15 de mai. de 2014

265) LIBERDADE DOS GRILHÕES


O corre-corre da vida moderna acaba por monopolizar e canalizar nossos pensamentos para as situações mais práticas e de cunho imediatista. O que devo fazer agora? Compro isto ou não? Vou ao encontro de tal pessoa ou não? Estudo isto ou deixo o tema passar despercebido? Tem sido reservado, obviamente não de propósito, aos pensadores, ao longo do tempo, refletir sobre as situações mais transcendentais e de maior profundidade sobre a vida. Uma dessas questões versa sobre o real significado daquilo que convencionamos chamar de liberdade:

Primeiramente, o que significa sermos livres?

Isaiah Berlin, o filósofo russo/britânico que viveu quase integralmente o século XX (1909 – 1997) foi a fundo nesta questão quando escreveu o seu famoso ensaio “Dois Conceitos de Liberdade”, publicado em 1958. Nele, ele faz uma clara distinção entre dois tipos de liberdades aos quais nos encontramos expostos:
A “liberdade positiva” que corresponde ao atributo humano do livre-arbítrio que nos permite escolher e determinar o nosso próprio destino e, por extensão, os objetivos da vida que queremos ter. Nossas decisões de vida são dependentes exclusivamente de nós mesmos e não de autoridades externas a nós. Decidimos por nós e não nos apraz sermos conduzidos por outros como se não passássemos de animais irracionais ou de escravos incapazes de ter a correta interpretação do que é a própria vida. A liberdade positiva não se aplica exclusivamente ao âmbito pessoal quando a exercemos sobre o nosso próprio destino, mas ela pode também ser exercida em nível social e político.

A “liberdade negativa” diz respeito objetivamente ao sentimento e certeza que temos ou precisamos ter de que nenhum outro homem ou mesmo instituição nos tolhem a liberdade de fazer o que consideramos bom para nós mesmos: Não estou algemado ou acorrentado, como pode acontecer com um prisioneiro; Não estou sendo oprimido ou coagido para além de um ponto tal em que, por razões justificáveis, se mostra adequado ao meu sentimento de liberdade. Se tenho, ou se temos tal sentimento, então podemos nos considerar livres. Essa liberdade “negativa” é o que podemos considerar como a essência da liberdade, a liberdade de se encontrar livre dos obstáculos externos. Em termos de convivência social, a liberdade política seria, dentro deste conceito de liberdades negativas, aquela área preservada e desejavelmente intocável dentro da qual podemos agir sem que nos submetamos ao constrangimento do jugo do poder.

Considerando que tanto os nossos objetivos pessoais e/ou políticos, na forma de liberdade positiva, podem afetar o grau de liberdade negativa de outras pessoas, ou de nós mesmos, temos então um grande problema sobre o qual deveríamos nos preocupar. Pessoalmente, a minha liberdade para votar em um determinado partido político (liberdade positiva) cujo programa de governo contém medidas que por certo violarão partes de minhas liberdades negativas pode trazer contradições insanáveis. Por exemplo, a necessidade de pagar mais impostos do que aquilo que eu julgo razoável ou de me ver proibido de livre acesso a informações na forma de uma imprensa livre, são evidentemente fatores de conflito ao antagonizar liberdade e opressão.

Regimes totalitários com tendência a se perpetuarem no poder (nem preciso falar ao quais me refiro) mantêm expectativas muito inflexíveis sobre os objetivos da vida das pessoas que se encontram momentaneamente subjugadas ao seu controle. A consequência é que, com o propósito de maximizar o que eles consideram como sendo a felicidade geral do povo, acabam por impor severas restrições às liberdades negativas individuais, aquelas mesmas que deveriam ser minimamente respeitas de tal modo a se evitar o conflito entre as liberdades possíveis. Como e onde se vê isto? Ao nosso redor e olhando para os estados com regimes que querem controlar a liberdade de pensamento e opinião cerceando a imprensa, por exemplo. Veremos sempre um estado que tutela de forma extremada o cidadão como se ele fosse um idiota que precisasse de um tutor oficial para atingir a sua própria felicidade. O risco é o que todos já sabemos: “O uso do cachimbo faz a boca torta”. Cinquenta milhões que se beneficiam com os programas sociais fogem do mercado de trabalho e, de lambuja, dão ao governo o presente de uma pequena taxa de desemprego e por que não, também muitos votos...

Se a esta altura você está ansioso para saber qual a solução para este conflito entre liberdades positivas e negativas fica aqui apenas um lenitivo terapêutico: Só nos cabe continuar acreditando no espírito que rege o conceito de liberdade como sendo o repúdio incessante ao que podemos considerar como intimidação e dominação. O sentido maior disto é que nunca permitamos que nossa visão de vida venha a se tornar assemelhada aos grilhões que aprisionam. Em nossas cabeças, é como se estivessem presos em nossos pés de tal forma a nos impedir de dar andamento à vida, pois o verdadeiro sentido da liberdade é a liberdade dos grilhões.

Edson Pinto

Maio’ 2014 

Um comentário:

Blog do Edson Pinto disse...

De: Edson Pinto
Para: Amigos

Caros amigos (as):

Será que vivemos em um país que nos dá a agradável e necessária sensação de liberdade? O que significa sermos livres? Posso exercer meu livre-arbítrio sem ferir a liberdade alheia?

Não estou maluco! Apenas parei um instante para entender com um pouco mais de profundidade o que essa tal de liberdade efetivamente representa para o individuo isoladamente ou na sua relação social e política.

Vejam esta crônica/ensaio que publiquei nesta semana em meu blog: “LIBERDADE DOS GRILHÕES”.

Boa final de semana a todos!

Edson Pinto