2 de mai. de 2010

119) PAPAI SABE TUDO...



Dei ao meu novo celular, Motorola, Milestone com o sistema Android 2.0 da Google o apelido de Jim Anderson. Mais adiante, você meu caro leitor, entenderá o porquê. Por ora, valho-me de reminiscências:

Lá pelo início dos anos 60 ainda era possível assistir na TV preto e branco da época um dos seriados de maior prestígio entre famílias de todo o mundo. Sabidamente, Robert Young, no papel de Jim Anderson junto com Jane Wyatt, no papel de Margaret Anderson, representavam o ideal da família americana. Bem estruturada, com seus probleminhas normais, mas que, com a liderança e sabedoria do papai, conseguia resolver tudo com competência e harmonia.

Por trás daquele modelo de família perfeita, havia o interesse norte americano de demonstrar a supremacia do modo ocidental de vida em contraposição à sanha marxista liderada pela União Soviética que, junto com os aliados, saíra igualmente vitoriosa do mais sangrento de todos os conflitos de que se tem notícias, a Segunda Guerra Mundial. O senador americano, Joseph MacCarthy, deu o tom necessário - no que foi prontamente seguido pela mídia ocidental - para a eliminação de todos os vestígios de atrativos possíveis e imagináveis do modo marxista de ser. Chamou-se a esse movimento e período da História de “Caça às Bruxas” e de “Macarthismo”.

O papai sabe tudo (father knows best) reforçava o conceito de família. Lembro-me, quando pequeno, que a ideia de comunismo recebida na época fantasiava com a informação de que, nos países comunistas, os filhos, ainda jovens, eram retirados do seio familiar e levados para formação educacional, militar e política em ambientes controlados pelo Estado. Isso metia medo, é óbvio... Nesse contexto, uma família bem estruturada como a de Jim e Margaret Anderson, criando filhos saudáveis, enchia-nos de orgulho por sermos capitalistas ao mesmo tempo em que reforçávamos o ódio ao Marxismo e à utopia do Comunismo.

O título do seriado “Papai Sabe Tudo” foi tão forte que até hoje, já passadas algumas décadas desde a sua regular exibição na TV, ainda faz todo o sentido. Isso, com o conhecimento da psicologia que temos nos dias de hoje, pode até nos indicar uma espécie de propaganda subliminar funcionando, é claro, em favor do sistema capitalista que enriqueceu algumas nações e pauperizou muitas outras. Penso até que funcionou bem, porque tivesse o mundo debandado para o marxismo e seu desdobramento em estados centralizadores, antidemocráticos e manipulados por títeres, já teríamos, de há muito, derrubado, por fome e desorganização típica do modelo centralizador, os nossos próprios muros de Berlim. Tanto melhor que isso não tenha acontecido...

“Papai sabe tudo”, sabia mesmo. Cada problema que a família apresentava, Jim Anderson sabia dar trato a ele e sempre com um “grand finale” estava tudo resolvido. Mas, de onde esse homem ocidental, maravilhoso, tirava toda a sua sabedoria? Tudo girava ao redor do modo ocidental de ser. Bastava ser otimista, esforçado, trabalhador, voltado para a família e para a pátria e tudo se explicava bem dento do conceito.

Temos que considerar, contudo, que nos dias de hoje, se por um lado, a gurizada já não faz mais perguntas constrangedoras, mas simples, como as dos tempos de Jim Anderson, talvez as dificuldades de encontrar respostas apresentem-se maiores devidos à complexidade do mundo moderno:

__ Papai, como são gerados os bebês?

Nada disso faz mais sentido, hodiernamente. As perguntas, agora, podem ser mais complexas, pois saíram do universo das dúvidas existenciais e passaram para os universos da tecnologia, das ciências e das questões políticas. Poderiam ser, então:

__ Papai, minha conexão em banda larga não consegue fazer os meus downloads prediletos. Será que você pode me ajudar? Ou:

__ Papai, se o Lula sabia do mensalão por que permite que o José Dirceu continue freqüentando com a maior cara de pau o núcleo do poder?

Respostas a tais perguntas que tenho certeza Jim Anderson, nos dias de hoje, teria muita dificuldade em fornecer e assim manter o capitalismo altivo. Porém, como o Comunismo já está nos seus estertores, felizmente, o “papai sabe tudo” teria sua vida facilitada, pelo menos no que concerne a necessidade de manter a “caça às bruxas”.

Mas, legal! Às vezes podemos também sentir a presença de Jim Anderson. Ocorreu comigo! A tecnologia facilita muito as nossas vidas: Estava eu sentado na sala de espera da Clínica onde faria um exame. Muitas pessoas sérias, compenetradas, com aquele respeito característico de quem têm algo em comum, uma coleta de sangue, por exemplo, mas que não se conhecem o suficiente para uma troca de palavras. Minha mulher, ao lado, concentrada nas “Palavras Cruzadas” e eu, discretamente absorto entre um caderno do Jornal e o meu novo celular.

__ Edson, me falta responder, aqui, que evento de repercussão mundial ocorreu na cidade de Belém em 2009?

Impossível que toda aquela gente ali apinhada não passasse a participar da mesma dúvida. Suspense geral a espera de uma resposta... Com absoluta naturalidade e sem ao menos desviar o meu olhar que todos pensavam estar no Jornal, digito na barra de consulta do Google do meu maravilhoso novo aparelhinho a expressão: “evento internacional em Belém” E, em pouquíssimos segundos, respondo em voz um pouco mais alta para que a dúvida fosse sanada também da cabeça dos circunstantes:

__ “Fórum Mundial”.

No que minha mulher prontamente responde com dócil orgulho: “Papai sabe tudo!”

__ Eu não! – replico baixinho - é o meu Jim Anderson!

Edson Pinto
Maio’ 2010

Um comentário:

Blog do Edson Pinto disse...

De: Edson Pinto
Para: Amigos:

Caros amigos:

Em 1972 foi encontrado nas selvas da Ilha de Guam, no Pacífico, o Sargento de Exército Imperial Japonês, Shoichi Yokoi. Para manter-se leal ao juramento de não rendição feito ao Imperador quando da Segunda Guerra, para lá se refugiou e lá permaneceu por 27 longos anos totalmente alheio a tudo o que acontecia no mundo imaginando que a guerra ainda prosseguia. Ao retomar contato com a civilização encontrou um mundo absolutamente novo cuja evolução privara-se, voluntariamente, de acompanhar. Os avanços tecnológicos e as condições de vida do novo Japão surpreenderam-lhe, por óbvio. Teve, de súbito, de a ela se adaptar. A única coisa que não mudou em sua cabeça foi a fidelidade ao Imperador.

Enquanto o Sargento Yokoi vivia isolado do mundo, nós acompanhávamos o progresso. Veio a TV, os aviões velozes, as conquistas espaciais, os avanços da medicina e mais recentemente das comunicações e da informática. Ao contrário do Sgtº Yokoi, fomos nos adaptando paulatinamente, e não de súbito como ele, ao mundo moderno. Mas, tal como ele, mantivemos, ainda, parte de nossas convicções, em que pese o uso que fazemos dos novos recursos tecnológicos.

Para abrir este novo mês que agora se inicia, escrevi o texto PAPAI SABE TUDO para - dentro da ideia de que tudo muda, exceto alguns conceitos - refletir sobre como nos damos com a vida moderna.

Um bom mês de maio a todos!

Edson Pinto