18 de jul. de 2025

336) ARTISTAS PERDIDOS EM MINAS

Existem histórias que não estão nos livros de arte, nem nos arquivos dos museus. São histórias sussurradas pelos cafezais, registradas no barro vermelho de ferro das estradas e na bruma das montanhas mineiras.

São relatos de grandes artistas que, cansados do barulho do mundo, desapareceram por um tempo no interior de Minas Gerais.  Não para fugir de seus locais de origem, mas para reencontrar o que haviam perdido por lá: a cor, o compasso, o silêncio.

Tendo isso em mente, pensei então em produzir uma série de relatos  intitulada “Artistas Perdidos em Minas” que se inicia hoje e deve se estender para um total de uns dez capítulos, ou, como queiram, minicontos.

Convido, portanto, o leitor amigo a imaginar o que teria acontecido se figuras como Van Gogh, Leonardo da Vinci ou até mesmo Shakespeare, entre outros,  tivessem cruzado a linha do impossível e encontrado abrigo pelas bandas de Minas Gerais.

É ficção das audaciosas, claro,  mas, como diria Guimarães Rosa:  “A gente vive é para se desiludir das ilusões”.

Comecemos com o mais solar dos angustiados: Vincent van Gogh.

Edson Pinto

Julho, 2025


Van Gogh no Sul de Minas

Dizem que ele não morreu. Que aquela bala no peito foi só um disfarce para escapar da dor, das suas angústias e da Europa.

Dizem que pegou o primeiro navio para o Brasil e que um senhor de chapéu de palha, lá para os lados das montanhas de Minas, o acolheu entre os pés de café.

Vincent - que agora se fazia chamar apenas “Goguinho” - trocou os girassóis pelas floradas brancas do café, pelo pão de queijo, pela prosa despretensiosas  e pelo céu sempre estrelado das Alterosas.

— Essas aqui também seguem o sol — disse-lhe o matuto filósofo, enquanto lhe entregava uma caneca de alumínio com café passado na hora, cheiroso como reza de vó.

Naquele lugar esquecido dos mapas, Goguinho encontrou o que Paris não lhe dera: silêncio. E o silêncio, quando respeitado, vira pincel.

Passava os dias sentado num toco de madeira, pintando os cafezais com os olhos. Às vezes desenhava, noutras apenas respirava.

As montanhas de Minas, essas senhoras antigas e serenas, pareciam sussurrar segredos que nem Freud entenderia. E ele escutava, com a alma.

Ninguém ali sabia quem ele fora. Era só o estrangeiro calado que pintava céu, lavava as mãos no córrego e falava com os bois como quem conversava com Deus.

Mas curou-se...

Não de vez, que artista nenhum se cura por completo, mas o bastante para não desejar a própria morte todo dia.

Meses depois, quando a saudade de Theo, seu irmão, apertou, despediu-se da terra vermelha do minério, do cheiro de café seco no terreiro, e partiu.

Abandonou um quadro inacabado, um chapéu de palha e um bilhete:  “Aqui, pela primeira vez, o azul me abraçou sem doer.”

Voltando à França, onde morava, pintou a Noite Estrelada. Mas só quem o viu em Minas sabe de onde vieram aquelas estrelas girando: vieram do céu de julho das Alterosas, quando a geada deitou sobre os cafezais como véu de noiva, e que fez Goguinho sorrir pela primeira vez em muito tempo.

Edson Pinto

Julho, 2025


Nota do autor

Vincent van Gogh (1853–1890) foi um pintor holandês cuja obra, marcada por cores vibrantes e traços intensos, se tornou símbolo da arte moderna. Produziu mais de 800 quadros em pouco mais de uma década, enfrentando ao mesmo tempo severos distúrbios mentais, crises de depressão e isolamento social. Em vida, vendeu apenas um quadro. Após sua morte precoce, tornou-se um dos artistas mais influentes da história, expressão pura de sensibilidade e sofrimento transformados em cor.

2 comentários:

Anônimo disse...

Tenho certeza que Van Gog te inspirou a descrever tão lindamente este quadro de nosso querido Sul de Minas. Valeu!!

Dôra disse...

Gostei da ideia! Bonito texto.