3 de abr. de 2008

14) COMO TRATAMOS NOSSOS HERÓIS (abril'08)

(pintura de Eduardo J. Victorello - P-47 da FAB ataca alemães em retirada)

O Jornal O Estado de São Paulo do dia 02/04/08, terça-feira, trouxe no seu caderno Cidades/Metrópole, página 4, na Seção de Falecimentos, na dimensão de 9,5 x 5 cm. (portanto, um formato pequeno) o seguinte anúncio pago:
 (O anúncio aqui está ampliado apenas para permitir melhor leitura)

Eu não poderia deixar passar em brancas nuvens este tema sem que a ele dedicasse algumas considerações:

Gostaria, em primeiro lugar, de me abstrair do fato de que sou filho de um ex-combatente que esteve, também, na Segunda Guerra Mundial, servindo no 1° ELO - Esquadrilha de Ligação e Observação Brasileira. Meu pai, na época, o jovem Sgt. Roxael Pinto, mecânico da aviação, um herói já falecido, certamente teve muito em comum com o Tenente Aviador Fernando Corrêa Rocha. Nem um nem outro, está mais neste mundo para nos contar sobre a campanha militar que tanto orgulho dá a nós brasileiros, embora – infelizmente – as novas gerações pouco recebem de informações a respeito.

O meu comentário quer apenas focar no disparate – diria eu, até mesmo na insensatez, que vem se apoderando com estonteante velocidade da total ausência de moralidade no trato das coisas públicas no nosso país.

Nessa mesma edição do “Estadão” vimos como manchete, na primeira página, o seguinte: “Lula livra centrais de fiscalização”, repercutindo o veto que o presidente aplicou ao artigo da lei que obrigava as centrais sindicais, recém reconhecidas, a se submeterem à fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU). Isto – pasmem amigos - significa que as centrais sindicais poderão gastar a bolada dos R$100 milhões por ano sem terem a menor obrigação quanto a prestação de suas contas ao órgão que tem, constitucionalmente, a tarefa de zelar pelo correto emprego do dinheiro do povo. Ou, quem sabe, o trabalhador que tem um dia de seu salário confiscado pela contribuição sindical, deixou de ser povo?

No anúncio da morte daquele herói que pôs a própria vida em perigo para que o mundo se livrasse do absurdo do nazismo e que em conseqüência propiciou-nos um mundo melhor no pós-guerra, tem lá - quase que como pedindo desculpas pelo gasto de publicação do anúncio fúnebre - a identificação do Cel. Int. Renato Yoshio Mori que se identifica como o “Ordenador de Despesas”, este termo que veio à tona no bojo desse mais recente escândalo dos cartões corporativos. Neste caso, uma demonstração cabal de total lisura e moralidade. No caso do veto do presidente, só vimos indícios de desprezo para com os princípios da moralidade que deveriam ser a viga mestra do exercício do cargo público.

Oh tempore! oh mores! Tal qual o grande Cícero ao discursar no Senado romano há mais de 2000 anos, espantamos todos nós pelos tempos em que vivemos e pelos costumes que adotamos.

Onde está a moralidade pública? Onde ficaram nossos valores morais? Nosso civismo? Nossa vergonha na cara? Onde se encontram sepultados – se é que a isto se dignaram – os nossos valores éticos? Até quando teremos que passivamente aceitar a prepotência do comandante de plantão a nos impingir valores furados, moralidade frouxa e escassez total e plena de ética?

“Passei 30 anos lutando por autonomia sindical” argumentou o presidente para justificar a sua insensatez. E completa com o mais irresponsável e deslavado de todos os sofismas, não poupando nem o envolvimento do Poderoso e Onipotente em assunto tão mundano: “Deus queira que tanto empresários quanto trabalhadores fiscalizem seus sindicatos” Um belo pontapé na instituição legal do órgão de controle em favor da pseudo-autonomia sindical, sabe-se lá com que interesse. Talvez apoio para o 3º mandato?

É curiosa a lógica do nosso presidente, se é que podemos considerar que ele siga alguma. Ele aplica a coisas semelhantes, lógicas inversas, dependendo, é claro, do objetivo a ser alcançado. Assim, neste caso ele disse que passou 30 anos lutando pela autonomia sindical e que por isso não iria aprovar a fiscalização das centrais. Mas, lembremo-nos, ele, também, passou 30 anos lutando pelo calote na dívida externa, pela quebra de contratos que julgava lesivo ao país, pela política de irresponsável crescimento acelerado a qualquer custo e, no entanto, para isso, mudou sua posição e – felizmente para todos nós – deu prosseguimento aos princípios de boa gestão que governos antecedentes deixaram plantados.

"Que criatura pela manhã tem quatro pés, ao meio-dia tem dois, e à tarde tem três?".

Aí está, claramente, um problema que temos de desvendar. É algo como o famoso enigma da esfinge: Ou me decifras ou te devoro! Sinto, estarmos todos sendo devorados pela caricata esfinge que reina a partir do Planalto central e que se sustenta no temporário, porém fugaz prestígio que o atual status da economia brasileira está propiciando ao seu governo.

Queremos todos, um Brasil economicamente forte. Tanto faz quem esteja por trás dessa estabilidade. País forte é quase que uma obrigação dos nossos líderes. É meta permanente a ser perseguida porque o país é potencialmente rico e cabe aos dirigentes torná-la realidade.

Mas, queremos, como povo, como gente civilizada e com seres humanos dignos que nossos governantes além de cuidar da economia, dêem exemplos que dignifiquem o povo brasileiro. Mostras de decência e de pureza vestal no trato da coisa pública. Pois, se isto não acontecer ao longo do tempo, talvez até nossos heróis, como o Tenente Aviador, Corrêa Rocha, que lutou bravamente nos céus da Itália, não venham nem mais a merecer uma Nota de Falecimento, pequena que seja, como a que menciono acima.

A propósito, Édipo apresentou a solução para o enigma, dizendo tratar-se do homem que, engatinha quando bebê, anda sobre dois pés na idade adulta, e usa um bengala quando idoso. Inconformada com a resposta de Édipo, a esfinge teria cometido o suicídio atirando-se de um precipício...

Edson Pinto
SP 02/04/08

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