2 de out. de 2008

50) A VOZ (out'08)


Levantou-se de súbito quando aquela voz novamente chegara ao seu ouvido. Não fazia o menor sentido tratar-se de um pesadelo seguido de outro e de forma tão insistente. Que razão teria alguém - já não mais deste mundo, como se lhe parecia - querer passar-lhe recados sobrenaturais. Não era a voz das já falecidas mãe Irene e vovó Matilde. Muito menos de Madre Tereza de Calcutá que só conhecera pela TV.

A voz era real, isto sim. Dava para sentir-lhe os graves e os agudos ressoando pelas paredes do quarto, dentro do seu automóvel ou mesmo debaixo do chuveiro. Seria um zumbido desses que atormentam milhões de estressados cidadãos habitantes das cidades grandes cheias de ruídos do trânsito, dos bate-estacas de construções mil, ou ainda, dos feirantes que em alegre desordem enchiam as manhãs das quartas-feiras de seu bairro? Não, não era! Soava algo que ele reconhecia como voz, mas na verdade não podia compreender completamente.

Começou consultando o Centro Espírita onde freqüentou, sem êxito, seções de contatos com a turma do Além. Foi a Umbanda para um descarrego. Subiu a Penha de joelhos para penitenciar-se e finalmente submeteu-se à hipnose, tudo na vã esperança de desvendar a razão daquela voz misteriosa. A única descoberta feita depois de tão exaustivo périplo era de que a voz surgia sempre que ele pensava no casamento com Laura.

Só agora se dera conta de que tudo havia começado naquela noite em que Laura, sua noiva há mais de 20 anos, não tendo conseguido novamente tirar-lhe um compromisso para o sempre adiado casamento, metera-lhe, sem dó nem piedade, um tapalhão em seu ouvido, enquanto ele - para uma vez mais escapar daquela responsabilidade - fingia falar ao celular. Coincidentemente, desde então, seu danificado e agora mal remendado telefone celular nunca mais gravara mensagens de seus amigos. Claro, Laura o quebrara em vários pedaços naquela fatídica noite e o conserto só reparara partes de suas funções.

Quando o incomodo e o desespero já se mostravam insuportáveis, ei-lo no Pronto Socorro do bairro implorando para que lhe fizessem alguma intervenção no ouvido, naquele momento completamente inundado pela voz misteriosa de sempre.

O chefe da junta médica sai da sala de cirurgia e dirige-se para Laura que pesarosa padecia em um canto da sala de espera: __ Veja minha senhora, não sabemos como, mas por alguma razão misteriosa este chip de gravação de mensagens de um telefone celular qualquer se alojou no duto auditivo de seu noivo. Por alguma razão, igualmente misteriosa, repito, um pensamento tenebroso que lhe é recorrente, produz uma corrente elétrica em seu ouvido forte o suficiente para acionar as mensagens gravadas no chip.

Laura agradece emocionada ao mesmo tempo em que se dá plena e total conta de seu não-casamento...

Edson Pinto
postado em 02/10/08

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