Existem
histórias que não estão nos livros de arte, nem nos arquivos dos museus. São histórias
sussurradas pelos cafezais, registradas no barro vermelho de ferro das estradas
e na bruma das montanhas mineiras.
São relatos
de grandes artistas que, cansados do barulho do mundo, desapareceram por um
tempo no interior de Minas Gerais. Não
para fugir de seus locais de origem, mas para reencontrar o que haviam perdido
por lá: a cor, o compasso, o silêncio.
Tendo isso em
mente, pensei então em produzir uma série de relatos intitulada “Artistas Perdidos em Minas” que se
inicia hoje e deve se estender para um total de uns dez capítulos, ou, como
queiram, minicontos.
Convido,
portanto, o leitor amigo a imaginar o que teria acontecido se figuras como Van
Gogh, Leonardo da Vinci ou até mesmo Shakespeare, entre outros, tivessem cruzado a linha do impossível e
encontrado abrigo pelas bandas de Minas Gerais.
É ficção das
audaciosas, claro, mas, como diria
Guimarães Rosa: “A gente vive é para se
desiludir das ilusões”.
Comecemos com
o mais solar dos angustiados: Vincent van Gogh.
Edson
Pinto
Julho, 2025
Van
Gogh no Sul de Minas
Dizem que ele não morreu. Que aquela bala no peito foi só um disfarce para escapar da dor, das suas angústias e da Europa.
Dizem que
pegou o primeiro navio para o Brasil e que um senhor de chapéu de palha, lá
para os lados das montanhas de Minas, o acolheu entre os pés de café.
Vincent - que
agora se fazia chamar apenas “Goguinho” - trocou os girassóis pelas floradas
brancas do café, pelo pão de queijo, pela prosa despretensiosas e pelo céu sempre estrelado das Alterosas.
— Essas aqui
também seguem o sol — disse-lhe o matuto filósofo, enquanto lhe entregava uma
caneca de alumínio com café passado na hora, cheiroso como reza de vó.
Naquele lugar
esquecido dos mapas, Goguinho encontrou o que Paris não lhe dera: silêncio. E o
silêncio, quando respeitado, vira pincel.
Passava os
dias sentado num toco de madeira, pintando os cafezais com os olhos. Às vezes
desenhava, noutras apenas respirava.
As montanhas
de Minas, essas senhoras antigas e serenas, pareciam sussurrar segredos que nem
Freud entenderia. E ele escutava, com a alma.
Ninguém ali
sabia quem ele fora. Era só o estrangeiro calado que pintava céu, lavava as
mãos no córrego e falava com os bois como quem conversava com Deus.
Mas curou-se...
Não de vez,
que artista nenhum se cura por completo, mas o bastante para não desejar a própria
morte todo dia.
Meses depois,
quando a saudade de Theo, seu irmão, apertou, despediu-se da terra vermelha do
minério, do cheiro de café seco no terreiro, e partiu.
Abandonou um
quadro inacabado, um chapéu de palha e um bilhete: “Aqui, pela primeira vez, o azul me abraçou
sem doer.”
Voltando à
França, onde morava, pintou a Noite Estrelada. Mas só quem o viu em Minas sabe
de onde vieram aquelas estrelas girando: vieram do céu de julho das Alterosas,
quando a geada deitou sobre os cafezais como véu de noiva, e que fez Goguinho
sorrir pela primeira vez em muito tempo.
Edson
Pinto
Julho,
2025
Nota do autor
Vincent
van Gogh (1853–1890) foi um pintor holandês cuja obra, marcada por cores
vibrantes e traços intensos, se tornou símbolo da arte moderna. Produziu mais
de 800 quadros em pouco mais de uma década, enfrentando ao mesmo tempo severos
distúrbios mentais, crises de depressão e isolamento social. Em vida, vendeu
apenas um quadro. Após sua morte precoce, tornou-se um dos artistas mais
influentes da história, expressão pura de sensibilidade e sofrimento
transformados em cor.
2 comentários:
Tenho certeza que Van Gog te inspirou a descrever tão lindamente este quadro de nosso querido Sul de Minas. Valeu!!
Gostei da ideia! Bonito texto.
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