10 de jul. de 2010

128) CRIME E CASTIGO

Estou relendo a obra prima de Fiódor Dostoiévski, “Crime e Castigo”. O consagrado escritor russo retrata nesse clássico a conturbada vida do personagem Raskólnikov, um jovem estudante, que por razões fúteis comete um bárbaro duplo assassinato. Por mais que tente encontrar justificativas racionais para tão abominável desatino, a sua vida, a partir daí, torna-se insuportável, uma vez que, de condenação da própria consciência, nunca se obtém a absolvição. Há, por trás da história ficcional, uma severa e mordaz crítica à falência dos valores sociais da época, algo que, quando bem analisado, não difere muito da sociedade hodierna. Quem ainda não teve a oportunidade de ler esse romance, um dos mais importantes da literatura universal, fica aqui a minha sugestão de fazê-lo.

Mas, por que começo o meu texto desta semana falando de Dostoiévski e de Raskólnikov? A razão é que me parece impossível não ver em acontecimentos recentes da nossa sociedade certa semelhança com aquela reinante no século XIX quando o romance foi escrito: A morte da menina Isabella Nardoni, jogada da janela do apartamento pelo próprio pai; a morte da advogada Mércia Nakashima, cujo principal suspeita recai sobre o ex-namorado, Mizael Bispo e a morte da jovem Eliza Samudio, ex-amante do goleiro do Flamengo, Bruno Fernandes Souza, para citar apenas alguns poucos exemplos que estão vivos na mente de todos nós. Este último vem repercutindo fortemente nesta semana e ainda renderá discussões acaloradas por muito mais tempo.

Se a vida - como ninguém de bom senso ousaria questionar - é uma dádiva divina, por que algumas pessoas parecem considerar justificável, em favor de suas reles cobiças, tirarem a dos outros? Seria a loucura, essa anormalidade psíquica humana decorrente da falta de sincronismo com o meio, a mola mestra do crime? Em sendo, dá para imaginar que ser rejeitado socialmente, sentir-se desprovido da fortuna que assiste aos outros e não a si próprio, não ser amado, sentir-se traído, entender-se ameaçado e outros mil temores justificariam o crime? Em MacBeth, Shakespeare sugere o poder como sendo a escola do crime. Seria, então, essa ideia de domínio sobre os outros, esse arbítrio de deliberar, mandar e ter a presunção da posse de tudo e de todos a razão que justificaria a prática do crime?

A questão fundamental desse tema vai além e, certamente, é bem maior do que tão só cuidar da necessária punição e castigo daqueles que erram e pecam. Situa-se, penso, mais em perscrutar as razões que justificam na mente do criminoso, a violação da ordem natural das coisas. Poderíamos, como dito anteriormente, atribuir tais razões à inadaptabilidade ao meio ou mesmo à loucura inata ou adquirida. Virou corriqueiro ouvirmos que, até mesmo em países super desenvolvidos, jovens rejeitados socialmente na forma que denominam do “bullying” (violências psicológicas e físicas praticadas em escolas) promovem, sob o pretexto de vingança, tragédias com mortes e, não raro, até mesmo levam a efeito verdadeiras carnificinas. Há ainda outras questões como as que decorrem da maldição do vil metal, o dinheiro, que não só podem levar a desentendimentos vários como até mesmo aos crimes de morte. As bases das distorções são múltiplas pelo que se vê, infelizmente...

Isabella Nardoni morreu porque o pai fraco de caráter deixou-se levar pelo destempero da mulher irada e fazendo uso de seu poder sobre a filha escolheu o mais torpe dos caminhos para se livrar da culpa por aquele momento de insensatez. Engendraram uma novela que não resistiu à severidade da mão da Justiça. No caso de Eliza Samudio, tudo indica tratar-se de exercício de arrogância plena de quem se incomodava com a presença intrusa da moça na vida do atleta deslumbrado com as delícias materiais da vida, mas que despreza a obrigação de cumprir compromissos morais e humanitários como o da manutenção de um filho que até mesmo duvida ser seu. A falta ou sordidez de uma estrutura familiar neste e em outros casos por certo contribuem para a desfiguração do caráter dos homicidas. No caso da jovem advogada Mércia Nakashima, a razão adicional que dá por entender foi a prevalência do sentimento de rejeição pelo rompimento do namoro. O violento Mizael Bispo, no mais estremado egoísmo, optou, ao que tudo indica, pelo “se não é minha não será de mais ninguém” e matou.

Mas, há ainda algo muito mais sério e muito mais amplo do que tudo o que já foi dito. E isso, sim, é o sinal mais expressivo de que a sociedade se esgarça como o tecido surrado pelo uso excessivo. Trata-se do desamor. Este é fatal! Quando se deixa de amar no sentido lato do termo, a vida perde toda a razão, pois o amor é a argamassa de toda a existência. É o sentimento que em suas múltiplas formas garante a união das ínfimas até as infinitas coisas no Universo. É a chama permanente que aquece a vida. “É fogo que arde sem se ver” como disse Luis de Camões. Quando o amor tende a acabar é que se tem de buscar forças para reconstruir os pilares que sustentam a própria vida.

Seres humanos frágeis e que perdem a perspectiva do amor desabam como castelos de areia e morrem ou matam e por isso há crimes e há castigos...

Edson Pinto
Julho’ 2010

Um comentário:

Blog do Edson Pinto disse...

De: Edson Pinto
Para: Amigos

Caros amigos:

Nesta última semana questionei aos meus botões se o Brasil não tivesse sido eliminado da Copa do Mundo o tema do envolvimento do goleiro do Flamengo, Bruno Fernandes, na morte da jovem Eliza Samudio teria tido a mesma repercussão que está tendo na mídia brasileira? Se não, seria a banalização do crime hediondo e o triunfo da ludoterapia social propiciada pelo futebol na base do “panen et circenses” (pão e circo)...

Senso crítico à parte, penso, sim, que a sequencia de crimes hediondos que temos presenciado ultimamente mereceriam o acompanhamento da mídia independente de outras coisas importantes ocorrendo simultaneamente, pois isso choca a todos nós.

Refleti especificamente sobre o tema e escrevi o texto CRIME E CASTIGO.

Boa próxima semana a todos!

Edson Pinto