24 de out. de 2025

350) MONET EM AIMORÉS

 

Aimorés acordava aos poucos. A luz ainda hesitava nas serras, e as árvores balançavam devagar, como se testassem o vento do dia.

Lá estava ele: Sebastião Salgado, de chapéu, barba por fazer e olhos que pareciam guardar o mundo inteiro. Montava o tripé com a lentidão de quem sabe que a pressa não serve para nada diante da natureza.

Foi então que ouviu o som de passos suaves. Virou-se e viu um senhor de barbas brancas, paletó de linho, chapéu curvo e olhos lavados de azul.

— Bonjour, monsieur, disse o estranho, com um sorriso tímido.

— Bom dia... O senhor é de onde?

— Sou da França. Me chamo Claude Monet. Vim ver como a luz respira por aqui.

Salgado arregalou os olhos.

— Monet? O Monet dos nenúfares? Da catedral de Rouen? Da névoa de Londres?

Monet apenas sorriu. Apontou para o céu de Aimorés:

— Nunca pintei um céu como esse. Aqui, a luz parece brotar da terra, e não descer do céu.

Caminharam juntos por trilhas, pedras e veredas. Monet parava a cada flor, a cada reflexo d’água. Salgado, mais contido, buscava o ângulo que revelasse o silêncio por trás da beleza.

— O senhor vê cor demais, brincou Salgado.

— E você vê tudo que a cor esconde, respondeu Monet.

Pararam diante de um riacho onde crianças se banhavam entre risos. Monet sacou um pequeno caderno de esboços. Salgado ajustou a lente. E ali ficaram, capturando o mesmo instante por vias opostas, como dois músicos tocando partituras diferentes da mesma sinfonia.

— Eu pinto a luz.

— Eu fotografo a sombra.

— Mas no fundo, completou Monet, estamos tentando salvar o mesmo mundo da indiferença.

Antes do pôr do sol, Monet colheu uma flor do cerrado, pequena e tímida, de tom lilás.

— Guarde isso. É leve, mas contém a paleta de um continente.

Salgado agradeceu em silêncio.

Mais tarde, quando já não havia mais sinal do francês, Salgado revelaria suas fotos daquele dia e veria nelas algo de novo: uma luz macia, quase pictórica, como se a alma da terra tivesse passado por um pincel antes de chegar à lente.

 

Edson Pinto

Outubro, 2025

 Nota do autor

Claude Monet (1840–1926), pintor francês e um dos fundadores do impressionismo, dedicou-se a capturar as mudanças da luz e da atmosfera na natureza, criando séries que eternizaram momentos fugazes.

Sebastião Salgado (1944--2025), natural de Aimorés, MG, foi um dos maiores fotógrafos documentais do mundo. Sua obra retrata trabalhadores, povos esquecidos, desastres ambientais e a beleza do planeta, sempre com profundo humanismo e densidade estética.

Um comentário:

Anônimo disse...

Salgado criou em Aimorés um núcleo para renovação de matas e nascentes que tem se espalhado pelo Vale do Rio Doce! Imagino que teve inspiração em Monet!
👏👏👏👏👏