26 de jun. de 2008

29) VIVA SÃO JOÃO! (junho'08)


O silêncio da madrugada de um dia 24 de junho fora violado pelo primeiro choro do garotão rechonchudo que viera ao mundo no lar mais beato de toda a redondeza.

__ Vai se chamar João Batista, concordaram Zacarias e Isabel, pais eufóricos pelo nascimento do tão esperado filho bem no dia de seu santo de devoção. __ Vai ser padre, servir a Deus e cuidar da alma de toda a nossa gente, manifestaram de modo quase messiânico.

Ainda pequeno, o bonitinho recém-chegado já trazia nos lábios um sorrisinho difícil de ser bem interpretado: tinha, por um lado, a pureza de uma santidade precoce e, por outro, uma malícia sarcasticamente reveladora. Os olhinhos giravam com tamanha curiosidade e desconcertante esperteza mais parecendo radares, desses que perscrutam o espaço sideral a procura daquilo que ninguém nunca viu.

Já grandinho, curtiu bons anos no Seminário para os fins eclesiásticos com o qual os pais tanto sonharam. Ótimo em Teologia, melhor ainda em travessuras estudantis. Com o seu sorrisinho angelical, ajudava, com ar devoto e piedoso, o ritual das missas diárias. À noite, não raro e travestido de seu lado maroto, pulava a janela do dormitório, depois o muro do pátio e caia na gandaia. Como um santo, voltava de madrugada, recolhia-se aos ditames da Santa Madre Igreja, jejuava, orava e servia. Por afinidade nominal, adorava auxiliar nos batizados que se realizam todos os domingos na Capela do Seminário.

__ Vai ser um grande padre! __ Aposto até mesmo que chegará a bispo! E, sonhando alto, tanto os seus pios pais como padre Genaro, o Superior do Seminário, questionavam a si mesmos com ardorosa fé: __ Quem sabe não temos aqui o primeiro Papa brasileiro?

Nas noitadas, contudo, era o Batista. Dançavam que nem Fred Astaire; conquistava que nem Don Juan e amava como um James Bond dos bons tempos. No fundo, no fundo, não via incoerência entre a teológica que tão bem dominava, os princípios cristãos que procurava seguir e o bom lado da vida. Se tivesse poder - pensava com seus botões - conciliaria tudo em uma única Doutrina.

Nascera João Batista, o profeta que batizou Jesus e virou santo. Mas, na verdade, estava ficando cada vez mais difícil conciliar seu conflitante modo de vida. Queria ser como São João, o santo, mas queria também continuar Batista, mantendo o seu "genus vivendi". Precisava dançar, cantar, enlaçar cinturas femininas, beijar bocas carnudas e beber, mesmo que pouco, para ficar alegre e completo...

Abandonou o Seminário e mudou-se para Caruaru. Queria continuar sendo João Batista não como o Santo, pois isso já se lhe revelava impossível, mas naquilo que mais se conformasse ao seu modo de ver a vida, sem, contudo, lhe causar a impressão de estar traindo aos sonhos de seus pais e de padre Genaro.

E lá na terra do forró, principalmente devido ao seu histórico de religiosidade, conquistou a alcunha carinhosa de São João. Tornou-se figura central nas festas juninas e, dizem, apropriou-se até com certa razão da festa do dia 24 de junho, dia de São João, para comemorar com o mundanismo de sempre o seu aniversário.

E a mulherio, em uníssono, grita festeiro: Viva São João! Viva São João!

Edson Pinto
24/06/08

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