Aimorés
acordava aos poucos. A luz ainda hesitava nas serras, e as árvores balançavam devagar,
como se testassem o vento do dia.
Lá
estava ele: Sebastião Salgado, de chapéu, barba por fazer e olhos que pareciam
guardar o mundo inteiro. Montava o tripé com a lentidão de quem sabe que a
pressa não serve para nada diante da natureza.
Foi
então que ouviu o som de passos suaves. Virou-se e viu um senhor de barbas
brancas, paletó de linho, chapéu curvo e olhos lavados de azul.
—
Bonjour, monsieur, disse o estranho, com um sorriso tímido.
—
Bom dia... O senhor é de onde?
—
Sou da França. Me chamo Claude Monet. Vim ver como a luz respira por aqui.
Salgado
arregalou os olhos.
—
Monet? O Monet dos nenúfares? Da catedral de Rouen? Da névoa de Londres?
Monet
apenas sorriu. Apontou para o céu de Aimorés:
—
Nunca pintei um céu como esse. Aqui, a luz parece brotar da terra, e não descer
do céu.
Caminharam
juntos por trilhas, pedras e veredas. Monet parava a cada flor, a cada reflexo
d’água. Salgado, mais contido, buscava o ângulo que revelasse o silêncio por
trás da beleza.
—
O senhor vê cor demais, brincou Salgado.
—
E você vê tudo que a cor esconde, respondeu Monet.
Pararam
diante de um riacho onde crianças se banhavam entre risos. Monet sacou um
pequeno caderno de esboços. Salgado ajustou a lente. E ali ficaram, capturando
o mesmo instante por vias opostas, como dois músicos tocando partituras
diferentes da mesma sinfonia.
—
Eu pinto a luz.
—
Eu fotografo a sombra.
—
Mas no fundo, completou Monet, estamos tentando salvar o mesmo mundo da
indiferença.
Antes
do pôr do sol, Monet colheu uma flor do cerrado, pequena e tímida, de tom
lilás.
—
Guarde isso. É leve, mas contém a paleta de um continente.
Salgado
agradeceu em silêncio.
Mais
tarde, quando já não havia mais sinal do francês, Salgado revelaria suas fotos
daquele dia e veria nelas algo de novo: uma luz macia, quase pictórica, como se
a alma da terra tivesse passado por um pincel antes de chegar à lente.
Edson Pinto
Outubro,
2025
Claude
Monet (1840–1926), pintor francês e um dos fundadores do impressionismo,
dedicou-se a capturar as mudanças da luz e da atmosfera na natureza, criando
séries que eternizaram momentos fugazes.
Sebastião
Salgado (1944--2025), natural de Aimorés, MG, foi um dos maiores fotógrafos
documentais do mundo. Sua obra retrata trabalhadores, povos esquecidos,
desastres ambientais e a beleza do planeta, sempre com profundo humanismo e
densidade estética.
