11 de jun. de 2011

169) AVENTURAS DE AURELIANO - II


Na semana passada introduzi a figura do Aureliano. Por méritos inquestionáveis detentor de varias alcunhas, todas consentidas e apreciadas pela personagem central deste conto seriado. Tal como Clark Kent era o alterego do Superman, Batman, o alterego de Bruce Wayne e Hanna Montana o alterego de Miley Cirus, Burrinho, Baixinho, Sentado, Possuído e Água, entre outros, eram perfeitos alteregos de Aureliano.
Do ponto de vista da Psicologia esses alteregos seriam expressões de um eu inconsciente, mas para Aureliano, não. Ele se realizava em plenitude desafiando a lógica de se manter oculto desse seu outro eu, ou melhor, outros eus. Nada de ser meramente o lado não revelado da mesma moeda. Era, verdadeiramente, íntimo com cada um dos papéis que assumia. Com o tempo, suas múltiplas faces amplamente cobertas por codinomes variados cederiam espaço para algo mais simples, o apelido dos apelidos: Bu. Forma apocopada de Burrinho que já com o tempo lhe soava mais carinhosa e prática.
Já de partida, ligeirinho como sempre, para mais uma de suas missões mundanas: levar em sua desproporcional grande pasta de couro, para o laboratório, o material para o exame de fezes e urina de alguns funcionários graduados e folgados do escritório, Os mortais faziam-nos por conta própria, mas aqueles mais ou menos qualificados na hierarquia restringiam-se, por razões óbvias, ao trabalho de coletar suas próprias escórias. Levá-las ao laboratório já era missão para Bu. De terno, gravata e pasta de executivo já anunciava a saída triunfal do escritório quando ao passar defronte a mesa da Secretária não lhe escapou perceber que ela dizia ao telefone que o Presidente da empresa, Sr. Sérgio, estava em viagem e que, portanto, não seria possível ao Dr. Ferraz, importante cliente de São Paulo, contatá-lo para tratarem do urgente assunto que então se colocava. Como há de convir, a época era pré-celular, pré-Internet, pré-tudo. Tempo em que éramos felizes e não sabíamos...
__ Um minuto – intercedeu Bu de forma voluntariosa e altaneira – Diga ao Dr. Ferraz que você vai passar a ligação para o Dr. Aureliano. Assim vou atendê-lo. Transfira a ligação para a sala do Dr. Sérgio que já estou indo para lá.
Como não poderia deixar de ser, todo o escritório, que, diga-se de passagem não era grande, se volta para a cena, apreciando mais uma das ousadias de Bu. Fazer a faxina, dirigir o carro do chefe, levar as fezes de outros ao laboratório, correr ao banco aos Correios ou assumir quaisquer outras tarefas banais, tudo bem, mas, falar com o maior cliente da empresa e em nome do Dr. Sérgio, o presidente, aí já era uma ousadia peculiar. Como se seguissem a uma ordem de comando, correm todos para a porta da sala do presidente onde Bu acabara de entrar com sua pasta multitarefa.
Bu coloca a pasta sobre a mesa. Apressadamente, contorna-a com a mesma leveza e graça com que Fred Astaire contornava Ginger Rogers ao dançar Smoke Gets in Your Eyes. E “pluft”. já estava sentado na poltrona giratória do Dr. Sérgio. A Secretária passá-lhe a ligação. Ciente e orgulhoso da platéia que já se acotovelava na porta da sala para apreciar a sua performance, capricha no cumprimento elevando-o em alguns tons ao mesmo tempo em que modulava sua voz ligeira para uma postura de mais seriedade.
__ Oi sô Ferraz! Aqui é o Aurelianu... O dotô Sérgio num tá, mas em qui posso ajudá?
A media em que do outro lado da linha o Dr. Ferraz fazia suas considerações, só se ouvia Bu em repetidos assentimentos:
__ Sim... sim... sim...
Convencido de que a platéia já se mostrava perplexa com o seu domínio oratório, isto o leva a exacerbar o desejo da suprema ousadia com o propósito de propiciar maior encantamento a todos: Enquanto concordava com o interlocutor em infindos “sims”, esporadicamente sucedidos por “pois nãos”, vai colocando os pés sobre a mesa enquanto refestelava-se na poltrona giratória de couro legitimo do Dr. Sérgio. Prazer dos prazeres, glória de todas as glórias, lança impiedoso olhar mortiço sobre a platéia já em fulminante apoplexia.
Mas, eis que senão quando, o mundo de Bu vira-se literalmente de cabeça para baixo. A cadeira giratória de couro legítimo do Dr. Sérgio se vinga da astúcia de Bu e resolve romper sua mola mestra. Desprende-se com tamanha violência que quebra o pé da mesa, seu vidro de suporte e vem tudo sobre o pobre Bu agora estatelado no chão com a pasta e seus frascos de exames rompidos sobre si.
Dr. Ferraz nunca entendeu o encerramento inusitado daquela conversa. Dr. Sérgio nunca chegou a aceitar como sua mesa e sua cadeira giratória de couro legítimo já não eram mais as mesmas. A platéia se divertiu e alguns poucos graduados do escritório se lamentaram de terem o trabalho de nova coleta e preferiram levá-las pessoalmente ao laboratório. Bu, traumatizado, tanta na coluna como no espírito - dizem - passou a fugir de cadeiras giratórias como o diabo ainda foge da cruz.
Edson Pinto
Junho’ 2011

Um comentário:

Blog do Edson Pinto disse...

De: Edson Pinto
Para: Amigos

Caros amigos:

Conforme prometido, dou nesta semana continuidade às histórias de Aureliano. Creia ou não, é verdade, ele existiu! Como contista, apenas dou a minha versão dos fatos que são reais. Tenho à frente mais a contar desse engraçado mineirinho da cidade.

Bom domingo a todos!

Edson Pinto