Pedro parecia exausto. Viera de
um ano muito difícil. A família crescera, as contas saltaram para patamar mais
elevado, a inflação corroia seu escasso salário e tudo o que via e ouvia de
amigos tinha a ver com os temas, desemprego, falhas no atendimento da saúde
pública, corrupção envolvendo governistas e estatais, e essas tantas outras mazelas
que não só tornam mais difícil a vida presente do cidadão comum como parece
roubar-lhe as esperanças de um dia viver em um país socialmente mais justo e
economicamente mais progressista.
Pedro até mesmo se inteirava,
pela TV e pelo que o povo comentava no boca a boca, sobre as descobertas de que
figurões de terno e gravata assaltavam a Petrobrás, recebiam propinas e
mandavam de forma ilícita dinheiro para o exterior, compravam e ocultam
propriedades e coisas do gênero. E o pior: Sempre se declaravam inocentes ou
que nada sabiam... Alguns iam presos, é verdade, mas ao que tudo indicava havia
mais, muito mais de podridão a ser descoberta no País. O clima definitivamente
não combinava com carnaval. Parecia-lhe, em que pesasse seus quase 50 anos de
vida, nunca ter visto nada tão desanimador.
Com um pano de fundo desses, será
que Pedro iria – como fazia há anos – entregar-se incondicionalmente aos
comandos de Momo?
Ele era daqueles foliões que
emendavam da sexta-feira à noite até o raiar da quarta-feira de cinzas, bebendo
com os amigos, fantasiado, ora de mulher, ora de bebe chorão, ora de pierrô,
ora de qualquer coisa que contribuísse para que desligasse, pelo tempo do
carnaval, de sua verdadeira identidade de trabalhador honesto e responsável.
Nunca deixou de pagar impostos, nunca roubara nada de material nem mesmo imaterial
como os sonhos de sua esposa e filhos por uma vida melhor. Acreditava no amanhã.
Era otimista, positivo, brincalhão...
Martinha, sua esposa há quase 20
anos, também gostava de acompanhá-lo naquela pausa anual. Se ele vestia de
mulher, ela ia de homem. Ele de bebe chorão, ela de enfermeira. Ele de pierrô,
obviamente, ela de colombina. Entendiam-se até no carnaval. Por isso, e apesar
disso, não havia outra decisão a tomar, mesmo porque, dominava-lhes a certeza de
que “não há mal que sempre dure”. Um dia esse estado desfavorável das coisas haveria
de passar...
“Vamos pra rua minha nega!” -
ordenou ele a despeito de tudo o que o afligia. E foram. E fizeram o carnaval
de suas vidas. Cantaram as marchinhas de sempre, o “mamãe eu quero mamar”, “o
Pierrô apaixonado”, a “cabeleira do Zezé” e tudo o que a espontaneidade do povo
trazia a mente e jogava no ar.
Há no carnaval, pensou ele, uma forma muito
especial de dizer não ao que nos incomoda e dizer sim ao que gostamos. E
podemos fazer isso de coração aberto, sem que nada nos impeça de ser sinceros.
__ O carnaval, - falou Pedro para Martinha
enquanto extasiado de tanta farra voltavam para casa na quarta-feira de cinzas
- é como deveria ser sempre as nossas vidas: livres de preconceitos, livres para
pensar e falar o que quiséssemos, sem compromissos, sem contas a pagar, sem
doenças, sem, sem, sem...
Foi quando cruzaram por um
derradeiro folião que, como eles, voltava também para casa. A figura, fantasiada
de presidiário cantava, e Pedro e Martinha ainda tiveram fôlego para
acompanhá-lo no refrão:
“Ai meu Deus / Me dei mal / Bateu
a minha porta / O japonês da Federal...”
Afinal, carnaval é também
esperança. Aquele refrão parecia adequado para fazer a ligação entre o fim da
orgia de Momo e a retomada da realidade. Quem sabe – pensaram e questionaram em
uníssono - no ano que vem eles tenham a alegria de encerrar a festa de Momo com
o inocente pierrô apaixonado pela sua colombina de sempre?
Edson Pinto
Fevereiro’2016
Um comentário:
De: Edson Pinto
Para: Amigos
Ufa! Passou o carnaval e agora começamos verdadeiramente o ano de 2016... Tudo o que fizermos até o final de maio será revertido em impostos. Boa parte dos meses seguintes será reservada para pagar os serviços que o governo não retribui pelos impostos pagos e – se formos astutos – poderá ainda nos sobrar algum recurso para fazermos o que arbitrariamente decidirmos.
Como este ano teremos um dia bissexto, nada mais coerente que este escriba, de produção igualmente bissexta, também se faça presente. É o que fiz com o texto SIMPLESMENTE, MAIS UM CARNAVAL aqui publicado.
Edson Pinto
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