessa pressão popular que recentemente chegou às ruas e que ainda não foi controlada, há outra que merece destaque: A paciência do empresário brasileiro acumula enorme pressão do insensato, do injusto, do irracional e do inexplicável sistema tributário que atravanca o progresso e impede as empresas de se tornarem mais eficientes e competitivas. O Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, IBPT, levantou que, em apenas 24 anos de vigor da atual Constituição, a de 1988, já haviam sido emitidas 290.932 normas tributárias, com o absurdo de 1,4 normas a cada hora. Foram, ainda, 14 reformas tributárias e criados tributos novos, como CPMF, CONFIS, CIDES, CIP, CSLL, PIS IMPORTAÇÃO, COFINS IMPORTAÇÃO, ISS IMPORTAÇÃO e outros que afetam tanto a vida das empresas como das pessoas em geral.

 Quem atua no mundo dos negócios sabe o quão difícil é manter todos os controles que os governos federal, estaduais e municipais exigem. São declarações e mais declarações a serem feitas, muitas delas repetitivas e incompreensíveis apenas para que o empresário demonstre que tem impostos a pagar e que já os pagou. Há impostos que incidem sobre operações mercantis que a empresa sequer recebeu de seus clientes, mas o imposto já é pago por antecipação. Há conflitos de legislações que dão ora ao Estado, ora ao município supostos direitos de arrecadar sobre a mesma operação. Difícil encontrar uma empresa que não traga um rosário de pendências fiscais que lhes tornam a vida mais complexa e que explodem seus custos. Grande parte da nossa incapacidade atual de nos libertar desses “pibinhos meia-tigela” deve-se, com toda a certeza, a esses entraves.

Partindo do principio de que a pressão é tão forte que estamos próximos de um novo “big-bang”, sinto-me ousado a lançar um repto de alto impacto. Tão alto quanto à encrenca em que nos enredamos. Só há uma forma de acabar com essa excessiva concentração de calor e pressão, é explodir tudo para dar inicio a um novo ciclo partindo do zero. A minha sugestão é tão simples que só com muito esforço qualquer pessoa seria capaz de entendê-la. Explico melhor e didaticamente em cinco tópicos:

  1. Se tudo o que os governos fazem em matéria tributária é para arrecadar impostos, então, porque não fazê-lo da forma mais direta, menos custosa, menos burocrática, mais equitativa e mais racional?
  2. Essa forma seria o imposto único arrecadado linearmente e com a mesma alíquota sobre todas (sem nenhuma exceção) as transações financeiras ocorridas dentro do País. Por critério consensual seriam feitas alocações automáticas entre os entes da Federação. O poder de processamento dos computadores garante isso.
  3. Aproveitando o avanço da informática, da computação eletrônica e da internet, acabaria com o papel-moeda na forma que o conhecemos (notas e moedas). Todas as transações financeiras aconteceriam pelo sistema bancário. Haveria criação de contas bancárias simplificadas apenas para suportar movimentações por cartões de crédito/débito. Isso acabaria com a sonegação e com o suborno.
  4. As empresas e até mesmo os cidadãos ficariam livres da miríade de controles que se obrigam a fazer para atender ao Leviatã. A conseqüência seria mais racionalidade, custos operacionais menores e aumento da produtividade.
  5. Além do Imposto Único Financeiro só seriam admitidos alguns impostos regulatórios para fins de controle ao interesse nacional, como específicos para exportação, importação do governo federal; IPVA do Estado e IPTU do município
Esta minha proposta de imposto único, exceto pela eliminação do papel-moeda que é de ousadia própria, não é novidade. Desde 2002 repousa na fila dos projetos a serem votados na Câmara dos Deputados, porém já aprovada por Comissão Especial, a Emenda Constitucional do economista Marcos Cintra, então deputado federal, que institui o Imposto Único.

De novo e por fim algumas perguntas bem simples:

___  Por que esse tema não avança?
___  Será que é porque contraria interesses?
___  Como os políticos poderiam continuar obtendo seus fundos escusos, alimentando seus “caixas dois” de campanhas?
___  E os sonegadores, como manteriam suas vantagens desonestas?
___  E os corruptos, como receberiam suas peitas?

Os milhares de profissionais, como contadores, advogados, fiscais e outros que vivem em função dessa grande encrenca que é o sistema tributário brasileiro não deveriam ficar temerosos com a perda de trabalho, pois há muitas outras atividades nobres que hoje deixam de fazer, mas poderiam fazer e que seriam muito úteis para o progresso do País.  Um contador, por exemplo, seria muito mais útil se auxiliassem os empresários com fundadas análises e interpretação de balanços, orientando-os para boas decisões. Hoje a contabilidade tem um enfoque prioritariamente fiscal, pois é voltada para atender às exigências do Leviatã e não aos propósitos saudáveis do negócio.

Por fim, uma realidade: Que a pressão e o calor que ora se concentra irá levar a uma grande explosão, disso não devemos ter dúvidas. Só espero que a matéria, ao se recompor, não incorra nos mesmos erros do nosso triste presente.

Edson Pinto

Julho’ 2013 

18 de jul. de 2013

244) A PIRÂMIDE DE MASLOW

Um dos motes que o povo brasileiro tomou como bandeira em suas recentes e patrióticas manifestações de rua foram os gastos com os estádios da Copa do Mundo. A lógica é fácil de entender: Se há dinheiro para construir magníficos estádios para os propósitos de diversão, por que não há, ou se há, por que nada fazem com o mesmo padrão para a saúde pública, para o transporte urbano, para a educação, para a segurança e para tantas outras áreas em que somos ridiculamente contemplados pelo Estado em que pese termos uma das mais altas cargas tributárias do mundo?

Posto desta maneira, somos inevitavelmente remetidos ao conhecido conceito desenvolvido no inicio do século XX pelo americano Abraham Maslow o qual sugere que as necessidades humanas são hierarquizadas de tal modo a satisfazer, prioritariamente, as mais básicas e só então galgar as superiores. Assim, primeiro satisfaz-se as de ordem fisiológica como a alimentação passando posteriormente pelas relativas à habitação, saúde, segurança, relacionamento social, auto-estima até se atingir o topo da pirâmide onde se encontram as necessidades relativas à criatividade, autorrealização e outras de ordem bem mais pessoais.

Nem precisava Maslow ter divulgado a sua pirâmide, pois é quase intuitivo que aceitemos uma hierarquia na satisfação de nossas necessidades. Não faz sentido alguém destinar os parcos recursos que possui para se exibir com um vistoso automóvel se não satisfez ainda suas necessidades mínimas e mais importantes de alimentação. Também não parece coerente construir-se estádios luxuosos com financiamento público se há tanta gente morando em casebres paupérrimos ou morrendo em macas nos corredores de hospitais superlotados. Soa também como contrassenso a fanfarrice da “Era PT” em tentar mostrar ao mundo um Brasil que já teria conseguido superar toda a injustiça social acumulada ao longo de séculos de desacertos políticos e de esgarçadura do seu tecido social.

O problema é que esta é a nossa realidade nua e crua. O que nos compete agora fazer é trabalhar arduamente para que em algum momento no futuro o País se torne mais justo, distribuindo com menos discrepância a riqueza que Deus nos deu. Mas, há um problema muito sério nessa tentativa de se hierarquizar necessidades quando se fecha os olhos para a cruenta verdade de ser o nosso País – socialmente falando – muito heterogêneo. Embora, sinceramente, possamos desejar que todos ascendam aos patamares mais elevados, é quase impossível, pelo menos no estágio atual de nosso desenvolvimento econômico e humano, incorporar gente tão despreparada para a vida moderna aos mesmos padrões daqueles que já frequentam as proximidades ou mesmo já se encontram no topo da pirâmide. Pode-se dizer que a discrepância é culpa da própria deficiência de nossos fazedores de política, pois há muito já se deveria ter universalizado a educação de boa qualidade, a saúde pública digna e correta entre outros fatores. Não fizemos, infelizmente. Agora, também não se muda isso de uma hora a outra. Serão necessárias duas ou mais gerações com atenção concentrada, recursos garantidos e seriedade para que os filhos e talvez os filhos dos filhos desse segmento de despossuídos de tudo, de dentes, de capacidade de leitura, portadores de doenças crônicas, carentes de auto-estima e incapazes de compreensão do que é a vida moderna para que melhoremos a qualidade média do povo.

Não dá para esquecer a recente entrevista de uma simples senhora que esbravejava para as câmeras da TV argumentando que nos seus oito anos (sic) de recebimento do "Bolsa Família" recebia por mês uma quantia que não lhe permitia comprar uma calça de marca, de R$300,00 (sic), para sua filha adolescente. Ora, aqui está a questão: Ou a pirâmide de Maslow não funciona neste caso, pois ao que parece o beneficio deveria ser para satisfazer as necessidades mais prementes ou estamos diante um quadro de absoluta desordem social. Seria o programa do governo uma forma apenas de compra de votos pelo fornecimento de alguns trocados, ou essa gente – não as culpo inteiramente – não anda recebendo a orientação e o suporte corretos sobre como melhorar de vida. Ficaremos nesse eterno circulo vicioso de manter as pessoas na pobreza material e intelectual para que, em gratidão a uma ajudazinha, deem seus votos aos controladores do dinheiro público?

Ressalvado o abominável capítulo da corrupção que deve ser combatido em toda a sua plenitude, inclusive no caso dos estádios da Copa, se existir, não sou nada contra todo esse investimento que se faz nos estádios. Eu pessoalmente, embora amante do futebol, já tinha, há anos, decidido não frequentar mais as irracionais instalações esportivas que tínhamos. Faltavam-lhes estacionamentos, conforto, segurança e higiene enquanto abundavam abusos de flanelinhas aproveitadores da carência de estacionamentos e cambistas que monopolizavam a preços astronômicos a venda de ingressos. Agora, com tudo no padrão FIFA, certamente voltarei a freqüentá-los, mesmo porque não será de graça. Deverei pagar o valor justo para o bom espetáculo e não terei remorso nenhum se o dinheiro que financiou a construção dos estádios não foi a “fundo perdido” para que aquela senhora da Bolsa Família comprasse a calça de marca para a sua filha. Preocupado, sim, continuarei se verificar que nossas autoridades não destinarem corretamente fundos para dar educação, saúde, transporte e tudo o mais que faça a sua filha e talvez os seus netos crescerem capacitados e em pé de igualdade com todos para também satisfazerem suas necessidades de ordem superiores.

De qualquer forma, se bem pensado e bem planejado, por que não aproveitar as instalações dos modernos estádios para acomodar escolas nos seus momentos de ociosidade (e serão muitos) dando aos pobres instalações nos padrões FIFA? Pensando ainda mais profundamente, imagino que chegará o dia em que agradeceremos a FIFA por ter nos dado o famoso “chute no traseiro” para que as obras dos estádios fossem concluídas a tempo e com qualidade. Este fato, sim, será considerado como detonador da insatisfação popular que hoje vivemos. Não pelo que foi feito, mas sim pelo exemplo que deve nortear o nível de qualidade dos serviços de que o Estado nos é devedor.

Edson

Julho’2013 

8 de jul. de 2013

243) O MUNDO GIRA, A LUSITANA RODA

Quem não há de se lembrar daqueles caminhões de mudança ostentando o prosaico lema da empresa, sua proprietária: “O mundo gira, a Lusitana roda”?

A quase centenária empresa de transporte de mudanças acertou em cheio ao transmitir a ideia de que, enquanto tudo acontece (o mundo gira), ela continua também cumprindo o seu destino de fazer seus caminhões rodarem para a entrega dos pertences que famílias e empresas precisam mudar de um lugar a outro (a Lusitana, a transportadora, roda).

Esta frase/lema é tão boa que poderia ser adaptada a infindáveis situações de nossas vidas. Nada do que nos diz respeito diretamente há de ser tão importante que tenha o poder de fazer com que o mundo deixe de girar. O mundo continua cumprindo a sua trajetória rumo ao infinito mesmo que o nosso “caminhãozinho particular” deixe, por quaisquer que sejam as razões, de rodar. Somos efêmeros enquanto o mundo, o Universo e a vida prosseguem sem interrupções, sem paradas, sem pressa e sem limites.

Parei de rodar meu blog por praticamente duas semanas. Alguns poucos amigos sentiram falta de novas publicações e me questionaram. A maioria deve ter gostado. O mundo, porém, não parou, é claro. Mas, confesso, deixei parcialmente de rodar nesse interregno. Não por mim, cuja saúde continua boa e o interesse pelas coisas de que cuido continua impávido. Garanto-lhes também que não foi porque decidi reforçar as passeatas patrióticas que tomaram conta do País exatamente nessas duas semanas de abstinência deste escrevinhador.

Juro que, se não fosse por um motivo bem forte e de ordem familiar, eu teria também levado para as ruas a minha própria plaquinha para demonstrar indignação com as coisas que andam por aí. Não escreveria nada a mais sobre a corrupção desenfreada que assola o País; nem sobre a precariedade da nossa saúde pública; nem sobre o descalabro do transporte urbano; nem me envolveria com comparações entre os magníficos estádios da Copa do Mundo, padrão FIFA, com o padrão de “titica” de tudo o que o Estado nos oferece em contrapartida aos 40% de impostos que pagamos; nem mesmo me concentraria em outros temas que compõem o pote cheio de mágoas do sofrido povo brasileiro, pois os manifestantes da vanguarda disso já cuidaram. Talvez escrevesse algo relacionado com o título desta crônica. Escreveria simplesmente: “O Lula gira e o povo roda”. Seria apenas para dizer que enquanto estamos rodando inquietos nesta antessala de dias tenebrosos, o autor de tudo isso resolveu palestrar, girar, em terras de África. Deve ter optado por fazer a rota da circunavegação enquanto seu poste tenta se virar como pode...

A roda parou porque minha querida sogra, Dona Inês, lá em Belo Horizonte, partiu para outra dimensão após duas semanas de sofrimento em uma UTI hospitalar. No final dos anos 40, quando inaugurado, o Hospital Vera Cruz tinha padrão FIFA. Hoje, não que eu esteja dizendo que ele acelera mortes, pois morrer é da natureza, o seu padrão de excelência está apenas nas fotos antigas que ilustram seus corredores com mais pacientes do que a estrutura de que dispõe. Dona Inês tinha 87 anos, criou e deixou vivos 10 filhos, 20 netos e 4 bisnetos. Nada mais previsível que a morte, mas mesmo assim e em quaisquer circunstâncias em que ocorre, sempre nos toca fundo como se fosse a nos alertar que ela é implacável e para todos.

 Na estrada que me levou a Minas vivenciei vários bloqueios de caminhoneiros que manifestavam sobre o elevado preço do diesel, sobre os custos dos pedágios, as condições precárias das estradas, entre outras. Nos arredores do hospital, Praça Sete de Setembro, a mais famosa da capital mineira, inclusa, a população, ora ordeira, ora infiltrada de vândalos, supostamente ali plantados para desestabilizar o movimento pacifico e patriótico, gritava sua insatisfação com as coisas erradas que trazemos atravessadas em nossas gargantas. O grito coletivo nada mais é do que uma metáfora para explicar a tentativa de se livrar desse incomodo acumulado.

Curiosamente, volto a Belo Horizonte em exatos 50 anos desde que ainda adolescente vi manifestações muito parecidas nas mesmas avenidas, na mesma Praça Sete de Setembro (centro geográfico da cidade), ao redor dos mesmos hospitais com manifestações muito assemelhadas. Os temas básicos eram os mesmos dos protestos atuais, pois a vida continua sendo muito simples. Todos querem e precisam de melhor atendimento médico/hospitalar, de transporte público decente e de baixo custo, de uma moeda sob controle, isto é, sem inflação, de respeito dos políticos para com as necessidades da população, de menos corrupção e mais progresso.

O brasileiro que ascendeu um pouco socialmente tem podido, vez por outra, dar um pulinho no exterior e – como não poderia deixar de ser – toma aquele susto quando começa a comparar o que temos aqui com o que vê lá fora. Lá os trens funcionam, as escolas são boas, as ruas são limpas, as casas, mesmo simples, não se comparavam ao "favelório" de nossas cidades, há segurança nas ruas, as pessoas não são assassinadas por bandidos que roubam coisas pequenas e matam como se a vida nada valesse, os postes não têm a fiação bagunçada como temos aqui, não há esgoto a céu aberto, não há a estúpida burocracia que emperra o País como a nossa, enfim, é tudo diferente, tudo melhor, tudo com qualidade, respeito aos cidadãos e com menos impostos. Quer motivos maiores do que estes para levar o povo às ruas?

O mundo continua girando, a Lusitana continua rodando e nós não nos localizamos ainda em que estágios havemos de nos encaixar. Só gostaria de me apossar desse tema da Lusitana aplicando-lhe uma pequena adaptação para que ele se coadune à nossa realidade em especifico: O País há de continuar girando, só queremos que o PT e sua base de governo rodem, lembrando-se de que o “rodar”, aqui, tem o sentido sair da frente, perder o posto, ser defenestrado...

Edson Pinto
Julho’2013  

21 de jun. de 2013

242) A PANELA DE PRESSÃO

Dona Edwiges descobriu pela forma mais inadequada possível que a panela de pressão que ela comprara pela primeira vez e tão logo a vida lhe houvera melhorado, devia respeitar certas regras de uso. Coitadinha, tinha ascendido dos estratos mais baixos da sofrida sociedade brasileira para uma camada acima onde já se podia ter um pequeno aparelho de TV, uma geladeira branquinha encimada por um pinguim emblemático, um sofá das Casas Bahia, um fogão de quatro bocas e até utensílios muito úteis como uma incrível panela de pressão para acelerar o cozimento do bendito feijão de cada dia.

Só não compreendia o porquê daquele chiado permanente que tanto a irritava. Talvez, fruto dos traumas da vida dura dos tempos de roça, aquilo remetia sua mente aos irritantes grilos, aos horrendos morcegos, aos lúgubres uivos de lobos que rondavam sua miserável casinha, sem energia elétrica, no meio de um mato qualquer deste País que sempre foi muito injusto com os pobres e generoso, até em demasia, com os ricos e principalmente com os donos momentâneos do poder.

Isso, obviamente, são lucubrações filosóficas inferidas por este escriba, mas que talvez não se passassem da mesma forma na cabeça daquela senhora precocemente envelhecida pela faina diária, enquanto seu marido e filhos buscavam, desde que chegaram à cidade grande, o sustento no duro trabalho da construção civil. O problema dela era o chiado da panela de pressão...

Enquanto o feijão cozinhava ficava ela como que estarrecida admirando aquele processo, para ela, moderno, mas que a incomodava com as lembranças ruins que trazia. Por mais que meditava não conseguia entender que o chiado da panela decorria do escapamento, pela sua válvula, do excesso de vapor produzindo durante o aquecimento do alimento e que aquilo era necessário para que se evitasse o pior, ou seja, a sua explosão. Cismou de tapar os buraquinhos da válvula com uns palitos de fósforo; o chiado desapareceu por alguns instantes e o resultado posterior nem preciso falar: Bum!

O governo que aí está, na sua ânsia incontida de eternidade, construiu alianças políticas caras e acomodou no seu bojo e a expensas do erário, 39 ministérios; criou dezenas de milhares de novos cargos nas estatais e em repartições diversas; elaborou projetos utópicos cujos objetivos era a demonstração explicita e inconseqüente de uma exuberância infundada do País, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas; abriu-se com generosidade aos corruptos cada vez mais audazes; com a sua miopia estatizante descuidou da infraestrutura necessária para suportar o crescimento econômico; negligenciou a saúde pública, a educação, a segurança e tantas outras demandas essenciais que geram calor, aquecimento e vapor. Parece - não tenho dúvidas - viver o mesmo trauma de Dona Edwiges.

A nossa panela de pressão já vem de algum tempo sendo aquecida pelo fogo da insatisfação, não diria apenas da classe média, mas de todas as pessoas que conseguem desenvolver uma visão crítica sobre a baixa qualidade da política e dos governos que temos. Há no ar - e não é de hoje - uma sensação cada vez mais perceptível de que algo de errado acontece no País:

  • Por que pagamos quase 40% de todo o nosso PIB em impostos e só recebemos – quando recebemos – serviços públicos da pior qualidade?
  • Por que, mesmo pagando tantos impostos temos que pagar escolas particulares caríssimas para nossos filhos quando antigamente as escolas públicas eram tidas como padrão de excelência?
  • Por que pagamos planos de saúde para suprir a saúde pública que não funciona, pedágios para usar estradas “mais ou menos”, segurança no condomínio para se ter alguma tranqüilidade e tantos outros ônus que nos impõem?
  •  Para onde vai todo esse dinheiro?
O fogo vem esquentando, esquentando, esquentando e o governo, tal como a simples dona Edwiges, vem tentando bloquear, por métodos duvidosos, a válvula de escape de nossa panela de pressão. Ninguém tem a coragem de fazer, em primeiro lugar, uma reforma política que levem homens sérios para o Congresso e que leve para o governo gente que saiba como uma panela de pressão funciona e o que se deve deduzir do chiado que faz. A conseqüência é o que começamos a ver nestes dias:

Bum!

Edson Pinto

Junho’2013

13 de jun. de 2013

241) BIG BROTHER IS WATCHING YOU

O fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, marcou o inicio do mundo bipolar que testemunhamos até que se deu a queda do muro de Berlim em 1989 e o posterior desmantelamento oficial da União Soviética em 1991. Durante esses quase 50 anos, vivemos o período denominado de Guerra Fria, tendo de um lado os Estados Unidos da América que representavam a força do capitalismo com a qual se alinhavam as nações que praticavam a economia de mercado e do outro, liderado pela antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), o sistema econômico centralizado, planejado e operado pelo ente estatal e conhecido como comunismo.  

No comunismo, como se sabe, a propriedade coletiva, e não a privada como ocorre no capitalismo, era e continua sendo a viga mestra que sustenta o seu sistema econômico. Se, quanto e como a Revolução Russa e a consequente implantação do comunismo corresponderam fielmente ao que Karl Marx entendia como a etapa inevitável do pós-capitalismo é assunto para os historiadores e não para ser tratado nesta simples crônica.

O que me interessa por ora é falar da visão ingênua que os jovens do período pós-guerra mantinham com relação ao que ocorria no mundo. Para quem era adolescente no inicio dos anos 60, como no meu caso, soavam-nos muito misteriosas todas aquelas informações sobre o que poderia acontecer se o nosso país, também e um dia, se tornasse comunista. Conceitos e práticas econômico-sociais como propriedade coletiva; todos trabalhando para o estado; partilhamento equânime da riqueza; “de cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual segundo suas necessidades”, entre outros, mesmo sem internet e sem comunicações fáceis, suscitavam nas rodinhas de jovens ingênuos certos debates instigadores.

Outras informações que recebíamos e que também tinham o poder de nos atormentar: as famílias perderiam a guarda dos seus filhos; ainda jovens seríamos enviados para treinamento militar e para estabelecimentos de ensino estatal onde ficaríamos como internos até a conclusão dos estudos; não haveria gente muito rica nem muito pobre, porém o estado teria controle absoluto sobre tudo o que fizéssemos. O “Grande Irmão”, ou o “Big Brother” retratado no livro distópico de George Orwell, “1984”, passaria a ter controle absoluto sobre nossas vidas. Nada escaparia ao controle do Estado: O Grande Irmão zelaria todo o tempo por nós ou, tal qual dito na frase original de Orwell: “Big Brother is watching you...”

Bem, aparentemente conseguimos nos livrar do comunismo. Há mais de 20 anos, a União Soviética renunciou a ele e somente alguns gatos pingados como Cuba e Coréia do Norte ainda insistem em fazer funcionar o que já se demonstrou inconsistente na prática. Esses estados comunistas remanescentes estão apenas prolongando o sofrimento de seu povo até que em algum momento terão que seguir o caminho da atual Rússia e aderir ao capitalismo como sistema econômico. Este, se não o mais justo, certamente, o menos perverso...

Embora como sistema econômico já tenha ficado patente o fracasso do comunismo, outros aspectos da vida social que ligávamos a ele parecem ter sobrevivido e, mais do que isso, tomado corpo e importância maiores do que poderiam prever nossas ingênuas conjecturas de adolescentes. O Big Brother está, muito mais do que previa George Orwell, tomando conta de todos nós. Não me refiro às câmeras que estão nos bancos, na entrada dos prédios, nas ruas, nas escolas e até mesmo nos chatice de certos programas de TV. Muitas dessas câmeras contribuem para nossa segurança, é claro. Refiro-me, contudo, ao enorme controle que o Estado vem exercendo sobre os cidadãos que, ironicamente, se sentem felizes por não viver sob um regime comunista.

Quem poderia imaginar lá nos anos 60 que um dia viéssemos a ser amarrados por um Título Eleitoral, por um CPF, por uma cédula de Identidade, por uma Carteira Nacional de Habilitação, por uma carteirinha de vacinas e outros registros que centralizam informações sobre nossas vidas financeiras, nossas posses, nossa saúde e nosso relacionamento com o sistema bancário, com o comércio e até com os arrecadadores de impostos?

Se você está atrasado com o licenciamento do seu veículo, Big Brother, na forma de um coletor de impostos, está olhando para você e cobrando.  Se você deixa de colocar o cinto de segurança, dirige com apenas uma das mãos no volante, deixou de usar o assento especial para seu filho pequeno, correu um pouquinho mais, tomou uma taça de vinho e pegou o volante, trafegou com a placa errada por causa do rodízio, Big Brother, agora na forma de radares ou guardas de trânsito estão de olho em você.  Se você permite que sua empregada doméstica ultrapasse a jornada diária, trabalhe no domingo, atenda a porta de sua casa no horário de descanso, também Big Brother está de olho em você. Na verdade, são tantos os “ses” e os controles a que nos submetemos que viver neste país capitalista e de economia de mercado ficou tão ou mais difícil do que poderia ser, caso o sistema fosse o comunismo.

Para os empresários, a quantidade de controle que o Big Brother exerce sobre eles é tão grande e os direitos e benefícios que seus empregados conquistaram tão amplos, onerosos e às vezes até mesmo impraticáveis, que nos leva a pensar se no comunismo, com o estado sendo o dono de todos os meios de produção e empregador único, não seria ele menos controlador do que é agora? Com grande probabilidade, sim. Certamente, seria mais benevolente consigo mesmo do que o é impondo aos empregadores e aos cidadãos em geral obrigações e controles que a ele mesmo não se atreveria uma autoimposição.

Edson Pinto

Junho’2013