2 de mar. de 2009

69) MISTÉRIOS DA MENTE

Não sei se, com exceção dos mistérios insondáveis do Universo, existe algo mais incompreensível do que a mente humana. Tão complexa e tão atrevida em querer governar o mundo, não consegue – como sobejamente provado - bem dirigir nem ao próprio corpo que a abriga, nem a si mesma.

Vivemos a ilusão eterna de que em algum momento nossas mentes se harmonizarão como o fazem os metais, as cordas, as madeiras, a percussão e os teclados de uma magnífica orquestra sinfônica. Mais do que uma ilusão, um sonho, uma quimera, um devaneio... Não deve ser por outra razão que nossos lobos rugosos se dobram e se desdobram em infinitos vai-vens para ocultar truques, artimanhas e matreirices que nos personalizam o comportamento. Por mais previsível que uma mente possa se mostrar, maior é o potencial de nos surpreender em algum e inesperado momento.

Até hoje, ninguém conseguiu bem entender o que se passou nas mentes dos Nardonis naquela fatídica noite em que a pequena Isabella foi lançada do prédio onde moravam. Quais processos comandaram mentes parricidas como as da angelical Suzane von Richthofen e a do bem comportado Gil Rugai? Não nos esqueçamos que até Nero matou Agripina, sua mãe. Paranóia? Seja lá o que for e o que a Psiquiatria possa nos trazer de explicações, jamais nos sentiremos confortáveis com os mistérios da mente humana. Só nos resta ficar ciscando aqui e ali a busca de alguma lógica que ao menos nos dê uma pista do porque as coisas são como são.

Nesse dias, fomos surpreendidos com a história burlesca, não fosse de fato trágica, da garota Paula Oliveira, 26 anos, protagonista de uma verdadeira ópera-bufa tupiniquim. Alegou ter sido atacada por “skin-heads”, na Suíça, onde mora, e que em conseqüência perdera os gêmeos que guardava no ventre. E para arrepio desta nossa sofrida nação que já alimenta desde os tempos de colônia, certo complexo de inferioridade, apresentou-se com o corpo cheio de rabiscos e inscrições que partiriam o coração de qualquer ser humano minimamente sensível. Preconceito? Xenofobia? Manifestações precipitadas de autoridades que buscam mais os votos da saloiada do que a busca serena da verdade passaram a dominar nossas mentes já confusas.

Logo que o assunto veio a publico, pensei: Isso está me cheirando muito estranho para as conclusões tão brevemente colhidas. Um tio da menina logo aparece na TV e solta o que para mim constitui-se no gonzo, ou seja, a dobradiça a sustentar e ao redor da qual gira o raciocínio que desenvolvi para o caso: O parente, tio, se me lembro bem, lamenta que a sobrinha, uma “executiva tão bem sucedida no exterior”, tivesse sofrido tão bárbara agressão. O lamento é correto e condoeria a qualquer um de nós. Chama-me, contudo, a atenção é a qualificação de “executiva bem sucedida” que pré-rotula para a garota algo que ela certamente teria dificuldade em confirmar na vida real.

Uma menina de 26 anos, tendo se bacharelado há poucos anos, nem OAB possuía, solteira, talvez por opção pessoal e não por imposição da empresa em que trabalha fora enviada para uma formação profissional em outra unidade no exterior. Admirável, é claro, a disposição dessa garota para viver alhures a procura de um ideal. Mas, convenhamos, há uma grande distância entre viver em um país de clima frio, pouco sol, outra língua, outra cultura, sem os pais e parentes por perto, sem amigos e dizer que isto significa ser “bem-sucedida”. No fundo, no fundo, a menina Paula sofria de solidão; devia questionar a si mesma sobre a validade da aventura que vinha experimentando; sentindo saudades de sua boa terra; amargurando conflitos internos apenas para que o titio e todos os que a viam do lado de cá, a tivessem na conta de uma “executiva bem-sucedida”, um gênio do Direito Marítimo brilhando na terra de cultura tão elevada.

Mera vaidade! A felicidade não está no brilho do cargo que alguém exerce, mas no prazer que se sente em viver bem a própria vida.

O folclórico jogador Viola, ainda marcando gols e se divertindo por aí, desistiu de uma carreira que poderia ser brilhante na Espanha porque – na sinceridade que lhe é marca registrada – disse não conseguir viver num país onde não se comia feijão. O que entendia por felicidade era muito mais simples (comer feijão) do que ser bem sucedido na carreira em outro país. Voltou feliz! Será que precisamos ser simplórios para sermos felizes, ou podemos racionalmente, inteligentemente e soberanamente procurarmos a felicidade ao nosso modo e não ao modo que os outros julgam como adequado?

Sempre fui muito crítico com a atitude de pais que querem fazer dos filhos astros nisso e naquilo talvez mais por vaidade pessoal do que pelo orgulho sincero de verem os filhos bem-sucedidos. Quantos jovens ao frustrarem as megalomaníacas expectativas dos pais não deformam seus comportamentos e passam a se sentir como inúteis fracassados? A vida é uma luta permanente e quem dela participa pode tanto ganhar como perder. Perder na vida, tal qual nos esportes, não deveria ser encarado como fracasso, mas sim como experiência adquirida. A bela canção de Gilberto Gil “Aquele Abraço” passa-nos a lição de que a vida é de cada um e não dos outros: “Meu caminho pelo mundo/Eu mesmo traço/A Bahia já me deu/Régua e compasso/Quem sabe de mim sou eu/Aquele Abraço!

A nossa confusa Paula de Oliveira certamente sairá dessa. Não sei com quantas cicatrizes nem em quanto tempo. Lições aprendeu e lições terá passado para seus alambicados parentes que andam confundindo carreira bem-sucedida com vida bem-sucedida. Mais importante do que dizer que a bacharel em Direito Paula Oliveira tem um cargo importante, numa empresa grande e num país de primeiro mundo é saber se a menina está feliz.

E – se não sabem – seria bom que soubessem que a felicidade pode estar em coisas tão simples como no feijão do artilheiro Viola.


Edson Pinto
Março’ 2009

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