18 de dez. de 2011

188) HURRA! VENCEMOS MAIS UM...


Aprecio muitíssimo um poema atribuído, embora com certa controvérsia, a Jorge Luiz Borges. Pela mensagem que nos traz, guardo-o em um caderno onde coleciono preciosidades. Vez por outra dou uma repassada nesse meu tesouro em forma de pasta escolar e nunca deixo de reler o texto “Instantes”. É curto, meia página, se tanto, mas contém sabedoria que enciclopédias monumentais talvez não fossem capazes de nos ofertar.

Jorge Luiz Borges, quando vivia o seu 85º aniversário, um ano antes de morrer em 1986, refletiu sobre a vida que teve e o quanto a faria diferente se ainda pudesse revivê-la: “cometeria mais erros, não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais, correria mais riscos e contemplaria mais amanheceres” entre tantas outras pequenas coisas que disse ter negligenciado ao ter optado por uma vida convencional. Vale à pena ler esse texto e, mais do que lê-lo, saborear cada uma de suas reflexões como se fosse o néctar dos deuses (clique aqui)

É exatamente nesta época do ano, quando a magia do espírito natalino invade nossos corações, que refletir sobre a vida passa a ser quase uma necessidade. Muitos não gostam do Natal porque os fazem tristes ao suscitar-lhes lembranças desconfortáveis. Os entes queridos que já se foram, a nostalgia dos tempos passados e que se consideravam melhores ou mesmo as coisas que deixaram de fazer ou as fizeram da forma inapropriada.

Mas, há os que encontram júbilo na época ao compartilhar a alegria das crianças que anseiam e podem receber o presente anelado. As pequenas almas puras que ainda acreditam no mito do Papai Noel. A reunião da família e dos amigos. As luzes que simbolizam a vida e a música natalina, eterna, que nos comove e encanta.

E quando o frisante espocar anunciando um novo ano é chegado o momento em que deveremos ter a certeza de que um novo ciclo está por começar. Agradecer por mais um ano vivido e rogar a Deus por paz, saúde, amor e prosperidade.

É o que desejo para todos os meus amigos, esposas, filhos, pais, parentes porque eles são parte fundamental da minha própria vida. Sem eles a vida cairia na mesmice que Borges lamentou.

Um Feliz Natal para todos. Um Ano Novo melhor e tão bom quanto quisermos torná-lo. Lá, quando fevereiro vier, haveremos de restabelecer nossos encontros semanais. Enquanto isso, quero: “ir a mais lugares onde nunca fui, tomar mais sorvete, subir mais montanhas, levar bem poucas coisas a sério e ter mais problemas reais do que problemas imaginários”, pois, como nos disse Borges:

“Disso é feito a vida”

Edson Pinto

Dezembro’2011

9 de dez. de 2011

187) RISO DE CRIANÇA

Desde que o homem inventou e desenvolveu a técnica da escrita, e por conseqüência da leitura, o mundo se transformou de forma expressiva e acelerada. A leitura passou a ser, principalmente nos tempos modernos em que vivemos, uma necessidade básica. Sem ela não se consegue facilmente compreender a vida. Além de se constituir no instrumento de obrigatória utilização para quem precisa se comunicar para fins de trabalho e dos corriqueiros atos do dia a dia é uma das mais prazerosas e baratas formas de lazer.

Uma boa leitura nos abre janelas para o mundo e libera nossa imaginação para muito além do “vale de lágrimas” em que podemos nos encontrar. Nossos neurônios se assanham rejuvenescidos quando convocados para esse mister e assim adiam o momento em que, pelo ócio, se entregariam à morte. Não é por outra razão que as ciências médicas recomendam a leitura como o eficaz remédio para muitos de nossos males. Quando se lê, até a fome pode ser momentaneamente olvidada como fizeram os soviéticos de Stalingrado sob o prolongado cerco nazista no famoso episódio da Segunda Guerra Mundial.

Para nós adultos, a leitura deve ser mais do que o mero entendimento do que as letras e palavras querem nos dizer, mas, sim e principalmente, a correta interpretação e o necessário posicionamento crítico que deve ser feito sobre o escrito. É exatamente a compreensão e o julgamento do que se lê que criam em cada um de nós o prazer da leitura. Vejam aqui o desafio que educadores enfrentam, pois têm que conduzir os pequenos a encontrar o prazer da leitura como pré-requisito para o seu estabelecimento como um hábito para o resto da vida.

Não sou educador, nem linguista, nem filólogo, muito menos literato, mas nem precisaria sê-lo para conseguir compreender essa condição basilar. O prazer da leitura que cria o hábito é tão ou mais importante do que o aprendizado dos símbolos bem como de suas relações sonoras sobre os quais se assentam a escrita e a leitura. Um adulto não alfabetizado pode, com razoável esforço, aprender as letras que a restritiva vida anterior lhe negou, mas não será um leitor completo se não encontrar formas de tirar prazer da leitura. E isso só se consegue com a leitura atenta e o esforço mental para compreender criticamente o seu significado.

Neste final de ano quando nos volta a eterna dúvida sobre o que presentear a amigos e parentes é sempre bom lembrar que um livro com um bom texto, uma boa história, uma trama inteligente, uma lição de vida, contos, poesias, crônicas ou quaisquer outros gêneros pode ser uma excelente opção. E para quem não tem o hábito de ler, ou não tem tempo, mas que sabe da sua importância, nada melhor do que um exemplo. Ele vem no formato de um vídeo caseiro que circula pela Internet, feito por um pai orgulho do interesse de seu pimpolho como leitor presente e futuro.

Para desfrutar desse momento mágico basta clicar na seta do vídeo abaixo. Nem precisa ler, é só deliciar-se.

Edson Pinto

Dezembro’2011

12 de nov. de 2011

186) DILMA, EU TE AMO!


Quando ao final de 2010 Lula se despediu dos seus oito anos de governo, fiquei triste. Não que morresse de amores pelo líder sindical - inteligente, é verdade - que soube como ninguém surfar a onda de prosperidade que Papai do Céu concedeu ao Brasil justo no período em que ele, Lula, se encontrava instalado no poder. Bom para o destino do País, melhor ainda para a democracia que comprovou de forma inequívoca o seu preceito maior de igualdade e oportunidade para todos. A minha tristeza foi mais pelo fato de termos perdido uma das mais ricas fontes da qual se servem os cronistas do cotidiano. Lula oferecia vários episódios hilários, alguns esdrúxulos, diversos carentes de base ética e até mesmo outros totalmente desprovidos de bom senso, prato cheio para a crônica política.

Sem Lula e agora como uma presidente séria, compenetrada, um tanto avessa aos espalhafatos midiáticos que bem o caracterizava pensei: doravante, somente análises sisudas e por isso com poucas chances de propiciar diversão, objetivo maior de quem escreve descompromissadamente, como eu. Subestimei - confesso - a capacidade do ex-presidente de deixar o seu DNA no governo. Não o deixou na pessoa de Dilma, a nova presidente, mas sim e com grande intensidade em expressiva parcela do ministério que legou à sua sucessora. Com um ministro caindo a cada 45 dias, por motivos os mais invulgares, minha tristeza acabou!

A herança maldita de Lula para Dilma concentra-se no seu ministério. Seis dos herdados já limparam as gavetas. Um deles, Nelson Jobim, ministro da Defesa, saiu pelo motivo que toda a Nação já conhecia: seu agigantado ego, maior do que o seu próprio físico. Os demais, cinco até agora, saíram pelo motivo que mais representa a imagem do modo petista de se fazer política, ou seja, avançando impiedosamente na burra do erário para satisfazer planos dos partidos políticos da base de apoio e - porque ninguém é de ferro - também os próprios bolsos.

Alfredo Nascimento (Transportes), Antonio Palocci (Casa Civil), Wagner Rossi (Agricultura), Pedro Novais (Turismo), Orlando Silva (Esportes) e agora na marca do pênalti o ministro do Trabalho, Carlos Lupi. Este, falastrão, de gestos arroubados a ponto de um dia dizer que “só a bala sairia do ministério” e no outro aviltar a mais nobre de todas as declarações que um ser humano deveria fazer. A de que se ama alguém. Neste caso, seja lá o que o ministro quis dizer, ficam dúvidas enormes quanto à credibilidade do que fala.

Tanto apego ao cargo de ministro que, como sabido, tem remuneração muitíssimo inferior à de um Executivo de nível equivalente na iniciativa privada, fica-se a impressão de que existem outras causas a justificar tamanha vontade de permanecer no cargo. Especula-se que pode ser o desejo de se cumprir o nobre objetivo de servir a sociedade; poderia ser ainda a inata busca humana pelo poder; a ganância desmesurada pelo vil metal que o gigantesco estado brasileiro acumula vorazmente ao praticar uma das maiores cargas tributárias do mundo, ou quem sabe, pelo menos no caso de Carlos Lupi, o seu verdadeiro amor pela presidente. Afinal, como nos ensinou Blaise Pascal: “O coração tem razões que a própria razão desconhece”.

Edson Pinto

Novembro’2001

5 de nov. de 2011

185) Homo sapiens
















Cem mil anos, despida de qualquer outra ambição,
Nossa espécie, neste mundo em luta ferrenha
Contra pestes e guerras na pedra a história desenha
Valente, até que, em 1800, atinge seu primeiro bilhão

Pouco mais de um século, em 1930, sem grande alarido
É dobrado. Em 1974, quatro bilhões e no mesmo contexto
O planeta recebe em 1987 o quinto e em 1999 o seu sexto
Bilhão de almas com claros sinais de já se fazer exaurido.

Chegando em 31 de outubro deste 2011 ao sétimo bilhão
Ficamos perplexos quanto ao que nos espera o futuro
Já com ameaças às vidas do céu da terra e do mar

Em 2024 quando o oitavo vier, será que teremos ou não
Tornado nosso pobre planeta sustentável e maduro,
Para uma vida digna a toda essa gente poder entregar?


Edson Pinto

31/10/2011

29 de out. de 2011

184) ERA FELIZ E NÃO SABIA

“Dei uma sumida”, como dizemos lá em Minas. Emendei a semana do feriado de Nossa Senhora Aparecida para ir às Alterosas, sem computador, sem Internet, e, na seguinte, dediquei-me intensamente à tarefa de colocar em dia vários temas importantes que a mim tocam em decorrência da vida comunitária a qual faço parte. Por essa razão, duas semanas sem publicar nada de novo no meu blog. Sei que isso não fez falta a ninguém, mas incomoda-me, pessoalmente, passar um tempo longo sem registrar parte do turbilhão de lucubrações que me ocupam as noites e mesmo os dias...

É exatamente sobre isto que quero falar hoje: No meu último texto publicado, fiz referência ao grande gênio da informática que havia falecido justo naqueles dias, Steve Jobs. Sua mente privilegiada e inovadora fez brotar soluções que facilitaram em muito o nosso relacionamento com o mundo moderno. Não fosse, por exemplo, a maneira amigável que ele adotou via as interfaces gráficas entre o humano e a máquina, o computador, mesmo com o avanço do hardware ainda estaríamos na dependência daqueles “nerds” que dominavam as linguagens FORTRAN e COBOL para conseguirmos um mero relatório, uma planilha ou mesmo produzir um texto como este. Hoje, graças a gênios como o de Steve Jobs, podemos clicar no mouse sobre um ícone e ir direto para uma tarefa, produzir a planilha, o texto, editar fotos e um mundo de outras peripécias. Soube como poucos utilizar de forma brilhante tecnologias disponíveis em sua época.

Fiquei com Steve Jobs na cabeça enquanto percorria as estradas de Minas. Entre uma montanha e outra eu me lembrava de tudo, inclusive do meu aparelho celular ligado ao acendedor de cigarros do carro. Permitindo-me uma digressão: Já que fumar tornou-se pecado, não compreendia também porque aquele dispositivo no qual podem ser ligadas várias coisas não ganhasse um novo nome. “Liga Tudo”, talvez. Mas, isso não vem ao caso. O que interessa é que Steve Jobs me perturbava a mente. Só depois de refletir sobre as razões, me dei conta do porquê. O meu celular, como o da maioria das pessoas modernas, agora vem com o tal do recurso que nós brasileiros, sem ufanismo lingüístico, fazemos questão de manter no Inglês original, “touch screen”. Tocou na tela, tudo começa a acontecer.

Estava ali, portanto, a razão daquele fantasma percorrendo minha mente. A ligação entre o maldito do ”touch screen” e a lembrança de Steve Jobs. Foi ele que, mesmo sem o ter inventado, colocou essa inovação nos celulares e com isso bagunçou a até então boa relação que eu mantinha com a maravilhosa maquininha portátil que faz de tudo, inclusive nos serve como telefone. Estou meio passado, reconheço, mas me recuso a meter aquela maquininha dentro de uma capinha e dependurá-la no cinto da calça como se fosse o coldre de revólver só para que sua tela sensível ao toque fique protegida de ações involuntárias.

Desde que peguei esse celular “touch screen” comecei a desenvolver alguma neurose. De cada dez ações que tento fazer pelo menos metade sai errada. Pego o aparelho com o mesmo cuidado que um paleontólogo pega um fóssil raro devido a sua fragilidade. Sem querer, meu dedo roça um daqueles ícones e lá vem algo que eu não queria. O telefone toca e quando atendo um amigo diz “Edson você ligou para mim? Tenho aqui no meu celular registro de três ligações que você me fez há minutos” Já sei, digo: “Foi esse meu celular que disparou ligações por conta própria, desculpe-me”.

De um amigo ouvi que a conta da operadora do celular veio estratosférica. Razão: uma conexão involuntária de sua maquininha também com ”touch screen” conectou vários sites e baixou vultosos gigabytes de inutilidades. Pagou por que tinha de pagar, mas praguejou como nunca fizera antes.

Como buscar sossego em Minas se Steve Jobs me persegue? Não joguei fora o meu aparelho porque o meu ódio não era devotado ao conjunto da obra, a propósito, maravilhoso, mas sim e tão somente a um de seus dispositivos, o inconveniente do “touch screen”, justo em um aparelho que, além de ser portátil, pretende ser manual e tateável, na maioria das vezes, por uma só mão. Fica bem na tela de um caixa eletrônico bancário, num "tablet" que se usa sentado, num monitor de computador em que o garçom anota o pedido do cliente, mas nunca em um "gadget" de palma de mão.

Já decidi: Tão logo a loja da Vivo em frente a qual às vezes passo estiver menos entupida de gente, provavelmente reclamando, entrarei para trocar o aparelho, o chip, o sistema, seja lá o que for preciso, qualquer coisa, para me livrar do “touch screen”. Se pudesse, voltava correndo para o meu antigo starTAC da Motorola, aquele aparelhinho que mesmo parecendo com um vaso sanitário não se prestava a acolher todas as imundices tecnológicas.

Edson Pinto

Outubro’2011

9 de out. de 2011

183) JUSTIN & STEVE



Faz exatos quarenta e três dias que parte expressiva da família ficou ao redor do computador esperando que chegasse a meia-noite. Naquela 0h do dia 26 de agosto o objetivo era nobre: conseguir comprar pela Internet, e o quanto antes, o ingresso para a apresentação do neossóptilo do momento, Justin Bieber, que aconteceria hoje, 8/10, aqui em São Paulo.

Obviamente, o esforço familiar era para tornar feliz a minha netinha de 10 anos que como a maioria da garotada de sua faixa de idade passou a devotar extraordinária paixão pelo imberbe cantor canadense. Poderia chamá-lo de fenômeno midiático, ídolo teeneger ou ainda adjetivá-lo de forma contemporaneamente mais juvenil.

Prefiro, no entanto, associá-lo ao mais notável sinal do viço, do verdor e da exuberância que denota o maravilhoso fenômeno da continuidade da vida, o renascer. As folhas que fenecem no outono da vida, como sabemos, dão lugar às novas da primavera. Daí, perdoe-me o substantivo pouco usual, mas a penugem que significa início de vida (do grego ptílon) da ave recém-nascida (também do grego, neossós) sugere-me associá-lo a esta marca da aurora da temporalidade.

A existência alongada tende a ser chata na medida em que as experiências acumuladas nos tornam prisioneiros do conhecimento adquirido. Já vimos tantas coisas acontecerem que, salvo raras exceções, as novidades são insuficientes para juvenescer nosso ânimo. Marchamos cabisbaixos pelas sendas que levam ao fim da jornada sem perceber que por detrás de nós o mundo se renova continuamente. Para os que se encontram no seu prelúdio, tudo é motivador, tudo faz sentido, tudo flameja.

A trajetória humana seria uma lástima sem os elementos revitalizantes que brotam mesmo que alheios a nossa vontade. É como se tudo se renovasse a cada instante de forma continua, infinita. O que passou, passou. O novo vem para tocar a vida para a frente, sempre...

Por ironia do destino, justo agora o mundo perde o talentoso Steve Jobs, criador do computador do uso fácil com o qual compramos o ingresso para o show de Justin Bieber. É dele esta reflexão: "... a morte é provavelmente a maior invenção da vida. É o agente de transformação da vida. Ela elimina os antigos e abre caminho para os novos"

E os novos que são? São os que se colocam cheios de vigor e alegria no começo de uma nova jornada. É a netinha de 10, o Justin Bieber adolescente, a flor que brota de onde há pouco uma folha seca se desprendera, a ave recém-nascida ainda coberta por tênue penugem. O porvir, a esperança...

Cansada fisicamente pelas 12 horas que hoje dedicou ao evento, mas feliz por ter tornado o seu sonho realidade, minha netinha acaba de chegar aqui em casa enquanto eu, ainda me servindo dos ícones das interfaces legadas por Steve Jobs, escrevia este texto.

Só me restou perguntar-lhe:

__ E aí, como foi o show “my baby, baby”?

__ Boa noite!



Edson Pinto

Outubro’2011

1 de out. de 2011

182) O TREM DE MINAS


Sonho um dia colocar todos os meus amigos em um romântico trem maria-fumaça e, sem pressa, levá-los a conhecer a minha Minas Gerais. Não me ufano sem causa, nem me sirvo de mania de grandeza, menos ainda me apego com arrebatado deslumbramento às mais encantadoras formas de beleza. Juro! O que me sacode a alma e me faz sonhar é a possibilidade de sentirmos, juntos e in loco, o quanto Ele esteve inspirado naquele mágico momento da semana primeva quando, generoso e desprendido, concebeu o mais lindo de todos os rincões da Terra.

Lá, Deus pôs montanhas com curvas magnificamente suaves e belas, só imitáveis pelas mãos abençoadas dos gênios das artes na nobre missão de eternizar a harmonia das linhas incertas. Pôs, a não mais bastar em generosidade, também um céu de anil único. Cuidou, no mais, e em respeito ao espírito de liberdade do povo da terra, de não aprisionar tal céu por entre as penhas. Fez dispô-lo solto no éter para que pudesse se espalhar generoso pelo teto amplo de toda a Pátria.

Determinou erguessem as igrejas mais belas e nelas as pinturas mais ricas. O barroco mais exuberante e o rococó de elegância mais requintada. Deu-lhes a arquitetura mais nobre e fez, ali, florescer o gênio de Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, que mesmo dispensado das digitais consagrou-se na arte das formas. Ao mestre Ataíde permitiu-lhe lançar suas tintas mágicas em perspectivas encantadoras nos tetos de mil igrejas. Deu-lhes minérios para forjar o aço e inspirar o poeta da pedra no meio do caminho, da Itabira, de tantos por cento de ferro nas almas. Não se lhe pôs o mar, é fato, porque aí já seria declarada demonstração de privilégio filial, mas aos Seus filhos, encarregados de zelar pela Sua obra magna, os fez jeitosos, matreiros, cordiais e resolutos.

Por isso, queria colocar todos os amigos no mesmo trem. E quando eles pensarem que a viagem terá terminado, eu lhes provarei estarem enganados, porque a verdadeira viagem é aquela que fica eterna na alma. Depois das belezas de Minas, de sua culinária ímpar, da deliciosa convivência com seu povo especial, da imersão na história da pátria, do ar de liberdade que lá se respira, que lugar mais no mundo alguém almejaria ainda conhecer?

Meu objetivo secreto para essa viagem - devo confessar-lhes agora - é o de nunca ter os meus amigos longe de mim, posto que justificadamente recusem o abandono do trem maria-fumaça que nos levará pelas entranhas de Minas. Alguém iluminado, mineiro ou não, presenteou-nos com a apresentação que lhes envio como anexo do meu e-mail. Embora ele proponha a mesma viagem num belo e moderno ônibus vermelho, apetece-me fazê-la num trem, essa “coisa” que faz parte do modo de ser mineiro.

Curtam-na! Se não gostarem, das duas uma: Perderam a noção das coisas que justificam viver ou - o mais provável - encontraram um bom pretexto para estarem longe de mim. De qualquer forma, não me importo. Continuo amigo de todos...

Edson Pinto
Outubro’2011

24 de set. de 2011

181) A BANDA QUE NÃO PASSOU

Por mais simples que sejam, há passagens em nossas vidas que tendem a ficar indelevelmente guardadas no relicário de nossa existência. Qualquer um deve ter reminiscências de algo que vivenciou quando ainda muito jovem, mas que perdura forte como se tivesse acontecido em tempos bem recentes. Por mecanismos que só a neurociência pode bem explicar, vamos automaticamente eliminando as memórias de menor importância como se fosse para criar espaço para os novos fatos que continuamente não paramos de vivenciar. Alguns, contudo, mesmo banais, permanecem como que gravados em bronze imarcescível e resistem ao tempo, ainda que longo. Por que será?

Eu tinha lá meus 7, 8 anos de idade quando fui liberado para ir, pela primeira vez, sozinho, cortar o cabelo no salão do bairro. Tudo era tão perto e sem preocupações com segurança que os pais se sentiam motivados a liberar o quanto antes seus filhos para as coisas corriqueiras da vida. No meu caso, bastava dobrar a primeira esquina e lá estava o salão do barbeiro. Entre valente e acanhado, estava eu ali para um dos meus primeiros atos de independência. O corte minimalista era o chamado Príncipe Danilo preservando um topetinho meio no estilo Cascão. Nada da franja transversal ao estilo Justin Bieber atual nem mesmo das esvoaçantes madeixas posteriormente eternizadas pelos Beatles. Era para mim um ato da maior importância. Determinei o corte que correspondia à minha própria vontade e ainda tinha o dinheiro para pagar. Agora, era só curtir o sucesso da empreitada.

Coincidindo com o inicio do corte, o som de uma banda marcial, com sua encantadora composição em metais e percussão tomou conta do ambiente. Dobrados e marchas militares se revezavam para o encanto do pirralho que cortava sozinho o cabelo pela primeira vez. Estava eu, ali, sentadinho enquanto o som forte dos metais e dos bumbos ecoava deliciosamente. Pura magia.

Na cabeça do menino que se julgava astuto porque fora cortar sozinho o cabelo, tratava-se de uma banda real com músicos a caráter, perfilados ordeiramente em marcha prestes a passar em frente ao salão. Tinha, então, absoluta certeza de que era sim uma banda de verdade. Ai veio-me o segundo atrevimento daquela tarde de independência. Afinal, precisava ir rapidamente até a rua para saborear o maravilhoso espetáculo. Era, de fato, muita coisa boa para uma só tarde naqueles idos do final dos anos 50...

Eu não entendia bem o porquê de se chamar o profissional que cortava os meus cabelos de barbeiro, uma vez que nem barba eu tinha. Limitei-me apenas a dizer-lhe que apressasse o trabalho, dispensando-lhe o arremate do pé do cabelo normalmente feito com a navalha. Paguei e comecei a sair rapidamente da barbearia quando me dei conta de que, instalado no alto, em uma cantoneira arredondada logo na entrada do salão, um rádio capelinha despejava os dobrados e as marchas marciais que naquele breve momento de exercício de soberania eu havia escutado.

Meio que frustrado com a descoberta de que a banda real não existia e nem iria passar, voltei para casa mantendo o ar orgulhoso de quem conseguiu se incumbir de uma tarefa importante que foi o corte, sozinho, do cabelo. Meu pai deu uma examinada no corte e exclamou: “É, ainda não está na hora de cuidar disso por você mesmo! Nem o pé do cabelo foi acertado com navalha. Mês que vem volto com você!”

Edson Pinto
Setembro’2011

17 de set. de 2011

180) REVOLUÇÃO DOS BICHOS


O delicioso romance de George Orwell, Revolução dos Bichos, deu-me a dica para o título da crônica desta semana. Há de se reparar, contudo, que o grande escritor britânico esbanja criatividade e boa literatura no seu clássico sobre as mazelas da política dos tempos em que vivia, enquanto o meu modesto texto tem enfoque pedestre sobre essas coisas simples que permeiam o nosso dia a dia. Explico melhor:

O casal de jacus saiu da mata e aboletou-se na palmeira recheada de coquinhos que temos na lateral de casa. Tem sido freqüente a visita dessa ave galiforme, de plumagem escura e papada avermelhada para buscar aqui o alimento que tanto aprecia. Impossível não vê-la, principalmente quando chega aos bandos. Chama-nos a atenção o porte avantajado e o absoluto frenesi que causa às demais aves que também se julgam no direito às mesmas iguarias e por isso querem ter domínio daquele pequeno território.

O corre-corre da vida tem me privado da prática do salutar hábito de observar essas criaturas que Deus colocou no mundo como a nos dizer que Sua sabedoria é ilimitada, surpreendente e perfeita. Os pássaros fazem parte dessa majestosa engrenagem e têm, por óbvio, muito a nos ensinar ao mesmo tempo em que nos encantam. Sim, a realidade é que eles também se revoltam, brigam entre si, exploram uns aos outros, tudo pelo supremo propósito de se manterem vivos ao máximo que puderem.

Tendo isso, de súbito, em mente, tornei-me mero expectador da inusitada cena quando os sabiás, primeiro, depois os pardais e os tico-ticos, começaram a empreender vôos rasantes e ameaçadores sobre os grandalhões jacus. Verdadeiro raid aéreo no estilo blitzkrieg da Luftwaffe de horripilante memória.

O nome científico da bela criatura é mais sugestivo do que o apelido popular que ganhou por estas bandas. “Penélope jacucaca” é a majestosa ave que habita a nossa Mata Atlântica cada vez mais dizimada. Se está a chegar ao nosso território, penso, isso só pode ser sinal de que as coisas andam pretas lá pelos lados da mata. Disso, poderia eu falar em outra ocasião. O que conta agora observar é que mesmo com exuberância e nobre linhagem a ave tem lá suas dificuldades para adentrar esse pequeno espaço já previamente dominado por outras espécies.

Além dos agressores mencionados acima, constato com agradável surpresa que meu quintal vem atraindo rolinhas cinza, pombas asa branca, assanhaços azuis, várias espécies de beija-flores, corruíras e pica-paus. Há, ainda, o laborioso joão-de-barro que se alterca, com justa razão e grande freqüência, com os sabiás e com os bem te vis.

As andorinhas já começaram a chegar e devem ficar por aqui até por abril do ano que vem enquanto tiver calor, é claro. Fazem, como se sabe, o próprio verão, mas se expõem em demasia aos bicos e garras fortes das aves de rapina que deram também para freqüentar o mesmo lugar. Assim, vez por outra, baixa da minha vizinha Mata Atlântica, felizmente preservada neste pedacinho de Brasil, gaviões-miúdos para abocanhar uma delas ou outra presa qualquer para o almoço do dia. Não raro é uma águia branca de olhar ameaçador a plainar sobre árvores na espreita de alguma proteína animal que sempre encontra.

Chupins malandros andam se apossando dos ninhos dos tico-ticos para lá botarem os seus ovos. Ivo, o fiscal da natureza daqui de casa, me afirma categoricamente que uma tico-tico amorosa chocou inocentemente mais um chupim e jura que ainda cobriu-lhe de cuidados maternos até que o mal-nascido bateu asas para seguir a carreira da mãe biológica.

Ah, como estão todos agitados montando ninhos, roubando ninhos, atacando jacus, emboscando uns aos outros! Os bem te vis andam invocados e chegam às vias de fato com os sabiás e com os arquitetos joões-de-barro. Tico-ticos disputam o néctar das plantas com agitados beija-flores. De vez em quando um óbito e aí aparecem urubus que se encarregam da limpeza. Este eu não vi, mas Ivo jura que até um carcará e uma saracura já marcaram presença neste meio onde pulsa mais vidas do que se imagina. À media que fomos substituindo as árvores exótica existentes no local como o Pinus elliottii, por árvores nativas, a passarada entendeu apropriadamente o novo espaço como extensão do seu habitat natural. Que bom!

Há harmonia em meio a essa verdadeira revolução dos bichos? Penso que sim! A natureza entende que a luta pela vida é a luta que vale a pena. Se até os animais, poupados que foram pelo Criador das coisas comezinhas, vivem em permanente luta pela vida, fico a pensar se a ilusão de que chegará o dia em que os seres humanos viverão em paz não passa de um contrassenso, uma rebelião impossível de ser vencida contra a natureza? Dá prá pensar!

A propósito, os briguentos quero-queros que também agitavam este território já há muito deixaram de vir. Ivo me afirma que os saruês andaram comendo os seus ovos e assim eles perderam a batalha...

Edson Pinto
Setembro’ 2011

9 de set. de 2011

179) PODAS NECESSÁRIAS

Não precisa ser um competente jardineiro para saber que após a poda dos galhos secos, dos excessivos ou dos contaminados pelas pragas, as árvores ressurgem fortes e viçosas para o encanto de todos e júbilo do Criador.

Estamos cheios de galhos inúteis que nos impedem o aperfeiçoamento contínuo dos inatos ou adquiridos fundamentos psicológicos, mentais e espirituais que suportam o nosso caminhar pela vida. Poder-se-ia dizer que somos como árvores sem jardineiros e que compete, em grande parte e a cada um de nós, a jardinagem da própria vida. Isto se faz através da autoconsciência facultada pelo dom divino do livre-arbítrio.

Se tivermos paciência para uma pequena reflexão, conseguiremos facilmente listar algumas dezenas de deficiências que, infelizmente, identificamos mais nos outros do que em nós mesmos. Quem, contudo, consegue percebê-las dentro de si naturalmente apresenta a maior probabilidade de sucesso no seu combate substituindo-as pelos seus antídotos de virtudes:

À vaidade deveríamos opor com a prática da modéstia. O egoísmo haveria de ser confrontado com o desprendimento. A intolerância pugnada com a prática exaustiva da tolerância. À petulância combater-se-ia com a cordura. A indolência com a autodeterminação. A timidez com a resolução. A soberba com a humildade, a presunção com a modéstia, o intrometimento com a circunspecção, a aspereza com a afabilidade, a brusquidão com a suavidade, o rancor com a bondade e a veemência com a serenidade.

E para não cometer o erro da prática de outra deficiência, a verborragia, a ser combatida com a concisão, cito apenas mais uma de tantas outras que comporiam esta lista, a hipocrisia, cujo antídoto é a veracidade. É sobre esta deficiência que me toca o ânimo para brevemente discorrer nesta crônica hebdomática:

A hipocrisia define o caráter de quem se conduz na vida com o mau propósito de esconder a sua verdadeira face. Seus atos têm aparência falsa, pois atua de maneira diversa ao que sente e pensa, não é sincero. Normalmente envolve os de boa-fé enganando-os para lograr com seus intentos escusos. O hipócrita convicto fica tão controlado por esta deficiência que dificilmente saberia agir de outra forma e acredita piamente que está correto em suas atitudes embusteiras. Se há algo que lhes aplaca a maldade é o fato de serem sinceramente insinceros. Alguns são hipócritas por conveniência momentânea e podem, mais adiante, abandonar a sua prática. Outros são convictos e não percebem o mal que fazem aos outros. Com sinceridade acreditam agir de forma correta...

Exemplos de hipocrisias explícitas são encontrados a todo o momento e em todos os lugares. Há hipocrisias nos relacionamentos amorosos, nas relações de negócios, nos vínculos sociais, nas adesões religiosas e em tudo o que se possa imaginar. O mundo seria obviamente melhor sem elas, porém ilusório contar com o seu fim. Mas, se há um campo da vida social em que a hipocrisia se faz muitíssimo presente, ninguém erraria se dissesse ser a política.

Valha-nos Deus o quanto de hipocrisia forma os galhos inúteis da árvore da política! A deputada que, filmada embolsando o dinheiro escuso que a fez vencedora na eleição, não tem o seu mandato cassado pelos seus pares hipócritas. Por quê? No voto secreto demonstraram o quanto eles próprios se encontram envolvidos em embustes semelhantes e que por conveniência seria melhor evitar essa via de combate à hipocrisia que, com certeza, os colheria mais à frente.

Os mesmos políticos que fingem nunca terem visto isto ou aquilo de errado apenas para enganar seus eleitores com a falsa imagem de honestos. A Situação que já foi Oposição agora defende exatamente o que antes combatia. Quem amaldiçoou o Plano Real e dele fez a razão de seu sucesso em oito anos de governo e mesmo assim descarada e hipocritamente rotulou o legado do antecessor como “herança maldita”, o fez de forma hipócrita simplesmente porque sabe que a massa ignara acredita na sua soberba. Esta, a propósito, é outra deficiência das mais horrorosas que domina certos espíritos do mal.

É ilusório - convenhamos - imaginar o ser humano livre de todos os galhos malsãos que carrega pela vida, mas, no caso de uma poda, mesmo que parcial, ao menos, teríamos árvores mais viçosas no jardim de nossas vidas.


Edson Pinto

Setembro’ 2011

27 de ago. de 2011

178) MENSAGEM A GARCIA


Há mais de século, certo Sr. Helbert Hubbard, tomado de divina iluminação, dessas que incidem e presenteiam um único ser humano entre milhões, produziu um texto tão verdadeiro e forte que deveríamos tê-lo colado no espelho do nosso banheiro. Assim, todos os dias, pela manhã, quando lá exercitamos nossa vaidade, lustrarmos nosso narcisismo e ficamos frente a frente com a nossa genuína face humana, fossemos obrigados a relê-lo à exaustão.

Dizem ser o artigo mais publicado no mundo. Pela sua atualidade, mesmo sendo centenário, está longe de ser esquecido no fundo da gaveta da história. Quis o Sr. Hubbard, a partir de um fato real, traçar um paralelo com o comportamento da maioria das pessoas frente aos desafios que a vida lhes impõe. O texto, cujo título é homônimo da minha crônica desta semana, deveria ser lido quantas vezes a vida nos permitisse. A cada leitura, uma nova reflexão há de emergir como o sol que a cada dia se irrompe por detrás da colina e da linha infinita do oceano para nos reafirmar o fantástico milagre da vida. Ao fim deste texto forneço o acesso para a original MENSAGEM A GARCIA. É você quem decide se quer lê-la antes do restante desta crônica ou se prefere primeiro entender a origem da famosa frase. De qualquer forma, o próximo parágrafo sintetiza a tal história:

Em um instante crucial da guerra entre Estados Unidos e Espanha no final do século XIX era absolutamente necessário fazer com que uma carta escrita pelo presidente americano, Mac Kinley, chegasse às mãos de Garcia, o chefe dos insurretos, que se encontrava em local desconhecido nos sertões de Cuba. Esse homem era Rowan que recebeu a missão e, sem fazer questionamentos tolos ou colocar dificuldades para tão árdua tarefa, cumpriu-a de forma extraordinária e no menor tempo possível para as condições da época. A lição que disso ficou e que continua ainda muito atual é o quanto as pessoas, em geral, se sentem dispostas a cumprir uma missão sem que para isso levem seus superiores ao desespero.

Bem, a sociedade desenvolveu-se de forma fantástica desde o advento da Revolução Industrial de meados do século XVIII e não parou de evoluir até os dias presentes. Os modernos meios de transporte, os avanços da medicina, a contínua marcha à frente das ciências, as telecomunicações e a rede mundial de computadores que nos sanciona o atrevido sacrilégio de imaginarmos quase ubíquos e oniscientes, são realidades incontestes. A humanidade nunca esteve tão preparada para resolver seus problemas adquiridos e – quem sabe – até mesmo seus pecados originais. Os instrumentos estão ao alcance de nossas mãos e só não os utilizamos em sua plenitude porque a maioria das pessoas continua incapaz de levar uma mensagem a Garcia.

__ Por que eu? __ Por que comigo? __ Por que isso? __ Por que aquilo? __ Por que agora?

Tente distribuir uma tarefa, por menos árdua que seja, para uma centena de pessoas que, além de terem alguma responsabilidade direta sobre ela e até mesmo se beneficiarão com o seu produto e constatarão, se tiver sorte, que apenas uma ou outra arregaçará as mangas para cumpri-la de maneira satisfatória e sem pedir algo em troca, sem se lastimar pelo infortúnio de ser escolhida e sem a preguiça e má vontade que em geral domina grande parte dos espíritos. A maioria esmagadora preferirá permanecer na confortável posição de quem espera apenas o momento de gozar dos frutos do trabalho alheio. Por que se esforçar se outros farão a tarefa por ela?

Convoque os maus empregados para uma tarefa em horário extraordinário e verá como ficarão felizes. Não pelo desafio em si, mas sim pelas horas-extras que serão pagas em dobro aumentando os seus salários. O político que usa o jatinho do empresário interesseiro e que ainda arrecada de modo escuso para a pretensa campanha do partido é o mesmo que adora uma convocação extraordinária do Congresso, pois receberá adicional aos seus já elevados ganhos. Convoque uma assembléia do condomínio para decidir algo de grande importância para a comunidade e lá verá as mesmas pessoas de sempre, as poucas aptas a levarem a mensagem a Garcia.

Alguém tem dúvida da razão pela qual o Comunismo como sistema político e econômico sucumbiu? A resposta se apresenta cristalina aos olhos de todos nós. Naufragou como o Titanic porque ficou melhor para muitos simplesmente participar da socialização do fruto do trabalho dos outros sem precisar suar o próprio corpo. Existia, como ainda existe, uma carta a ser entregue a Garcia, mas infelizmente poucos se dispõem a fazê-lo como Rowan.


Edson Pinto

Agosto’2011

19 de ago. de 2011

177) O LEGADO QUE VALE A PENA


Vez por outra, conceitos ou até mesmo palavras entram na moda. E moda, como nos sugere o uso rotineiro do termo é coisa passageira. Chega quando menos se espera, conquista os adesistas clássicos dos primeiros momentos, os chamados inovadores, e logo se espalha por um universo mais amplo até chegar o momento em que cai em desuso.

Neste tema recorrente da Copa do Mundo que acontecerá aqui no Brasil em 2014, o termo “legado” virou moda. Primeiro o que dizem os dicionários sobre este substantivo masculino: herança, disposição feita em testamento em benefício de alguém, entre outras. No sentido que tem sido aplicado na questão da Copa do Mundo quer se referir aos investimentos em infra-estrutura urbana e social a serem feitos no País por exigência do caderno de encargos da FIFA e que permanecerão para benefício de todos os brasileiros quando terminado o evento.

Nada mais simples de ser entendido: Qualquer cidadão pode compreender bem isto quando compara o que acontece na sua própria casa. Em função de um evento familiar importante como, por exemplo, o casamento de um de seus membros, a casa é reformada, pintada, móveis novos são comprados para que os parentes que virão de longe e que lá se hospedarão tenham uma boa impressão e sejam bem recebidos. Passado o casamento, a casa ainda bonita fica, por um bom tempo, servindo à família. Isto é legado.

Levando-se em conta tal enfoque, só os “desmancha-prazeres” inatos seriam capazes de apor restrições à realização das obras que ficarão como legado. Obviamente, não lhes tiro a razão do temor legitimo e justificado que também tenho quanto ao exagerado custos das obras e ao desvio do dinheiro público devido à endêmica corrupção e desmandos daqueles que deveriam bem zelar pelo erário da pátria, mas não o fazem. Neste particular é que vejo a oportunidade de contarmos com um legado maior do que simplesmente as obras físicas em aeroportos, sistemas de transportes urbanos mais confortáveis e ágeis, estádios decentes que atraiam famílias por que terão estacionamentos sem flanelinhas, banheiros limpos, assentos confortáveis e segurança. Teremos ainda uma rede hoteleira mais ampla, novas soluções para o combate à violência, visibilidade mundial e outros tantos benefícios que surgem na esteira da efeméride.

O legado que poderíamos conquistar seria a moralidade no trato da coisa pública. Vejo com bons olhos a limpeza que a presidente Dilma vem comandando no seu ministério. Já foram, por motivos diversos, quatro defenestrados, algumas dezenas de barnabés de comportamentos escusos e tem potencial de irem muitos outros. Tudo isso acontecendo no momento em que se discutem as obras da Copa. Vejo aqui a oportunidade ímpar para darmos apoio à faxina que ora acontece. Não devemos ficar indiferentes ao visível desconforto que a turma do mal, do Congresso, por sinal a maioria, já começa a manifestar contra a limpeza na malandragem de partidos e seus agentes arrecadadores infiltrados na máquina pública.

Se em função desse apreço do brasileiro para com o futebol soubermos tirar proveito da nova moralidade em curso, já com boa parte dos corruptos sendo expurgada pelas espanadas da presidente Dilma, ai teremos a possibilidade de sonharmos com o legado que valerá a pena conservar no pós-copa. Afinal, não é só de Copa do Mundo e de Olimpíadas que vivemos. O País todo está para ser construído. Se for sem corrupção, tanto melhor!

Edson Pinto
Agosto’2011

13 de ago. de 2011

176) SEMANA RUÇA, MONTANHA RUSSA

 A semana que acaba desenrolou-se frenética, ruça. Também, quem imaginou pudesse ser diferente? Já no topo da montanha russa, nos instantes que precedem ao grande mergulho, a adrenalina acelera o coração, a pressão arterial sobe aos píncaros e os brônquios se dilatam a não mais poder. Chegado ao fundo, nova subida, chacoalhante e marcada por suspiros recuperadores até que o novo topo prenuncie mais emoções. Haja coragem!

Assim tem sido essas últimas semanas de tantas incertezas econômicas e políticas aqui e alhures: Obama consegue se safar na undécima hora com a elevação do endividamento da até então mais confiável economia de todas, mas o mundo reage com os problemas disto decorrentes. A adrenalina volta pulsante, os ânimos se acirram, o bloco europeu sacoleja e riquezas virtuais se derretem no sobe e desce das bolsas mundo afora. Já quebraram a Grécia, a Irlanda e Portugal. Quebrarão a França, a Itália e a Espanha? E as economias em desenvolvimento, como a nossa, passarão incólumes ou não há como deixar de serem respingadas pela carnificina da economia global? No meio, de novo, o Brasil. Outra marolinha ou o que se nos apresenta é o refluxo típico das ondas que antecedem os tsunamis?

No universo de Brasília, a já chamada “espanada nos ministérios” joga algum alento àqueles que acreditam haver uma forma de vermos os cofres públicos saqueados com mais decência e não da forma descarada que se tornou o padrão da original Esplanada. A base aliada - esta figura exótica e de propósitos escusos - treme, porque a “espanada” tende a chegar a mais gente, com grande probabilidade, a quase toda. A nação da mais elevada carga tributária, da mais exorbitante taxa de juros, dos elevados índices de corrupção e de outras mazelas sacode o seu pó, mas não o aspira. A casa continua suja e a culpa é do espanador...

E à base? Ah! À base só resta a ameaça de obstruir os projetos do governo choramingando por quanto seus pleitos não estão sendo saciados. Que pleitos legítimos defendem? São, por certo, os cargos na miríade de ministérios com o poder de receber, cada qual, uma cópia da chave das burras do erário público. De lá tiraram, tiram e certamente tirarão, de forma impiedosa, para os partidos, para os padrinhos e para si mesmos o que o Leviatã tirou do povo sacrificado por uma das maiores cargas tributárias do mundo.

Mais adrenalina ainda porque quem foi preso era do partido A ou do partido B e, como que traídos, se sentem desprestigiados pela presidente que preza mais a honestidade que a rapinagem. Será que Dona Dilma consegue segurar essa barra?

De Jacundá, onde 96% da população não têm acesso à rede de esgoto, porém, nenhum sinal de desespero. Quem não tem água tratada, nem luz elétrica para substituir a lamparina, nem feijão suficiente na panela e nem consciência do que acontece, não há como perceber a existência de tanta gente importante momentaneamente tão estressada. Que importa esse frenesi das bolsas e esses engravatados que levam milhões da Republica já em avançado estado de putrefação de costumes? E la nave va!

Há semanas que têm razão para serem recordadas. A famosa semana de fevereiro de 1922 rompeu com o passado e nos levou ao modernismo. As que ocorrem nestes tempos em que vivemos nos rompem com a pasmaceira, mas nos embarcam, ruçamente, na montanha russa de sistemas econômicos perversos.

Que a próxima já nos seja melhor!

Edson Pinto
Agosto’2011

6 de ago. de 2011

175) ESTRATÉGIA DE SOBREVIVÊNCIA










O mundo animal é pródigo em exemplos de estratégias que são adotadas pelas várias espécies face ao repleto cardápio de infortúnios que a vida lhes apresenta. As despreparadas para o enfrentamento das mutantes adversidades do meio ambiente tendem a desaparecer. Há, como todos sabem, inúmeras espécies que já sucumbiram ou que caminham celeremente para a sua extinção. Não vem ao caso citá-las aqui, pois a crítica é curta e se assenta exclusivamente sobre uma espécie bem identificada, conforme citarei mais adiante nesta minha crônica.

Há, contudo, espécies que adotam a mais singular das estratégias para que não sejam extintas. Enquanto muitas outras lutam contra seus predadores, mimetizam, se escondem, inoculam veneno nos inimigos, atacam ou hibernam, há as que simplesmente optam pela rápida reprodução e em quantidade. Assim, aceitam que muitos de seus membros serão eliminados precocemente na batalha da vida, mas mesmo assim sempre existirão outros para substituí-los e desta forma garantir a sobrevivência da espécie.

Além da voracidade e do modo assemelhado de agir para a apropriação do que pertence aos outros, e mais ainda por essa estratégia da vasta reprodução, é que o rato simboliza tão bem a figura dos corruptos que assaltam o erário público, tal como fazem os seus homólogos ao devorarem o estoque de grãos do celeiro. Um ladrão, um corrupto e um rato são, na essência, a mesma coisa.

Em algumas espécies de roedores, as fêmeas ficam prontas para a reprodução com apenas seis semanas de vida e chegam a gerar até setenta filhotes ao longo de um único ano. Quando em algumas situações especificas não são combatidas, a população cresce de forma assustadora. Fosse a falta de predadores - hipoteticamente - um padrão de muito longo prazo, provavelmente esse roedor repensaria sua estratégia de sobrevivência e começaria a reduzir o incômodo e exagerado tamanho da prole. Também podemos especular sobre o contrário: dado um padrão de maior predação, maior seria o tamanho da prole. Mera conjetura sem base científica, porém verossímil!

Com os corruptos do Brasil parece que este segundo movimento está permanentemente em curso. Quanto mais se descobre e mais se tenta eliminar os corruptos, mais eles se reproduzem. Com toda a certeza, essa espécie social é regida por alguma inteligência genética que orienta o seu instinto de sobrevivência. Como está se tornando difícil mimetizar, se esconder, inocular veneno no inimigo, atacar ou mesmo hibernar só lhe resta a estratégia da acelerada e abundante reprodução.

Vejam o que nos demonstram os incontáveis casos de corrupção que têm sido detectados nos últimos anos. Fiquemos apenas nos mais recentes para não congestionar a nossa pobre memória que não tem espaço para tantos registros nesta área de preocupações: caso Celso Daniel, caso Roseana Sarney, escândalo dos bingos do Waldomiro Diniz, escândalo dos Correios do Mauricio Marinho, Mensalão, escândalo das ambulâncias, Renangate, escândalo dos cartões corporativos, operação Boi Barrica do filho do Sarney, mutretas da Erenice Guerra, lodaçal do DNIT. Ufa! E veja que são apenas 11 casos que pincei de uma lista de quase 70 registrados desde o ano 2000.

Em matéria de corrupção e de escândalos, parece não haver remédio que elimine o mal. A metástase é evidente... Não há desinfetante, por mais poderoso que seja, capaz de curar essa ferida escancaradamente aberta. No tal do DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) começou com um, mas rapidamente chegou-se a quase trinta e serão muitos mais se a desinfecção puder progredir. E mesmo quando terminar, porque na vida tudo tem que terminar um dia, ainda ficarão outros exemplares de roedores que voltarão a saquear o celeiro ao mesmo tempo em que se reproduzirão de forma acelerada.

No dizer simples do velho sambista Bezerra da Silva, a síntese de toda essa problemática que torna a nossa democracia uma ficção, uma solução imperfeita, uma utopia para manter os espíritos crédulos ainda vivos:

Se gritar pega ladrão, não fica um meu irmão...”

Edson Pinto

Agosto’ 2011



29 de jul. de 2011

174) NOVO RICO

 Genival era adorado no bairro periférico onde morava com a família. Nascera lá. Nos tempos de boleiro - merecidamente, diga-se de passagem - era o ídolo do time. Cumprimentava e era cumprimentado por todos. Ali também se casou com Isaurinha e começaram a colecionar afilhados. Continuava uma pessoa simples, operário daqueles dedicado e assíduo freqüentador das atividades da paróquia. Impossível não gostar de Genival. Ele jamais brigou com vizinhos, ajudava a todos como podia e com isso angariou unânime simpatia.

Um dia Deus olhou pro Genival e disse: “É o cara!” Acertou na Mega-Sena. Depois do normal susto, homem prudente que era, tomou a decisão de não deixar ninguém saber que ele havia se tornado um homem rico. Iria mudar a sua vida e a de sua família o mínimo possível. Seria naquele lugar em que nascera e onde criava os filhos que ele permaneceria para o resto de sua vida. Não havia, contudo, como deixar de fazer alguns gastos essenciais, pensou. Assim consertou os dentes, começou a vestir-se melhor, deixou o emprego na fábrica e foi adquirindo alguns hábitos novos como levar a família para uma viagenzinha no final de semana, fez a festa dos quinze anos da filha, comprou o primeiro computador da casa, celulares e, proeza maior, comprou um carro popular novinho em folha.

Foi a partir desse momento que Genival começou a perceber certo estranhamento dos vizinhos e velhos amigos. De festejado, passou a ser objeto de ciumeira: “Veja como o Genival está metido, deve ter dado um golpe na fábrica em que trabalhava” ou “Veja como está esnobando o carro novo”, ou ainda: “Tá vendo, melhorou um pouquinho de vida e já está se achando o Rei da cocada preta”. Genival continuava homem simples, embora meditasse cada vez mais sobre decisões a tomar e que pudessem levar os seus “admiradores do passado” a rejeitá-lo pelo simples fato de estar agora melhor de vida.

A casa que pensava em reformar seria então o acinte máximo para aqueles que mais do que desconfiança já mostravam declaradamente o mais explicito dos ciúmes. Teve finalmente que mudar de bairro e, por mais que não quisesse, foi lentamente se desligando do mundo antigo de que tanto gostava e migrando para o novo mundo onde desconheciam o seu passado. Intimamente, deu-se a refletir sobre o clássico ditado popular: “dinheiro não traz felicidade”, mas tinha que tocar a vida...

Todos nós que já vivemos um bocado de anos neste Brasil tão mutável havemos de recordar que apesar de todas as desigualdades sociais e da eterna promessa de país do futuro, ainda éramos muito admirados pelos outros povos do mundo. Numa competição esportiva internacional, por exemplo, qualquer que fosse o esporte, os anfitriões sempre nos apoiavam, principalmente quando o adversário era um país de elevado poderio econômico. Funcionava mais ou menos como a solidariedade que se costuma prestar aos mais fracos. Falando do futebol, os suecos, mesmo sendo derrotados pelo Brasil em 1958, nos cobriram de carinhos. Os mexicanos nos adoraram em 1970 e 1986. No vôlei de praia, na Fórmula 1 e em outros esportes sempre tínhamos platéias favoráveis. Dava-nos a correta impressão de que o Brasil, e por extensão nós os brasileiros, éramos um povo amado por todos.

Bastou o País deixar de ser o patinho feio da economia mundial e começar a se mostrar com pinta de potência para que as coisas mudassem radicalmente de figura. Esta comprovação eu a tive em um único final de semana agora do mês de julho. O Brasil, no voleibol masculino, fazia na Polônia o final do torneio contra a Rússia. O suporte da torcida local era da Rússia, mesmo considerando o passivo político da antiga Cortina de Ferro. No futebol feminino, as briosas jogadoras do Brasil em sua partida contra os Estados Unidos, sentiram o peso da torcida alemã, em Dresden, apoiando as bem nutridas sobrinhas do Tio Sam. Vaiavam as nossas estrelas como se quem os tivesse massacrado na Segunda Guerra Mundial fossemos nós e não a maior Nação do mundo, a América. No futebol masculino foi até covardia, pois enfrentávamos o Paraguai, na Argentina, esta, nossa rival já tradicional. O suporte dos locais até nos levava a imaginar que o jogo estivesse acontecendo em Assunção, no Paraguai, e não em Córdoba, Argentina.

Quanta semelhança há entre a história de Genival e a do Brasil. Ambos são novos ricos e como tal, alvos de ciumeira. Infelizmente, poucas são as pessoas que aceitam serenamente o progresso de seu vizinho. Devemos, portanto, nos preparar para cada vez mais nos confrontarmos com manifestações de descontentamento com o nosso crescente sucesso já percebido além fronteira. O inconsciente coletivo funciona aos moldes do inconsciente pessoal. Admitir que alguém, ou algum país, está o deixando para trás pode incomodar e, no extremo, até atormentar ao ponto de se desejar o fracasso do bem sucedido como forma de deter-lhe o avanço.

Nós brasileiros, fruto da momentânea moeda forte que possuímos, ao promovermos afoitamente este festival de gastança nos exterior, somando-se a todas as notícias boas que não param de ser produzidas pela nossa economia, enquanto a Europa e a América estão na draga, já começamos a despertar certas “dores de cotovelos”. Estamos sendo vistos como novos ricos tentando, sem o devido “physique du role”, penetrar no baile dos rotos nobres.

No caso de Genival, ele teve a alternativa de mudar para outro bairro onde era desconhecido e onde pôde se reconstruir. No caso do Brasil, contudo, não há como mudar de planeta. Só nos resta ter a consciência de que teremos cada vez mais resistências dos donos do mundo até que um dia nos aceitem como uma grande nação. Definitivamente, não é nada fácil ser um novo rico...

Edson Pinto
Julho’ 2001

15 de jul. de 2011

173) SERÁ O BENEDITO?


Quem conhece um pouco da história política do Brasil já deve ter ouvido falar em Benedito Valadares. Político mineiro que governou o estado por mais tempo, 12 anos, de 1933 a 1945. A ele prestaram grandes homenagens, incluindo a de darem o seu nome à próspera cidade de Governador Valadares.

Inicialmente obscuro político da provinciana cidade de Pará de Minas, surpreendeu ao povo mineiro quando ainda pouco conhecido deputado federal, em primeiro mandato, foi nomeado por Getúlio Vargas, em 1933, para substituir Olegário Maciel recém-falecido governador do Estado. Primeiro, como Interventor, coisas da Era Vargas, em seguida como governador eleito pela Assembleia Legislativa.

Getúlio teria justificado a escolha do desconhecido Benedito Valadares com esta simplicidade pampeira: “Todos tinham candidatos, só eu não. Então escolhi este rapaz tranquilo e modesto que me procurou antes...” Foi a partir daí que o perplexo povo mineiro começou a se perguntar toda vez que algo inesperado acontecia ou ainda acontece: “Será o Benedito?”

O fato importante é que Benedito Valadares revelou-se um político matreiro, astuto e grande articulador que sobreviveu incólume até mesmo ao irrompido Estado Novo. Os Estados da Federação ganharam interventores, ele, porém, permaneceu governador. E de tão influente sobre Vargas, foi o responsável pela indicação de Adhemar de Barros para governar São Paulo. Catapultou ainda as carreiras políticas de Juscelino Kubitschek e de Tancredo Neves, ambos, presidentes mais adiante.

A sua esperteza rendeu-lhe a alcunha de “Raposa Política” a quem, mesmo sem comprovação, a ele atribui-se frases e feitos que incorporaram ao folclore político mineiro, como: “Estou rouco de tanto ouvir”. Dizia ter aprendido a ouvir, mais do que falar, quando ainda menino observava um leilão na praça de sua cidade. “Quem dá mais pelo passarinho?” perguntava o leiloeiro. Logo alguém dava um lance, em seguida outro e assim sucessivamente. Achou a brincadeira interessante e meteu-se a dar o seu lance sem ter um centavo no bolso, apenas para aparecer. Por essas coisas do destino, o leiloeiro arrematou: “Dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três, o passarinho é seu meu filho!” Nunca mais falou mais do que ouviu...

Lula não aprendeu nada com Benedito Valadares, pois falou e ainda fala mais do que ouve. Neste episódio todo das obras da Copa do Mundo, para não falar também das Olimpíadas, foi Lula que ao estilo do Benedito menino, quis entrar na brincadeira do leilão para a Copa. Empenhou-se como nunca antes na história do País a prometer que o Brasil faria isso, faria aquilo para termos a melhor Copa do Mundo das tantas que já aconteceram mundo afora. Deu o lance e deixou a conta para a sua sucessora, Dilma Rousseff. Agora vêm os governos tanto o federal como os estaduais dizendo que não colocarão nenhum centavo na construção dos estádios, pois isso é coisa da iniciativa privada.

Aí fica a pergunta que não quer calar: Se os governos não tinham intenção de colocar dinheiro, por que Lula e seus acólitos governadores dos estados sedes acorreram vorazmente ao processo de escolha do país anfitrião? Será que foi só para aparecerem como o menino Benedito, lá na praça de sua cidade natal, quis aparecer no leilão do passarinho, imaginando que ficaria apenas com o brilho de ter dado um lance, mas sem a real pretensão de vencê-lo?

Existiu outro político não tão Raposa como Benedito Valadares, mas que usou bastante o recurso de criar factóides. Trata-se do ex-governador do Rio de Janeiro, César Maia, que se habituou a criar pseudo-fatos para se manter em evidência na mídia. Os fatos anunciados nunca aconteciam, mas a sua exposição pessoal era garantida. Lula sempre teve consciência disso, o que nunca quis considerar é que mais cedo ou mais tarde a verdade prevalece. Por ser imediatista e prático, o futuro normalmente não é incorporado em seu processo decisório.

Agora estamos todos com o abacaxi da Copa do Mundo para ser descascado. Não sei não, mas, ou nos surpreenderemos ainda com a nunca revelada capacidade criativa realizadora do gênio nacional, ou seremos forçados a continuar nos perguntando cada vez que uma nova encrenca do plano da Copa do Mundo nos aponta para o provável fracasso do projeto Lula. Se vier uma solução satisfatória só nos restará expressar:

Será o Benedito?

Edson Pinto
Julho’ 2011

9 de jul. de 2011

172) AVENTURAS DE AURELIANO - V (final)


Aureliano, o Bu, não se dava bem com a condição de baixinho. Reconhecia-se como tal, mas tinha lá os seus truques para tirar a má impressão dos visitantes do escritório em que trabalhava. Era vaidoso. Aparecia alguém pela primeira vez e Aureliano, por detrás de sua mesa, se punha na ponta dos pés e assim permanecia até que fosse percebido. Precisava ser respeitado e, como alguém - perguntava a si mesmo - de pouco mais de 1,50 m, poderia passar confiança? Não precisava disso, pois seus colegas o respeitavam de forma incondicional. Afinal, quem levaria ao laboratório aqueles frascos tão pessoais? Quem limparia os banheiros quando a faxineira não comparecia ao escritório? Ou quem correria aos bancos, aos correios, consertaria a máquina de escrever, dirigiria o carro do chefe e abriria e fecharia o escritório?

Mais o tempo passava, mais Aureliano se desdobrava para continuar servindo a todos. Já havia assimilado o episódio da sua candidatura a vereador quando, fora o dele mesmo, só tivera outro voto, nunca identificado. Alimentava a ilusão de que um dia a turma do escritório, o patrão, o gerente do banco, a moça do laboratório, a funcionária dos Correios, o amigo do boteco, Ubaldina e os filhos ainda iriam todos de uma só vez aplaudi-lo pela grandeza de sua missão tão nobre que era a de servir.

O patrão já sabia em quem confiar para a compra dos presentinhos a serem distribuídos naquele encontro de final de ano quando todos se confraternizariam depois do expediente:
__ Aureliano, você pega dinheiro no caixa e compra presentes de cerca de R$50,00 reais para cada um dos funcionários.
__ Cinquenta é muito Sr. Sérgio. A situação não está nada fácil. Vou me fixar em R$30,00. Era puro puxa-saquismo explicito ou verdadeiro amor à empresa, dependendo de que anglo se analisasse o fato. O patrão nadava em dinheiro, mas Aureliano condoia-se com a menor possibilidade de que ele estivesse gastando muito com os seus fiéis colaboradores. Às críticas dos funcionários pela indesejável ingerência de Bu no valor das lembrancinhas respondia com indisfarçável ar de responsabilidade: “Vocês só pensam em tirar da empresa e se esquecem de que se ela quebrar perdemos todos a oportunidade de estarmos juntos, como agora”.

Na hora da festa de final de ano e após um dia de tantos afazeres no escritório, Aureliano demonstra semblante triste. Em meio a brincadeiras, abraços, confraternizações sem fim, advêm-lhe uma dor de cabeça que foi se tornando cada vez mais forte. Seguiu-lhe certa sonolência, teve dificuldade para se expressar sobre o que sentia e dominou-lhe certa confusão mental. Antes mesmo de ser socorrido pelos colegas de escritório sentiu fraqueza na face, nos braços, pernas e finalmente desabou-se da altura de seus poucos mais de 1,50 m de altura. Deram-lhe um copo d’água, alguns comprimidos e o colocaram sentado para repousar na cadeira de couro legitimo da sala do presidente enquanto a festinha rolava.

Ninguém no escritório sabia que Aureliano estava tendo um AVC (acidente vascular cerebral), um derrame cerebral. Ninguém sabia, como muita gente hoje ainda não sabe, que um AVC pode ser totalmente revertido se a vitima for atendida no hospital em menos de três horas. Ninguém sabia, e poucos ainda sabem, que há um teste muito simples para se identificar um AVC: 1) peça a vitima para sorrir 2) peça a ela que diga uma frase simples, por exemplo: “hoje o dia está lindo” 3) peça que ela levante os dois braços. Se a vitima falhar na execução de apenas uma dessas tarefas deve-se procurar imediatamente uma clinica ou um hospital, pois ela sofreu um AVC.

Ao final da festa, passadas mais de três horas, é que levaram Aureliano ao hospital. O escritório tristemente foi então confrontado com o fato de que já não tinha mais o voluntarioso Aureliano, Bu, de burrinho de carga, e que tudo seria muito diferente daquele momento em diante.

No dia seguinte, lá estavam a turma do escritório, o patrão, o gerente do banco, a moça do laboratório, a funcionária dos Correios, o amigo do boteco, Ubaldina e os filhos. Antes de descer para o repouso eterno cobriram-no de lágrimas e aplausos, reconhecendo-lhe - como queria - que dentro daquela pequena figura de pouco mais de 1,50 m havia um gigante de bondade e de amor aos amigos que só queria servir. Era o reconhecimento que ele sempre quis.

Edson Pinto
Junho’ 2011

ET: Embora este texto seja um conto, portanto contendo alguma ficção, sobre uma base que é real (a existência do Aureliano) este episódio do AVC, principalmente o teste mencionado na parte final do texto, é verdadeiro. Deveria ser memorizado por todos. Afinal, um derrame cerebral, AVC, pode ser revertido se estivermos preparados para identificá-lo e conduzirmos a vitima imediatamente ao hospital.

2 de jul. de 2011

171) AVENTURAS DE AURELIANO - IV

Aureliano, o Bu, pouco mais de 1,50 de altura, não se conformava com o fato de que no Banco que freqüentava para os afazeres diversos do escritório e dos folgadões de lá, não era - como queixava algumas vezes - devidamente respeitado pelo gerente. “Deve ser uns três centímetros mais baixo do que eu, mas pensa que pode olhar todo mundo de cima para baixo”, exclamava em tom de mágoa cada vez que passava em frente à mesa do “metidinho” para então entrar na fila do caixa. “Um dia esse toquinho de gente ainda vai reconhecer o meu valor”, murmurava ressentido.

Nessa época, a casa que havia construído com o esforço de anos de economia e de finais de semana incontáveis em que literalmente pusera a mão na massa, encontrou uma oferta de compra. Estava ali a oportunidade de Aureliano dar um passo à frente. Andava dizendo aos quatro cantos, especialmente no escritório, que o patrimônio se constrói com anos afinco de luta. Mesmo que ao final do mês a sobra do minguado salário fosse suficiente apenas para a compra de um saco de cimento e de algumas dezenas de tijolos ele não hesitava. Construía mais uma parte de uma nova parede ou rebocava parte de outra já concluída. Era um verdadeiro João de Barro. Diga-se o que quiser sobre as maluquices de Bu, mas que ele era caprichoso, disso não se tinha dúvida. O serviço era sempre muito bem feito...

Como o dinheiro da venda da casa compraria um terreno maior em uma rua melhor no mesmo bairro. Haveria ainda dinheiro suficiente para comprar todo o material para a nova casa a ser construída por ele com a ajuda de Ubaldina, sua mulher, dos filhos e dos bons amigos que adoravam um mutirão de final de semana, desde é claro, que ao final rolasse umas cervejinhas e um churrasquinho de carne de segunda. Não tinha muito a pensar. A venda aconteceria em dinheiro vivo, afinal, o comprador, feirante em ascensão financeira tinha o hábito de guardar dinheiro vivo exatamente para um dia presentear o filho com uma casa pronta, pois o rapaz se preparava para o casório.

Aureliano não falava de outra coisa no escritório. “Vou vender a casa, morar uns tempos com a sogra enquanto construo a nova. Quando “minha mansão” estiver pronta, todos já se considerem convidados para um churrasco na laje. Ah, sim, a casa teria uma laje para eventos como esse. Mas, na sua cabeça passava um plano ainda mais importante: Ele pegaria todo o dinheiro, aquele montão de notas que o feirante haveria de lhe entregar e iria, advinha fazer o que? É isto mesmo! Se você pensou que iria depositá-lo diretamente com aquele metidinho, só para se fazer merecedor de atenções especiais, você acertou.

Dito e feito: Bu entra com sua pasta gigantesca toda recheada e, ao contrário de ir direto ao caixa, entra na sala do gerente. Não de forma arrogante, pois não sabia agir assim, mas com um ar de certa superioridade, ainda de pé para comprovar-se maior do que Juvenal, o "gerentinho", vai logo dizendo que tinha um grande depósito a fazer e que ele, fizesse a gentileza de chamar o caixa até ali. E não é que daquele momento em diante Aureliano passou a ser visto com outros olhos pelo gerente. Era tudo o que ele queria. Já quando entrava no Banco passava primeiro na sala do gerente para tomar um cafezinho e jogar umas conversas fora. Este começou a admirar Aureliano, figura simples, pensava, mas homem de dinheiro. Até me ajudou a cumprir a cota de depósitos captados do mês. “Mais um cafezinho Aureliano?” “Não Juvenal, deixa para amanhã, passou a esnobar”

No escritório Bu já não falava de outra coisa: “Se o Juvenal me ligar diga que não estou. Depois passo lá para um cafezinho”. Passou a apreciar a entrada triunfal no Banco acompanhado por um colega do escritório. Nesses momentos ele demonstrava sua familiaridade com Juvenal abusando de galhofas e dos cafezinhos servidos pelo próprio gerente. O terreno estava quase comprado e logo, logo, começaria a construção. Teria o prazer de ir sacando gradativamente sua poupança sempre com os rituais próprios de quem merece respeito.

Corria tudo bem, até o momento em que da televisão da casa da sogra, onde já se encontrava instalado com toda a família, ficou sem bem entender o que a ministra Zélia Cardoso de Mello quis dizer, em março de 1990, com a aquela “generosidade” de liberar até 50 mil cruzados novos das economias de cada cidadão, retendo para o bem do Brasil falido, o resto. Aureliano tinha milhões de cruzados novos e não assimilou de imediato as conseqüências que isso teria na sua vida. Descobriu-a da pior maneira possível, no dia seguinte, quando quis falar com Juvenal. Não foi atendido, não teve cafezinho e o pior, não tinha mais dinheiro para comprar o terreno e construir a sonhada nova casa.

Por muitos anos mais Aureliano, o Bu, ex-poderoso, continuou ouvindo os queixumes da sogra, de Ubaldina, dos filhos e o desprezo de Juvenal.

Edson Pinto

Junho’ 2011