12 de fev. de 2009

67) O JOGO DO CONTENTE (fev'09)


Quanto ao fato de que a crise econômica mundial já tenha chegado ao Brasil, penso, ninguém de bom senso a esta altura do campeonato tem qualquer dúvida. Ou estou enganado? Não é, lamentavelmente, a marolinha que o presidente Lula quis nos fazer imaginar que fosse. Ela é dura mesmo, muito se assemelhando ao tsunami que ninguém gostaria de enfrentar.

Já começamos a ter fatos concretos que nos demonstram com absoluta clareza que a crise circula desenvolta entre nós: A Balança Comercial apresentou déficit mensal pela primeira vez em 8 anos; A Indústria nunca demitiu tanto quanto em dezembro e continua a fazê-lo em janeiro e fevereiro. Finalmente, o índice de inadimplência no comércio não pára de crescer. Isso, só para citar algumas das conseqüências mais visíveis de como a crise já se instalou forte em nosso próprio quintal.

A escritora americana Eleanor Porter inaugurou em 1913 uma série de publicações em torno da figura de Pollyanna, uma menina encantadora que teria encontrado ao longo de sua vida um modo de se obter a felicidade em tudo o que lhe ocorria, mesmo quando o fato se lhe apresentava desagradável. Aplicava Pollyanna o chamado “jogo do contente” aprendido com seu pai antes de ir viver na casa de sua sisuda e rigorosa tia Polly.

O jogo do contente consiste em um recurso psicológico para se encontrar algo que torne a pessoa feliz em qualquer situação em que ela se encontre. Exemplos da própria Pollyanna: Ela se julgava feliz por não se chamar Pollyannnnna (com esse montão de n’s). Se isso fosse a realidade, argumentava ela para si mesma, teria muito trabalho e chateação para escrever e divulgar o próprio nome. Por isso, ficava feliz por ter o nome grafado com apenas 2 n’s. Punida pela tia por uma pequena falta que cometera, Pollyanna deveria jantar somente pão e leite na companhia da empregada Nancy na cozinha da casa e não com todos na sala de jantar. Pollyanna vê intensa felicidade naquela punição, pois adorava pão e leite e além do mais se dava muito bem com a empregada Nancy. O jogo do contente consiste, como aqui demonstrado, em iludir os próprios sentimentos para considerar-se feliz. Teste você mesmo em seu dia-a-dia e depois conclua se funciona ou não...

Feita essa digressão filosófico-juvenil, permito-me avançar um pouco naquilo que há de bom e no que, também, há de mau em assumirmos permanentemente uma postura exageradamente otimista e feliz como o praticado no “jogo do contente” de nossa Pollyanna: Parece-me válido que procuremos sempre ver se existe de fato um lado bom a se contrapor à face rude da realidade que nos desagrada. Temos, contudo, de considerar, se ao fazermos do jogo do contente uma panacéia para todos os nossos incômodos, não caímos no extremo do conformismo fácil, abandonando a necessária visão critica e matando o estímulo para a atuação tão necessária à nossa dignidade.

Proponho, com efeito, encontrarmos um meio-termo ao ceticismo radical daqueles que, de um lado, nunca se contentam com nada e de outro, com aqueles que candidamente praticam como Pollyanna o jogo do contente.

Nesta crise, por exemplo, há o lado ruim em que pessoas perdem seus empregos, empresas fecham suas instalações deixando de comprar, de pagar impostos e de investir. Planos pessoais de lazer e de estudos são adiados por falta de dinheiro para custeá-los e tantas outras coisas que deixamos de lado quando a fonte de nossas receitas seca ou ameaçar secar. Esta é a realidade nua e crua.

Pollyanna com o seu jogo do contente certamente verá nisso um lado bom. Poderemos aproveitar para refletir se não estamos vivendo de forma extravagante e desnecessária. Quantos gastos poderíamos abandonar? Quantas de nossas atitudes implicam em gastança apenas para mostrarmos o quão poderosos somos e assim impressionar o amigo, o vizinho ou a comunidade? Não há, pois como discordar de Pollyanna nesse caso. Ela está certa!

O que não podemos, é nos deixar acomodar felizes com a nova e dura realidade sem nos darmos conta de que precisamos também odiar a crise e tentar debelá-la com toda a força e empenho. Não fazê-lo, implica em aceitarmos um país mais pobre, gente simples tendo suas precárias condições de vida tornando-se ainda piores, aumento da criminalidade e aprofundamento do abismal fosso que divide o país entre uns poucos muito ricos e a sua maioria cada vez mais miserável.

Ao governo cabe criar condições que permitam aos agentes econômicos a livre atuação para a retomada do desenvolvimento. Deveria, também, o governo, deixar de alardear, como tem sido a prática, de que tudo anda bem quando, na verdade, o que se pode sentir é exatamente o contrário.

Ao considerarmos que, apesar de toda a crise que está morando conosco, mesmo assim o presidente Lula consegue, conforme última pesquisa CNT/Sensus, o seu mais alto índice de aprovação (84% de cidadãos felizes), só nos restar perguntar:

O jogo do contente praticado pelo governo Lula não só tem sido eficiente como, mais do que isso, tem sido assimilado pela maioria esmagadora de nossa gente?

e ainda:

Até que ponto o espírito de Pollyanna penetrou em nossas almas?

Edson Pinto
Fevereiro, 2009

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