28 de abr. de 2013

235) ME TIRA O TUBO!


Meu pai era militar. Integrou a Força Expedicionária Brasileira (FEB) e combateu com a nossa força aérea o exército alemão que ocupava a Itália na Segunda Guerra Mundial. Finda a guerra, e não muito mais tarde, já reformado, ainda vivíamos com referências militares dentro de casa. Boa parte da minha infância, toda a adolescência e já no início da maturidade vivi em um bairro de ex-pracinhas da segunda guerra, muitos deles ainda seguiam, na época, a mesma carreira militar que os levara ao centro do conflito mais sangrento de todos os tempos. Os militares impunham respeito.

A revolução de 64 me pegou adolescente, e por isso, meus bons 21 anos seguintes (tempo que durou o regime militar) foram moldados, não só para mim, mas para todos os brasileiros - quiséssemos ou não - por um ambiente em que os militares tinham presença muito marcante na vida nacional. Saíram dos quartéis e assumiram posições de mando em organizações políticas, estabelecimentos de ensino superior, diretorias e presidência de grandes empresas e em quaisquer outros postos que se caracterizam como importantes para a manutenção do novo regime. Como tudo na vida, no início as intenções eram puras e verdadeiras. Depois, tinha militares que mesmo desprovidos de quaisquer habilidades de gestão eram colocados em cargos de relevo. Afinal, também valia naquela época, como agora, a máxima de “quem parte e reparte sempre fica com a melhor parte”, ou não é?

O sete de setembro era evento obrigatório para a garotada do ginásio, do científico e do clássico. Já na Faculdade, vimos o reitor ser substituído por um Coronel que, com o seu indefectível bastão de comando (uma varinha de cerca de 50 cm. elegantemente encaixada na axila como se fosse um termômetro) adentrava de supetão a sala de aulas para dar uma bisbilhotada ideológica no que os professores andavam ensinando. A figura era até simpática: Sorridente, afável, culto, mas não deixava de meter medo pelo respeito e reverência que impunha a sua farda verde-oliva. Fazer carreira nas forças armadas era garantia de  prosperidade e respeito social.

O general João Batista de Oliveira Figueiredo, último presidente militar, entre 1979 e 1985, e que preferia o cheiro dos cavalos que o cheiro do povo, pelo menos foi coerente: Conduziu a tal da abertura lenta e gradual até a restauração do poder civil no final dos anos 80. Tivemos logo de cara problemas com a morte de Tancredo. Em seguida, os desacertos dos enjambrados planos econômicos do Sarney; a decepção com a irreverência e posterior impeachment de Collor, mas tivemos também a arrumação da casa com Itamar e FHC. A coisa continuou bem no início de Lula e, agora, depois de seu segundo mandato e já sob os cuidados de sua cria, as coisas, infelizmente, andam mais nebulosas do que fizemos por merecer. Bem, mas isto não vem ao caso. O que quero analisar é apenas a importância dos militares na vida nacional.

Disciplinadamente, os militares aceitaram as exigências do crepúsculo do século XX e assim cumpriram a promessa de passar o bastão de comando para as instituições civis. Retornaram patrioticamente aos quartéis. Alguns para reencontrarem seus cavalos...  Ficava, portanto, para trás aquela preocupação atribuída ao Marechal Humberto de Alencar Castello Branco ao se referir aos anarquistas de plantão como “as vivandeiras alvoroçadas que vêm aos bivaques bulir com os granadeiros e provocar extravagâncias do poder militar".

Fizeram - temos de reconhecer - várias reformas importantes que viabilizaram o chamado “milagre econômico brasileiro” quando crescíamos ao ritmo de taxas chinesas. Contudo, sem democracia e sem conseguir fazer tudo o que imaginavam, pois até os regimes totalitários também tropeçam em suas próprias vaidade e autoconfiança, viram o seu tempo passar e, inteligentemente, tiraram o exército do campo de batalha antes que sofressem uma derrota histórica. Por vários anos ainda ficamos submetidos a manifestações saudosistas dos antigos donos dos bastões.  Jô Soares captou com particular humor tal situação quando criou o personagem do general de pijama que tendo perdido a noção de tempo e enfermo implorava que lhe tirassem o tubo cada vez que assistia a uma nova barbaridade do novo regime civil.

Agora nos vem a autora Glória Perez e pega uma carona na famosa Academia Militar das Agulhas Negras, berço da formação da elite militar brasileira. Retrata em seu folhetim alguns personagens militares que não guardam nenhuma semelhança com os coronéis de bastão que mandavam e desmandavam Brasil afora por longos anos. Para ficar com uma palavra da moda, o militar da novela Salve Jorge não passa de um milico mequetrefe que vive de fofocas na caserna e, como Figueiredo, dão mais valor aos cavalos do regimento que às ameaças sérias que já parecem bulir, novamente, com os granadeiros.

O Capitão Téo vai de cena em cena e de forma ridícula sofrendo achincalhes da bandida Lívia Marini e reprimendas da delegada Helô.  A tenente Erica, coitadinha, não consegue nem ser respeitada pela mesma bandida Lívia nem pelo canastrão do capitão Élcio.  O coronel Nunes, mesmo posto daquele que no final dos anos 60 adentrava a nossa sala de aula e tínhamos que nos pôr de pé como sinal de respeito, tem um revólver na cara apontado pela bandida Wanda e é tratado como um bebê pela nova esposa Aída.

Para quem não viveu o período magno do militarismo como nós que já temos certa rodagem, pode até nem se importar com a singeleza com a qual os personagens militares da novela são tratados, mas - por outro lado - quem teve que se pôr rápida e reverenciosamente de pé quando o coronel de bastão entrava na sala de aula, fica muito apropriada a expressão cunhada pelo humorista para o seu general de pijama:

__ Me tira o tubo!

Edson Pinto
Abril’ 2013  

5 comentários:

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De: Edson Pinto
Para: Amigos

Caros amigos:

Pela lógica, é a arte que imita vida.

Às vezes, contudo, vê-se o contrário, num arremedo grosseiro e sem sentido...

Pungido por essa dúvida filosófica de quem imita quem, escrevi a crônica desta semana com o título ME TIRA O TUBO!

Se não contribui para o debate que se trava neste instante entre as instituições basilares da República, pelo menos nos faz recordar que outra já fora bem atuante e respeitada. Agora, de novo, na espreita e aguardando o desenrolar dos acontecimentos.

Boa semana a todos!

Edson Pinto


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Blog do Edson Pinto disse...

De: J. M. Wanderley
Para: Edson Pinto

Caro edson,

Na minha infância, estudando no Liceu Salesiano, inciei estudos de musica. Fiz parte durante os 4 (quatro) anos de Ginásio (1657/1960) da Banda de Usica.

Era Gratificante na parada de Sete de setembro,os colégios desfilavam na véspera, dia 6 de setembro, "Tempo Bom, Não Volta mais, Saudade!".

Repassei seu texto para alguns amigos do Bom Tempo.

Parabéns!

Abraços,

Wanderley

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De: Luiz Covo
Para: Edson Pinto

Edson, boa noite e mais uma vez parabens pelo texto,...... que saudade,

Blog do Edson Pinto disse...

De: C. R. Chohfi
Para: Edson Pinto

Boa noite Edson,

Após ler o seu texto e uma breve reflexão sobre os fatos da época, lembrei-me do texto que circulou na internet com o nome de "A Profecia de Geisel", que acredito ser verdadeira e que colo abaixo para reflexão....


Blog do Edson Pinto disse...

De: Sylvio Silvestre
Para: Edson Pinto

Edson, um grande abraço na família.

Como você destacou muito bem no seu Blog e eu apesar de não comentar sempre estou lendo.........envio para você refletir esse tema anexo.

Abraço

Sylvio