13 de mai. de 2011

165) DOMADORES DE GENTE


“Não te dei face, nem lugar que te seja próprio, nem dom algum que te faça particular, ó Adão, a fim de que tua face, teu lugar e teus dons, tu os desveles, conquistes e possuas por ti mesmo” (Picco della Mirandola)

Quem não tem em sua memória a lembrança de infância daquela tarde de domingo, no circo recém chegado ao bairro, quando um homem valente com um chicote em uma mão, banquinho de madeira na outra, confinado em uma jaula de grandes proporções, subjugava com maestria a fera que tinha à sua frente?

Podia ser um leão africano daqueles de juba esvoaçante, um tigre da Sibéria imponentemente rajado ou um urso pardo ainda maior. Tiradas as raras fatalidades e barbeiragens da profissão, em geral a psicologia do domador, a sua coragem e o seu senso aguçado para com as reações do animal, resulta em uma demonstração de que é possível, sim, manter as feras sob certo controle. O final arrepiante, porém feliz, é quando a supremacia do domador lhe permite enfiar parte da cabeça dentro da boca da fera sem sofrer um único arranhão. Valia, como ainda vale, cada centavo do preço pago pelo ingresso...

As feras não são obras do Criador colocadas neste mundo para se submeterem a um chicotinho e a um banquinho quaisquer. Na hierarquia dos animais, a relação ecológica que se estabelece entre eles é a da predação, instinto de sobrevivência em que uns se alimentam dos outros. Não dá para ser bonzinho ou deixar-se enganar por outra espécie com mesuras e outros artifícios sem se pagar com a própria vida a ousadia do descuido. Por isso, um leão, um tigre ou um urso em seu habitat natural ou mesmo dentro de uma grande jaula, só pensa em se defender ou mesmo eliminar o que se lhe apresenta como ameaça. Mas o homem, esta criatura especial de Deus, tem lá seus truquezinhos para fazer-se superior às outras espécies. Às vezes se dá mal, é verdade, mas, em geral, consegue domá-las.

“Leis por mim estabelecidas definem a natureza de outras espécies, mas tu, a que nenhum confim delimita, por teu próprio arbítrio, entre as mãos daquele que te colocou, tu te defines a ti mesmo”

Dentro da nossa própria espécie, em que pese a força da teoria de igualdade entre os seres humanos, temos papéis que não raro se assemelham aos dos domadores e de suas feras. Por razões genéticas ou mesmo resultante de má educação - só pode ser - existem pessoas que agem como se fosse feras de circo. Deixadas livres causariam grande alvoroço na platéia e quem sabe até mesmo engoliriam algumas criançinhas desprotegidas. Felizmente, sem que seja da percepção geral existem os domadores de gente. Talvez não precisem de um chicotinho ou de um banquinho para colocarem suas feras em estado mais amigável. Mas, tal qual o domador de circo, com absoluta certeza, utilizam-se da psicologia para obter o seu intento.

Olhem ao seu redor e veja quantas pessoas você não conhece que precisam ou já que já têm um domador a lhes controlar. É um desastre social quando ”pessoas-feras” são deixadas livres na interação com seus semelhantes. Ou logo afastam de si os possíveis amigos ou convivem às turras com eles e com o mundo. No trabalho, na escola (lembram-se dos casos de bullying?), na turma do bairro, no clube, no condomínio em que se mora, no estádio de futebol, nos centros comerciais e mesmo dentro das próprias casas há - não raro - um leão de juba grande, um tigre siberiano ou um urso pardo pronto para devorar seus circunstantes. Podem ter passado pelas melhores escolas, dominado as melhores tecnologias, convivido com pessoas do maior equilíbrio, mas mesmo assim continuam feras, não conseguem se sociabilizar, pois têm o instinto da predação. São defensivas, preconceituosas, arrogantes e não conseguem escutar o que os outros têm a dizer. Só o seu ponto de vista há de prevalecer. Se contrariadas agem como se estivessem em ameaça e o ataque lhes é considerada a melhor defesa.

Como Deus nos fez diferentes, de propósito, deu-nos, assim, a oportunidade de que entre a nossa espécie surjam aqueles que desempenham o papel de domadores de gente. Sem eles a vida ficaria muito difícil e jamais teríamos chegado aonde chegamos. Chamem-nos de líderes, condutores, guias, pessoas equilibradas, pessoas de bom senso, bons escutadores, bons amigos...

“Pus-te no mundo, a fim de eu possas melhor contemplar o que contém o mundo. Não te fiz celeste ou terrestre, mortal ou imortal, a fim de que tu mesmo, livremente, à maneira de um bom pintor ou de um hábil escultor, descubras tua própria forma” (Oratio de homminis dignitate por Picco della Mirandola)

Edson Pinto
Maio 2011

Um comentário:

Blog do Edson Pinto disse...

De:Edson Pinto
Para: Amigos

Caros amigos:

Ontem no trânsito, bem ao lado do meu carro, quando parei no semáforo vermelho, presenciei uma altercação das mais estúpidas: Como decorrência de uma “provável” - pois quase ninguém a percebeu - fechada de trânsito, metros antes, um cidadão meia-idade desce do seu carro visivelmente alterado e agride moral e fisicamente o motorista do carro atrás do seu. Pensei: Em havendo uma arma com qualquer um dos dois certamente estava ali o cenário perfeito para um fim trágico.

O que pude fazer foi pedir repetidamente ao agressor que tivesse calma ao mesmo tempo em que, junto com outras pessoas que vierem em socorro, fizemos o aparte físico dos contendores. Deu certo, mas poderia ter conseqüências funestas.

Segui, após, o meu trajeto pensando em quão desequilibradas são certas pessoas. Não medem nunca as conseqüências dos seus atos e podem pôr tudo a perder por conta de um destempero momentâneo. Aquele agressor apresentou-se como uma fera insana pronta para devorar o outro. Refletindo sobre este tema, escrevi o texto de hoje, DOMADORES DE GENTE. É um ensaio sobre a estupidez humana e o papel que, no exercício do livre arbítrio, alguns da nossa espécie assumem o papel de domadores.

Bom final de semana a todos!

Edson Pinto